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Document 61994TJ0346

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 9 de Novembro de 1995.
    France-aviation contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Reembolso de direitos aduaneiros - Princípio do contraditório - Situação especial.
    Processo T-346/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1995 II-02841

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1995:187

    61994A0346

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (PRIMEIRA SECCAO) DE 9 DE NOVEMBRO DE 1995. - FRANCE-AVIATION SA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - REEMBOLSO DE DIREITOS ADUANEIROS - PRINCIPIO DO CONTRADITORIO - SITUACAO ESPECIAL. - PROCESSO T-346/94.

    Colectânea da Jurisprudência 1995 página II-02841


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Recursos próprios das Comunidades Europeias ° Reembolso ou redução dos direitos de importação ou de exportação ° Regulamento n. 1430/79 ° Cláusula geral de equidade ° Poder de decisão da Comissão ° Direito do operador económico interessado a ser ouvido ° Modalidades de concretização

    (Regulamento n. 1430/79 do Conselho, artigo 13. ; Regulamento n. 2454/93 da Comissão, artigo 905. , n. 2)

    2. Recurso de anulação ° Competência do juiz comunitário ° Decisão da Comissão que indefere um pedido de reembolso de direitos de importação ° Pedido de que seja declarado que essa pretensão é justificada no seu princípio ° Inadmissibilidade

    (Tratado CE, artigos 173. e 176. )

    Sumário


    1. O operador económico que solicita um reembolso de direitos de importação em aplicação da cláusula geral de equidade contida no artigo 13. do Regulamento n. 1430/79 tem o direito a ser ouvido durante o procedimento no fim do qual será tomada a decisão sobre o seu pedido.

    É no âmbito das relações entre o interessado e a administração nacional que esse direito deve antes de mais ser garantido, pois o Regulamento n. 2454/93, que rege o procedimento de tratamento de tais pedidos, apenas prevê contactos entre o interessado e a administração nacional e entre esta e a Comissão. O facto de não estarem previstos contactos directos entre o interessado e os serviços da Comissão não implica todavia que a Comissão possa contentar-se, em todos os casos em que tenha de apreciar pedidos de reembolso, com as informações que a administração nacional lhe transmitiu, prevendo aliás o artigo 905. , n. 2, do Regulamento n. 2454/93 que a Comissão pode solicitar ao Estado-Membro interessado a comunicação de informações complementares.

    Tal pedido de comunicação impõe-se à Comissão para garantir o respeito do direito do interessado a ser ouvido, e isso através de explicações suplementares fornecidas primeiro por ele próprio à administração nacional e depois transmitidas à Comissão, num caso em que o processo que lhe foi apresentado pelas autoridades nacionais, embora contendo uma proposta de deferimento do pedido, não lhe pareça justificar uma decisão favorável, designadamente por não permitir excluir a possibilidade de negligência manifesta do interessado. Com efeito, a Comissão não pode efectuar a apreciação jurídica complexa que permite distinguir entre a negligência e a negligência manifesta sem dispor de todos os dados factuais pertinentes e das explicações do interessado a respeito dos mesmos.

    2. No âmbito de um recurso de anulação, o juiz comunitário não pode, sem invadir as prerrogativas da autoridade administrativa, ordenar a uma instituição comunitária que adopte as medidas que a execução de um acórdão de anulação de uma decisão implica. Efectivamente, o artigo 176. do Tratado, nos termos do qual a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias, é uma regulamentação limitativa nesta matéria. Assim, é inadmissível, apresentado no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão da Comissão que indefere um pedido de reembolso de direitos de importação, um pedido de que seja declarado que essa pretensão é justificada no seu princípio.

    Partes


    No processo T-346/94,

    France-aviation, sociedade de direito francês, com sede em Châteaufort (França), representada por Jean-Claude Cavaillé, advogado no foro de Lyon, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Guy Arendt, 62, avenue Guillaume,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Richard Wainwright, consultor jurídico principal, e Jean-Francis Pasquier, funcionário nacional destacado na Comissão, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão REM 4/94 da Comissão, de 18 de Julho de 1994, que declara, na sequência de um pedido da República Francesa, que o reembolso dos direitos de importação não se justificava no caso da recorrente,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

    composto por: H. Kirschner, exercendo funções de presidente, A. Kalogeropoulos e V. Tiili, juízes,

    secretário: H. Jung,

    vistos os autos e após a audiência de 27 de Setembro de 1995,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Enquadramento jurídico e factos na origem do litígio

    1 A recorrente, que tem como actividade principal a manutenção de aeronaves ligeiras de utilização civil ou militar, importa para França, desde 1980, partes e peças de aeronave. No que respeita à aplicação da pauta aduaneira comum, as mercadorias importadas incluem-se em subposições pautais diferentes, consoante o seu destino seja civil (isenção de direitos aduaneiros) ou militar (sujeição aos direitos aduaneiros).

    2 É pacífico que, aquando da importação da maior parte das peças em questão, é impossível à recorrente determinar a priori o seu destino posterior, ou seja, indicar se serão montadas em aparelhos civis ou militares. Por isso nunca obteve nem pediu, para as peças em causa, a autorização escrita prevista no artigo 3. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 4142/87 da Comissão, de 9 de Dezembro de 1987, que determina as condições a que se subordina a admissão de certas mercadorias ao benefício de um regime pautal favorável à importação em função do seu destino especial (JO L 387, p. 81, a seguir "Regulamento n. 4142/87"), autorização essa que seria a condição prévia para uma importação com isenção dos direitos aduaneiros, devido ao seu destino "civil", das peças utilizadas pela recorrente.

    3 Nestas circunstâncias, e num primeiro tempo, a administração aduaneira francesa aceitou que todas as peças importadas pela recorrente, qualquer que fosse o seu destino final, fossem declaradas como "civis", mediante regularização periódica a posteriori da situação das peças utilizadas para fins militares e portanto sujeitas aos direitos aduaneiros.

    4 Como resulta dos autos, a administração aduaneira francesa informou a recorrente, durante o ano de 1988, de que a prática que consistia em importar com isenção de direitos aduaneiros e em pagar os direitos devidos através de liquidação posterior não se revelava suficiente. Recordou-lhe o seu compromisso, assumido no início do mesmo ano, de criar um entreposto aduaneiro privado com gestão informática, solução que lhe permitiria declarar cada peça consoante o seu destino civil ou militar no momento da saída do entreposto. Efectivamente, nos termos do Regulamento (CEE) n. 2503/88 do Conselho, de 25 de Julho de 1988, relativo aos entrepostos aduaneiros (JO L 225, p. 1), o entreposto aduaneiro destina-se, entre outros aspectos, a ajudar os operadores económicos que não conhecem o destino final das mercadorias não comunitárias ou que não querem ainda dar um destino a essas mercadorias.

    5 Por carta de 26 de Dezembro de 1988, a recorrente solicitou efectivamente a abertura de um entreposto aduaneiro privado nas suas instalações do aeroporto. Um ano depois, não tendo esse pedido dado ainda resultados, a administração aduaneira francesa, por ofício de 28 de Novembro de 1989, confirmou a aplicação do método de liquidação posterior dos direitos aduaneiros, utilizado nos anos anteriores, acrescentando que, "tendo em conta as dificuldades encontradas... na instalação de um entreposto privado, não será aplicada qualquer penalidade nesta ocasião."

    6 Por carta de 25 de Junho de 1991, a recorrente dirigiu-se ao serviço aduaneiro competente para solicitar de novo a abertura de um entreposto aduaneiro privado. Em ofício de 2 de Outubro de 1991, o director regional das Alfândegas referiu as dificuldades existentes nessa matéria, relacionadas com a modificação das normas relativas aos entrepostos de armazenagem. Por fim, em ofício de 16 de Abril de 1992, o director regional das Alfândegas transmitiu à recorrente a autorização para gerir o depósito solicitado. Após a mudança do serviço aduaneiro até então competente, o mesmo director enviou-lhe, por ofício de 20 de Outubro de 1992, um aditamento à autorização inicialmente concedida. Só em 1 de Janeiro de 1993 é que o entreposto aduaneiro foi instalado, tendo a recorrente imputado esse atraso à "lentidão administrativa" acima descrita.

    7 Antes disso, por ofício de 12 de Junho de 1990, o serviço aduaneiro competente tinha informado a recorrente de que o benefício do tratamento pautal privilegiado que até então lhe fora concedido seria suprimido a partir de 1 de Julho de 1990, por ela não ter respeitado o seu compromisso de criar, para o ano de 1990, o entreposto aduaneiro mencionado. Em consequência, a recorrente foi obrigada a colocar em livre prática a totalidade das suas importações e a pagar imediatamente os direitos aduaneiros correspondentes, incluindo os que incidiam sobre as peças que iriam ter posteriormente um destino "civil". Neste contexto, o referido ofício contém a indicação seguinte: "Doravante, compete-vos apresentar, no fim do exercício contabilístico, um pedido de reembolso dos direitos e encargos sobre as peças de aeronaves afectadas a uma utilização civil".

    8 Na sequência de um primeiro pedido de reembolso apresentado pela recorrente em Outubro de 1991, o director regional das Alfândegas respondeu-lhe, por ofício de 23 de Dezembro de 1991, que "é admitido o princípio do reembolso", especificando que deviam ainda ser apresentados alguns documentos justificativos para efeitos de controlo pelo serviço competente. Em seguida, a recorrente, por carta de 12 de Julho de 1993, apresentou à administração aduaneira um pedido de reembolso dos direitos que pagara sobre as importações, efectuadas em 1990, 1991 e 1992, de peças montadas em aeronaves civis. O montante exacto solicitado, que só mais tarde foi especificado, é de 1 610 338 FF. Nem este montante nem a forma do seu cálculo foram postos em causa pelas autoridades francesas ou pela Comissão.

    9 Por ofício de 4 de Janeiro de 1994, a Direcção-Geral das Alfândegas e Direitos Indirectos chamou a atenção da recorrente para o facto de que, no momento da colocação no consumo das importações em questão, esta não tinha autorização para beneficiar do regime pautal favorável do destino especial, pelo que os direitos aduaneiros que ela pagara eram legalmente devidos, em conformidade com o disposto no Regulamento n. 4142/87. Informou-a também de que, atendendo às circunstâncias especiais do caso, decidira transmitir o pedido de reembolso à Comissão das Comunidades Europeias, nos termos do artigo 13. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 1430/79 do Conselho, de 2 de Julho de 1979, relativo ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação (JO L 175, p. 1; EE 02 F6 p. 36), que, na versão resultante do Regulamento (CEE) n. 3069/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986, que altera o Regulamento n. 1430/79 (JO L 286, p. 1, a seguir "artigo 13. "), tem a seguinte redacção:

    "Pode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de importação em situações especiais que não sejam as previstas nas secções A a D, que resultem de circunstâncias que não implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado...".

    10 Por ofício de 4 de Fevereiro de 1994, o Ministério do Orçamento francês transmitiu à Comissão o processo da recorrente, nos termos da regra de procedimento contida no artigo 905. do Regulamento (CEE) n. 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n. 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (respectivamente JO L 253, p. 1, a seguir "Regulamento n. 2454/93" e JO L 302, p. 1). Esta disposição consta de um capítulo onde são enumeradas certas situações-tipo especiais em que se considera que as condições para beneficiar do reembolso estão automaticamente preenchidas ou excluídas. Quando se encontram perante uma ou outra destas situações, as autoridades nacionais são competentes para decidir da concessão ou não do reembolso. Em contrapartida, quando não estão em condições de tomar tal decisão e o pedido é acompanhado de elementos susceptíveis de justificar a concessão do reembolso, as autoridades nacionais devem transmitir o caso à Comissão para decisão, devendo o processo enviado à Comissão conter todos os elementos necessários para um exame completo do caso apresentado.

    11 Quando se verifique que os elementos de informação transmitidos pelo Estado-Membro à Comissão são insuficientes, esta pode solicitar que lhe sejam transmitidas informações complementares. Após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros, reunidos no âmbito do Comité das Franquias Aduaneiras para apreciar o caso, a Comissão adopta uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica ou não a concessão do reembolso (artigo 907. ). A notificação dessa decisão deve ser feita ao Estado-Membro em causa, e é com base nela que as autoridades nacionais decidem sobre o pedido do interessado (artigo 908. ).

    12 O Ministério do Orçamento francês juntou ao seu ofício de 4 de Fevereiro de 1994 um processo de duas páginas em que se descrevia o caso da recorrente no período de 1990 a 1992, sem referir o sistema aduaneiro que lhe era aplicado antes de 1990, nem a mudança de sistema imposta em Julho de 1990, nem a correspondência trocada com a recorrente entre 1988 e 1992 a respeito de um eventual reembolso e da criação de um entreposto aduaneiro. O processo salienta designadamente

    ° que a recorrente não podia determinar, à chegada das mercadorias, quais eram as peças que seriam montadas em aparelhos civis ou militares, razão por que não tinha apresentado nenhum pedido de autorização para beneficiar do regime de destino especial,

    ° que, portanto, introduzia todas as suas importações em livre prática e pagava os direitos aduaneiros correspondentes, quando poderia ter beneficiado da isenção no âmbito do referido regime,

    ° que, desde 1993, a recorrente, a conselho dos serviços aduaneiros, coloca as suas importações em entreposto aduaneiro.

    Entre os documentos contabilísticos e aduaneiros juntos ao referido processo consta uma carta que a recorrente dirigira em 12 de Julho de 1993 à Direcção-Geral das Alfândegas e Direitos Indirectos, em que referia a supressão, a partir de 1 de Julho de 1990, do benefício do regime pautal privilegiado anteriormente aplicado, a criação do seu entreposto aduaneiro em 1 de Janeiro de 1993, atrasada pelas diferentes modificações da legislação aplicável, e a confirmação que lhe fora feita de que podia ser solicitado o reembolso dos direitos pagos em 1990, 1991 e 1992.

    13 No processo comunicado em 4 de Fevereiro de 1994, a administração francesa propunha que fosse concedido o benefício do reembolso dos direitos aduaneiros pagos sobre as peças com destino "civil". Com efeito, a recorrente não poderia tê-las distinguido a priori, dado que as peças são as mesmas, qualquer que seja a natureza do aparelho. Para maior eficácia, a recorrente agrupara as suas importações, em vez de efectuar importações separadas para os aparelhos civis. As peças em questão foram tratadas em conformidade com o regime do destino especial. A administração francesa considerou que "nenhuma negligência ou artifício podem ser apontados a essa sociedade".

    14 Na sequência de um pedido da Comissão, o ministério completou o processo, em Maio de 1994, com a comunicação de dados quantificados e de uma cópia da declaração aduaneira.

    15 Em 18 de Julho de 1994, com base no referido processo e após consulta do grupo de peritos instituído pela regulamentação em vigor, a Comissão, em aplicação do artigo 13. , n. 1, adoptou a Decisão REM 4/94, nos termos da qual o reembolso dos direitos de importação não se justifica no presente caso porque

    ° não fora respeitada pela recorrente nenhuma das condições fixadas pelo Regulamento n. 4142/87 para a concessão do regime pautal favorável à importação devido ao destino especial, designadamente a condição de obtenção de uma autorização escrita prévia, autorização essa que não tem efeito retroactivo,

    ° a inobservância de uma regulamentação não constitui uma situação especial, na acepção do artigo 13. ,

    ° houve múltiplas importações e o erro foi repetido,

    ° a recorrente actuou com negligência manifesta.

    16 Tendo a decisão sido notificada pela Comissão à administração francesa, esta, por ofício de 13 de Agosto de 1994, informou a recorrente da decisão e dos seus fundamentos essenciais. Como resulta do carimbo, o ofício foi recebido em 23 de Agosto seguinte nas instalações da recorrente.

    Tramitação processual

    17 Foi nestas condições que a recorrente interpôs o presente recurso, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 18 de Outubro de 1994.

    18 A fase escrita teve tramitação normal. Por decisão do Tribunal de 9 de Março de 1995, ouvidas as partes, o processo foi atribuído à Primeira Secção, composta por três juízes. Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral sem instrução. Todavia, adoptou algumas medidas de organização do processo. As partes foram ouvidas em alegações e em resposta às perguntas do Tribunal na audiência de 27 de Setembro de 1995. No fim da audiência, o presidente declarou encerrada a fase oral.

    Pedidos das partes

    19 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    ° anular a Decisão REM 4/94 da Comissão, de 18 de Julho de 1994, dirigida à República Francesa, Direcção-Geral das Alfândegas e Direitos Indirectos;

    ° declarar justificado no seu princípio o pedido de reembolso transmitido por intermédio da Direcção-Geral das Alfândegas francesas, sem prejuízo da verificação por esta última do montante dos direitos a restituir;

    ° condenar a recorrida nas despesas.

    20 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    ° negar provimento ao recurso;

    ° condenar a recorrente nas despesas.

    Quanto aos pedidos de anulação da decisão

    21 Em apoio dos seus pedidos de anulação, a recorrente invoca três fundamentos, baseados respectivamente em violação do princípio do contraditório, por ela não ter tido ocasião de fazer valer os seus argumentos perante a Comissão, em violação do princípio da confiança legítima, porque a decisão impugnada teria violado a confiança que ela depositara legitimamente nas indicações da administração aduaneira francesa sobre o reembolso dos direitos aduaneiros pagos, e em interpretação errada do conceito de "situação especial", na acepção do artigo 13. , porque a Comissão manifestamente não teria examinado a sua situação real à luz de todas as eventualidades relevantes. O Tribunal considera oportuno proceder antes de mais ao exame do fundamento baseado em violação do princípio do contraditório.

    Quanto ao fundamento baseado em violação do princípio do contraditório

    Argumentos das partes

    22 A recorrente observa que o princípio do contraditório, necessário para o respeito dos direitos de defesa ° reconhecidos como princípio fundamental do direito comunitário ° é uma regra de aplicação geral, nos termos da qual os destinatários de decisões de uma autoridade pública que afectem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente a sua posição (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint/Comissão, 17/74, Colect., p. 463, n. 15, e de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3641, n. 7). O princípio do contraditório teria aplicação não apenas em procedimentos susceptíveis de culminar em sanções, mas também naqueles que podem ter consequências desfavoráveis para empresas, o que aconteceria no presente caso.

    23 A recorrente recorda que não pôde fazer valer os seus próprios argumentos, nem perante o grupo de peritos, nem perante os serviços da Comissão. Neste contexto, salienta que, no caso presente, a violação do princípio do contraditório levou a Comissão a um erro de análise e a uma aplicação do Regulamento n. 4142/87 que em nada corresponde à sua situação real. Com efeito, no processo enviado à Comissão, a administração aduaneira francesa não teria posto em evidência o papel que ela própria desempenhara nos acontecimentos que estiveram na origem do pedido de reembolso. Assim, a recorrente teria sido privada da possibilidade de fazer valer, perante a Comissão e perante o grupo de peritos, argumentos essenciais para a defesa do seu processo.

    24 A Comissão, ao mesmo tempo que admite a importância do princípio do contraditório, remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual o procedimento de adopção das decisões de reembolso ° que contém várias etapas, algumas das quais a nível nacional (apresentação do pedido pela empresa, primeiro exame pela administração aduaneira), outras a nível comunitário (apresentação do pedido à Comissão, exame do processo pelo Comité das Franquias Aduaneiras, consulta de um grupo de peritos, decisão da Comissão, notificação ao Estado-Membro em causa) ° dá aos interessados todas as garantias jurídicas necessárias [acórdãos de 17 de Março de 1983, Control Data/Comissão, 294/81, Recueil, p. 911, de 13 de Novembro de 1984, Van Gend & Loos/Comissão, 98/83 e 230/83, Recueil, p. 3763, e de 6 de Julho de 1993, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, C-121/91 e C-122/91, Colect., p. I-3873, n. 48].

    25 Afirma que, no caso vertente, esse procedimento foi correctamente aplicado e permitiu à recorrente expor os seus argumentos às autoridades francesas, que apoiaram o seu pedido de reembolso junto da Comissão e do grupo de peritos. Se as autoridades francesas não puseram em destaque o papel que desempenharam no caso, foi certamente por terem considerado que não convinha mencionar esse aspecto, ou porque não estava provado, ou porque não tinha importância para o exame do mérito do pedido. Além disso, a Comissão não teria sentido a necessidade, à luz do processo comunicado pelas autoridades nacionais, de solicitar informações complementares, que, de qualquer modo, não teriam podido orientar num sentido diferente a decisão impugnada.

    26 Em resposta a uma pergunta do Tribunal sobre a eventual relevância do acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universitaet Muenchen (C-269/90, Colect., p. 5469), a Comissão considerou que não é possível transpor essa jurisprudência para o presente litígio. Com efeito, as razões por que a Comissão foi consultada não seriam comparáveis nos dois casos: no processo C-269/90, tratava-se de levar o exame técnico de um pedido de isenção prevista para aparelhos científicos ao nível de decisão mais adequado, tendo a autoridade nacional considerado que a Comissão, assistida pelos Estados-Membros, estava em melhor posição que ela para efectuar comparações técnicas e para verificar a existência de aparelhos equivalentes em toda a Comunidade; em contrapartida, no presente caso, relativo ao reembolso de direitos aduaneiros, a elevação do nível de competência prender-se-ia com a orientação da decisão e com as suas consequências para os recursos próprios da Comunidade, sendo a Comissão competente quando se trata de decidir de um eventual reembolso, ao passo que o Estado-Membro conserva o poder de decisão quando se trata de recusar o reembolso. A Comissão reafirmou que, de qualquer modo, os esclarecimentos que a recorrente entendia ter dado em apoio do seu recurso não teriam sido susceptíveis de orientar em sentido diferente a decisão impugnada.

    27 Em resposta a uma pergunta do Tribunal quanto ao regime dos destinos especiais, a Comissão recordou, por fim, que a obtenção de uma autorização é uma condição necessária para a concessão do benefício do referido regime. É evidente que, na fase da autorização, mas sobretudo na fase da declaração de colocação em livre prática, o beneficiário deve estar em condições de identificar a mercadoria como sendo susceptível de preencher as condições de admissão ao destino especial. Para a recorrente, a única solução legítima consistiria em efectuar essa identificação o mais tardar no momento da declaração de colocação em livre prática. Todavia, seria claro que, se a recorrente se considerasse impossibilitada de separar os produtos, no momento da colocação em livre prática, entre a utilização civil e militar, a obtenção prévia de uma autorização de destino especial perdia todo o interesse. A Comissão conclui daí que, de qualquer modo, a recorrente, mesmo que o tivesse querido, não teria podido nem obter uma autorização de destino especial, nem, correlativamente, dela beneficiar.

    Apreciação do Tribunal

    28 Deve declarar-se liminarmente que, em conformidade com o quadro regulamentar acima descrito, o procedimento administrativo que terminou com a adopção da decisão controvertida teve várias etapas, por um lado a nível nacional, tendo a recorrente apresentado à administração francesa o seu pedido de reembolso acompanhado de documentos justificativos, e, por outro lado, a nível comunitário, tendo a administração francesa elaborado e transmitido o processo da recorrente à Comissão, que, com base no parecer de um grupo de peritos, declarou injustificado o reembolso pedido.

    29 Neste contexto, a Comissão ° remetendo para os acórdãos Control Data/Comissão, Van Gend & Loos/Comissão e, em especial, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, já referidos ° alega que, no caso vertente, foi respeitado o direito da recorrente a ser ouvida, atendendo a que o procedimento controvertido permitiu à recorrente expor todos os seus argumentos às autoridades francesas e que o seu processo, transmitido por estas últimas, esteve à disposição do grupo de peritos e da Comissão.

    30 A este respeito, o Tribunal verifica que o direito da recorrente a ser ouvida num procedimento como o que é objecto do presente litígio deve efectivamente ser garantido, antes de mais, no âmbito das relações entre o interessado e a administração nacional. Com efeito, o Regulamento n. 2454/93 apenas prevê contactos entre o interessado e a administração e entre esta e a Comissão. Embora essa regulamentação não preveja contactos directos entre os serviços da Comissão e o interessado, ela não implica necessariamente que a Comissão possa contentar-se, em todos os casos em que tenha de apreciar pedidos de reembolso, com as informações que a administração nacional lhe transmitiu. A este respeito, deve recordar-se que o artigo 905. , n. 2, do Regulamento n. 2454/93 prevê que a Comissão pode solicitar ao Estado-Membro interessado a comunicação de informações complementares. Por conseguinte, deve examinar-se se, no caso vertente, tal pedido de comunicação se impunha à Comissão, para garantir o respeito do direito da recorrente a ser ouvida, e isso através de explicações suplementares fornecidas primeiro pela recorrente à administração francesa e depois transmitidas à Comissão.

    31 Neste contexto, deve salientar-se que o presente processo se distingue substancialmente, no plano dos factos, dos referidos nos n.os 24 e 29, supra. De facto, no presente caso a recorrente invoca o carácter incompleto do processo elaborado e transmitido pelas autoridades nacionais, quando nenhuma acusação deste género foi feita nos três referidos processos. No processo CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, as recorrentes tinham mesmo reconhecido que todos os argumentos que podiam invocar tinham sido mencionados no seu pedido e que não existia nenhum elemento novo que elas não tivessem podido integrar na sua argumentação (n. 49 do acórdão). No caso vertente, em contrapartida, a recorrente declarou, em resposta às medidas de organização do processo adoptadas pelo Tribunal, que não contribuiu para a elaboração do processo, que não lhe foi dada a possibilidade de o consultar antes de ele ser transmitido e que efectivamente nunca o consultou.

    32 Além disso, deve recordar-se que, no seu acórdão no processo Technische Universitaet Muenchen, já referido, relativo à concessão de uma isenção aduaneira para a importação de um aparelho científico, o Tribunal de Justiça observou que, tratando-se de um procedimento administrativo que incide sobre apreciações técnicas complexas, a Comissão dispõe de um poder de apreciação, salientando ao mesmo tempo que, correlativamente com esse poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica comunitária nos procedimentos administrativos tem uma importância fundamental, e que entre essas garantias figura designadamente o direito do interessado de dar a conhecer a sua posição (n.os 13 e 14). Como a regulamentação comunitária aplicável não prevê a possibilidade de o importador se explicar perante a Comissão, embora as suas indicações sobre as características do aparelho científico importado e sobre a sua utilização prevista possam ser muito úteis, o Tribunal de Justiça decidiu que o direito a ser ouvido num procedimento dessa natureza exige que à parte interessada seja dada a possibilidade, mesmo durante o procedimento que decorre na Comissão, de tomar posição e de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a pertinência dos factos, bem como, eventualmente, sobre os documentos considerados pela instituição comunitária (n.os 23 a 25).

    33 Deve apreciar-se se o raciocínio do Tribunal de Justiça acima exposto pode também ser pertinente no âmbito de um procedimento de aplicação do artigo 13. , como o do caso presente. A este respeito, a Comissão objectou ° com razão, é certo ° que não efectua "apreciações técnicas complexas" quando decide do reembolso ou não de direitos aduaneiros. O Tribunal considera, contudo, que não é só o carácter especialmente técnico de um processo que é susceptível de gerar o direito do interessado a ser ouvido pela Comissão, mas também o poder de apreciação de que esta dispõe na matéria.

    34 Ora, o Tribunal verifica que a Comissão tem, em vários aspectos, uma margem de apreciação na aplicação do artigo 13. , que foi qualificado pelo Tribunal de Justiça de "cláusula geral de equidade" (acórdão de 15 de Dezembro de 1983, Schoellershammer/Comissão, 283/82, Recueil, p. 4219, n. 7). Por um lado, esta disposição diz respeito a "situações especiais", o que pressupõe necessariamente que a Comissão tome em consideração, e pondere, dentre uma pluralidade de dados de facto e de direito, aqueles que são susceptíveis de ser pertinentes para a sua decisão final. Por outro lado, a Comissão deve verificar se a parte interessada é responsável não apenas de negligência, mas também de negligência "manifesta". Por fim, antes de adoptar a decisão, a Comissão é obrigada a consultar, por força do artigo 907. do Regulamento n. 2454/93, um grupo de peritos, o que implica que tem a opção de seguir ou não o parecer desse grupo. À luz de todos estes elementos, o Tribunal considera que, no âmbito de um procedimento de aplicação do artigo 13. , a Comissão dispõe de um poder de apreciação pelo menos equivalente ao que o Tribunal de Justiça lhe reconheceu no acórdão Technische Universitaet Muenchen, já referido. Daqui resulta que o respeito do direito a ser ouvido deve ser garantido nos procedimentos de reembolso de direitos aduaneiros.

    35 No que respeita ao caso presente, deve notar-se que o processo transmitido à Comissão pelas autoridades francesas contém uma carta dirigida pela recorrente, em 12 de Julho de 1993, à administração aduaneira, em que ela alude às dificuldades de instalação do seu entreposto aduaneiro e à "confirmação" de um eventual reembolso dos direitos aduaneiros pagos entre 1990 e 1992. Ora, a correspondência trocada entre a recorrente e a administração aduaneira francesa sobre estes dois aspectos não consta do processo. Assim, verifica-se que a Comissão adoptou a decisão impugnada com base num processo incompleto.

    36 Deve acrescentar-se que as autoridades francesas propuseram, no seu processo, que se concedesse o reembolso, salientando que "nenhuma negligência" podia ser apontada à recorrente. Como a Comissão tencionava afastar-se desta tomada de posição e indeferir o pedido de reembolso por a recorrente ser responsável de "negligência manifesta" ° o qualificativo "manifesta" foi acrescentado expressamente pelo Regulamento n. 3069/86 de 7 de Outubro de 1986, já referido °, ela tinha o dever de fazer com que as autoridades francesas ouvissem a recorrente. Com efeito, tal decisão sobre o grau de negligência implicava uma apreciação jurídica complexa que só podia ser feita com base em todos os dados factuais pertinentes, incluindo as decisões e declarações da administração nacional relativamente à recorrente. O Tribunal considera que, nesta situação, em que a Comissão fez à recorrente a censura severa de "negligência manifesta", o direito desta a ser ouvida pela administração nacional impunha-se mais ainda do que no processo Technische Universitaet Muenchen, já referido, em que o Tribunal de Justiça exigiu que o importador fosse ouvido durante o procedimento que decorria na Comissão, quando só estava em causa o exame técnico objectivo de um aparelho científico.

    37 Além disso, o facto, salientado pela Comissão, de mesmo o membro francês do grupo de peritos consultado antes da adopção da decisão impugnada se ter pronunciado contra um reembolso é irrelevante. Efectivamente, não foi provado, nem sequer sustentado, que esse membro estava ao corrente de todos os pormenores do caso vertente.

    38 Daqui resulta que a decisão impugnada foi adoptada segundo um procedimento administrativo em que foi violado o direito da recorrente a ser ouvida.

    39 Como a Comissão alega que mesmo a tomada em consideração dos elementos complementares fornecidos pela recorrente ao Tribunal não seria susceptível de influir na decisão impugnada, deve declarar-se que essa argumentação, pela qual a Comissão parece negar a pertinência do vício processual acima apontado, não pode ser acolhida. De facto, o Tribunal não pode substituir a autoridade administrativa competente nem antecipar o resultado a que esta chegará no termo de um novo procedimento administrativo, à luz de um processo completado pelas autoridades francesas e pela recorrente. Além disso, o grupo de peritos que a Comissão está obrigada a consultar, por força do artigo 907. do Regulamento n. 2454/93, antes de tomar a sua decisão, ainda não tomou conhecimento do processo completo e, portanto, ainda não pôde pronunciar-se com pleno conhecimento de causa.

    40 Resulta de quanto precede que deve ser acolhido o fundamento baseado em violação do princípio do contraditório. A decisão impugnada deve, por conseguinte, ser anulada, sem que seja necessário apreciar os outros fundamentos aduzidos pela recorrente.

    Quanto ao pedido de que seja declarado justificado o pedido de reembolso

    41 Em resposta a uma pergunta do Tribunal, a recorrente esclareceu que mantinha esse pedido, mesmo no caso de a decisão impugnada ser anulada. A este respeito, a recorrente salientou que, a título principal, baseia o seu pedido de reembolso na confiança legítima que colocou nas afirmações das autoridades francesas quanto ao reembolso dos direitos aduaneiros pagos. Esta causa jurídica, alheia ao procedimento habitual instituído pelos artigos 905. e seguintes do Regulamento n. 2454/93, depende exclusivamente do poder jurisdicional do Tribunal e permitir-lhe-ia proferir, relativamente à recorrente, uma decisão directamente executória quanto ao reembolso solicitado.

    42 A este respeito, basta recordar que é jurisprudência constante que, no âmbito de um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 173. do Tratado CE, o juiz comunitário não pode, sem invadir as prerrogativas da autoridade administrativa, ordenar a uma instituição comunitária que adopte as medidas que a execução de um acórdão de anulação implica (v., por exemplo, despacho do Tribunal de 27 de Maio de 1994, J/Comissão, T-5/94, Colect., p. II-391, n. 17, e acórdão do Tribunal de 8 de Novembro de 1990, Barbi/Comissão, T-73/89, Colect., p. II-619, n. 38). Efectivamente, o artigo 176. do Tratado CE, nos termos do qual a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias, é limitativo nesta matéria. Deverá acrescentar-se que, de qualquer modo, o procedimento administrativo no presente caso deve ser reaberto pela Comissão, pelo que seria prematuro o Tribunal pronunciar-se sobre o fundamento baseado em violação do princípio da confiança legítima.

    43 Daqui decorre que o pedido de que seja declarado justificado o pedido de reembolso deve ser julgado inadmissível.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    44 Por força do disposto no artigo 87. , n. 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão sido vencida no essencial, há que condená-la nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

    decide:

    1) É anulada a Decisão REM 4/94 da Comissão, de 18 de Julho de 1994, dirigida à República Francesa, Direcção-Geral das Alfândegas e Direitos Indirectos.

    2) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

    3) A Comissão é condenada nas despesas.

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