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Document 61994TJ0358

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 12 de Dezembro de 1996.
    Compagnie nationale Air France contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílio de Estado - Transportes aéreos - Companhia de transportes aéreos em situação de crise financeira.
    Processo T-358/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1996 II-02109

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1996:194

    61994A0358

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 12 de Dezembro de 1996. - Compagnie nationale Air France contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílio de Estado - Transportes aéreos - Companhia de transportes aéreos em situação de crise financeira. - Processo T-358/94.

    Colectânea da Jurisprudência 1996 página II-02109


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Auxílio concedido através de um organismo público instituído pelo Estado - Critérios de apreciação da pertença ao sector público

    (Tratado CE, artigo 92._, n._ 1)

    2 Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Auxílios provenientes de recursos do Estado - Investimento efectuado por meio de fundos de origem privada e susceptíveis de reembolso, geridos por um estabelecimento público - Inclusão - Condições

    (Tratado CE, artigo 92._, n._ 1)

    3 Auxílios concedidos pelos Estados - Decisão da Comissão que declara uma medida nacional incompatível com o artigo 92._, n._ 1, do Tratado - Apreciação económica complexa - Controlo jurisdicional - Limites

    (Tratado CE, artigo 92._, n._ 1)

    4 Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Contribuições financeiras concedidas por um Estado-Membro a uma empresa - Critério de apreciação - Natureza razoável da operação para um investidor privado avisado - Inexistência no caso de subscrição da quase totalidade dos títulos emitidos por uma empresa com uma situação financeira fortemente degradada não susceptível de recuperação, mesmo a longo prazo

    (Tratado CE, artigo 92._, n._ 1)

    5 Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance - Decisões

    (Tratado CE, artigo 190._)

    Sumário


    6 Qualquer subvenção que ameace o jogo da concorrência proveniente do sector público é abrangida pelo artigo 92._ do Tratado, sem que seja necessário que essa subvenção seja concedida pelo governo ou pela administração central de um Estado-Membro.

    A este respeito, releva do sector público um estabelecimento instituído pela lei de um Estado-Membro enquanto estabelecimento especial colocado sob vigilância e garantia do poder legislativo, cujas funções se regem por disposições legislativas e regulamentares, e cujo director-geral e restantes dirigentes são nomeados, respectivamente, pelo chefe de Estado e pelo governo do mesmo Estado-Membro, sem que essa natureza pública possa ser posta em causa por elementos da organização interna do sector público, como a existência de regras que asseguram a independência do referido estabelecimento relativamente a outras instâncias públicas.

    Efectivamente, por um lado, o poder legislativo ao qual o mesmo estabelecimento está ligado é um dos poderes constitucionais do Estado e, por outro, o direito comunitário não pode admitir que o simples facto de criar instituições autónomas encarregadas da distribuição dos auxílios permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado.

    7 Para ser considerado auxílio estatal, o investimento deve traduzir-se num benefício concedido, directa ou indirectamente, através de recursos do Estado, o que pressupõe que os recursos graças aos quais o auxílio é concedido provêm do Estado-Membro em causa. A este respeito, o artigo 92._, n._ 1, do Tratado abrange todos os meios financeiros que o sector público pode efectivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que pertençam ou não de modo permanente ao património do referido sector.

    Pode, assim, ser qualificado como intervenção estatal um investimento efectuado por um estabelecimento pertencente ao sector público por meio de fundos de origem privada e de natureza reembolsável, se as entradas e saídas de fundos produzem um saldo constante que o estabelecimento em causa pode utilizar, sob sua responsabilidade, como se os fundos correspondentes a esse saldo estivessem definitivamente ao seu dispor.

    8 O controlo jurisdicional de um acto que envolve uma apreciação económica complexa, pelo qual a Comissão declara uma medida nacional incompatível com o artigo 92._, n._ 1, do Tratado, deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da ausência de desvio de poder.

    9 Os capitais postos, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado.

    Pelo contrário, constitui um auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, o comportamento de um Estado que, por intermédio de uma sociedade anónima, filial a 100% de um estabelecimento público do mesmo Estado, efectua um investimento de grande envergadura que consiste na subscrição da quase totalidade dos títulos emitidos por uma empresa em grave situação financeira a fim de proceder à respectiva reestruturação, apesar de a reestruturação prevista não permitir manifestamente recuperar, mesmo a longo prazo, a situação difícil da empresa em causa, caracterizada por um volume esmagador de dívidas e por pesadas perdas. Nessas condições, um hipotético investidor privado não seria incentivado, pela existência de sinais e perspectivas de melhoria que se mostram insignificantes em relação à referida situação, a efectuar a entrada de capital em causa, dado que não existiriam quaisquer perspectivas de reembolso dos capitais investidos por parte da empresa.

    10 A obrigação que incumbe às instituições comunitárias por força do artigo 190._ do Tratado de fundamentarem as respectivas decisões tem em vista permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e fornecer ao interessado as justificações da medida adoptada, a fim de poder defender os seus direitos e de verificar se a decisão é ou não bem fundada.

    Partes


    No processo T-358/94,

    Compagnie nationale Air France, sociedade de direito francês, com sede em Paris, representada por Dominique Borde e André Moquet, advogados nos foros de Paris e Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Guy Harles, 8-10, rue Mathias Hardt,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ben Smulders, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Ami Barav, advogado no foro de Paris, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão 94/662/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (JO L 258, p. 26),

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

    (Segunda Secção Alargada),

    composto por: H. Kirschner, presidente, B. Vesterdorf, C. W. Bellamy, A. Kalogeropoulos e A. Potocki, juízes,

    secretário: J. Palacio González, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 26 de Junho de 1996,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Matéria de facto na origem do litígio

    1 Desde 1990, uma crise económica atingiu o sector comunitário dos transportes aéreos. Por esse motivo, a Compagnie nationale Air France (a seguir «Air France» ou «recorrente»), sociedade anónima cujo capital pertence ao Estado francês na proporção de 99,329%, conheceu também graves dificuldades económicas e financeiras.

    2 Durante os anos de 1991 e 1992, a Comissão analisou pela primeira vez a situação económica e financeira da Air France. Neste contexto, na sequência de notificações efectuadas pelas autoridades francesas, a Comissão, por decisões de 20 de Novembro de 1991 e 15 de Julho de 1992, autorizou injecções de capital no total de 5,84 mil milhões de FF. A Comissão considerou que as perspectivas de rentabilidade a longo prazo do investimento tinham maior peso que as dificuldades a curto prazo decorrentes da estrutura financeira do grupo Air France. Ao assim proceder, a Comissão teve também em conta o facto de o grupo Air France ser objecto de reestruturação no âmbito de um «contrato-plano» (CAP'93), aprovado em 1 de Agosto de 1991 pelas autoridades francesas, que estabeleceu vários objectivos económicos a alcançar durante o período de 1991-1993. Tendo em conta estes elementos, a Comissão entendeu que as operações financeiras em causa não constituíam auxílios de Estado na acepção do artigo 92._ do Tratado CEE.

    3 Para solucionar as suas dificuldades financeiras, a Air France, em Outubro de 1992, elaborou um outro plano de reestruturação designado «programa de regresso ao equilíbrio» (PRE 1), que tinha em vista, essencialmente, a redução dos custos de exploração e deveria levar a uma melhoria estrutural da sua capacidade de autofinanciamento a partir de 1994.

    4 Em Novembro de 1992, a Air France dirigiu-se à Caisse des Dépôts et consignations-participations (a seguir «CDC-P») a fim de obter a assistência desta no âmbito de determinadas operações de financiamento. A CDC-P, sociedade anónima de direito francês que detém 0,538% do capital da Air France, é 100% filial da Caisse des dépôts et consignations (a seguir «Caisse»), entidade pública especial criada por lei.

    5 Em meados de Dezembro de 1992, a CDC-P comunicou que estava em condições de assegurar a execução das operações projectadas. Dado que os detalhes destas operações foram determinados no início de 1993 pela CDC-P e pela Air France, o conselho de administração desta última, em reunião de 17 de Fevereiro de 1993, adoptou as respectivas modalidades.

    6 Consequentemente, a assembleia geral extraordinária dos accionistas da Air France, em reunião de 24 de Março de 1993, decidiu proceder à emissão, no montante total de 1,5 mil milhões de FF, de:

    - obrigações amortizáveis em acções (ORA) no valor de cerca de 750 milhões de FF;

    - títulos subordinados com juro progressivo acompanhados de warrants (TSIP-BSA) igualmente no valor de 750 milhões de FF.

    7 A quase totalidade destes títulos, emitidos pela Air France em Abril de 1993, foi subscrita pela CDC-P (99,7% das ORA e 99,9% dos TSIP-BSA), tendo o Estado francês, principal accionista da Air France, optado pela desistência. Alguns investidores estrangeiros privados foram admitidos à subscrição na proporção da respectiva participação no capital da Air France, ou seja, 0,132% na época, o que corresponde a um valor em títulos de cerca de 2 milhões de FF.

    8 Os títulos emitidos são nominativos e não são cotados na Bolsa.

    9 Apresentam as características que se seguem.

    10 Até 1 de Janeiro de 2000, as ORA serão remuneradas com base num juro fixo (4%) e num juro variável que depende dos resultados da Air France, sendo o juro actuarial global médio calculado de 6,5% por ano. Cada ORA será obrigatoriamente reembolsada através da conversão numa acção, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2000, tendo os respectivos titulares o direito de solicitar o reembolso em qualquer momento antes daquela data. A taxa interna de rendibilidade do investimento, calculada pela CDC-P tendo em conta os juros e a mais-valia calculada das acções, é de 14%.

    11 Os TSIP têm duração indeterminada. O seu reembolso está previsto no caso de liquidação ou dissolução da Air France, e só terá lugar após o pagamento de todos os créditos, privilegiados ou não, mas antes das ORA. A Air France tem, porém, o direito de reembolsar os TSIP antecipadamente a partir de 1 de Janeiro de 2000. Até 1 de Janeiro de 2000, os TSIP vencem juros a taxas fixas e progressivas (de 5,5% a 8,5%), sendo o juro actuarial médio de 7%. A partir daquela data, o juro torna-se variável e será acrescido de uma taxa progressiva. A Air France pode suspender o pagamento dos juros no caso de o grupo registar perdas consolidadas superiores a 30% dos seus fundos próprios. A cada TSIP emitido está ligado um BSA, independente daquele e que - tal como as ORA e os TSIP - é susceptível de cessão ou transmissão. O titular pode converter o BSA em acções a qualquer momento até 1 de Janeiro de 2000. Os BSA não convertidos até àquela data caducarão. A taxa interna de rendibilidade do investimento no período de 1993 a 1999, calculada pela CDC-P, é de 11,5%.

    12 Tendo tido conhecimento, designadamente através da imprensa, de que o Governo francês pretendia efectuar uma entrada de capital na Air France, a Comissão, em 1 de Março de 1993, enviou uma carta às autoridades francesas convidando-as a fornecer-lhe informações relativamente às medidas projectadas para cobrir o défice do grupo Air France. Por nota de 22 de Abril de 1993, o Governo francês respondeu esclarecendo que as duas emissões de títulos acima referidas tinham sido garantidas pela CDC-P. Na sequência de uma reunião de informação, em Maio de 1993, em que participaram funcionários da Comissão, representantes do Governo francês e da Air France, a subscrição dos títulos pela CDC-P foi registada em 19 de Julho de 1993 como auxílio não notificado à Comissão. Por carta de 7 de Dezembro de 1993, a Comissão deu conhecimento ao Governo francês de que, em 10 de Novembro de 1993, decidira dar início ao procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado.

    13 Por carta de 7 de Janeiro de 1994, as autoridades francesas tomaram a seguinte posição:

    - a intervenção financeira em causa não foi notificada à Comissão por não ser considerada como auxílio de Estado;

    - a Caisse e a CDC-P são autónomas relativamente ao Governo francês;

    - a CDC-P decidiu investir na Air France numa altura em que a situação da Air France era comparável à dos seus concorrentes e em que as perspectivas eram geralmente optimistas; a CDC-P actuou, portanto, como um investidor avisado;

    - o carácter atractivo das condições de subscrição é confirmado pela participação na operação de investidores privados estrangeiros cujos pedidos de subscrição nem sequer puderam ser satisfeitos na totalidade, senão teria ocorrido uma privatização parcial da Air France;

    - o investimento teve como único objectivo contribuir para a reestruturação da Air France e está relacionado com o plano de reestruturação de Outubro de 1992 (PRE 1).

    14 Durante 1993, a Air France emitiu três outros tipos de títulos, ou seja, um empréstimo obrigacionista de 1,5 mil milhão de FF à taxa de juro de 8,25% em Fevereiro, um empréstimo obrigacionista de 1,5 mil milhão de FF em Junho, e um empréstimo de 300 milhões de FF em Outubro, que, aparentemente, foram todos colocados no sector privado.

    15 Relativamente às ORA e aos TSIP-BSA, a Comissão, em 27 de Julho de 1994, adoptou a Decisão 94/662/CE relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (JO L 258, p. 26, a seguir «decisão impugnada» ou «decisão»).

    16 Nessa decisão, a Comissão declara desde logo que, apesar do plano de reestruturação CAP'93 e das injecções financeiras de cerca de 6 mil milhões de FF em 1991 e 1992, a situação da Air France continuou a agravar-se, tendo em 1992 registado, pela terceira vez consecutiva, um resultado líquido negativo, desta vez, de longe, o mais importante (menos 3,2 mil milhões de FF), encontrando-se em situação pior do que a das outras grandes companhias europeias.

    17 Salienta a seguir que a Caisse é uma entidade pública francesa cujos directores são nomeados pelo Governo francês. A CDC-P, que é 100% sua filial, não é autónoma relativamente à Caisse, a qual, por sua vez, é controlada pelos poderes públicos franceses. As injecções financeiras são, assim, um acto imputável ao Governo francês. O investimento em litígio da Caisse e da CDC-P foi, por isso, efectuado sob tutela do Estado.

    18 A Comissão analisou em especial a questão de saber se a operação financeira em causa teve lugar em condições aceitáveis para um investidor privado que actuasse em condições normais de uma economia de mercado. Considerou que isso sucede quando um número significativo de accionistas minoritários privados participam numa operação proporcionalmente ao número das respectivas acções. Porém, a parte detida pelos investidores privados deve, em seu entender, ter um significado económico real. Ora, no caso presente, a participação de accionistas privados da Air France representa apenas 0,132% do seu capital, e a parte dos títulos que subscreveram é insignificante. Por outro lado, a Comissão não atribui qualquer significado decisivo ao facto de os pedidos dos investidores privados estrangeiros não terem podido ser inteiramente satisfeitos. Efectivamente, os títulos que estes investidores privados pretendiam subscrever representavam apenas uma pequena percentagem (3,3%) do total.

    19 No que respeita à data em que o auxílio foi concedido, a Comissão fixou-a no momento da subscrição das obrigações, ou seja, em Abril de 1993, uma vez que a CDC-P não era legalmente obrigada a subscrever a emissão até esse momento. Em todo o caso, não poderia ser anterior a 17 de Fevereiro de 1993, data em que o conselho de administração da Air France determinou as modalidades de investimento e propôs a emissão dos títulos. No momento em que a decisão de investimento foi adoptada (ou seja, no mínimo, em 17 de Fevereiro de 1993), a CDC-P tinha que ter conhecimento da acentuada degradação da estrutura financeira da Air France. Foi certamente informada do aumento dos prejuízos da sociedade em 1992 (3,2 mil milhões de FF em 1992, depois de 685 milhões de FF em 1991 e de 717 milhões de FF em 1990), e teria de estar seriamente preocupada com a natureza crítica do endividamento da sociedade.

    20 Neste contexto, a Comissão analisou as características dos títulos emitidos a fim de verificar a respectiva conformidade com as condições do mercado. Qualificou as ORA como «aumento diferido de capital», acrescentando que idênticas considerações são válidas relativamente aos TSIP-BSA. Depois de declarar que o inconveniente dos TSIP-BSA reside nas deficientes condições de reembolso em caso de dissolução da empresa, razão para que «... não sejam muito comuns nos mercados de capital», a Comissão salienta que o rendimento tanto das ORA como dos TSIP-BSA depende em grande medida dos resultados da Air France. Por outro lado, salienta que o cálculo, pela CDC-P, das taxas internas de rendibilidade dos títulos foi demasiado optimista. Se a CDC-P tivesse tido em conta a exiguidade das perspectivas financeiras a médio e longo prazo, teria de chegar à conclusão de que o valor das futuras acções obtidas a título de reembolso seria nulo. A Comissão conclui daqui que um investidor privado prudente não estaria disposto a subscrever com a Air France um acordo financeiro significativo como o celebrado pela CDC-P.

    21 A Comissão considera que, em caso de empresas deficitárias como a Air France, um investidor a longo prazo baseia a sua decisão num plano de reestruturação coerente. Ora, no presente processo, o auxílio não está directamente ligado ao PRE 1. Seja como for, o PRE 1 não era, mesmo a longo prazo, suficiente para restabelecer a viabilidade financeira e económica da Air France, na medida em que tinha por objectivo, antes de mais, reduzir os custos operacionais e os encargos financeiros, sem abordar com suficiente vigor os outros parâmetros financeiros, que se pressupunha se mantivessem constantes, e sem prever outras medidas de reestruturação na eventualidade de uma maior degradação da situação económica da Air France. No entender da Comissão, a CDC-P devia ter conhecimento, quando a decisão de investimento foi tomada, da fragilidade estrutural do PRE 1.

    22 No conjunto, os elementos acima referidos levaram a que a Comissão considerasse que um investidor privado razoável não teria investido 1,5 mil milhão de FF na Air France, tendo em conta os fracos resultados financeiros e operacionais recentemente registados, o facto de esta não ter sido capaz de executar o programa de reestruturação CAP'93 e de o PRE 1 não parecer suficiente para inverter a situação. Em última análise, a Comissão considera a entrada de capitais em litígio como auxílio operacional destinado a ajudar a Air France a resolver temporariamente a sua crise financeira.

    23 A Comissão declara ainda:

    - que o auxílio em causa falseia a concorrência e, pela sua própria natureza, afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros e em todo o Espaço Económico Europeu (EEE);

    - que não se enquadra em quaisquer dos casos previstos nos artigos 92._, n._ 2, do Tratado, e 61._, n._ 2, do acordo EEE;

    - que, nos termos dos artigos 92._, n._ 3, do Tratado, e 61._, n._ 3, do acordo EEE, não pode ser considerado compatível com o mercado comum.

    24 Consequentemente, a Comissão:

    - decidiu que a subscrição pela CDC-P das ORA e dos TSIP-BSA, no valor de 1 497 415 290 FF, emitidos pela Air France em Abril de 1993, constitui um auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado comum (artigo 1._ da decisão);

    - determinou que a República Francesa ordene o reembolso deste auxílio de 1 497 415 290 FF, após dedução dos juros já pagos pela Air France à CDC-P (artigo 2._).

    25 Nos termos do artigo 4._, a decisão foi notificada ao Governo francês em 9 de Agosto de 1994.

    26 Em 27 de Julho de 1994, a Comissão, por outro lado, adoptou a Decisão 94/653/CE, relativa ao aumento de capital notificado da Air France (JO L 254, p. 73), na qual considera compatível com o mercado comum e com o acordo EEE o auxílio de Estado a conceder à Air France sob a forma de um aumento de capital de 20 mil milhões de FF. Nesta decisão, a Comissão refere-se à subscrição pela CDC-P das ORA e dos TSIP-BSA emitidos pela Air France em Abril de 1993. Considera as ORA como quase capital próprio. Quanto aos TSIP-BSA, a Comissão salienta que o subscritor não tem qualquer dever de os converter e que seria mais indicado, se tivesse de se classificar este tipo de instrumento financeiro, considerá-los como um empréstimo.

    27 A decisão de 27 de Julho de 1994 foi impugnada por diversas companhias aéreas (processos T-371/94, British Airways e o./Comissão, e T-394/94, British Midland/Comissão).

    Tramitação processual

    28 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Outubro de 1994, a Air France interpôs o presente recurso. Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Adoptou, porém, medidas de organização processual convidando as partes a apresentar determinados documentos e a responder a uma série de questões. Na audiência de 26 de Junho de 1996, foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

    29 A República Francesa interpôs no Tribunal de Justiça um recurso paralelo da mesma decisão (processo C-282/94). O Tribunal de Justiça suspendeu a instância por despacho de 4 de Abril de 1995.

    30 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    - declarar que, na decisão recorrida, a Comissão violou o disposto nos artigos 92._ e 190._ do Tratado e, consequentemente, anular a mesma decisão;

    - condenar a Comissão nas despesas.

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    - negar provimento ao recurso;

    - condenar a recorrente nas despesas.

    Quanto à admissibilidade

    31 A admissibilidade do recurso não é contestada pela Comissão. Efectivamente, embora a decisão recorrida seja apenas dirigida à República Francesa, diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado CE, à recorrente Air France enquanto beneficiária do auxílio em questão (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n._ 13).

    32 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., por exemplo, acórdão de 13 de Julho de 1989, Jaenicke Cendoya/Comissão, 108/88, Colect., p. 2711, n.os 8 e 9), os pedidos que têm por objectivo que o órgão jurisdicional comunitário reconheça a justeza dos fundamentos invocados em apoio de um recurso de anulação são inadmissíveis. Consequentemente, os pedidos formulados pela recorrente ao Tribunal de Primeira Instância no sentido de que este declare que a Comissão, na decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 92._ e 190._ do Tratado devem, como tais, ser julgados inadmissíveis.

    Quanto ao mérito

    33 Em apoio do recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro consiste na violação do artigo 92._ do Tratado, devido à circunstância de a Comissão, ao qualificar como auxílio de Estado o investimento da CDC-P na Air France, ter cometido erros manifestos na aplicação da referida disposição. O segundo consiste na violação, pela Comissão, do dever de fundamentação previsto no artigo 190._ do Tratado.

    1. Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 92._ do Tratado

    34 No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente adianta várias acusações. Efectivamente, alega que a Comissão cometeu erros manifestos na aplicação do artigo 92._ do Tratado.

    35 A qualificação como auxílio de Estado constante da decisão recorrida baseia-se em erros de análise no que respeita:

    - aos estatutos da Caisse e da CDC-P;

    - à data da tomada da decisão de investimento pela CDC-P;

    - ao contexto em que foi tomada a decisão de investimento pela CDC-P;

    - ao alcance das subscrições de vários accionistas privados da Air France, e à de outros investimentos privados na Air France;

    - à aplicação do princípio do investidor privado avisado relativamente às características dos títulos emitidos.

    36 Nas circunstâncias do presente processo, o Tribunal de Primeira Instância considera que este fundamento deve ser dividido em duas partes: a primeira consiste na ausência de carácter estatal do investimento litigioso e a segunda na inobservância, pela Comissão, do critério do comportamento normal de um investidor privado avisado relativamente ao mesmo investimento, sendo certo que a recorrente, neste contexto, invoca uma série de argumentos diferentes.

    Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    37 A recorrente afirma que a Comissão, na decisão recorrida, refere incorrectamente que a CDC-P não tem autonomia relativamente à Caisse, a qual é, ela própria, controlada pelos poderes públicos franceses, e que o investimento em causa foi efectuado mediante intervenção do Estado. Salienta que, na realidade, tanto a Caisse como a CDC-P são independentes do Governo francês.

    38 A este respeito, invoca em primeiro lugar o estatuto particular da Caisse, a qual, instituída pelos artigos 110._ e 115._ da lei de finanças de 28 de Abril de 1816, foi qualificada como «estabelecimento especial» e colocada «sob vigilância e garantia do poder legislativo». Ora, sendo o poder legislativo independente do poder executivo, a Caisse não pode ser considerada como um estabelecimento controlado pelos poderes públicos franceses. O argumento invocado pela Comissão - a fim de caracterizar a dependência da Caisse relativamente ao Estado francês - do modo de designação, pelo Governo francês, dos gestores da Caisse é irrelevante. Efectivamente, a irrevocabilidade do director-geral da Caisse - colocado, por força da lei de 1816, já referida, sob único controlo de uma comissão de vigilância independente que representa o «poder legislativo» - tem por objectivo assegurar a independência do director-geral relativamente a qualquer pressão do poder executivo.

    39 A recorrente salienta, em segundo lugar, que a «secção geral» da Caisse que abrange a sua actividade enquanto banco comercial e investidor escapa ao controlo de direito comum exercido pelo Tribunal de Contas francês, instituição encarregada do controlo financeiro da administração e dos serviços em que se desdobra. Pelo contrário, as suas contas estão sujeitas a fiscalização por revisores de contas independentes que desempenham a sua função em condições de direito comum aplicáveis às sociedades comerciais. A Comissão não teve em conta a dualidade das funções atribuídas à Caisse, que se traduz na total separação de actividades entre a «secção geral» e a gestão dos fundos de poupança, estando esta última estreitamente regulamentada, na medida em que é exercida por conta do Estado. Ora, os fundos utilizados pela CDC-P na subscrição litigiosa são fundos próprios da Caisse, inscritos no balanço da secção geral, que não estão sujeitos a qualquer obrigação legal ou regulamentar de consulta ou autorização prévia ou de aprovação, a posteriori, por parte das autoridades do Estado.

    40 A recorrente salienta ainda que as modalidades dos controlos administrativos e judiciais exercidos sobre a Caisse bem como sobre o seu regime contabilístico e fiscal demonstram a ausência de influência determinante das autoridades públicas estatais sobre o seu funcionamento.

    41 Quanto à CDC-P, que é 100% filial da Caisse, a recorrente afirma que a mesma actua também de forma independente relativamente ao Governo francês. A subscrição litigiosa dos títulos emitidos pela Air France está compreendida no seu objecto estatutário. A CDC-P exerce uma actividade especulativa de capital de risco, que tem em vista, antes de mais, a rentabilidade e não pode ser comparada ao comportamento de uma instituição que garante uma função de interesse geral. Acrescenta que, nos termos dos estatutos da CDC-P, os seus administradores são nomeados pela assembleia geral de accionistas, podendo por esta ser demitidos nas condições de direito comum aplicáveis às sociedades comerciais. Entre os membros do conselho de administração da CDC-P figuram personalidades do mundo económico alheias tanto ao grupo da Caisse como à administração estatal.

    42 Porém, a recorrente não contesta o facto de que, embora a decisão formal de investir na Air France tenha a final sido adoptada pela CDC-P, o investimento foi realizado mediante o impulso determinante do seu accionista maioritário, a Caisse, e através dos fundos por esta colocados à sua disposição.

    43 No plano jurídico, discorda da interpretação extensiva dada pela Comissão à expressão «concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais» constante do artigo 92._ do Tratado, ao considerar que a simples influência exercida pelo Estado sobre um agente económico pode conduzir à qualificação de auxílio de Estado, mesmo que os valores a que se refere o investimento em causa não provenham de recursos estatais. Esta interpretação é incompatível com a redacção do referido artigo, que é de aplicação estrita. As condições do artigo 92._ do Tratado não estarão preenchidas se, como no presente caso, o auxílio litigioso não tiver sido concedido nem pelo Estado nem através de recursos estatais. A CDC-P subscreveu as emissões litigiosas utilizando fundos que têm origem privada, postos à sua disposição pela Caisse.

    44 A recorrente realça a origem privada dos fundos geridos pela Caisse. Com efeito, por força da legislação nacional aplicável, os fundos geridos pela Caisse têm origem em depósitos voluntários de particulares ou em depósitos das caixas de poupança. Ao gerir os fundos privados, a Caisse adopta, assim, relativamente aos fundos da «secção geral», cuja gestão é livre, ao contrário dos fundos de poupança, um comportamento de investidor em função da evolução dos mercados. A recorrente afirma ainda que os aforradores privados têm a possibilidade de levantar a qualquer momento os depósitos geridos pela Caisse, o que constitui uma diferença significativa relativamente aos recursos públicos que, provenientes dos impostos, estão inteiramente à disposição dos poderes públicos.

    45 A recorrente conclui que, uma vez que os recursos geridos pela Caisse são fundos privados, os valores que esta colocou à disposição da CDC-P não podem ser qualificados como recursos estatais. Efectivamente, a operação em causa no presente processo não implicou a transferência directa ou indirecta de recursos estatais nem um encargo pecuniário para o Estado. Sobre este ponto, a recorrente remete para os acórdãos de Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1978, Van Tiggele (82/77, Colect., p. 15, n._ 25), de 17 de Março de 1993, Sloman Neptun (C-72/91 e C-73/91, Colect., p. I-887, n._ 21), e de 30 de Novembro de 1993, Kirsammer-Hack (C-189/91, Colect., p. I-6185, n.os 17 e 18).

    46 Referindo-se aos acórdãos de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão (C-303/88, Colect., p. I-1433), e de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219), bem como às conclusões apresentadas pelo advogado-geral sobre este último acórdão (p. 240), a recorrente salienta que nem a Caisse nem a CDC-P actuaram no presente processo por ordem ou sob a influência predominante ou efectiva do Estado. Dado que a Caisse e a CDC-P não são órgãos estatais nem organismos privados controlados pelo Estado e que as respectivas decisões foram adoptadas independentemente de qualquer instrução prévia ou de aprovação posterior do Estado, a Comissão não podia qualificar como auxílio de Estado a subscrição, pela CDC-P, das emissões da Air France de Abril de 1993.

    47 A Comissão recorda, em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça nos termos da qual a proibição prevista no artigo 92._, n._ 1, do Tratado abrange todos os auxílios concedidos pelos Estados-Membros, não se devendo distinguir entre os concedidos directamente pelo Estado e os concedidos por organismos públicos ou privados que o Estado institui ou designa com a finalidade de gerir o auxílio (acórdão Van der Kooy e o./Comissão, já referido, n._ 35). No caso presente, a Caisse, nos termos das disposições nacionais aplicáveis, tem por função administrar fundos públicos e privados, frequentemente depositados nos termos de uma obrigação legal ou regulamentar. Por outro lado, a afectação dos fundos geridos pela Caisse, tal como o levantamento dos depósitos, são regulados por diplomas legislativos ou regulamentares.

    48 A este respeito, a Comissão recorda o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão (173/73, Colect., p. 357, n._ 35), nos termos do qual se está perante um recurso estatal quando os fundos em causa são, por um lado, alimentados por contribuições obrigatórias impostas pela legislação do Estado e, por outro, geridos e repartidos de acordo com essa legislação, mesmo que sejam administrados por instituições distintas da autoridade pública. Considera que se devem considerar os depósitos efectuados na Caisse por força de obrigações legais ou regulamentares como contribuições obrigatórias na acepção deste acórdão. Em qualquer caso, não é necessário demonstrar que são os fundos cuja utilização está prevista nos diplomas que constituem específica e explicitamente as medidas de auxílio (acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referido, n._ 14). Assim, os valores depositados na Caisse não podem ser considerados fundos privados.

    49 A Comissão realça a intervenção do Estado na nomeação do pessoal dirigente da Caisse. Assim, nos termos das disposições nacionais em vigor, o director-geral da Caisse é nomeado pelo presidente da República sob proposta do ministro da Economia e das Finanças. O facto de, na época em questão, o director-geral só poder ser demitido pelo presidente da República a pedido da comissão de fiscalização não é susceptível de reduzir o papel do Estado, na medida em que a quase totalidade dos membros da mesma comissão pertencem ao aparelho do Estado. A nomeação dos outros dirigentes da Caisse bem como dos administradores civis efectua-se no seio do governo e o pessoal titular está abrangido pelo estatuto geral da função pública. O papel determinante dos poderes públicos no funcionamento da Caisse não pode, por isso, ser alvo de qualquer dúvida.

    50 Quanto à comissão de fiscalização, a Comissão esclarece que, mesmo representando esta o poder legislativo, esta circunstância não contraria a tese da subordinação da Caisse ao Estado. Com efeito, o Estado é responsável perante o direito comunitário, qualquer que seja o órgão na origem do incumprimento. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça em outras áreas, quando o Estado intervém é indiferente a qualidade em que actua (acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n._ 49, e de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n._ 56). Não pode, por isso, negar-se que as intervenções da Caisse devem ser consideradas como intervenções do Estado, qualquer que seja a secção de que provenham os fundos utilizados para determinada operação.

    51 A Comissão conclui que, quaisquer que sejam as suas particularidades, a Caisse, entidade pública, é abrangida pelas disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado. Mesmo que, em teoria, a Caisse esteja colocada sob a autoridade do poder legislativo, não pode subtrair as suas actividades ao controlo comunitário sobre os auxílios de Estado. Dado que é uma entidade pública, a imputabilidade das suas actividades ao Estado não pode ser contestada.

    52 Na réplica, a recorrente contesta a relevância dos acórdãos de 2 de Julho de 1974 e de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referidos, invocados pela Comissão para procurar demonstrar que os fundos utilizados pela CDC-P são recursos do Estado. Efectivamente, por um lado, dado que os fundos postos à disposição da Caisse são privados, de modo nenhum podem os mesmos ser considerados «fundos de dotação» concedidos pelo Estado; por outro, uma vez que estes fundos privados representam créditos líquidos e exigíveis dos depositantes sobre a Caisse, de modo nenhum constituem «contribuições obrigatórias» impostas pela legislação do Estado e, consequentemente, não podem ser qualificados como recursos estatais.

    53 A recorrente acrescenta que a comissão de vigilância é uma verdadeira instância de controlo que exerce influência efectiva sobre as decisões do director-geral da Caisse. Em qualquer caso, a Comissão não provou minimamente que a decisão da Caisse de colocar uma parte dos recursos próprios à disposição da CDC-P para o investimento litigioso não tenha sido controlada pela comissão de vigilância.

    54 Por outro lado, a noção de «aparelho de Estado» utilizada pela Comissão deriva da generalização abusiva do conceito de autoridade estatal na acepção do artigo 92._ do Tratado. Efectivamente, as únicas autoridades estatais que podem decidir sobre a atribuição de um benefício económico susceptível de constituir um auxílio de Estado são as que dispõem dos poderes políticos que lhes permitem adoptar medidas de interesse geral, ou seja, o governo e a administração central do Estado encarregada de dar aplicação às orientações de política económica fixadas pelo Estado.

    Apreciação do Tribunal

    55 Há que analisar se o investimento litigioso efectuado pela CDC-P pode ser correctamente considerado pela Comissão como resultado de um comportamento imputável ao Estado francês (acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referido, n._ 11).

    56 Os artigos 92._, n._ 1, do Tratado e 61._, n._ 1, do acordo EEE referem-se a auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, «independentemente da forma que assumam». Consequentemente, a interpretação destas disposições, em vez de se basear em critérios formais, deve ter em conta a finalidade das referidas disposições que, nos termos do artigo 3._, alínea g), do Tratado, consiste em garantir que a concorrência não seja falseada. Daqui resulta que qualquer subvenção que ameace o jogo da concorrência proveniente do sector público é abrangida pelas disposições acima referidas, sem que seja necessário que essa subvenção seja concedida pelo governo ou pela administração central de um Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, Colect., p. I-1603, n._ 13, e Sloman Neptun, já referido, n._ 19).

    57 No caso concreto, a análise do Tribunal pode limitar-se apenas ao estatuto da Caisse. Efectivamente, embora a subscrição dos títulos em causa tenha formalmente sido efectuada pela CDC-P, que é uma sociedade anónima de direito privado, a recorrente admitiu expressamente (réplica, n._ 12) que esse «investimento foi realizado mediante o impulso determinante da sua accionista maioritária (a Caisse), e através dos fundos postos à sua disposição por esta». Daqui resulta que a subscrição em questão é, em qualquer caso, imputável à Caisse. Consequentemente, a argumentação desenvolvida pela recorrente a respeito da alegada independência da CDC-P é irrelevante.

    58 No que respeita à Caisse, há que recordar que foi instituída pela lei de finanças de 1816 como um «estabelecimento especial» colocado «sob vigilância e garantia do poder legislativo», que as suas funções - incluindo, designadamente, a administração de fundos públicos e privados constituídos por depósitos obrigatórios - se regem por disposições legislativas e regulamentares e que o seu director-geral é nomeado pelo presidente da República, efectuando-se a nomeação dos outros dirigentes no seio do governo.

    59 Estes elementos bastam para justificar que a Caisse seja considerada enquadrada no sector público. É certo que está ligada apenas ao «poder legislativo». Porém, o poder legislativo é um dos poderes constitucionais de um Estado, pelo que o seu comportamento é necessariamente imputável ao Estado.

    60 Esta argumentação é apoiada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de incumprimento de Estado nos termos do artigo 169._ do Tratado, segundo a qual se verifica a responsabilidade de um Estado-Membro, qualquer que seja o órgão do Estado cuja acção ou omissão esteja na origem do incumprimento, «mesmo que se trate de uma instituição constitucionalmente independente» (acórdão de 5 de Maio de 1970, Comissão/Bélgica, 77/69, Colect. 1969-1970, p. 335, n._ 15). Esta apreciação é também verdadeira para o sector do controlo dos auxílios de Estado, dado que o Tribunal de Justiça reconheceu, com efeito, que o meio processual previsto no artigo 93._, n._ 2, segundo parágrafo, do Tratado constitui apenas uma variante da acção por incumprimento, adaptada especialmente aos problemas específicos que os auxílios estatais apresentam para a concorrência no mercado comum (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, n._ 23).

    61 Resulta do que antecede que a Comissão podia correctamente qualificar a Caisse como um estabelecimento pertencente ao sector público, cujo comportamento é imputável ao Estado francês.

    62 Este resultado não é contrariado pelos argumentos que consistem na autonomia jurídica da Caisse relativamente às autoridades políticas estatais, na irrevocabilidade do seu director-geral colocado apenas sob fiscalização de uma comissão independente, no estatuto específico da Caisse relativamente ao Tribunal de Contas, bem como no seu regime contabilístico e fiscal especial. Efectivamente, trata-se aqui de elementos que se enquadram na organização interna do sector público, e a existência de normas que garantem a independência de uma instância pública relativamente a outras não põe em causa o próprio princípio do carácter público dessa instância. O direito comunitário não pode admitir que o simples facto de criar instituições autónomas encarregadas da distribuição dos auxílios permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado.

    63 Na medida em que a recorrente impugna ainda o carácter de auxílio estatal do investimento litigioso realçando a origem privada dos fundos geridos pela Caisse e o facto de os depositantes desses fundos poderem a todo o momento pedir a respectiva restituição, deve lembrar-se que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Van Tiggele, já referido, n._ 25, e acórdão de 13 de Outubro de 1982, Norddeutsches Vieh-und Fleischkontor, 213/81, 214/81 e 215/81, Recueil, p. 3583, n._ 22), o investimento litigioso, para ser considerado auxílio estatal, deve traduzir-se num benefício concedido, directa ou indirectamente, através de recursos do Estado, o que pressupõe que «os recursos graças aos quais o auxílio é concedido provêm do Estado-Membro».

    64 A recorrente afirma que os fundos depositados na Caisse, devido ao seu carácter reembolsável, não são idênticos às «contribuições obrigatórias» analisadas no acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, já referido, dado que apenas as contribuições estão definitivamente ao dispor do Estado. A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça, no mesmo acórdão (n.os 33 a 35), decidiu que o desagravamento dos encargos pecuniários públicos que recaem sobre as empresas de um sector industrial em especial constitui um auxílio na acepção do artigo 92._ do Tratado, na medida em que a perda de receitas daí resultante é compensada por meio de recursos provenientes de contribuições obrigatórias impostas pela legislação do Estado.

    65 É certo que o presente processo se distingue do caso objecto do acórdão já referido, na medida em que os valores depositados na Caisse não são pagos a fundo perdido, e podem ser levantados pelos depositantes. Consequentemente, e ao contrário das receitas constituídas por impostos ou contribuições obrigatórios, estes valores não estão permanentemente ao dispor do sector público. Convém, apesar disso, analisar em que medida esta situação jurídica dos fundos geridos pela Caisse se reflecte na realidade económica, tendo em conta, designadamente, que o direito comunitário se refere aos auxílios concedidos através de recursos do Estado «independentemente da forma que assumam».

    66 A este respeito, há que verificar que as entradas e saídas de fundos na Caisse produzem um saldo constante que esta pode utilizar como se os fundos correspondentes a esse saldo estivessem definitivamente ao seu dispor. A este título, a Caisse pode, assim, adoptar, como a própria recorrente salientou, «um comportamento de investidor em função da evolução dos mercados» (petição, n._ 11), utilizando, sob a sua responsabilidade, o referido saldo disponível.

    67 O Tribunal considera que o investimento litigioso, financiado pelo saldo disponível na Caisse, é susceptível de falsear a concorrência na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, da mesma forma que se esse investimento tivesse sido financiado através de receitas constituídas por impostos ou contribuições obrigatórios. Esta disposição abrange, por isso, todos os meios financeiros que o sector público pode efectivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que pertençam ou não de modo permanente ao património do referido sector. Consequentemente, é irrelevante o facto de os fundos utilizados pela Caisse serem restituíveis. Acresce que nenhum elemento no processo permite supor que a realização do investimento litigioso foi dificultada pela natureza reembolsável dos fundos utilizados.

    68 Por último, esta conclusão não é prejudicada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/França (290/83, Recueil, p. 439, n._ 15), no qual foi decidido que «releva do artigo 92._ do Tratado um auxílio que... foi decidido e financiado por um organismo público, cuja execução é subordinada à aprovação dos poderes públicos...». Com efeito, este acórdão não deve ser interpretado no sentido de que a qualificação como auxílio de Estado pressupõe sempre a existência de aprovação por parte dos poderes públicos, e isto mesmo no caso de a operação financeira em causa ter sido decidida e financiada por um estabelecimento que já só por si se enquadra no sector público; o Tribunal de Justiça limitou-se antes a enunciar todos os factores que estavam efectivamente presentes no processo em questão para concluir que, em qualquer hipótese, esses factores reunidos se enquadravam na previsão do artigo 92._, n._ 1, do Tratado. Assim, mesmo que o investimento litigioso efectuado pela Caisse não tenha recebido a aprovação do Governo francês, o facto de a Caisse pertencente ao sector público ter utilizado nesse investimento fundos de que poderia dispor é suficiente, como acima se referiu, para qualificar o investimento como intervenção estatal que pode constituir um auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

    69 Daqui resulta que improcede a primeira parte do primeiro fundamento.

    Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

    70 Na medida em que a recorrente, apoiando-se em vários argumentos distintos, acusa a Comissão de não ter aplicado ao caso em análise o critério relativo ao comportamento de um investidor privado avisado actuando em condições normais de uma economia de mercado, há que recordar, em primeiro lugar, que este critério deriva do princípio da igualdade de tratamento entre os sectores público e privado, segundo o qual os capitais postos, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado (acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, já referido, n._ 20).

    71 Importa recordar, em segundo lugar, que, no acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão (C-56/93, Colect., p. I-723, n.os 10 e 11), o Tribunal de Justiça, analisando fundamentos que consistiam, respectivamente, em erro manifesto na apreciação da matéria de facto e em errada interpretação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, considerou que a análise, pela Comissão, da questão de saber se determinada medida pode ser qualificada como auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, por o Estado não ter actuado «como um operador económico normal», implica uma apreciação económica complexa. No caso concreto, a aplicação feita pela Comissão do critério relativo ao comportamento normal de um investidor privado avisado envolvia igualmente apreciações económicas complexas.

    72 Ora, é jurisprudência constante que a Comissão, quando adopta um acto que envolve apreciações desse tipo, goza de poder discricionário. O controlo jurisdicional deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da ausência de desvio de poder (acórdão Bélgica/Comissão, já referido, n._ 11).

    73 É à luz das considerações que antecedem que se deve proceder à análise dos argumentos adiantados pela recorrente.

    Quanto ao argumento que consiste na análise incorrecta da data da tomada da decisão de investimento pela CDC-P

    - Argumentos das partes

    74 A recorrente afirma que a Comissão, ao atender na decisão recorrida apenas à data da subscrição efectiva pela CDC-P dos títulos emitidos pela Air France, ou seja, Abril de 1993, não teve em conta os prazos necessários para a preparação e execução de uma operação tão complexa como é a emissão das ORA e dos TSIP-BSA. Efectivamente, dado que a CDC-P contribuiu para a preparação dessas emissões, tinha de estar desde o início associada ao processo de elaboração do financiamento finalmente proposto ao público. Deste modo, os primeiros contactos entre a Air France e a CDC-P ocorreram em Novembro de 1992. Em Dezembro de 1992, após análise favorável das previsões financeiras a médio prazo elaboradas pela Air France, esta e a CDC-P acordaram em elaborar projectos financeiros a longo prazo, que foram terminados em Janeiro de 1993. O conselho de administração da CDC-P foi oficialmente informado da operação em litígio em Janeiro de 1993. A CDC-P, nesta altura, transmitiu à Air France uma proposta de subscrição no valor do montante previsto da oferta pública à poupança, o que para ela equivalia a garantir o êxito da operação projectada.

    75 A recorrente salienta que apenas no termo do primeiro trimestre de 1993 foi conhecida a «acentuada degradação da estrutura financeira da Air France», referida pela Comissão para justificar a qualificação do investimento litigioso como auxílio de Estado. Ora, os estudos sobre a rentabilidade subjacentes à decisão de investimento foram realizados com base nas contas aprovadas em 30 de Setembro de 1992 - únicos números disponíveis no final do ano de 1992 -, tendo o primeiro trimestre de 1993 sido consagrado apenas à execução das projectadas emissões. A subscrição em Abril de 1993 foi apenas a conclusão formal de um processo derivado de uma decisão económica tomada no início de 1993, num momento em que a degradação financeira acima referida não tinha ainda ocorrido.

    76 A recorrente considera que, ao sobrepor o aspecto formal do investimento, ou seja, o acto de subscrição em Abril de 1993, à matéria de facto a ter em conta, a Comissão coloca o momento da apreciação económica da operação numa data posterior de quatro meses à data real da adopção da decisão. Ao assim proceder, a Comissão não respeitou a sua própria doutrina em matéria de concorrência e de auxílios de Estado, segundo a qual é de tomar em consideração a natureza económica da operação e não a sua forma jurídica. Assim, a Comissão adoptou injustificadamente a solução que melhor favorece os seus interesses, sem ter em conta as realidades práticas da execução de uma operação de oferta pública à poupança.

    77 A Comissão lembra que, nos termos da decisão recorrida, a data da decisão de investimento por parte da CDC-P deve ser, segundo as práticas comerciais normais, a da subscrição efectiva em Abril de 1993 e que, em qualquer caso, essa data não pode ser anterior a 17 de Fevereiro de 1993. Considerando que antes dessa data nenhuma decisão juridicamente irrevogável poderia ter sido adoptada, a Comissão respeitou a realidade dos poderes e influências para além das formalidades puramente jurídicas. A nota enviada em 7 de Janeiro de 1994 pelas autoridades francesas à Comissão refere claramente que «a CDC-P adoptou em Fevereiro de 1993 a sua decisão de subscrever» a emissão em litígio.

    - Apreciação do Tribunal

    78 Na decisão recorrida (p. 32), a Comissão constata o seguinte, com base em informações fornecidas pelas autoridades francesas:

    «... o conselho de administração da Air France, na sequência de negociações com a CDC-P, fixou as modalidades das obrigações e propôs aos accionistas a aprovação da emissão em 17 de Fevereiro de 1993. A assembleia extraordinária de accionistas sancionou subsequentemente a emissão das obrigações em 24 de Março de 1993, tendo aprovado as modalidades definitivas da operação. Em conformidade com as práticas comerciais normais, deve considerar-se que a decisão de investimento da CDC-P foi tomada quando as obrigações foram subscritas (isto é, em Abril de 1993). As autoridades francesas não provaram que a CDC-P ficou legalmente obrigada a subscrever a emissão antes dessa data. Na ausência de um acto jurídico mandatório, qualquer declaração da CDC-P antes da data da subscrição deve ser considerada como uma mera declaração de intenções. De qualquer modo, mesmo supondo que a CDC-P tomou a decisão de investir antes de Abril de 1993 e que essa decisão não podia ser anulada, a data relevante nunca deveria ser anterior a 17 de Fevereiro de 1993 (isto é, a data da proposta do conselho de administração no sentido de emitir as obrigações). Antes dessa data, as modalidades finais das emissões não estavam fixadas e, portanto, a CDC-P não dispunha de informação suficiente para tomar uma decisão final ou para se comprometer de alguma forma».

    79 Esta argumentação da Comissão não pode ser considerada viciada por erro manifesto de apreciação. Efectivamente, um investidor privado avisado não teria, em circunstâncias normais, adoptado uma decisão que o obrigasse, de modo irrevogável, a proceder a um investimento da dimensão do que está em causa ou a garantir o respectivo sucesso, enquanto as respectivas modalidades não estivessem definitivamente estabelecidas. No caso presente, o referido investidor privado não teria, por isso, adoptado uma decisão desse tipo antes de 17 de Fevereiro de 1993. Numa situação como a que está em causa no presente litígio - em que a subscrição, em Abril de 1993, dos títulos em questão foi antecedida de vários meses de negociações entre o emitente e o subscritor -, um investidor privado avisado teria, além disso, tido o cuidado de observar atentamente durante esse período de negociações a evolução económica e financeira da empresa em causa no projecto de investimento. Na hipótese de ter ocorrido um acontecimento negativo significativo, não teria hesitado em renunciar a esse projecto, até ao momento de ser juridicamente obrigado a efectuá-lo. Por isso, a Comissão pode correctamente entender que a decisão de investimento foi adoptada, no caso presente, em Abril de 1993 ou, no máximo, em 17 de Fevereiro de 1993.

    80 Quanto à questão suscitada pela recorrente de saber quais eram os factores económicos e financeiros relevantes que um investidor privado avisado podia e devia razoavelmente ter em consideração na data em causa, a mesma será analisada no âmbito do argumento seguinte.

    81 Consequentemente, improcede, em qualquer caso, o argumento que consiste na análise incorrecta da data da adopção da decisão de investimento.

    Quanto ao argumento que consiste na análise errada do contexto da decisão de investimento da CDC-P

    - Argumentos das partes

    82 A recorrente acusa a Comissão de, na decisão recorrida, ter omitido qualquer análise do contexto geral do mercado dos transportes aéreos na época das operações litigiosas. Ora, a análise do contexto imediato do investimento em litígio não teria obstado a que um investidor privado avisado adoptasse uma decisão idêntica. Efectivamente, mesmo que as informações disponíveis na data relevante demonstrassem que a situação da Air France se degradou durante o exercício de 1992, a CDC-P teria razões para ter em conta diversos elementos que permitiam aguardar uma melhoria rápida da situação. Entre esses elementos, na opinião da recorrente, consta a retoma do tráfego registada pela Air France durante 1992 (+ 11,2% no final de Novembro de 1992).

    83 A recorrente acrescenta que a decisão de subscrever os títulos litigiosos foi largamente determinada pela aplicação, em Outubro de 1992, do plano de reestruturação (PRE 1) elaborado pela Air France que tinha em vista completar o plano CAP'93 e como objectivo o regresso ao equilíbrio financeiro a partir de 1994, dado que a reestruturação da Air France tinha, aliás, sido iniciada há vários anos. Assim, embora os resultados da Air France em 1992 não tivessem sido os previstos, a CDC-P poderia esperar a recuperação da situação financeira nos anos seguintes. Neste contexto, o PRE 1 traduzia uma vontade muito forte da administração da Air France de adoptar as medidas necessárias, uma vez que o objectivo era aumentar em 3 mil milhões de FF a capacidade de autofinanciamento anual, continuar a redução de efectivos para melhorar a produtividade e lançar uma acção comercial mais agressiva. A CDC-P tinha, por isso, motivos para considerar que a supressão maciça de postos de trabalho (5 000 em dois anos), as medidas comerciais aplicadas para remediar a baixa da receita unitária, bem como os objectivos conjuntos dos programas CAP'93 e PRE 1 (+ 4,5 mil milhões de FF de acréscimo do excedente bruto de exploração em 1994) compensavam as dificuldades da Air France, mesmo que os prazos de aplicação das medidas previstas nos seus planos fossem significativos.

    84 A recorrente salienta ainda que as perspectivas de recuperação da Air France previstas relativamente às medidas projectadas no PRE 1 eram reforçadas pelas previsões de evolução do mercado dos transportes aéreos para o ano de 1993: por um lado, a Air France, no início de 1993, tinha previsto aumentar o seu tráfego de passageiros e de carga; por outro, a companhia financeira Edmond de Rothschild Banque, num estudo realizado em 13 de Janeiro de 1993 sobre um aumento do capital da Air France, salientou que o mercado dos transportes aéreos, embora em recessão, apresentava alguns sinais encorajadores a curto prazo para os investidores.

    85 Invocando, designadamente, as insuficiências dos planos de reestruturação aplicados pela Air France, a Comissão baseou a decisão recorrida em circunstâncias que não podiam ser conhecidas dos investidores no momento da adopção da decisão de subscreverem os títulos litigiosos. Efectivamente, o fracasso do plano PRE 1 resultou de acontecimentos ocorridos durante o primeiro semestre de 1993. Por outro lado, o plano de reestruturação CAP'93 estava ainda em vigor em Abril de 1993 e a Comissão não podia considerar que, no momento da subscrição em causa, os objectivos financeiros do CAP'93 não podiam ser atingidos. Do mesmo modo, nem a queda do tráfego de passageiros durante os quatro primeiros meses de 1993, nem a situação financeira da Air France posterior a Setembro de 1992, podiam ser do conhecimento da CDC-P no momento do investimento litigioso.

    86 No que respeita ao contexto a médio e a longo prazo do investimento litigioso, a recorrente salienta que as perspectivas futuras, tanto no sector das companhias aéreas em geral como da Air France em particular, permitiam considerar que a participação nas emissões em causa constituía uma boa oportunidade financeira. Remetendo novamente para o estudo realizado pela companhia Rothschild, a recorrente salienta, em especial, que o mesmo realçava que a «rentabilidade das companhias, que melhorarem a respectiva produtividade, deveria crescer fortemente aquando da retoma económica», razão pela qual «determinados analistas recomendam globalmente o sector, numa perspectiva de longo prazo».

    87 A este respeito, a recorrente lembra as vantagens de que a Air France beneficiava, ou seja, o acesso privilegiado ao aeroporto Charles-de-Gaulle de Roissy-en-France, uma rede excepcional em França e à escala internacional, bem como uma estrutura financeira no final de 1992 equiparável à dos seus principais concorrentes, ou mesmo mais satisfatória. Efectivamente, o endividamento da Air France equivalia a 33% do seu volume de negócios contra 38% para a British Airways, 41% para a Swissair e 67% para Japan Airlines. Da mesma forma, a ratio resultado líquido sobre o volume de negócios do grupo Air France, no final de 1992, era absolutamente comparável à dos seus concorrentes. Foi o conjunto destes elementos que levou o Banco Lehman Brothers a salientar o potencial da Air France, afirmando num estudo publicado em Setembro de 1993: «There is a great potential for Air france to become one of Europe's most successful airlines [...] Air France has the potential to become a profitable, leading European carrier.»

    88 Por outro lado, a análise optimista da evolução do mercado a longo prazo foi confirmada pela própria Comissão, a qual, na sua Decisão 94/118/CE, de 21 de Dezembro de 1993, relativa a um auxílio do Estado irlandês ao grupo Aer Lingus (JO 1994, L 54, p. 30), afirmou que as perspectivas para a indústria aeronáutica eram positivas a mais longo prazo e que, se a economia em geral conseguisse a recuperação, as companhias aéreas registariam melhores resultados ao longo dos dois próximos anos (p. 38). Por outro lado, na Decisão 94/653, de 27 de Julho de 1994, já referida, adoptada no mesmo dia que a decisão recorrida e que aprova o aumento do capital social notificado da Air France, a Comissão esclareceu que, uma vez que o tráfego de passageiros registou um aumento de 14% e 9% em 1992 e 1993, as perspectivas da indústria comunitária da aviação a médio prazo (1994/1997) se afiguram positivas, prevendo-se um aumento do tráfego de 6% ao ano (p. 82).

    89 A recorrente salienta ainda que a Comissão, na decisão recorrida, adoptou uma posição contrária à que desenvolveu a respeito da emissão das ORA pela Air France em Julho de 1992; efectivamente, a Comissão considerou então que o facto de dispor, no ano 2000, de acções da Air France constituía um «importante trunfo, tendo em conta as perspectivas de desenvolvimento do grupo Air France e o crescimento do valor da sociedade». A recorrente afirma que, embora entre Julho de 1992 e o início de 1993 a situação da Air France se tivesse certamente degradado, nem por isso diminuíram as perspectivas da empresa a longo prazo. Devido a dificuldades passageiras com que deparou durante esse período, apenas o risco assumido pelos investidores aumentou, o que se traduziu no acréscimo de remuneração paga no âmbito das emissões de Abril de 1993 relativamente às de 1992.

    90 A recorrente conclui daqui que a Comissão, na decisão recorrida, não podia afirmar que um investidor normal não teria procedido a um investimento neste sector, nem acusar a CDC-P de, a partir do início de 1993, ter antecipado essa evolução geral do mercado do transporte aéreo. A CDC-P, consciente das dificuldades financeiras da Air France, reflectidas nas suas contas de 30 de Setembro de 1992, considerou, assim, que essas dificuldades eram apenas passageiras e deveriam evoluir para um contexto global favorável que fizesse a Air France regressar, a prazo, a uma situação de rentabilidade. Esta análise era, aliás, partilhada pelos investidores privados que subscreveram as emissões litigiosas.

    91 Em qualquer caso, no momento em que adoptou a sua decisão - quando estavam apenas disponíveis as contas da Air France até 30 de Setembro de 1992, dado que não tinham ainda sido publicadas as contas definitivas do exercício de 1992 -, a CDC-P tinha razões para ter em conta o resultado de exploração positivo realizado pelo grupo Air France no exercício de 1991 (213 milhões de FF) e os resultados líquidos positivos obtidos durante os exercícios de 1983 a 1989 (685 milhões de FF em 1989). Neste contexto, a recorrente remete para o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão (234/86, Colect., p. 2263, n._ 15), nos termos do qual um sócio privado pode razoavelmente contribuir com o capital necessário para assegurar a sobrevivência de uma empresa que conhece dificuldades passageiras mas que, eventualmente depois de uma reestruturação, seja capaz de reencontrar a sua rentabilidade.

    92 A Comissão refere, em primeiro lugar, que não afirmou que um investidor privado não teria procedido a um investimento no sector dos transportes aéreos. Analisou antes a questão de saber se, tendo em conta a situação financeira da Air France, um investidor privado teria investido 1,5 mil milhão de FF no momento em que a decisão da CDC-P foi adoptada. Ora, foi, designadamente, a falta de um plano de reestruturação válido que levou a uma resposta negativa a esta questão.

    93 É incorrecto afirmar que a decisão da CDC-P de investir foi adoptada tendo em conta o programa de reestruturação CAP'93. Efectivamente, este programa foi substituído, em Outubro de 1992, pelo plano PRE 1. Como resulta da nota das autoridades francesas de 7 de Janeiro de 1994, o investimento da CDC-P «insere-se precisamente no âmbito de um plano de reestruturação significativo apresentado no Outono de 1992 (plano de retorno ao equilíbrio)». A este respeito, a Comissão recorda que, na decisão recorrida (pp. 33 e 34), analisou o PRE 1 detalhadamente e considerou-o insuficiente para, mesmo a longo prazo, restabelecer a viabilidade económica da Air France. Ao assim proceder, analisou o PRE 1 como foi apresentado em Outubro de 1992 e não o avaliou com base nos acontecimentos ocorridos posteriormente à decisão em litígio de investir.

    94 Por outro lado, a recorrente afirma incorrectamente que apenas as contas da Air France até 30 de Setembro de 1992 estavam disponíveis no momento em que a CDC-P adoptou a decisão de investir. A dimensão das perdas sofridas pela Air France em 1992 era previsível e estava parcialmente demonstrada a partir de Novembro de 1992. Efectivamente, já em 13 de Outubro, 7 de Novembro e 15 de Dezembro de 1992, artigos publicados na imprensa referiam que o presidente e o director-geral da Air France tinham anunciado que a previsão de prejuízos consolidados para o ano de 1992 era da ordem dos 3 mil milhões de FF. A perspectiva de perdas de 3,2 mil milhões de FF foi referida expressamente num prospecto da Air France relativo a um empréstimo em Fevereiro de 1993, que foi visado pela Comissão das Operações da Bolsa (a seguir «COB») em 25 de Janeiro de 1993. É inadmissível que a CDC-P, que estava em negociações com a Air France desde Novembro de 1992, não conhecesse esses números e ignorasse a grave deterioração que os mesmos representavam relativamente aos prejuízos anteriores.

    95 Ao contrário do que a recorrente afirma, o contexto imediato do investimento controverso não levaria de modo algum, por isso, a conceber que um investidor privado o tivesse efectuado. A gravidade da situação da Air France era conhecida da recorrente. O aumento de 11,2% do tráfego por ela referido, relativamente aos onze primeiros meses de 1992, não constituiu qualquer sinal de melhoria dado que, durante o mesmo período, a receita unitária registada pela Air France baixou 8,1%. Acresce que o desempenho da Air France em 1992 em relação aos seus concorrentes foi relativamente medíocre: a Air France aumentou 8,9% o número de passageiros transportados por quilómetro, enquanto a British Airways progrediu 15,4%, a Lufthansa 14% e a KLM 16,1%, sendo a taxa média de aumento sob este aspecto em 1992, para o total das companhias da AEA, de 13,3%.

    96 A perspectivas a médio e longo prazo também não eram, no entender da Comissão, susceptíveis de incentivar um investidor privado avisado a investir na Air France na época em que a CDC-P adoptou a sua decisão. A Comissão considera que o estudo da companhia Rothschild invocado pela recorrente não analisa as consequências da liberalização dos transportes aéreos em 1997, nem a situação financeira da Air France e não aborda os problemas ligados à sua produtividade. No que respeita ao relatório redigido pela Lehman Brothers, a Comissão realça que o mesmo data de Setembro de 1993, pelo que o seu conteúdo e conclusões não eram conhecidos pela CDC-P no momento da decisão de investir. Em qualquer caso, o referido relatório, no que respeita à Air France, afirma: «until recently, lack of strategic vision and restrictive work practices have been at the heart of continual and heavy group losses». Do mesmo modo, o relatório estabelece uma ligação entre o potencial da Air France para se tornar uma das companhias europeias mais rentáveis e a sua capacidade de reduzir consideravelmente os custos. Ora, o PRE 1, em vigor na época em causa, não previa qualquer medida real de redução dos custos da Air France.

    - Apreciação do Tribunal

    97 A decisão recorrida refere detalhadamente a situação económica da Air France, salientando, designadamente, a acentuada degradação da sua estrutura financeira durante os três anos que antecederam o investimento litigioso. A Comissão realça que a Air France acumulou perdas continuadas que atingiram 717 milhões de FF em 1990, 685 milhões de FF em 1991 e 3,2 mil milhões de FF em 1992, tendo assim as perdas quadruplicado relativamente a 1991, apesar da adopção, em 1991, do plano de reestruturação CAP'93 e da injecção, em 1991 e 1992, de 5,84 mil milhões de FF (v. supra, n._ 2). Por outro lado, considera que o novo plano de reestruturação PRE 1, adoptado em Outubro de 1992, não permitia manifestamente, mesmo a longo prazo, que a Air France recupera-se da sua difícil situação.

    98 Neste contexto, a Comissão, no exercício do poder de apreciação que detém na matéria, não era obrigada a atenuar o resultado negativo a que tinha chegado, através da tomada em consideração de alguns sinais e perspectivas de melhoria alegados pela recorrente, dado que os mesmos podiam ser considerados insignificantes relativamente à situação económica e financeira geral da Air France. A este respeito, basta remeter para o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1991, Itália/Comissão (C-261/89, Colect., p. I-4437, n._ 14), no qual o Tribunal de Justiça, em lugar de obrigar a Comissão a proceder a uma compensação detalhada entre todos os elementos negativos e positivos, admitiu, relativamente à empresa Aluminia, a apreciação global segundo a qual a existência de um resultado positivo, pressupondo que tenha sido previsível, não seria suficiente para incitar um hipotético investidor privado a efectuar a entrada de capital em causa, porque esse resultado era ainda demasiado baixo para contrariar o excessivo volume da dívida e as pesadas perdas.

    99 Sem contestar a veracidade dos elementos supra indicados, referidos pela Comissão na decisão recorrida, a recorrente avança, contudo, uma série de acusações às apreciações da Comissão.

    100 Em primeiro lugar, afirma que, na data em que teve lugar o investimento litigioso, não tinham ainda sido publicadas as contas definitivas do exercício de 1992 que evidenciavam o prejuízo de 3,2 mil milhões de FF sofrido durante esse ano, pelo que, nessa data, a CDC-P não podia ainda conhecer este resultado negativo.

    101 A este respeito, deve recordar-se que artigos surgidos na imprensa em Outubro, Novembro e Dezembro de 1992, no Le Figaro, no Financial Times e no Le Monde referiam que o grupo Air France previa um défice de 3 mil milhões de FF para o exercício de 1992. Por outro lado, um prospecto relativo a um empréstimo emitido pela própria Air France, de 25 de Janeiro de 1993, e que foi visado pela COB, referia as seguintes «perspectivas de futuro»: «o resultado líquido consolidado (parte do grupo) do exercício de 1992 é hoje calculado como um prejuízo de 3,2 mil milhões de FF». A Comissão podia, assim, correctamente considerar que um investidor privado avisado estaria ao corrente destes números, tanto mais que esse investidor, a CDC-P, estava envolvida em negociações com a Air France desde Novembro de 1992. A acusação dirigida à tomada em consideração pela Comissão do prejuízo de 3,2 mil milhões de FF registado em 1992 deve, por isso, ser julgada improcedente.

    102 Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter menosprezado o carácter positivo dos objectivos acumulados no plano de reestruturação PRE 1 e do programa CAP'93 - ainda em vigor em Abril de 1993 - e de ter baseado a decisão recorrida em circunstâncias posteriores à data em que foi adoptada a decisão de investimento, dado que o falhanço do plano PRE 1 resultou, efectivamente, de acontecimentos posteriores àquela data.

    103 A este respeito, há que salientar que a decisão recorrida, após descrever as medidas adoptadas pelo PRE 1, conclui que este é omisso sobre vários aspectos, e que apresenta determinadas deficiências. Assim, a Comissão salienta, designadamente, que, para além da criação do centro de distribuição de tráfego no aeroporto Charles-de-Gaulle de Roissy-en-France, não foi prevista qualquer outra medida para aumentar as receitas, e que o plano não analisava a evolução previsível do mercado em vias de liberalização, não previa qualquer adaptação da política comercial da Air France à capacidade excessiva temporária dos transportes aéreos, mas, pelo contrário, prosseguia uma estratégia de investimento e também não previa quaisquer outras medidas de reestruturação em caso de continuar a degradação da situação económica da companhia. Neste contexto, nenhuma circunstância posterior a Fevereiro de 1993 é referida ou tomada em consideração na decisão recorrida. Face a estas apreciações, a recorrente limita-se a afirmar que a decisão de investir adoptada pela CDC-P foi em larga medida condicionada pela aplicação do PRE 1, reiterando os objectivos por este prosseguidos, e a enumerar os resultados previstos. O Tribunal considera que esta forma de argumentação não é susceptível de demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o PRE 1 era insuficiente para, mesmo a longo prazo, restabelecer a viabilidade económica e a rentabilidade da Air France.

    104 Quanto à relevância do programa CAP'93, há que salientar, por um lado, que durante a fase administrativa do processo, as autoridades francesas não demonstraram qualquer relação entre o investimento em litígio no presente processo e o programa CAP'93. Pelo contrário, na carta de 7 de Janeiro de 1994, referiram que este investimento se inscrevia apenas no âmbito do PRE 1. Por outro lado, o CAP'93, acompanhado de uma injecção de 5,84 mil milhões de FF em 1991 e 1992, resultou na quadruplicação dos prejuízos da Air France que, em 1992, atingiram 3,2 mil milhões de FF. Consequentemente, a Comissão procedeu correctamente ao não ter tido em conta, na decisão recorrida, o programa CAP'93.

    105 Por último, a recorrente afirma que a Comissão, ao considerar que nenhum investidor privado avisado efectuaria o investimento litigioso, entra abertamente em contradição com as suas próprias estimativas optimistas quanto à evolução do sector da aviação civil comunitária em geral, e da Air france em particular. Acrescenta que estas estimativas optimistas eram, aliás, partilhadas por peritos do sector bancário.

    OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC: 694A0358.1

    106 Na medida em que a recorrente remete também para as decisões adoptadas pela Comissão em 20 de Novembro de 1991 e 15 de Julho de 1992 (v. supra, n._ 2), deve, desde logo, declarar-se que a recorrente refere o texto do comunicado de imprensa relativo a essas decisões, que traduz uma avaliação bastante mais optimista quanto às perspectivas do grupo Air France do que o texto das próprias decisões. Estas decisões limitam-se, efectivamente, a considerar as operações financeiras em causa compatíveis com o princípio do investidor privado avisado, pelo motivo que as perspectivas de rendimento a longo prazo do investimento superam, «com base nos dados disponíveis», as dificuldades a curto prazo resultantes da «estrutura financeira actual» do grupo Air France. Além disso, na decisão de 20 de Novembro de 1991, a Comissão declara que «reserva expressamente a sua posição no que respeita a novos aumentos de capital da Air France em 1992 e 1993» e que a sua decisão sobre essas operações dependerá de uma «apreciação actualizada da situação económica e financeira da empresa, da aplicação do contrato-plano», etc.

    107 Mostra-se, assim, que a própria Comissão limitou no tempo o alcance da sua avaliação relativamente às perspectivas do grupo Air France, o que já exclui uma contradição com a avaliação feita posteriormente na decisão recorrida. Por outro lado, embora as decisões de 1991 e 1992 tivessem autorizado a injecção de 5,84 mil milhões de FF, tiveram igualmente em consideração o plano de reestruturação CAP'93, que acabava de ser lançado e ao qual, na época, a Comissão não tinha, aparentemente, nada a apontar. Como acima se verificou, só no início de 1993 é que um investidor privado avisado se teria dado conta de que, apesar do CAP'93 e dos 5,84 mil milhões de FF injectados, os prejuízos da Air France iriam quadruplicar e que o plano de reestruturação subsequente (PRE 1) não era suficiente. Uma vez verificado isto, a Comissão, na decisão recorrida, podia considerar que as perspectivas do grupo Air France a médio e longo prazo eram más, sem entrar em contradição com as duas decisões anteriores.

    108 Quanto às Decisões 94/118, de 21 de Dezembro de 1993 (Aer Lingus), e 94/653, de 27 de Julho de 1994 (Air France), já referidas, a Comissão, tal como na decisão recorrida, considerou que a situação económica e financeira das empresas em causa era tal que nenhum investidor privado avisado teria efectuado as operações financeiras criticadas. Estas últimas, assim como as objecto do presente processo, foram, por isso, qualificadas como auxílios de Estado. Apenas em aplicação das disposições derrogatórias do artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado é que a Comissão, por um lado, admitiu a existência de dois planos de reestruturação válidos e, por outro, considerou que os auxílios de Estado projectados se justificavam pela situação da aviação civil comunitária, cujas perspectivas seriam positivas a médio e a mais longo prazo. Consequentemente, não existem contradições no que respeita à aplicação do critério do investidor privado avisado.

    109 Quanto às estimativas positivas da companhia financeira Edmond de Rothschild Banque e do banque d'affaires Lehmann Brothers, as mesmas referem-se ao sector aeronáutico como tal e às possibilidades de desenvolvimento da Air France. Ora, até a Air France apresentar um plano de reestruturação convincente - o que não era o caso no início de 1993 (v. supra, n._ 103) -, a Comissão podia correctamente considerar que a Air France não beneficiava do seu eventual potencial de desenvolvimento, nem de uma evolução positiva do sector da aviação civil comunitária.

    110 Resulta do que antecede que improcede o argumento que consiste na análise errada do contexto da decisão de investimento.

    Quanto ao argumento que consiste em erro manifesto na aplicação do princípio do investidor privado avisado, tendo em conta as características dos títulos emitidos

    - Argumentos das partes

    111 A recorrente considera que as emissões em litígio constituem operações de mercado realizadas em condições de mercado e acusa a Comissão, em primeiro lugar, de, na decisão recorrida, ter ignorado o facto de que o investimento litigioso era efectuado através de uma oferta pública ao aforro e, longe de ser reservado apenas à CDC-P, estava aberto a qualquer investidor interessado. Esta oferta pública ao aforro implicou, nos termos das disposições nacionais aplicáveis, a sujeição ao controlo prévio da COB de um prospecto relativo às emissões projectadas. Ora, dado que a COB apôs o seu visto no prospecto elaborado para as emissões de Abril de 1993, é evidente que esta entidade considerou que o projecto não fazia os investidores correr riscos insuportáveis. A COB nem mesmo fez uso da possibilidade, que lhe é reservada pela legislação nacional aplicável, de formular uma advertência e pedir a respectiva inserção no prospecto.

    112 A recorrente, referindo-se às funções confiadas à COB, alega que, mesmo que o controlo da compatibilidade dos riscos com o interesse dos investidores não signifique sistematicamente o controlo da oportunidade da operação projectada, na prática, a COB não hesita em recusar o seu visto a operações que apresentem demasiados riscos. A COB podia recusar a concessão do seu visto às emissões litigiosas ou inserir uma advertência chamando a atenção dos investidores para os riscos que corriam, caso tivesse considerado que a subscrição implicava riscos incompatíveis com os interesses dos aforradores. Consequentemente, a Comissão não podia concluir, a não ser que impugnasse o visto da COB, a que nem mesmo se refere na decisão recorrida, que as perspectivas de rentabilidade do investimento da CDC-P eram tais que um investidor privado não faria a subscrição.

    113 Em segundo lugar, a recorrente contesta a posição da Comissão quanto ao carácter pouco usual, nos mercados financeiros, dos títulos emitidos pela Air France e subscritos pela CDC-P. Efectivamente, as maiores empresas francesas, só nos anos de 1990 e 1991, por exemplo, procederam a emissões semelhantes. As ORA e os TSIP-BSA em litígio têm natureza adequada na medida em que, desde logo, garantem aos subscritores uma remuneração certa a curto e a médio prazo e permitem, em seguida, esperar um «efeito de alavanca» significativo a longo prazo, ao darem acesso ao capital da Air France. De qualquer modo, a Comissão não apresentou provas de que as características dos títulos emitidos não são normais para este tipo de produtos. Assim, ao contrário de um empréstimo concedido a taxa inferior à do mercado, em que o elemento de auxílio é constituído pela diferença entre a taxa normal e a taxa derrogatória, a operação de investimento em litígio no presente processo não envolve qualquer elemento de auxílio.

    114 Na réplica (n.os 103 a 107), a recorrente, no âmbito da avaliação dos TSIP em litígio, declara que a Air France emitiu em Fevereiro e Junho de 1993 dois empréstimos obrigacionistas de 1,5 mil milhão de FF cada um, que foram dirigidos pelo Crédit Lyonnais. Acrescenta que a remuneração paga pelos TSIP após o ano 2000, comparada com o juros pagos durante o mesmo período relativamente aos TSIP emitidos na mesma altura pelo Crédit Lyonnais, pelo CIC e pelo Banque La Henin, se situa dentro das «margens de mercado». Por último, compara as condições das emissões dos TSIP-BSA em litígio com as das emissões de obrigações acompanhadas de cupões de subscrição de acções (OBSA), que considera tratar-se de um produto financeiro de características muito próximas dos TSIP-BSA, bem como, por analogia, com as emissões de obrigações convertíveis (OC) feitas a partir de 1990.

    115 Por outro lado, salienta que os ORA e os TSIP-BSA têm em vista que os respectivos titulares se tornem accionistas após um período de observação remunerado, pelo que a decisão de subscrever este tipo de produtos se explica pela remuneração paga durante o período do empréstimo, bem como pela expectativa de lucro através da realização de uma mais-valia significativa sobre as acções no momento da conversão das obrigações em acções. A análise da Comissão baseada apenas na situação financeira da Air France nos anos de 1992 e 1993 não é, por isso, relevante do ponto de vista financeiro; qualquer apreciação sobre a rentabilidade do investimento teria de pressupor a análise da situação financeira da Air France até ao ano 2000. Os BSA ligados aos TSIP permitem aos respectivos titulares subscrever novas acções da Air France, e isto ao preço de 517 FF por acção, enquanto que o valor calculado de cada acção era, na época, de 849 FF «tendo como horizonte o ano 2000», como resulta de um documento da Air France de 19 de Fevereiro de 1993. A afirmação feita na decisão recorrida de que os BSA não teriam valor uma vez que as acções subjacentes não teriam valor na data projectada para a respectiva subscrição é, por isso, arbitrária.

    116 No que respeita mais em especial aos TSIP, a recorrente recorda que o contrato de emissão prevê uma cláusula de reembolso antecipado por iniciativa da Air France a partir de 1 de Janeiro de 2000. A CDC-P podia, assim, considerar que o mecanismo de margem progressiva que afecta a taxa de juro variável a partir do exercício do ano 2000 levaria a Air France a reembolsar os TSIP antecipadamente em 1 de Janeiro de 2000. Este mecanismo de incentivo ao reembolso antecipado deveria levar um investidor avisado, como a CDC-P, a analisar os TSIP emitidos como obrigações clássicas com vencimento em 1 de Janeiro de 2000, acrescidas de juros fixos e progressivos variáveis de 5,5% a 8,5% e que beneficiavam de uma taxa actuarial de rendimento de 7%.

    117 Na audiência, a recorrente explicitou esta acusação. Em seu entender, a Comissão cometeu dois erros de apreciação fundamentais. Por um lado, depois de qualificar as ORA como investimento accionista e aumento diferido de capital, declarou que «considerações semelhantes são válidas para os TSIP-BSA» (decisão recorrida, p. 32). Ao assim proceder, a Comissão desvirtuou os TSIP considerando-os como títulos de participação, embora os TSIP sejam essencialmente um produto obrigacionista que rende juros e que, segundo a opção do investidor, só eventualmente pode dar acesso ao capital da Air France. Por outro lado, ao afirmar (p. 32, igualmente) a respeito dos mesmos TSIP-BSA que «o detentor dos títulos pode não exercer o seu direito de subscrição e decidir continuar a receber juros após 1 de Janeiro de 2000 até que a empresa decida reembolsar os títulos», a Comissão dá a entender que a renúncia à conversão dos BSA em acções implica para o subscritor o direito de continuar a receber juros a partir de 1 de Janeiro de 2000. Ora, trata-se de duas questões completamente diferentes, dado que os BSA são independentes dos TSIP e susceptíveis de cessão enquanto tais.

    118 A recorrente salienta, por último, a potencialidade de mais-valias que seria de esperar da futura privatização da Air France. O sucesso da privatização da British Airways, mas também a perspectiva, no final de 1992, de uma mudança da maioria política em França em Abril de 1993, permitiam prever essa evolução. Esta perspectiva de privatização futura esteve em discussão na época em que foi realizado o investimento litigioso, como testemunham declarações feitas por representantes da futura maioria no poder. A CDC-P podia, assim, legitimamente, no fim de 1992 e no início de 1993 - ou seja, alguns meses antes das eleições legislativas francesas, cujo resultado não sofria então qualquer dúvida - esperar uma futura privatização da Air France que tivesse por efeito aumentar a prazo a liquidez das acções da Air France de que se tornava proprietária através dos títulos litigiosos.

    119 Quanto à natureza dos títulos emitidos pela Air France, subscritos pela CDC-P, a Comissão lembra ter examinado aprofundadamente as respectivas características (decisão recorrida, pp. 28 a 29 e 32).

    120 Acrescenta que o carácter excepcional das ORA é comprovado pelo facto de, em 1993, a Air France ser a única empresa emissora de ORA simples e de a respectiva emissão representar 70% do volume total de ORA emitidas em França, incluindo todos os tipos. Às outras duas emissões de ORA em 1993 estavam ligados BSA; as sociedades emissoras estavam cotadas na Bolsa. As ORA da Air France foram as únicas a ser emitidas fora do mercado regulamentado; na falta de cotação e de mercado secundário, estas ORA teriam pouca liquidez, tanto mais que são nominativas. Por outro lado, em caso de dissolução da empresa, os titulares seriam reembolsados da mesma forma que os accionistas, após todos os demais credores.

    121 Quanto aos TSIP-BSA, a Comissão salienta que, em 1993, a Air France era a única sociedade a emitir este tipo de títulos, cujo carácter pouco usual é demonstrado pelo facto de uma única emissão de TSIP ter tido lugar em 1992 e nenhuma em 1991. Acrescenta que os TSIP-BSA têm a mesma natureza pouco líquida das ORA. Dado que nenhuma emissão de TSIP para além da da Air France teve lugar em 1993, as comparações feitas pela recorrente com as emissões de TSIP por outras sociedades são irrelevantes. Em qualquer caso, os outros TSIP são muito diferentes dos emitidos pela Air France. Na tréplica, a Comissão não toma posição sobre os pormenores da argumentação desenvolvida na réplica relativamente à avaliação dos TSIP-BSA em litígio, bem como quanto à respectiva comparação com TSIP emitidos por outras sociedades ou com outros tipos de títulos emitidos.

    122 A Comissão considera que o acesso ao capital da Air France - a prazo para os titulares dos ORA, eventual para os titulares dos TSIP-BSA - não permitia esperar um «efeito de alavanca» significativo a longo prazo, em termos de mais-valia potencial. A própria recorrente reconheceu na petição que, em Março de 1993, era difícil prever o valor das acções da Air France no ano 2000 e a importância da eventual mais-valia; contudo, um mês antes, o valor estimado de cada acção no referido prazo foi calculado com precisão em 849 FF. Ora, a Comissão salienta que, em Dezembro de 1994, o preço de cada acção da Air France foi fixado em 78 FF por despacho do ministro da Economia e Finanças nos termos do parecer emitido pela comissão de privatização.

    123 A natureza pouco usual da subscrição litigiosa é confirmada pelo facto de que, apesar do carácter alegadamente atractivo das emissões em causa, apenas a CDC-P mostrou verdadeiro interesse pelas mesmas, dado que, sozinha, subscreveu 99,9% dos TSIP-BSA e 99,7% das ORA, apesar de ser titular apenas de 0,53% do capital da Air France. A Comissão conclui que a situação financeira da Air France, designadamente a dimensão dos prejuízos registados e o nível do endividamento, bem como as deficiências inerentes ao PRE 1 e as insuficiências do mesmo para recuperar de tal situação, colocavam a Air France na impossibilidade de obter os valores em causa nos mercados de capitais e que, por isso, um investidor privado não teria investido na Air France importâncias desse volume.

    124 A Comissão considera que a concessão pela COB do visto não constitui uma ratificação, para todos os efeitos, da emissão litigiosa. Este visto comprova apenas que a informação apresentada aos potenciais investidores é suficiente para que possam tomar a sua decisão com pleno conhecimento de causa. O referido visto não implica qualquer apreciação sobre a oportunidade das operações projectadas ou sobre a correcção dos seus métodos; o visto é aposto quando a COB aprova a regularidade formal da operação.

    125 Na medida em que a recorrente a acusa de ter desvirtuado os TSIP-BSA, a Comissão declarou na audiência que, em seu entender, o essencial não era propriamente as características técnicas ou específicas das ORA, por um lado, e, por outro, dos TSIP-BSA, mas sobretudo o princípio do investimento na Air France. Além disso, não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar característica principal dos TSIP-BSA a conversão facultativa, relativamente à conversão obrigatória das ORA no seu vencimento. Por último, no prospecto relativo às emissões em litígio, a própria Air France referiu que a emissão tanto das ORA como dos TSIP-BSA tinha em vista o reforço a prazo dos seus capitais próprios.

    - Apreciação do Tribunal

    126 No que respeita, em primeiro lugar, à eventual incidência do visto que a COB apôs no prospecto relativo às emissões litigiosas, resulta do processo (réplica, n._ 115), que a recorrente não alega que, no caso concreto, a COB tenha efectivamente controlado a oportunidade, para um investidor privado avisado, de efectuar ou não a operação financeira em litígio; pelo contrário, a recorrente admite que um controlo sistemático desse tipo por parte da COB não teve lugar.

    127 A este respeito, há que declarar que, por meio da fórmula empregue, a COB declara apenas ter aposto «em aplicação dos artigos 6._ e 7._ do Despacho n._ 67-833 de 28 de Setembro de 1967... o seu visto n._ 93-138 de 25 de Março de 1993 no presente prospecto». Mostra-se, assim, efectivamente, que aquela entidade não emitiu um parecer fundamentado contendo apreciações económicas e financeiras contrárias às constantes da decisão recorrida, as quais a Comissão, se fosse caso disso, podia e devia ter em conta.

    128 No que respeita, em segundo lugar, à acusação de que a Comissão não teve em atenção o valor e as características dos títulos emitidos, há que analisar, desde logo, se a Comissão equiparou erradamente os TSIP-BSA aos ORA.

    129 A passagem correspondente da decisão recorrida (p. 32) tem a seguinte redacção:

    «A subscrição pela CDC-P das ORA pode ser comparada a um investimento accionista destinado a reforçar o capital da companhia aérea. As ORA são obrigações que serão obrigatoriamente convertidas em acções e, numa perspectiva financeira, representam um aumento diferido de capital. No caso das ORA, a rentabilidade do investimento depende, tal como descrito supra, dos resultados financeiros da empresa e do valor das acções aquando da conversão. Considerações semelhantes são válidas para os TSIP-BSA. Embora os TSIP-BSA não sejam obrigatoriamente convertidos em acções...».

    130 Para efeitos de uma interpretação objectiva da equiparação destes dois tipos de títulos («considerações semelhantes são válidas»), esta passagem deve ser inserida no contexto da fundamentação geral consagrada aos títulos emitidos. A este respeito, as características essenciais dos mesmos títulos estão correctamente descritas na decisão recorrida (pp. 28 e 29) e a recorrente, aliás, nunca contestou esta descrição enquanto tal. Não pode, por isso, tratar-se de confusão, pela Comissão, dos mecanismos de funcionamento das ORA, por um lado, e dos TSIP-BSA, por outro.

    131 Quanto à apreciação económica dos títulos emitidos, a qualificação de «investimento accionista» e de «aumento diferido de capital», que é incontestavelmente exacta para as ORA, na medida em que são obrigatoriamente convertidas em acções, é também válida para os BSA, com a reserva - realçada pela própria Comissão - de que a sua conversão em acções é apenas facultativa.

    132 No que respeita aos TSIP, embora seja certo que apenas auferem juros sem conferirem direito à conversão em acções, é também verdade que, na realidade, apenas são reembolsáveis no caso de liquidação ou de dissolução da Air France; efectivamente, na data relevante, no início de 1993, qualquer reembolso antecipado pela Air France, devido aos prejuízos sofridos e à ausência de um plano de reestruturação válido, pareceria irrealizável aos olhos de um investidor privado avisado. Consequentemente, a Comissão podia considerar que os TSIP tinham «duração indeterminada» (p. 28), sem cometer um erro manifesto de apreciação.

    133 Por outro lado, o prospecto da Air France relativo às emissões em litígio (anexo 2 à petição) refere expressamente no capítulo II, alínea b), 2.1.7, que a emissão dos TSIP-BSA «tem em vista o reforço a prazo dos capitais próprios da sociedade». Além disso, a recorrente reiterou esse ponto de vista durante a fase escrita do processo [petição, n._ 24, alínea a)] salientando que «ao contrário de outros produtos como empréstimos obrigacionistas clássicos... os TSIP-BSA destinam-se a conferir aos respectivos titulares a qualidade de accionistas após um período de observação remunerado». Assim, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao equiparar, em certa medida, os TSIP-BSA às ORA.

    134 Em qualquer caso, a Comissão podia considerar que, tendo em conta a situação económica da Air France que não parava de se degradar e a ausência de um plano de reestruturação válido, um investidor privado avisado, no início de 1993, não procederia à subscrição da quase totalidade das ORA e dos TSIP emitidos pela Air France, como fez a CDC-P e, por detrás desta, a Caisse. Efectivamente, não existiam perspectivas de reembolso pela Air France dos capitais investidos, quer fosse em acções quer através da restituição dos fundos entrados. Não está, assim, demonstrado que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que o valor das futuras acções subjacentes às ORA e aos BSA era despiciendo e ao sublinhar que os TSIP apresentavam os inconvenientes adicionais de só serem reembolsáveis após serem pagos todos os demais créditos, com excepção das ORA, no caso de dissolução ou de liquidação da Air France, e de implicarem a suspensão do pagamento dos respectivos juros do ano em que a Air France registe um prejuízo consolidado superior a 30% do seu capital. Por outro lado, é significativo que nenhum dos outros três bancos privados que participaram efectivamente no investimento litigioso quisesse subscrever os TSIP.

    135 Dado que a Comissão, nos termos do seu poder discricionário de apreciação, podia julgar o investimento litigioso no seu conjunto, não era obrigada a isolar o elemento de auxílio contido em cada ORA ou TSIP-BSA por comparação com as eventuais condições normais do mercado, designadamente tendo em conta as respectivas taxas de juro e de rendimento interno. Esta verificação é também correcta no que respeita à comparação dos TSIP-BSA com outros títulos alegadamente semelhantes. Efectivamente, estes elementos de comparação, mesmo que a Comissão não os tenha contestado no essencial, são irrelevantes, dado que a recorrente não afirmou e, menos ainda demonstrou, que, por um lado, esses títulos apresentavam riscos equiparáveis aos dos TSIP - designadamente no que respeita às condições desfavoráveis do respectivo reembolso no caso de dissolução ou de liquidação da sociedade emissora - e, por outro, que as outras sociedades emissoras além da Air France se encontravam, à data da emissão, em situação económica e financeira equiparável à da Air France no início de 1993.

    136 Tendo em conta o que precede, é também inútil analisar se a Comissão teve ou não em conta o carácter independente dos BSA relativamente aos TSIP, ao referir que «o detentor dos títulos pode não exercer o seu direito de subscrição e decidir continuar a receber juros...». Efectivamente, tanto os BSA como os TSIP podiam ser considerados como não apresentando - nem em conjunto nem individualmente - um valor real que justificasse, na óptica de um investidor privado avisado, proceder a um investimento da dimensão do que efectuou a CDC-P, ou seja, a Caisse.

    137 O mesmo se passa pelo facto de, na Decisão 94/653, de 27 de Julho de 1994, já referida (v. supra n._ 26), a Comissão ter qualificado as ORA como quase fundos próprios da Air France e os TSIP-BSA como dívidas. Efectivamente, tendo em conta as características dos TSIP e o respectivo valor real, como acima foram referidas, a questão de saber se a qualificação constante da Decisão 94/653 para determinar a ratio do endividamento da Air France está em conformidade com as normas relativas à elaboração do balanço pode certamente ser suscitada num eventual litígio relativo a essa decisão, mas não é relevante no presente contexto.

    138 Por último, na medida em que a recorrente realça a potencialidade de mais-valias das acções da Air France em consequência da sua esperada privatização após as eleições legislativas francesas, basta declarar que estas perspectivas, no caso concreto, têm um carácter demasiado vago e não podem, por isso, ser consideradas como motivos válidos susceptíveis de levar um investidor privado avisado a colocar valores correspondentes ao investimento da CDC-P, ou seja, da Caisse.

    139 De tudo o que antecede resulta que improcede igualmente o argumento que consiste em erro na aplicação do princípio do investidor privado avisado, tendo em conta as características dos títulos emitidos.

    Quanto à acusação de erro na análise quanto ao alcance da subscrição pelos outros accionistas privados da Air France e quanto ao alcance de outros investimentos na Air France

    - Argumentos das partes

    140 A recorrente acusa a Comissão de, na decisão recorrida, se ter limitado a declarar que as participações detidas pelos accionistas privados da Air France representam apenas 0,132% do seu capital, que a parte dos títulos que subscreveram é, por isso, insignificante e que um banco de investimento pode arriscar-se a alguns investimentos menos seguros para diversificar a sua carteira de títulos. Ora, no entender da recorrente, há que salientar que nada obrigava os investidores privados que, na sua qualidade de accionistas, conheciam a situação da Air France a subscreverem as emissões litigiosas.

    141 A recorrente acrescenta que, em conformidade com o acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, já referido (n.os 19 e 20), a Comissão deveria ter analisado os riscos assumidos pelos investidores privados relativamente à sua dimensão financeira, a fim de avaliar se, caso tivessem dimensão idêntica à da CDC-P, seriam levados a investir 1,5 mil milhão de FF. Ora, a análise da Comissão limitou-se à verificação do valor absoluto dos investimentos privados.

    142 Além disso, a Comissão não teve em conta o facto de os investidores privados pretenderem adquirir um número de títulos proporcionalmente superior às participações respectivas no capital da Air France, tendo a sua subscrição sido, contudo, limitada, a fim de evitar que a subscrição em litígio fosse considerada, nos termos da legislação nacional, uma privatização parcial.

    143 A recorrente contesta, porém, a argumentação da Comissão segundo a qual a legislação em matéria de privatização parcial foi a causa da fraca participação dos outros accionistas privados da Air France nas emissões litigiosas. Na realidade, os pedidos desses accionistas não puderam ser satisfeitos na totalidade porque o Estado francês renunciou ao seu direito de preferência na subscrição, tendo sido atribuída à CDC-P a maior proporção dos títulos que ficaram disponíveis. Ora, a CDC-P não quis renunciar ao direito de subscrição que lhe era atribuído por força do estipulado no contrato de emissão.

    144 Na réplica, a recorrente referiu, na passagem relativa à avaliação dos TSIP (v. supra, n._ 114), dois empréstimos obrigacionistas de 1,5 mil milhão de FF cada um, emitidos pela Air France em Fevereiro e Junho de 1993 e dirigidos pelo Crédit Lyonnais. Na audiência, esclareceu estes elementos salientando que, na época em causa, outros investidores privados deram desse modo provas da sua confiança nas capacidades económicas e financeiras da Air France. A Air France foi, assim, capaz de emitir em Fevereiro e em Junho de 1993, junto de um grupo de cinco bancos, obrigações no valor de 3 mil milhões de FF bem como, em Outubro de 1993, um empréstimo de 300 milhões de FF que foi subscrito na totalidade por um banco privado americano (v. supra n._ 14). Os cinco bancos - nacionalizados e privados - fizeram repercutir essas obrigações sobre outros investidores privados, como caixas de pensões. Ora, todos estes investidores privados fizeram necessariamente a mesma análise positiva que a CDC-P no que respeita às perspectivas económicas e financeiras da Air France. Por outro lado, os grandes construtores de aviões confiaram também na Air France, dado que, em 1993, lhe venderam, com contratos de financiamento, oito aviões no valor de 3 mil milhões de FF.

    145 A Comissão refere-se às considerações desenvolvidas na decisão recorrida (pp. 31 a 32) e lembra a insignificância dos títulos subscritos pelos accionistas privados da Air France. Mesmo tendo em conta a vontade destes accionistas de subscreverem os títulos litigiosos por montante superior, esse montante global (cerca de 26 milhões de FF) representa apenas 3,3% do total da emissão, ou seja, um investimento pouco importante, sem risco significativo para os accionistas privados. Por outro lado, apenas a CDC-P, devido ao seu estatuto de entidade pública, estava em condições de subscrever as ORA a que o Estado francês tinha renunciado. Se a CDC-P pôde subscrever 99,7% das ORA, isto deveu-se precisamente ao facto de os accionistas privados estarem limitados nos seus direitos, por força da legislação francesa em matéria de privatização parcial, e à circunstância de o direito não exercido pelo Estado só o poder ser pela CDC-P.

    146 Quanto à argumentação desenvolvida pela recorrente na audiência (v. supra n._ 144), a Comissão, também na audiência, alegou que se trata de argumentos novos que não especificam nem os bancos implicados nem as características dos títulos emitidos.

    147 Além disso, recorda que a situação financeira da Air France era análoga à da empresa Boussac Saint Frères visada no acórdão França/Comissão, já referido (n._ 40), no qual o Tribunal de Justiça declarou que os investimentos privados de montante muito inferior ao das intervenções públicas não impediam que as medidas em causa fossem qualificadas como auxílios de Estado se a empresa beneficiária não fosse capaz de reunir os fundos necessários no mercado de capitais e, atendendo à sua situação financeira, não se pudesse prever uma rentabilidade aceitável dos investimentos em prazo razoável.

    - Apreciação do Tribunal

    148 No que respeita à participação de três accionistas privados no investimento em litígio, deve recordar-se que a decisão recorrida refere circunstanciadamente que determinados accionistas privados, ou seja, alguns membros do pessoal da Air France, bem como o Bank of New York/Londres, o Bankers Trust INT.PLC e o Granite Capital LP, subscreveram ORA e alguns TSIP, sendo certo que nenhum banco subscreveu TSIP. A decisão salienta, contudo, que as participações detidas por accionistas privados da Air France representam apenas 0,132% do seu capital e que a parte das ORA e dos TSIP por eles subscrita é insignificante (4 516 ORA sobre 1 877 526 e 14 TSIP sobre 483 456). A participação dos investidores privados na subscrição das ORA e dos TSIP-BSA não pode, consequentemente, excluir a possibilidade de as entradas de capital constituírem um auxílio de Estado. Por último, o facto de os três bancos terem solicitado subscrever ORA no valor de 25,9 milhões de FF - ou seja, 9,9 para o Bank of New York/Londres, 7,9 para o Bankers Trust INT.PLC e 7,9 para o Granite Capital LP - não tem qualquer significado decisivo, dado que as 65 025 ORA que os três bancos pretendiam subscrever representam apenas uma pequena percentagem (3,3%) do total das ORA que todos os investidores pretendiam subscrever (1 942 760).

    149 A este respeito, há que admitir que, tendo em conta os elementos de apreciação de que a Comissão dispunha e no âmbito do seu poder discricionário na matéria, podia razoavelmente considerar que quer o valor dos títulos que os investidores privados efectivamente subscreveram quer o dos títulos que pretendiam subscrever eram consideravelmente mais baixos do que o valor total dos títulos subscritos pela CDC-P, que pertence ao sector público. A Comissão podia, correctamente, concluir, sem cometer erro manifesto de apreciação, que as intenções dos investidores privados que se manifestaram no caso concreto não demonstram que um investidor privado avisado, com dimensão idêntica à da CDC-P, ou seja, também da Caisse, teria arriscado um investimento de 1,5 mil milhão de FF na companhia Air France.

    150 Na medida em que a recorrente se refere a três empréstimos obrigacionistas nos meses de Fevereiro, Junho e Outubro de 1993, deve recordar-se que a decisão recorrida aborda os dois primeiros empréstimos salientando que, no final de 1992, o balanço do grupo Air France evidenciava um desequilíbrio temporário devido ao peso excessivo das dívidas de curto prazo, «tendo esta situação sido... corrigida através de duas emissão de obrigações de longo prazo em Março e Junho de 1993, correspondentes a um montante total de 3 mil milhões de FF» (p. 30). Por outro lado, a Comissão, na contestação (n._ 100), remete para o prospecto relativo ao empréstimo obrigacionista de Fevereiro de 1993, a que foi aposto o visto da COB em 25 de Janeiro de 1993 (do qual três páginas constituem o anexo 23 à contestação), para demonstrar que a perspectiva do prejuízo de 3,2 mil milhões de FF era já conhecida na época.

    151 A este respeito, deve recordar-se, desde logo, que a comparação dos títulos litigiosos no caso concreto com outros tipos de títulos, como os três empréstimos obrigacionistas invocados pela recorrente, é irrelevante na medida em que a recorrente não alegou, e menos ainda demonstrou, que tais empréstimos obrigacionistas - reembolsáveis após um período determinado - apresentam características semelhantes aos riscos específicos das ORA e dos TSIP-BSA. Efectivamente, a recorrente não forneceu qualquer esclarecimento relativamente a esses empréstimos obrigacionistas (duração total, taxa de juro, amortizações, graduação dos créditos, eventual admissão na Bolsa, etc.). Também se não pronunciou sobre os bancos que subscreveram tais empréstimos obrigacionistas, nem sobre os investidores privados sobre os quais os empréstimos foram a final repercutidos (dimensão, eventuais diversificações, dimensão dos riscos decorrentes da subscrição dos empréstimos obrigacionistas). A argumentação relativa a tais empréstimos não demonstra, consequentemente, qualquer erro manifesto de apreciação da Comissão e, por isso, não pode merecer acolhimento.

    152 O mesmo se passa quanto ao argumento que consiste na venda de aviões à Air France com base em contratos de financiamento, dado que nenhum pormenor relativo a essas vendas - designadamente no que respeita às modalidades da transferência de propriedade dos aviões - foi fornecido pela recorrente.

    153 Resulta de tudo o que antecede que improcede também o argumento que consiste em erro de análise quanto ao alcance dos invocados investimentos privados.

    154 Dado que não procede qualquer dos argumentos adiantados em apoio da segunda parte do primeiro fundamento, esta não merece acolhimento. Consequentemente, o primeiro fundamento improcede na totalidade.

    2. Quanto ao fundamento que consiste em violação do artigo 190._ do Tratado

    Argumentos das partes

    155 A recorrente considera que a decisão recorrida deve ser anulada por falta de fundamentação. Efectivamente, o poder da Comissão de determinar aos Estados-Membros que ordenem a restituição dos auxílios de Estado ilegais abrange apenas os elementos de auxílio, ou seja, no caso concreto, a diferença entre a taxa de remuneração normalmente oferecida no mercado financeiro para produtos equiparáveis aos títulos emitidos pela Air France e a taxa de remuneração oferecida nas emissões em litígio. Consequentemente, a decisão recorrida de modo nenhum evidencia que o montante cuja restituição é ordenada após a dedução dos juros corresponde a elementos de auxílio. A Comissão não observou, por isso, o seu dever de fundamentação da decisão que ordena a restituição do montante das subscrições.

    156 A recorrente acusa a Comissão de ter analisado as emissões em litígio como se se tratasse de uma simples tomada de participação na Air France e de exigir a recuperação da totalidade do montante do investimento da CDC-P, após terem sido deduzidos os juros. Ora, para realmente fundamentar a decisão recorrida, a Comissão deveria ter explicado - tendo em conta a natureza específica dos títulos emitidos e, em particular, a circunstância de os mesmos preverem o vencimento de juros pelo menos até ao ano 2000 - porque razão a taxa de remuneração oferecida não corresponde ao risco do investimento. Mesmo que se considerasse que o valor das acções da Air France seria nulo no ano 2000, uma análise do benefício económico real de que a Air France usufruiu pressupunha que se efectuasse uma comparação entre a taxa de juro prevista no contrato de emissão das ORA e as taxas habitualmente praticadas no mercado de empréstimos a longo prazo. Do mesmo modo, relativamente aos TSIP-BSA, a Comissão deveria ter examinado as condições de remuneração dos títulos emitidos.

    157 A título de exemplo, a recorrente remete para a Decisão 88/454/CEE da Comissão, de 29 de Março de 1988, relativa aos auxílios concedidos pelo Governo francês ao grupo Renault, que fabrica essencialmente veículos automóveis (JO L 220, p. 30), na qual foram quantificados os elementos de auxílio compreendidos no total dos valores recebidos pelo grupo Renault. Salientando que foram concedidos empréstimos a uma taxa inferior à taxa de referência do mercado, a Comissão calculou a diferença entre essas taxas, a fim de isolar o montante da bonificação concedida e, assim, o auxílio atribuído. Ora, no presente processo, a Comissão não procedeu a qualquer análise económica que lhe permitisse determinar o benefício económico real de que a Air France beneficiou devido às emissões litigiosas.

    158 A recorrente acrescenta que a Comissão, na decisão recorrida, não especifica outros elementos tanto de ordem jurídica como económica ou financeira em apoio da sua argumentação relativa à qualificação dos investimentos litigiosos. Remete para a falta de qualificação do carácter estatal da CDC-P, bem como para as análises incorrectas quanto à data da adopção da decisão de investimento, quanto à aplicação do princípio do investidor privado avisado e quanto ao contexto geral da decisão de investir. Salienta ainda a ausência, na decisão recorrida, de qualquer elemento que permita fornecer qualquer prova, ainda que indiciaria, de ter havido uma instrução prévia dada por uma autoridade estatal, a ausência de análise da situação dos mercados financeiros na época em causa e de qualquer comparação com os produtos financeiros que apresentam características comparáveis às ORA e aos TSIP-BSA emitidos pela Air France.

    159 A Comissão, após realçar o seu poder de determinar aos Estados-Membros que ordenem a restituição dos auxílios incompatíveis com o mercado comum, recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à finalidade e ao alcance do dever de fundamentação imposto pelo artigo 190._ do Tratado, tanto de modo geral como no sector específico dos auxílios de Estado. Ora, no caso concreto, a Comissão informou o Governo francês, mesmo antes da abertura do procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, de que qualquer beneficiário de um auxílio concedido ilegalmente poderia ser obrigado a restituí-lo. Dado que a justificação da restituição do montante total do auxílio não deve ser entendida isoladamente, mas sim no contexto da própria decisão (v. acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, já referido, n._ 54), a Comissão considera que a decisão recorrida no presente processo está suficientemente fundamentada.

    160 Por último, a Comissão refere que, na decisão recorrida, esclareceu detalhadamente que a situação financeira da Air France, no momento da subscrição em causa, era catastrófica a tal ponto que nenhum investidor privado avisado teria investido nessa companhia. A Comissão considera que, ao descrever esta situação e ao demonstrar o carácter insólito dos títulos emitidos no caso concreto, cumpriu o exigido pela jurisprudência relativa ao dever de fundamentação. A fundamentação contida na decisão recorrida permite, assim, compreender as razões pelas quais é ordenada a restituição da totalidade do montante do investimento litigioso.

    Apreciação do Tribunal

    161 A obrigação que incumbe às instituições comunitárias por força do artigo 190._ do Tratado de fundamentarem as respectivas decisões tem em vista permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e fornecer ao interessado as justificações da medida adoptada, a fim de poder defender os seus direitos e de verificar se a decisão é ou não bem fundada (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n._ 22).

    162 A este respeito, a decisão recorrida, no seu conjunto, contém fundamentação suficiente em apoio do seu artigo 1._, nos termos do qual o investimento litigioso constitui um auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado comum. Efectivamente, tal como resulta da análise do primeiro fundamento invocado pela recorrente, esta pôde defender plenamente os seus direitos, tal como o Tribunal de Primeira Instância pôde exercer a sua fiscalização judicial.

    163 O mesmo se passa no que respeita à fundamentação do artigo 2._, que determina à República Francesa que ordene a restituição do auxílio de Estado após dedução dos juros já pagos. Efectivamente, a parte X da decisão recorrida refere que a recuperação do auxílio ilegal é necessária para restabelecer o statu quo ante, eliminando todos os benefícios financeiros indevidamente auferidos pelo beneficiário a partir da data em que foi concedido o auxílio. Dado que a Comissão se pronunciou contra o próprio princípio do investimento em litígio, ou seja, a entrada de capitais enquanto tal e não as modalidades de remuneração desses capitais, esta fundamentação deve ser considerada suficiente.

    164 A recorrente acusa a Comissão de não ter adoptado a medida menos coerciva que consistia em ordenar apenas a alteração do auxílio litigioso, nos termos do artigo 93._, n._ 2, primeiro parágrafo, do Tratado. Na medida em que, neste ponto, a recorrente remete para a Decisão 88/454, de 29 de Março de 1988 (Renault), já referida, basta verificar que, na mesma, a Comissão não se limitou a ordenar uma alteração desse tipo; o artigo 2._ da decisão ordena ao Estado-Membro em causa que suprima o elemento de auxílio contido nos empréstimos em questão, «solicitando o respectivo reembolso ou aplicando-lhes uma taxa de juro conforme à taxa do mercado».

    165 Deve acrescentar-se que, no caso presente, a Comissão não era obrigada a calcular o benefício económico real auferido pela Air France relativamente às condições do mercado. Dado que uma operação desse tipo necessitaria de apreciações económicas particularmente complexas relativas, em especial, aos mercados de empréstimos e de obrigações em França, a Comissão podia limitar-se à verificação global da desproporção entre os riscos inerentes e os benefícios concedidos. Não era obrigada a imaginar outra emissão de títulos que um investidor privado avisado pudesse aceitar.

    166 Tratando-se de uma emissão de títulos muito complexos que já tinham sido subscritos e cujas características inerentes, enquanto tais, não podiam ser alteradas, a Comissão podia, assim, ordenar a restituição dos capitais entrados. Em contrapartida, não lhe competia entrar em discussões com a República Francesa quanto à eventualidade da concessão de auxílios à Air France sob outras formas e segundo outras modalidades.

    167 Daqui resulta que improcede também o segundo fundamento.

    168 Dado que não procede nenhum dos fundamentos adiantados pela recorrente, deve ser negado provimento ao recurso por não ter fundamento.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    169 Nos termos do artigo 87._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, conforme requerido pela Comissão.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    (Segunda Secção Alargada)

    decide:

    170 É negado provimento ao recurso.

    171 A recorrente é condenada nas despesas.

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