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Document 61995CC0015

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 11 de Julho de 1996.
EARL de Kerlast contra Union régionale de coopératives agricoles (Unicopa) e Coopérative du Trieux.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de grande instance de Morlaix - França.
Imposição suplementar sobre o leite - Quantidade de referência - Condições de transferência - Cessão temporária - Associação em participação entre produtores.
Processo C-15/95.

Colectânea de Jurisprudência 1997 I-01961

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:294

61995C0015

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 11 de Julho de 1996. - EARL de Kerlast contra Union régionale de coopératives agricoles (Unicopa) e Coopérative du Trieux. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de grande instance de Morlaix - França. - Imposição suplementar sobre o leite - Quantidade de referência - Condições de transferência - Cessão temporária - Associação em participação entre produtores. - Processo C-15/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-01961


Conclusões do Advogado-Geral


1 No presente processo, o tribunal de grande instance de Morlaix coloca ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação e à validade de determinadas disposições do Regulamento (CEE) n._ 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (1).

2 Estas questões foram suscitadas num litígio em que a empresa agrícola de responsabilidade limitada EARL de Kerlast accionou a Union régionale de coopératives agricoles (a seguir «Unicopa») e a Coopérative du Trieux por causa da imputação de uma quantidade de leite na sua quantidade de referência, que acarretou o pagamento de uma imposição suplementar por haver sido ultrapassada a referida quantidade.

3 A EARL de Kerlast é uma empresa que se dedica principalmente à produção leiteira e que dispõe de uma quantidade de referência individual de 365 045 litros. Por seu lado, P. Kergus, que tem a dupla qualidade de empresário agrícola e de motorista, possui uma exploração leiteira a que foi atribuída uma quantidade de referência individual de 144 245 litros. Segundo a autoridade francesa competente para a aplicação da organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos, P. Kergus não é um produtor SLOM (2). Produtores SLOM são aqueles que não tinham fornecido leite no período de referência considerado para a atribuição das quantidades de referência individuais por terem contraído um compromisso de não comercialização por força do Regulamento (CEE) n._ 1078/77 (3) e a quem foram atribuídas quantidades de referência específicas pelo Regulamento (CEE) n._ 764/89 (4).

4 Por documento privado, assinado em 11 de Setembro de 1992, a EARL de Kerlast e P. Kergus criaram uma «société en participation» (associação em participação), por força da qual a EARL de Kerlast se encarregava da exploração da quantidade de referência de P. Kergus (144 245 litros) e este recebia como contrapartida 20% do produto das vendas de leite realizadas pela associação em participação.

5 De Outubro de 1992 a Setembro de 1993, a Coopérative du Trieux, pertencente à Unicopa, compradora do leite produzido pela EARL de Kerlast, imputou o leite na quantidade de referência desta e na de P. Kergus, em função das indicações dadas por ambas as partes. No entanto, a partir do mês de Outubro de 1993, a cooperativa compradora decidiu atribuir a totalidade do leite adquirido à EARL de Kerlast à quantidade de referência desta. Em consequência disto, a referida empresa ultrapassou a sua quantidade de referência individual e nos meses de Dezembro de 1993 e de Janeiro de 1994 a Coopérative du Trieux deduziu das importâncias pagas à EARL de Kerlast os montantes de 26 022 FF e de 83 134 FF, respectivamente, a título de imposição suplementar.

6 Em 1 de Abril de 1994, a EARL de Kerlast accionou a Coopérative du Trieux e a Unicopa perante o tribunal de grande instance de Morlaix, a fim de obter a anulação da imputação assim efectuada e o pagamento da totalidade da sua produção leiteira. Para a solução deste litígio, o órgão jurisdicional nacional entendeu ser necessário colocar ao Tribunal de Justiça as três questões seguintes:

«1) O artigo 7._ do Regulamento comunitário n._ 857/84 pode ser interpretado no sentido de proibir a constituição pelos produtores de associações em participação (por natureza desprovidas de personalidade jurídica, não oponíveis a terceiros e de natureza oculta) por constituírem locações dissimuladas de quotas, ou as mesmas associações em participação são autorizadas como adaptações estruturais necessárias, na acepção do artigo 1._ do Regulamento n._ 856/84?

2) O artigo 12._, alínea c), do Regulamento n._ 857/84 e o artigo 3._ A do Regulamento n._ 764/89 devem ser interpretados no sentido de exigirem a retoma pessoal efectiva da produção?

3) O artigo 40._, n._ 3, do Tratado da Comunidade Económica Europeia opõe-se a que, nos termos do Regulamento n._ 857/84, de 31 de Março de 1984 (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento n._ 764/89, de 20 de Março de 1989), um Estado-Membro decida proibir as associações em participação e autorizar os groupements agricoles d'exploitation en commun (GAEC) [agrupamentos agrícolas de exploração em comum] leiteiros parciais [circular n._ 4019, de 20 de Novembro de 1989 (DPE/SPM/C 89) e circular n._ 7051, de 14 de Novembro de 1991 (DEPSE/SDSA C 91)]?»

Antes de proceder à análise das questões colocadas, exporei com brevidade as disposições comunitárias aplicáveis ao caso.

A regulamentação aplicável

7 A fim de reduzir o desequilíbrio entre a oferta e a procura de leite e de produtos lácteos, bem como os excedentes estruturais daí resultantes, o Regulamento (CEE) n._ 856/84 (5) modificou a organização comum de mercado do sector mediante a implantação de um regime de imposição suplementar, aplicável a partir de 2 de Abril de 1984. A articulação deste mecanismo de controlo da produção leiteira fez-se da seguinte maneira:

- Determinou-se uma quantidade global para toda a Comunidade, que constituía o limiar de garantia para a produção leiteira.

- Esta quantidade foi distribuída entre os Estados-Membros em função das quantidades de leite entregues no seu território durante o ano civil de 1981, acrescidas de 1%, com excepção da quantidade destinada à reserva comunitária, criada para fazer frente às necessidades específicas de alguns Estados-Membros e de certos produtores.

- Por sua vez, cada Estado-Membro distribuiu a sua quantidade garantida entre os seus produtores, atribuindo-lhes uma quantidade de referência individual, habitualmente denominada «quota leiteira».

- A ultrapassagem da quantidade de referência criava a obrigação, para os produtores, de pagarem uma imposição suplementar, destinada a financiar as despesas ocasionadas pela comercialização destes excedentes. O pagamento da imposição cabia ao produtor (fórmula A) ou ao comprador do leite com direito de repercuti-la sobre o produtor (fórmula B), dependendo da escolha efectuada por cada Estado-Membro. A França optou pela fórmula B.

8 As regras gerais para a aplicação deste regime de imposição suplementar foram estabelecidas pelo Conselho no Regulamento n._ 857/84. Este diploma permitiu que os Estados-Membros escolhessem os anos de 1981, 1982 ou 1983 como período de referência para o cálculo das quotas individuais dos produtores e previu, além disso, a possibilidade de os Estados-Membros criarem reservas nacionais de quantidades de referência para fazer frente às situações especiais de alguns dos seus produtores.

9 Por outro lado, o artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 regulamentou a delicada questão da transferência das quantidades de referência, estabelecendo como princípio básico na matéria o vínculo da quantidade de referência à exploração. Este princípio ficou concretizado na redacção inicial do n._ 1 do artigo 7._, nos termos seguintes:

«Em caso de venda, arrendamento ou transmissão por herança de uma exploração, a quantidade de referência correspondente é transferida total ou parcialmente para o comprador, rendeiro ou herdeiro, segundo modalidades a determinar.»

O segundo parágrafo do n._ 2 deste mesmo preceito permitia que os Estados-Membros previssem que uma parte das quantidades transferidas fosse acrescentada à reserva nacional de quantidades de referência.

10 O artigo 5._ do Regulamento n._ 1371/84 (6) promoveu a aplicação do regime do artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84, determinando que o adquirente receberia todas as quantidades de referência no caso de transmissão da totalidade de uma exploração e que, nas hipóteses de transmissão parcial da exploração, a distribuição das quotas se faria em função das áreas utilizadas para a produção leiteira ou de outros critérios objectivos estabelecidos pelos Estados-Membros. Além disso, eram equiparadas à venda, ao arrendamento ou à transmissão por herança as demais figuras legais aptas para a transferência de quotas, com efeitos jurídicos comparáveis para os produtores.

11 Este sistema de transmissibilidade das quantidades de referência foi evoluindo posteriormente, da mesma maneira que o regime de imposição suplementar no seu conjunto, para se adaptar às condições mutáveis do sector do leite e dos produtos lácteos. Esta evolução ficou marcada pela manutenção do princípio de base do vínculo da quota à exploração no que toca à sua transmissão, bem como pela introdução progressiva de excepções ao referido princípio, tendo em vista favorecer uma certa reestruturação da produção leiteira.

12 A primeira alteração ao regime de transferência das quantidades de referência deu-se por intermédio do Regulamento (CEE) n._ 590/85 (7), que mantém o princípio do vínculo da quota à exploração, mas introduz duas excepções, destinadas a atenuar situações económicas e sociais difíceis. Com efeito, este regulamento permite que os Estados-Membros atribuam as quantidades de referência correspondentes a uma exploração aos rendeiros cessantes que terminem o seu contrato e pretendam continuar a produção leiteira noutra exploração, bem como aos produtores cessantes no caso de transferência de terras para as autoridades públicas e/ou por razões de utilidade pública.

13 O Regulamento (CEE) n._ 2998/87 (8) introduziu uma nova atenuação ao princípio do vínculo da quota à exploração, mediante a autorização de cessões temporárias de quantidades de referência individuais não utilizadas durante uma campanha. Os Estados-Membros podiam limitar as referidas cessões temporárias a certas categorias de produtores e em função das estruturas de produção leiteira nas regiões ou zonas de colheita em questão.

14 O Regulamento (CEE) n._ 1546/88 (9) estabeleceu novas regras de execução do regime da imposição suplementar, revogando o Regulamento n._ 1371/84. O artigo 8._ do Regulamento n._ 1546/88 continua a permitir as cessões temporárias de quotas e o artigo 7._ regula a questão da sua transmissão, mantendo e desenvolvendo o regime anterior. Este preceito determina o seguinte:

«Para aplicação do artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 857/84... as quantidades de referência dos produtores e dos compradores... são transferidas nas condições seguintes:

1. Em caso de venda, arrendamento ou transmissão por herança da totalidade de uma exploração, a quantidade de referência correspondente é transferida ao produtor que retoma a exploração.

2. Em caso de venda, arrendamento ou transmissão por herança de uma ou mais partes de uma exploração, a quantidade de referência correspondente é repartida entre os produtores que retomam a exploração em função das áreas utilizadas para a produção leiteira e de outros critérios objectivos estabelecidos pelos Estados-Membros...

3. O disposto nos n.os 1 e 2 e no quarto parágrafo é aplicável, de acordo com as diferentes regulamentações nacionais, por analogia aos outros casos de transferência com efeitos jurídicos comparáveis relativamente aos produtores.

4. Quando se aplicam as disposições do segundo parágrafo do n._ 1, e do n._ 4, do artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 857/84, relativas, respectivamente, à transferência de terras para as autoridades públicas e/ou por motivos de utilidade pública, por um lado, e aos casos de arrendamentos rurais que caduquem sem possibilidade de renovação em condições análogas, por outro, a quantidade de referência total ou parcial correspondente à exploração, ou a parte da exploração, que é objecto, conforme o caso, da transferência ou do arrendamento não renovado, é posta à disposição do produtor em questão, se este tencionar continuar a produção leiteira, desde que a soma da quantidade de referência assim posta à sua disposição com a quantidade correspondente à exploração que ele retoma, ou na qual prossegue a sua exploração, não seja superior à quantidade de referência de que dispunha antes da transferência ou do termo do arrendamento.

...».

15 As cessões temporárias de quotas continuaram a ser efectuadas por força dos Regulamentos (CEE) n.os 3879/89 e 1630/91 (10). Além disso, o princípio do vínculo da quota à exploração conheceu uma nova excepção na sequência da unificação alemã, já que o Regulamento (CEE) n._ 3577/90 (11) permitiu que a Alemanha autorizasse uma única atribuição de quantidades de referência sem necessidade de transferência das explorações correspondentes, se bem que por um período de tempo reduzido e dentro dos limites de um programa-quadro.

16 O regime da imposição suplementar foi objecto de uma simplificação e de uma clarificação com a aprovação do Regulamento (CEE) n._ 3950/92 (12), que codificou, de certo modo, as disposições anteriores e prorrogou a aplicação do regime por um período de sete anos a partir de 1 de Abril de 1993. O Regulamento n._ 3950/92 revoga o Regulamento n._ 857/84 e é por isso que estabelece novas disposições sobre o sistema de transmissão das quantidades de referência. Como se diz na exposição de fundamentos do Regulamento n._ 3950/92, a mobilidade das quotas continua a ser regida pelo princípio do vínculo da quantidade de referência à exploração, mas indica-se que, «a fim de prosseguir a reestruturação da produção leiteira e de melhorar o ambiente, é conveniente alargar certas derrogações ao princípio do vínculo da quantidade de referência à exploração e autorizar os Estados-Membros a manterem a possibilidade de aplicar programas de reestruturação nacionais e a organizarem uma certa mobilidade das quantidades de referência dentro de um determinado quadro geográfico e com base em critérios objectivos».

17 Estas orientações concretizam-se nos artigos 6._, 7._ e 8._ do Regulamento n._ 3950/92. O artigo 6._ permite que os Estados-Membros autorizem, se o julgarem conveniente, cessões temporárias de quotas e que estabeleçam as condições para a sua realização. O n._ 1 do artigo 7._ formula o princípio do vínculo da quota à exploração nos termos seguintes:

«A quantidade de referência disponível numa exploração é transferida com a exploração em caso de venda, arrendamento ou transmissão por herança aos produtores que a retomem, segundo regras a determinar pelos Estados-Membros tendo em conta as superfícies utilizadas para a produção leiteira ou outros critérios objectivos e, eventualmente, qualquer acordo entre as partes. A parte da quantidade de referência que eventualmente não seja transferida com a exploração será acrescentada à reserva nacional.

São aplicáveis as mesmas disposições nos outros casos de transferência que comportem efeitos jurídicos equiparáveis para os produtores.

...»

18 O mesmo n._ 1 do artigo 7._ prevê uma excepção a esta regra geral em caso de transferência de terras para autoridades públicas e/ou por motivos de utilidade pública e o n._ 2 permite uma excepção em hipóteses de celebração de arrendamentos rurais. Além destes casos de derrogações à aplicação do princípio do vínculo da quota à exploração já admitidos na regulamentação anterior, o artigo 8._ do Regulamento n._ 3950/92 admite, para conseguir a reestruturação da produção leiteira e melhorar o ambiente, três excepções adicionais ao princípio de base por que se rege a transmissão das quotas. Os Estados-Membros que decidam aplicá-las poderão:

«...

- prever, no caso de uma transferência de terras destinada a melhorar o ambiente, que a quantidade de referência disponível na exploração em causa seja posta à disposição do produtor que sai, se este pretender continuar na produção leiteira,

- determinar, com base em critérios objectivos, as categorias de produtores, as regiões e as zonas de recolha no interior das quais são autorizadas, para efeitos do melhoramento da estrutura de produção leiteira, as transferências de quantidades de referência entre produtores de determinadas categorias sem a correspondente transferência de terras,

- autorizar, mediante pedido do produtor à autoridade competente ou ao organismo por ela designado, a transferência de quantidades de referência sem transferência de terras correspondente, com o objectivo de melhorar a estrutura da produção leiteira a nível da exploração ou de contribuir para a extensificação da produção, ou vice-versa».

19 A transferência de quantidades de referência tem sempre que se realizar entre produtores e tem que estar relacionada com uma exploração leiteira. Por isso, o artigo 12._ do Regulamento n._ 857/84 e o artigo 9._ do Regulamento n._ 3950/92 (13) definem em termos idênticos ambos os conceitos. Assim, entende-se por produtor «o empresário agrícola, pessoa singular ou colectiva ou agrupamento de pessoas singulares ou colectivas, cuja exploração se situa no território geográfico de um Estado-Membro e:

- que vende leite ou outros produtos lácteos directamente ao consumidor;

- e/ou os entrega ao comprador».

A exploração é definida como «o conjunto das unidades de produção geridas pelo produtor e situadas no território geográfico de um Estado-Membro».

20 Relativamente ao regime de transmissão das quantidades de referência, o artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 e as normas que o completaram e, mais ainda, os artigos 6._, 7._ e 8._ do Regulamento n._ 3950/92 concederam uma margem relativamente ampla de actuação aos Estados-Membros para aplicarem, em maior ou menor medida, as excepções ao princípio do vínculo da quota à exploração. As medidas nacionais adoptadas pela França para a aplicação do regime da imposição suplementar foram o Decreto n._ 84-661, de 17 de Julho de 1984 (14), revogado pelo Decreto n._ 91-157, de 11 de Fevereiro de 1991 (15) e, em especial, no que diz respeito ao presente processo, o Decreto n._ 87-608, de 31 de Julho de 1987, relativo à transferência de quantidades de referência (16).

21 Os aspectos mais significativos da regulamentação francesa relativa à transmissão das quotas leiteiras são os seguintes:

- A aplicação do regime da imposição suplementar é realizada pelo Office national interprofessionnel du lait et des produits laitiers (Onilait).

- As transmissões de quotas carecem de uma autorização administrativa do prefeito do departamento onde se localiza a exploração.

- Sempre que se produza, por venda, arrendamento, doação ou transmissão por herança, uma união de explorações leiteiras que acarrete uma reunião de quantidades de referência, subtrai-se uma percentagem das quotas da exploração transferida para alimentar a reserva nacional de quantidades de referência, sempre que a quota global ultrapasse o limiar de 200 000 litros. A percentagem retida pela reserva nacional é de 50% da quantidade de referência transferida quando a quota do cessionário anterior à reunião ultrapassar 200 000 litros, e de 50% da quantidade que exceda o limiar de 200 000 litros se a quantidade de referência do cessionário antes da transferência for inferior ao referido limiar.

- Nas hipóteses de desmembramento de uma exploração leiteira em uma ou várias partes, por venda, arrendamento, doação ou transmissão por herança, aplicam-se os mesmos critérios que no caso de reunião de explorações quanto à transferência das quantidades de referência e às percentagens que se subtraem para alimentar a reserva nacional. No entanto, quando a parte da exploração transferida for inferior a 20 ha, a parte correspondente das quantidades de referência passa automaticamente para a reserva nacional.

- Quando o adquirente de uma exploração não continuar com a actividade de produção leiteira, as quantidades de referência atribuídas à exploração são absorvidas pela reserva nacional.

- Não são permitidas cessões temporárias ou o leasing de quotas.

22 Como se pode verificar, o Estado francês, no âmbito da margem de manobra que a regulamentação comunitária lhe permitia, restringiu ao máximo a mobilidade «privada» das quotas e favoreceu um sistema de redistribuição de quotas controlado pela administração, por intermédio da reserva nacional de quantidades de referência.

23 Como os factos que deram origem ao litígio na causa principal, em cujo âmbito foram colocadas as questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, ocorreram nas campanhas de 1992/1993 e de 1993/1994, a regulamentação comunitária sobre a transferência de quotas que se deve tomar em consideração é constituída tanto pelo artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 e pelas normas que o alteraram como pelo novo regime estabelecido nos artigos 6._, 7._ e 8._ do Regulamento n._ 3950/92 que, aliás, são bastante semelhantes.

A primeira questão prejudicial

24 Com a primeira questão prejudicial, o tribunal de grande instance de Morlaix pede ao Tribunal de Justiça que determine se a constituição, pelos produtores de leite, de associações em participação constitui uma locação dissimulada de quotas, incompatível com a regulamentação comunitária, ou se, pelo contrário, se deve considerar como uma adaptação estrutural da produção leiteira, na acepção do artigo 1._ do Regulamento n._ 856/84.

25 A associação em participação é configurada no direito francês, segundo indica o juiz nacional, como uma forma associativa desprovida, por natureza, de personalidade jurídica, não oponível a terceiros e de natureza oculta. Com efeito, após a Lei n._ 78-9, de 4 de Janeiro de 1978, a associação em participação está regulada nos artigos 1871._ e 1872._-2 do código civil francês, que a concebem como um contrato de sociedade com importantes particularidades (17).

A principal característica da associação em participação reside no facto de não ter personalidade jurídica, como consequência da sua não inscrição no registo comercial, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 1871._, e isso independentemente do seu possível carácter oculto, que não é imprescindível que se verifique, embora ocorra na maioria dos casos. As consequências que resultam da falta de personalidade jurídica deste tipo de sociedades são, entre outras, as seguintes: ausência de firma comercial e de sede social, ilegitimidade para agir em juízo, inexistência de património social e de obrigações sociais. Não existindo um património próprio da associação em participação, os sócios continuam a ser proprietários das entradas que realizam para a sociedade, salvo estipulação de indivisão ou de gestão por parte de um dos sócios, normalmente o gerente, dos bens trazidos para a sociedade nas relações com terceiros.

26 A utilização de uma figura contratual como a das «sociétés en participation» no sector leiteiro suscita dificuldades, tendo em conta a existência de um importante intervencionismo estatal. O recurso à associação em participação é interessante para os produtores, porque não implica a transmissão da exploração à sociedade e, por conseguinte, não pressupõe a transferência das quantidades de referência que lhe estão ligadas, sujeita à obrigação de reversão de uma percentagem destas à reserva nacional. A primeira questão prejudicial colocada pelo juiz nacional exige uma análise da compatibilidade do recurso às associações em participação com a regulamentação comunitária em matéria de transferência de quotas leiteiras.

27 Como já indiquei anteriormente, a transmissão das quantidades de referência rege-se pelo princípio do vínculo da quota à exploração, que está consagrado no artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 e nas normas que o alteraram e completaram, e que foi mantido no artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/92. Estes preceitos condicionam a transferência das quotas à transmissão da exploração leiteira por venda, arrendamento ou herança. Esta enumeração não é exaustiva e admite-se a transferência de quotas nas hipóteses de utilização pelos produtores de mecanismos jurídicos de transmissão da titularidade da exploração que comportem efeitos jurídicos equiparáveis aos anteriores, como é o caso da doação, prevista no Decreto n._ 87-608.

28 A transmissão de quantidades de referência por intermédio de um destes processos, expressamente admitidos, requer, por força da regulamentação francesa, uma autorização administrativa do prefeito do departamento onde se situa a exploração. Além disso, das transferências de quotas subtrai-se normalmente uma percentagem das quantidades de referência que se destina a aumentar a reserva nacional, que é utilizada pelo Estado francês para redistribuir quotas entre os produtores, com o objectivo de reestruturar e de melhorar a produção leiteira. Por outro lado, as quantidades de referência atribuídas a uma exploração cujo titular abandona o exercício da actividade de produção leiteira revertem automaticamente para a reserva nacional.

29 A enumeração de formas de transmissão da titularidade das explorações, tal como consta das disposições comunitárias e das regras francesas, não é exaustiva e as referidas disposições não impõem, como salientou o Governo francês, qualquer obrigação em relação à forma jurídica das explorações agrícolas. É por isso que nem a regulamentação comunitária nem as regras francesas relativas às quotas leiteiras impedem, em princípio, a constituição de associações em participação para a gestão de explorações leiteiras, já que se trata de uma figura jurídica admitida pelo direito francês, que a regula nos artigos 1871._ e 1872._-2 do código civil. No entanto, a utilização da associação em participação tem que respeitar as exigências impostas pelas normas comunitárias e pelas regras francesas em matéria de transmissão de quantidades de referência e não pode servir para contornar a norma básica do vínculo da quota à exploração, a menos que encontre acolhimento em alguma das excepções admitidas a seu respeito.

30 Neste sentido, começarei por salientar que a constituição de uma associação em participação não implica a transmissão das explorações leiteiras dos sócios a favor da sociedade, visto que esta não tem personalidade jurídica e não dispõe, portanto, de património social. Por conseguinte, entendo que as quotas dos sócios não podem, em princípio, transferir-se para a associação em participação, porque isso seria contrário ao princípio do vínculo da quota à exploração, que está consagrado na regulamentação comunitária como critério determinante em matéria de transferência de quotas leiteiras. Com efeito, uma sociedade deste tipo constitui uma «montagem» para contornar o referido princípio sempre que um dos sócios produza as quantidades de referência dos outros, porque se provoca um leasing dissimulado de quotas. Como salienta o Governo francês, a constituição deste tipo de sociedades permite ao produtor que cede encapotadamente a sua quota a manutenção nominal desta e a obtenção de uma vantagem económica, enquanto o sócio gerente da sociedade pode reunir de facto as quantidades de referência sem adquirir as terras correspondentes e sem sofrer a subtracção de uma percentagem das quotas a favor da reserva nacional.

31 A importância do princípio do vínculo da quota à exploração foi confirmada pelo Tribunal de Justiça que, no acórdão Herbrink (18), reformulando a sua anterior jurisprudência (19), afirmou que «o regime das quantidades de referência é caracterizado pelo princípio consagrado no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 857/84 do Conselho e no artigo 5._ do Regulamento (CEE) n._ 1371/84 da Comissão... entretanto substituído pelo artigo 7._ do Regulamento n._ 1546/88 da Comissão, segundo o qual a quantidade de referência é transferida com as terras que justificaram a sua atribuição».

Como salientou a Comissão nas suas observações, o vínculo da quota à terra exprime a vontade do legislador comunitário de excluir a negociabilidade entre os particulares das quantidades de referência, com o objectivo de impedir que se produza, em benefício de determinados produtores, uma concentração de quotas que favoreça as explorações intensivas. Na minha opinião, esta opção legislativa pretendia evitar uma concentração da produção e favorecer a ocupação de terras para a sua exploração leiteira. Ao impor no sector leiteiro o contingentamento total da produção através do sistema de quotas, a única forma de conseguir ambos os objectivos era a proibição da mobilidade «privada» das quotas e a organização de um mecanismo de transferência ou de mobilidade de natureza «pública» que, em França, se concretiza na fiscalização de todas as transferências de quotas por parte do Onilait e na redistribuição das quotas entre os produtores através da reserva nacional.

Na prática, a aplicação deste sistema de fiscalização administrativa da produção e da transferência das quantidades de referência ocasionou importantes problemas, porque os produtores desejam a todo o custo obter mais quantidades de referência para as vincularem à sua produção, sem adquirirem simultaneamente as terras correspondentes. É por isso que se criou um certo «mercado negro» de quotas, através do recurso a diversos mecanismos jurídicos, especialmente a figuras societárias, com que os produtores pretendem beneficiar de mais quantidades de referência sem aumentar os terrenos das suas explorações (20). Este tipo de práticas pretende contornar a aplicação do princípio do vínculo da quota à terra e um exemplo de luta contra elas é constituído pela circular do Ministério da Agricultura francês n._ 7051, de 14 de Novembro de 1991, a que o juiz nacional alude no presente processo.

32 Dado que a constituição de associações em participação destinadas a encobrir cessões de quotas leiteiras é contrária ao princípio do vínculo da quota à exploração, é necessário pôr a questão de saber se esta figura societária tem cabimento em alguma das excepções ao referido princípio, que foram sendo admitidas progressivamente pela regulamentação comunitária. Estas excepções têm o seu fundamento na necessidade de enfrentar situações económicas e sociais difíceis e nas exigências de adaptação estrutural da produção leiteira. O artigo 1._ do Regulamento n._ 856/84 visa, como objectivos gerais do regime de imposição suplementar, o controlo do crescimento da produção leiteira e a necessidade da sua evolução e da sua adaptação estrutural, mas as excepções que se inspiram neste segundo objectivo foram estabelecidas, principalmente, na versão alterada do artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84, completado pelo artigo 7._ do Regulamento n._ 1546/88 e pelo artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/92.

33 Em meu entender, as associações em participação, criadas com o objectivo de permitir que um sócio explore as quantidades de referência de outro ou de outros, constituem um caso de cessão dissimulada de quotas, que não tem justificação em nenhuma das excepções admitidas pela regulamentação comunitária, que permitem a transferência de quantidades de referência à margem da transmissão da exploração.

34 Com efeito, o artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 e as disposições complementares permitiam quatro excepções, a saber: as cessões temporárias de quotas, os rendeiros cessantes que continuam a sua produção leiteira, os produtores cessantes no caso de transferência de terras para as autoridades públicas e/ou por razões de utilidade pública e as transferências de quotas no território da antiga República Democrática Alemã. A constituição de uma associação em participação, que implique uma cessão de quotas, só pode caber na hipótese das cessões temporárias de quantidades de referência. Ora, a regulamentação comunitária oferecia aos Estados-Membros a possibilidade de admitirem ou não estas operações de leasing de quotas leiteiras e a França não as autorizou na sua regulamentação interna. Além disso, as regras comunitárias admitiam as cessões de quotas com condições muito restritivas: carácter parcial da cessão, limitação da cessão a um período de doze meses e capacidade do cedente para assumir a produção da totalidade das suas quotas no ano seguinte.

35 O artigo 8._ do Regulamento n._ 3950/92 mantém as excepções anteriores ao princípio do vínculo da quota à exploração e permite que os Estados-Membros autorizem as três seguintes: produtores cessantes cujas terras se transfiram para melhorar o ambiente, determinação de regiões e de zonas em que o princípio se não aplica a determinadas categorias de produtores e derrogações ao princípio através de autorização administrativa solicitada pelo produtor. Em princípio, uma associação em participação destinada a encobrir uma cessão de quantidades de referência também não encontra justificação em nenhuma destas excepções.

36 Finalmente, quero salientar que a incompatibilidade das associações em participação, destinadas a dissimular cessões de quotas, com a regulamentação comunitária relativa à transferência de quantidades de referência está em perfeita sintonia com a jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria, que liga a fruição da quantidade de referência à produção directa e efectiva de leite e impede a comercialização da quota.

Nos acórdãos Von Deetzen II e Bostock (21), o Tribunal de Justiça afirmou claramente que «o direito de propriedade assim garantido no ordenamento jurídico comunitário não comporta o direito à comercialização de um benefício, como as quantidades de referência atribuídas no âmbito de uma organização comum de mercado, que não provenha nem de bens próprios nem da actividade profissional do interessado». Por isso, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Von Deetzen II, que o regresso à reserva comunitária, em caso de transferência, das quantidades de referência específicas atribuídas aos produtores SLOM pelo Regulamento n._ 764/89 se justificava pela necessidade de impedir que estes produtores solicitassem a atribuição destas quotas específicas não com a finalidade de retomar a comercialização de leite de forma duradoura, mas sim com o escopo de obter com a referida atribuição uma vantagem meramente económica, tirando proveito do valor comercial entretanto adquirido pelas quantidades de referência.

37 As reflexões anteriores levam-me a considerar que a resposta a esta primeira questão prejudicial deve ser a seguinte: a constituição de associações em participação não pressupõe uma adaptação estrutural necessária, para efeitos do artigo 1._ do Regulamento n._ 856/84, e a criação deste tipo de sociedades, na medida em que encubra uma cessão de quantidades de referência, é incompatível com o artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84, na sua redacção alterada, e com o artigo 7._ do Regulamento n._ 1546/88, que o completa, bem como com o artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/92.

A segunda questão prejudicial

38 Com esta questão, o juiz nacional solicita que lhe seja dado um esclarecimento sobre se a alínea c) do artigo 12._ do Regulamento n._ 857/84 e o artigo 3._-A aditado pelo Regulamento n._ 764/89 exigem a retoma pessoal efectiva da produção.

39 A resposta a esta questão só é necessária se os produtores interessados, P. Kergus e a EARL de Kerlast, forem produtores SLOM. Com efeito, o Regulamento n._ 764/89 foi adoptado pelo Conselho após os acórdãos Von Deetzen I e Mulder (22), para conceder quantidades de referência específicas aos produtores SLOM e, por isso, trata-se de uma norma que só diz respeito a este tipo de produtores. Segundo os dados fornecidos pelo Governo francês, P. Kergus, cedente das quantidades de referência controvertidas, não é um produtor SLOM e a EARL de Kerlast tão-pouco parece sê-lo. Por conseguinte, não é necessário, em princípio, dar resposta a esta segunda questão prejudicial para solucionar o litígio principal que está pendente perante o juiz nacional.

A terceira questão prejudicial

40 Com esta última pergunta, o juiz nacional põe em causa a compatibilidade com o n._ 3 do artigo 40._ do Tratado CE da disparidade de tratamento entre as associações em participação e os groupements agricoles d'exploitation en commun (a seguir «GAEC») leiteiros parciais, imposta por um Estado-Membro, quanto à utilização de ambas as figuras societárias nas transferências de quotas leiteiras. Esta diferença de tratamento foi estabelecida por duas circulares do Ministério da Agricultura, destinadas à aplicação da regulamentação comunitária sobre a transferência de quantidades de referência no território francês.

41 O juiz nacional refere-se a duas circulares, uma de 1989 e a outra de 1991. Concretamente, a circular de 1989 ocupa-se exclusivamente da situação dos produtores SLOM e não tem qualquer relevância para a resposta à presente questão prejudicial. Pelo contrário, a circular do Ministério da Agricultura n._ 7051, de 14 de Novembro de 1991, DEPSE/SDSA C 91 (a seguir «circular de 1991»), é relevante para este efeito assim como também o é a circular n._ 7008, de 25 de Março de 1993, DEPSE/SDSA C 93 (a seguir «circular de 1993»), que o juiz nacional não mencionou ao colocar a questão.

42 A circular de 1991 chama a atenção das autoridades nacionais competentes para a ocorrência de práticas jurídicas, qualificadas de «montagens», que estavam a ser levadas a cabo no terreno para contornar a regra comunitária do vínculo da transferência de quotas à transmissão das terras correspondentes. Entre este tipo de práticas fraudulentas, a circular menciona a constituição de sociedades civis, especialmente de sociedades de facto ou de associações em participação, em que os sócios entram com as quotas sem transferirem as terras, a celebração entre dois produtores de contratos simultâneos de parceria pecuária e de prestação de serviços para a ordenha e a locação de quantidades de referência, não permitidos em França. A circular considera que a transferência de quotas entre produtores através de uma sociedade criada sem haver uma entrada com as terras é ilegal, porque se opõe ao princípio do vínculo da quota à terra. A constituição deste tipo de sociedades está viciada de nulidade, porque o seu objecto é ilícito. Finalmente, a circular de 1991 indica os mecanismos jurídicos que devem ser utilizados na luta contra estas práticas fraudulentas. Em relação às associações em participação, indica-se às autoridades departamentais, encarregadas de autorizar as transferências de quotas, que devem recusar a referida autorização, inclusive no caso de os sócios entrarem com as terras, porque este tipo de sociedades não tem existência jurídica, não é oponível a terceiros e os sócios mantêm a titularidade das suas quotas leiteiras respectivas. Por seu lado, as leitarias compradoras devem exigir aos produtores a autorização administrativa da transferência de quotas e, se ela não for apresentada, devem recusar a reunião das quantidades de referência, de modo que as quantidades de leite compradas a cada produtor sejam imputadas na sua quota individual.

43 Além disso, a circular de 1993 propõe aos produtores uma forma societária, o GAEC leiteiro parcial, que pode ser utilizada pelos produtores desejosos de reagrupar de maneira duradoura a sua actividade leiteira, com o objectivo de melhorar as suas produções e as suas condições de trabalho. O GAEC leiteiro parcial permite que os sócios reúnam as suas quotas sem necessidade de entrarem com as terras correspondentes e constitui, por conseguinte, uma excepção à regra do vínculo da quota à terra, que a circular de 1993 admite, mas impondo-lhe o cumprimento de uma série de condições tendentes a evitar que se converta num meio de arrendamento dissimulado ou numa cessão de quantidades de referência.

44 O GAEC é uma sociedade civil formada por agricultores que trabalham em comum em condições comparáveis às que existem numa exploração de tipo familiar. Os GAEC são sociedades sujeitas a uma importante fiscalização por parte dos poderes públicos (necessidade de autorização administrativa para a sua constituição), configuram-se como sociedades profissionais em que o trabalho dos seus sócios é essencial e constituem entidades societárias às quais a administração atribui determinados privilégios (23). Os GAEC podem ser totais, se os associados puserem em comum a totalidade das suas explorações e do seu trabalho, ou parciais, se os sócios só entrarem com uma parte das suas explorações e realizarem conjuntamente alguma das suas actividades agrícolas.

45 O GAEC leiteiro parcial é configurado na circular de 1993 como uma forma associativa através da qual os produtores põem em comum vacas, materiais, edifícios e alimentos para os animais, mantendo, porém, as suas terras e as quotas leiteiras atribuídas a estas. Todavia, o GAEC reúne as quantidades de referência dos seus sócios e pode produzir um volume de leite igual à soma das quotas individuais de todos eles. Só podem fazer parte de um GAEC leiteiro parcial os produtores de leite no activo que disponham de quotas e realizem pessoalmente outro tipo de actividades agrícolas. Os associados participam pessoal e efectivamente no trabalho de produção leiteira do GAEC. Por último, a circular de 1993 especifica claramente o statu das quantidades de referência no âmbito do GAEC parcial.

46 Após ter exposto o diferente tratamento dado pelas circulares ministeriais de 1991 e de 1993 às associações em participação e aos GAEC leiteiros parciais, é mister pôr a questão de saber se o n._ 3 do artigo 40._ do Tratado é aplicável a esta situação.

47 A este respeito, recorde-se que, nos termos do segundo parágrafo do n._ 3 do artigo 40._, a organização comum dos mercados agrícolas, que será criada no âmbito da p.a.c., «deve excluir toda e qualquer discriminação entre produtores ou consumidores da Comunidade». O Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência constante, considerou que «a proibição de discriminação enunciada por esta disposição é apenas a expressão específica do princípio geral da igualdade que faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário... e que exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente...» (24).

48 Esta proibição de discriminação aplica-se às regras comunitárias relativas à organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos e também às normas adoptadas pelos Estados-Membros no âmbito desta organização comum de mercado. Esta solução tem por base a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por força da qual «as exigências que decorrem da protecção dos direitos fundamentais na ordem jurídica comunitária vinculam também os Estados-Membros aquando da implementação das regulamentações comunitárias e... por conseguinte, estes são obrigados a, na medida do possível, aplicá-las respeitando as referidas exigências» (25).

Uma aplicação específica deste critério geral, expressamente admitida, dá-se em relação à aplicação do princípio de não discriminação do n._ 3 do artigo 40._ do Tratado, visto que «decorre... da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 40._, n._ 3, do Tratado CEE se refere a todas as medidas relativas à organização comum dos mercados agrícolas, independentemente da autoridade que as adoptar. Consequentemente, vincula igualmente os Estados-Membros quando estes põem em prática esta organização» (26). Assim, o acórdão Graff aplicou esta disposição às normas sobre o modo de cálculo da quantidade de referência adoptadas pela Alemanha em execução da regulamentação comunitária sobre o regime de imposição suplementar.

49 No caso que ora nos ocupa, a possível violação do princípio de não discriminação indicada pelo juiz nacional reside na diferença de tratamento que as circulares francesas de 1991 e de 1993 estabelecem entre os produtores agrupados em GAEC leiteiros parciais e os que estão reunidos em associações em participação. Com efeito, enquanto se permite a transferência de quotas aos GAEC leiteiros parciais sem entrega das terras correspondentes, as associações em participação são consideradas instrumentos jurídicos inaplicáveis para a reunião de explorações leiteiras, por se entender que constituem uma fonte de possíveis fraudes ao princípio do vínculo da quota à terra.

50 Na minha opinião, as circulares francesas não violam o segundo parágrafo do n._ 3 do artigo 40._ do Tratado CE, porque o tratamento diferenciado dado aos GAEC leiteiros parciais e às associações em participação provém da circunstância de se tratar de situações não comparáveis. Como salienta a Comissão, a admissão de uma fórmula e a proibição da outra correspondem à diferença entre o estatuto jurídico de ambas as fórmulas, que está claramente estabelecido no direito nacional. Sem dúvida, a forma societária do GAEC parcial constitui um instrumento jurídico mais apto para a gestão das explorações leiteiras e das quantidades de referência que lhes são atribuídas do que as associações em participação, em virtude, nomeadamente, das seguintes razões:

- Os GAEC têm personalidade jurídica, enquanto as associações em participação estão desprovidas dela.

- A constituição dos GAEC parciais requer uma autorização administrativa e a sua actuação posterior está sujeita a controlos administrativos frequentes, enquanto as associações em participação costumam ter natureza oculta, que impede o seu conhecimento pela administração e pelos terceiros.

- O GAEC parcial exige que todos os produtores continuem a gerir a actividade leiteira que põem em comum e que desenvolvam o seu trabalho no âmbito do GAEC. Pelo contrário, as associações em participação pressupõem, em geral, o desempenho da actividade leiteira por parte do sócio gerente sem a participação dos demais associados.

51 Além disso, o artigo 8._ do Regulamento n._ 3950/92 introduziu novas excepções ao princípio do vínculo da quota à exploração. Uma delas permite que os Estados-Membros autorizem, mediante solicitação do produtor à autoridade nacional competente, a transferência de quantidades de referência sem transferência de terras correspondente ou vice-versa, com o objectivo de melhorar a estrutura da produção leiteira ou de contribuir para a extensificação da produção. A autorização dos GAEC leiteiros parciais, constante da circular de 1993, tem, em meu entender, a sua justificação nesta excepção.

52 Concluindo, a proibição de discriminação constante do n._ 3 do artigo 40._ do Tratado CE não impede que um Estado-Membro autorize a gestão de explorações leiteiras através de GAEC parciais e proíba a constituição de associações em participação com o mesmo objectivo.

Conclusão

53 No seguimento das considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais colocadas pelo tribunal de grande instance de Morlaix da forma seguinte:

«1) A constituição de associações em participação não pressupõe uma adaptação estrutural necessária, para efeitos do artigo 1._ do Regulamento n._ 856/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos, e a criação deste tipo de sociedades, na medida em que encubra uma cessão de quantidades de referência, é incompatível com o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68 no sector do leite e dos produtos lácteos, na sua redacção alterada, e com o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 1546/88 da Comissão, de 3 de Junho de 1988, que fixa as modalidades de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68, que o completa, bem como com o artigo 7._ do Regulamento (CEE) n._ 3950/92 do Conselho, de 28 de Dezembro de 1992, que estabelece uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos.$

2) O segundo parágrafo do n._ 3 do artigo 40._ do Tratado CE não se opõe a que um Estado-Membro proíba a constituição de associações em participação e autorize a criação de GAEC parciais para a gestão de explorações leiteiras».

(1) - JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64.

(2) - Esta abreviatura significa: Staking van de Levering van melk en zuivelprodukten en Omschakeling van het Melkveebestand (cessação do fornecimento de leite e de produtos lácteos e reconversão de gado bovino).

(3) - Regulamento do Conselho de 17 de Maio de 1977 que institui um regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtos lácteos e de reconversão dos efectivos bovinos de orientação leiteira (JO L 131, p. 1; EE 03 F12 p. 143).

(4) - Regulamento do Conselho de 20 de Março de 1989 que altera o Regulamento (CEE) n._ 857/84 (JO L 84, p. 2).

(5) - Regulamento do Conselho de 31 de Março de 1984 que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61).

(6) - Regulamento da Comissão de 16 de Maio de 1984 que fixa as regras de aplicação do direito nivelador suplementar referido no artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208).

(7) - Regulamento de 26 de Fevereiro de 1985 que altera o Regulamento (CEE) n._ 857/84 (JO L 68, p. 1; EE 03 F33 p. 247).

(8) - Regulamento do Conselho de 5 de Outubro de 1987 que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 (JO L 285, p. 1).

(9) - Regulamento da Comissão de 3 de Junho de 1988 que fixa as regras de execução da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68 (JO L 139, p. 12).

(10) - Regulamento do Conselho de 11 de Dezembro de 1989 que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 (JO L 378, p. 1), e Regulamento do Conselho de 13 de Junho de 1991 que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 (JO L 150, p. 19).

(11) - Regulamento do Conselho de 4 de Dezembro de 1990 relativo às medidas transitórias e às adaptações necessárias no sector da agricultura na sequência da unificação alemã (JO L 353, p. 23).

(12) - Regulamento do Conselho de 28 de Dezembro de 1992 que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 405, p. 1).

(13) - No artigo 9._ do Regulamento n._ 3950/92, a expressão «no território geográfico da Comunidade» foi substituída pela expressão «no território geográfico de um Estado-Membro», por força do Regulamento (CEE) n._ 1560/93 do Conselho, de 14 de Junho de 1993, que altera o Regulamento (CEE) n._ 3950/92 (JO L 154, p. 30).

(14) - JORF de 21 de Julho de 1984, p. 2373.

(15) - JORF de 13 de Fevereiro de 1991, p. 2199.

(16) - JORF de 8 de Agosto de 1987, p. 8727.

(17) - V. Derruppé, J.: «Sociétés en participation», Juris-classeur, Traités des sociétés, vol. 3, fascículos 44-10, 44-20, 44 C e 44 D; Hamel, J., Lagarde G., e Jauffret, A.: Traité de droit commercial, tomo I, vol. 2, Paris, Dalloz, 1980, pp. 196 a 205.

(18) - Acórdão de 27 de Janeiro de 1994 (C-98/91, Colect., p. I-223, n._ 13).

(19) - Acórdãos de 13 de Julho de 1989, Wachauf (5/88, Colect., p. 2609, n._ 15), de 10 de Janeiro de 1992, Kuehn (C-177/90, Colect., p. I-35), e de 19 de Maio de 1993, Twijnstra (C-81/91, Colect., p. I-2455, n._ 25).

(20) - V., a este respeito, Boon-Falleur, A.: «Le point sur les quotas laitiers», Revue de droit rural, n._ 184, Junho/Julho de 1990, p. 297; Lemonier, E.: «Dix ans de quotas laitiers», Revue de droit rural, n._ 226, Outubro de 1994, p. 393, e Petit, Y.: «Organisations communes de marchés», Répertoire Dalloz de droit communautaire, 1995, pp. 14 e 15.

(21) - Acórdãos de 22 de Outubro de 1991 (C-44/89, Colect., p. I-5119, n._ 27), e de 24 de Março de 1994 (C-2/92, Colect., p. I-955, n._ 19).

(22) - Acórdãos de 28 de Abril de 1988 (170/86, Colect., p. 2355, e 120/86, Colect., p. 2321).

(23) - V., a este respeito, Dupeyron, C.: «G.A.E.C. (Groupement agricole d'exploitation en commun)», Juris-classeur, Traités des sociétés, vol. 8, fascículos 179-7-A e 179-7-B.

(24) - Acórdão de 14 de Julho de 1994, Graff (C-351/92, Colect., p. I-3361, n._ 15). V., igualmente, o acórdão de 21 de Fevereiro de 1990, Wuidart e o. (C-267/88 a C-285/88, Colect., p. I-435), e os acórdãos Kuehn e Herbrink, já referidos.

(25) - Acórdãos Wachauf e Bostock, já referidos, n.os 19 e 16, respectivamente.

(26) - Acórdão Graff, já referido, n._ 18. V., igualmente, o acórdão de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o. (201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n._ 8).

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