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Document 61994CJ0333

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Novembro de 1996.
Tetra Pak International SA contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de acórdão do Tribunal de Primeira Instância - Posição dominante - Definição dos mercados de produtos - Aplicação do artigo 86. do Tratado a práticas instituídas por uma empresa dominante num mercado distinto do mercado dominado - Vendas ligadas - Preços predatórios - Coima.
Processo C-333/94 P.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-05951

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:436

61994J0333

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Novembro de 1996. - Tetra Pak International SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de acórdão do Tribunal de Primeira Instância - Posição dominante - Definição dos mercados de produtos - Aplicação do artigo 86. do Tratado a práticas instituídas por uma empresa dominante num mercado distinto do mercado dominado - Vendas ligadas - Preços predatórios - Coima. - Processo C-333/94 P.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-05951


Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Partes


++++

No processo C-333/94 P,

Tetra Pak International SA, com sede em Pully (Suíça), representada pelos advogados Michel Waelbroeck e Alexandre Vandencasteele, do foro de Bruxelas, e por Vivien Rose, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

que tem por objecto um recurso em que se pede a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção) de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T-83/91, Colect., p. II-755),<"A_TP", Font = F3, Tab Origin = Column>sendo recorrida<"A_PP", Font = F11, Tab Origin = Column>Comissão das Comunidades Europeias, representada por Julian Currall, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Nicholas Forwood, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: L. Sevón, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet e P. Jann (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: L. Hewlett, administradora,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 21 de Maio de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Junho de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 20 de Dezembro de 1994, a Tetra Pak International SA (a seguir «Tetra Pak»), ao abrigo do artigo 49._ do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, interpôs recurso do acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T-83/91, Colect., p. II-755, a seguir «acórdão impugnado»), em que o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão 92/163/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 86._ do Tratado CEE (IV/31.043 - Tetra Pak II, JO 1992, L 72, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

2 Resulta das constatações do Tribunal de Primeira Instância no acórdão impugnado (n.os 1 a 21) que:

- A Tetra Pak, que tem sede social na Suíça, coordena a política de um grupo de sociedades, inicialmente sueco, que adquiriu dimensão mundial. O grupo Tetra Pak é especializado nos equipamentos utilizados para o acondicionamento em embalagens de cartão de produtos alimentares líquidos ou semi-líquidos. Desenvolve as suas actividades nos sectores do acondicionamento asséptico e não asséptico. Essas actividades consistem em produzir embalagens de cartão e máquinas de enchimento.

- As embalagens de cartão foram utilizadas, em 1983, em 90% para a embalagem de leite e dos outros produtos lácteos líquidos. Em 1987, essa percentagem era de aproximadamente 79%. Cerca de 16% das embalagens serviam na altura para o acondicionamento de sumos de frutos. Os 5% restantes eram utilizados para o acondicionamento de outros produtos (vinhos, águas minerais, produtos à base de tomate, sopas, molhos e alimentos para bebés).

- No sector asséptico, a Tetra Pak produz o sistema chamado «Tetra Brik», destinado ao acondicionamento de leite UHT. Neste sector, um único concorrente da Tetra Pak, a sociedade PKL, produz um sistema de acondicionamento asséptico comparável. A detenção de uma técnica de enchimento asséptico é a chave do acesso tanto ao mercado das máquinas como ao das embalagens de cartão assépticas.

- Em contrapartida, o acondicionamento não asséptico necessita de um equipamento menos sofisticado. A embalagem de cartão «Tetra Rex», utilizada pela Tetra Pak no mercado das embalagens não assépticas, é concorrente directa da embalagem «Pure-Pak», produzida pelo grupo norueguês Elopak.

- Durante o período de referência, vigoravam diversos contratos-tipo de venda e aluguer de máquinas, assim como de fornecimento de embalagens de cartão, entre a Tetra Pak e os seus clientes nos vários Estados-Membros da Comunidade. As cláusulas que tinham incidência na concorrência foram assim resumidas nos n.os 24 a 45 da decisão controvertida:

«2.1 As condições de venda do material Tetra Pak (anexo 2.1)

24 Existem contratos-tipo de venda nos cinco países seguintes: Grécia, Irlanda, Itália, Espanha e Reino Unido. Relativamente a cada cláusula contratual examinada, indica-se entre parênteses quais os ou o país em causa.

2.1.1. A configuração do material

25 A Tetra Pak reserva-se, em Itália, um direito de controlo absoluto sobre a configuração do material vendido, proibindo ao comprador:

i) acrescentar aparelhos acessórios à máquina;

ii) modificar a máquina, acrescentar-lhe ou retirar-lhe elementos;

iii) deslocar a máquina.

2.1.2. O funcionamento e a manutenção do material

26 Cinco cláusulas contratuais relativas ao funcionamento e à manutenção do material visam assegurar à Tetra Pak a exclusividade e o direito de controlo na matéria:

iv) exclusividade a nível de manutenção e das reparações (todos os países com excepção da Espanha);

v) exclusividade em termos de fornecimento das peças sobresselentes (todos os países com excepção da Espanha);

vi) o direito de efectuar gratuitamente prestações de assistência, de formação, de manutenção e de actualização técnica não solicitadas pelo cliente (Itália);

vii) tarifa degressiva (até menos 40% de uma taxa mensal de base) de uma parte das despesas de assistência, de manutenção e de actualização técnica, em função do número de cartões utilizados em todas as máquinas Tetra Pak do mesmo tipo (Itália);

viii) obrigação de informar a Tetra Pak de qualquer aperfeiçoamento ou modificação técnica introduzida no material e de lhe reservar a propriedade (Itália).

2.1.3. Os cartões

27 Quatro cláusulas contratuais relativas aos cartões visam igualmente assegurar à Tetra Pak a exclusividade e o direito de controlo desta sobre este produto:

ix) obrigação de utilizar unicamente cartões Tetra Pak nas máquinas (todos os países);

x) obrigação de abastecimento exclusivo em cartões junto da Tetra Pak ou junto de um fornecedor por ela designado (todos os países);

xi) obrigação de informar a Tetra Pak de qualquer aperfeiçoamento ou modificação técnica introduzida nos cartões e de lhe reservar a propriedade (Itália);

xii) o direito de controlo sobre o texto a inscrever nos cartões (Itália).

2.1.4. Controlos

28 Duas cláusulas têm mais especificamente por objecto o controlo do respeito por parte do comprador das obrigações contratuais:

xiii) obrigação do comprador de apresentar um relatório mensal (Itália);

xiv) direito de inspecção - sem pré-aviso - reservado à Tetra Pak (Itália).

2.1.5. A transferência de propriedade do material ou a cessão da utilização

29 Duas cláusulas contratuais limitam o direito de revenda ou de cessão:

xv) obrigação de obter o acordo da Tetra Pak para a revenda ou a cessão da utilização do material (Itália), para a revenda condicional (Espanha) e direitos de reaquisição a um preço fixo estabelecido previamente reservado à Tetra Pak (todos os países). O não respeito desta cláusula pode dar origem a uma penalidade específica (Grécia, Irlanda e Reino Unido);

xvi) obrigação do terceiro comprador assumir as obrigações do primeiro comprador (Itália e Espanha).

2.1.6. A garantia

30 xvii) a garantia relativa ao material vendido encontra-se sujeita à observância de todas as cláusulas contratuais (Itália) ou, pelo menos, à utilização exclusiva de cartões Tetra Pak (outros países).

2.2. As condições de locação do material Tetra Pak (anexo 2.2)

31 Existem contratos-tipo de locação em todos os países da Comunidade, com excepção da Grécia e da Espanha.

Mutatis mutandis, dos contratos de locação consta a maioria das cláusulas incluídas nos contratos de venda. Outras condições são específicas à locação, mas vão sempre no mesmo sentido que é o de reforço máximo dos laços entre a Tetra Pak e o seu cliente.

2.2.1. A configuração do material

32 Estão previstas as cláusulas i), ii) e iii) [Itália para a cláusula i); todos os países para a cláusula ii); França, Irlanda, Itália, Portugal e Reino Unido para a cláusula iii)].

xviii) uma cláusula suplementar obriga, para além disso, o locatário a usar exclusivamente caixas, sobreembalagens e/ou contentores de transporte para os cartões Tetra Pak (Alemanha, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) ou de se abastecer preferencialmente, em igualdade de condições, junto da Tetra Pak (Dinamarca e França).

2.2.2. O funcionamento e a manutenção do material

33 Estão previstas as cláusulas iv) e v) (todos os países) relativas à exclusividade.

Do mesmo modo, encontramos igualmente a cláusula viii) que reserva à Tetra Pak a propriedade dos aperfeiçoamentos introduzidos pelo utilizador (Alemanha, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) ou, pelo menos, obrigando o locatário a conceder uma licença de exploração à Tetra Pak (Dinamarca, França, Irlanda, Portugal e Reino Unido).

2.2.3. Os cartões

34 Encontramos as mesmas cláusulas ix) (todos os países) e x) (Itália) relativas à exclusividade de abastecimento, concedendo a cláusula xi) à Tetra Pak a propriedade dos aperfeiçoamentos (Dinamarca e Itália) ou, pelo menos, uma licença de exploração a seu favor (França, Irlanda, Portugal e Reino Unido) e a cláusula xii) que lhe dão um direito de controlo sobre o texto ou os nomes de marca que o cliente pretende incluir nos cartões (Alemanha, Espanha, Grécia, Itália, Países Baixos, Portugal e Reino Unido).

2.2.4. Os controlos

35 Como em relação à venda, o locatário deve apresentar um relatório mensal [cláusula xiii) - todos os países] sob pena de se proceder a uma facturação fixa (Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos) e permitir a inspecção do local em que o material se encontra instalado [cláusula xiv) - todos os países], e isto sem pré-aviso (todos os países, salvo a Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Portugal e Reino Unido).

xix) Uma outra cláusula permite o exame - a todo o momento (Dinamarca e França) - das contas da empresa locatária (todos os países) e (consoante os países) das suas facturas, correspondência ou qualquer outro documento necessário à verificação do número de cartões utilizados.

2.2.5. A transferência do contrato de locação, a sublocação, a cessão de utilização ou a utilização por conta de terceiros

36 No caso da venda, qualquer transferência ulterior da propriedade só pode realizar-se em condições muito restritivas.

xx) As disposições dos contratos de locação excluem do mesmo modo a cessão do contrato de locação, a sublocação (todos os países) ou mesmo o simples trabalho por encomenda por conta de terceiros (Itália).

2.2.6. A garantia

37 Os textos são aqui menos precisos do que nos contratos de venda. Estabelecem uma ligação entre a garantia e o respeito das `instruções' dadas pela Tetra Pak a propósito da `manutenção' e da `boa utilização' da máquina (todos os países). Os termos `instruções', `manutenção' e `boa utilização' são, todavia, suficientemente amplos para que seja necessário interpretá-los como cobrindo, pelo menos, a utilização exclusiva de peças sobresselentes, de serviços de reparação e de manutenção e de materiais de embalagem Tetra Pak. Esta interpretação encontra-se, de resto, confirmada pelas respostas escrita e oral da Tetra Pak à comunicação das acusações.

2.2.7. A fixação do aluguer e as condições de pagamento

38 O aluguer inclui os seguintes elementos (todos os países):

a) xxi) um aluguer `inicial', a pagar no momento da colocação à disposição da máquina, cujo montante não é necessariamente inferior ao preço de venda das mesmas máquinas e corresponde, de facto, à quase totalidade de todos os alugueres presentes e futuros (mais de 98% em certos casos);

b) um aluguer anual, a pagar antecipadamente por trimestre;

c) xxii) uma taxa mensal de produção cujo montante é degressivo em função do número de cartões utilizados em todas as máquinas Tetra Pak do mesmo tipo. Esta taxa substitui a tarifa degressiva - de valor equivalente - de uma parte das despesas de manutenção previstas em caso de venda [ver cláusula vii)]. Em certos países (Alemanha, França e Portugal), é prevista uma penalidade específica em caso de não pagamento nos prazos fixados dessa tarifa.

2.2.8. A duração do contrato de locação

39 A duração e as modalidades de cessação do contrato de locação variam consoante os Estados-membros.

xxiii) A duração mínima do contrato de locação vai de três anos (Dinamarca, Irlanda, Portugal e Reino Unido) a nove anos (Itália).

2.2.9. A cláusula penal

40 xxiv) Independentemente das indemnizações normais, a Tetra Pak reserva-se o direito de impor uma penalidade ao locatário que infrinja uma das suas obrigações contratuais, sendo o montante dessa penalidade fixado, dentro de um limite máximo, discricionariamente pela Tetra Pak em função da gravidade do caso (Itália).

2.3. As condições de fornecimento dos cartões (anexo 2.3)

41 Existem contratos-tipo de fornecimento na Grécia, na Irlanda, em Itália, em Espanha e no Reino Unido. São obrigatórios desde que o cliente proceda não à locação mas à aquisição de uma máquina.

2.3.1. A exclusividade de abastecimento

42 xxv) O comprador compromete-se a abastecer-se exclusivamente junto da Tetra Pak relativamente a todos os materiais de embalagem que serão utilizados numa ou em determinadas máquinas Tetra Pak (todos os países) e em qualquer outra máquina Tetra Pak a adquirir posteriormente (Itália).

2.3.2. A duração do contrato

43 xxvi) O contrato é assinado por um primeiro período de nove anos, renovável por um novo período de cinco anos (Itália), ou pelo período durante o qual o adquirente conserva a posse da máquina (Grécia, Irlanda, Espanha e Reino Unido).

2.3.3. A fixação dos preços

44 xxvii) Os cartões serão entregues ao preço em vigor no momento da encomenda. Não se encontra previsto qualquer sistema de perequação ou de indexação (todos os países).

2.3.4. O conteúdo

45 Encontramos também aqui o direito de controlo [cláusula xii)] da Tetra Pak sobre o conteúdo ou os nomes de marca que o cliente pretende mencionar nos cartões.»

- A estrutura da oferta no sector asséptico era, segundo a decisão controvertida, quase monopolística, ocupando a Tetra Pak 90 a 95% do mercado. O seu único verdadeiro concorrente, a PKL, detinha a quase totalidade das partes de mercado restantes, ou seja, 5 a 10%.

- A estrutura do sector asséptico era oligopolística. No momento da adopção da decisão controvertida, a Tetra Pak ocupava 50 a 55% do sector na Comunidade. A Elopak detinha, em 1985, cerca de 27% do mercado das máquinas e das embalagens de cartão não assépticas, seguida da PKL, que ocupava cerca de 11% desse mercado. O resto do mercado das embalagens repartia-se por três sociedades e o resto do mercado das máquinas não assépticas era repartido por uma dezena de pequenos produtores.

- Em 27 de Setembro de 1983, a Elopak Italia apresentou à Comissão uma denúncia contra a Tetra Pak Italiana e as sociedades suas associadas em Itália, censurando-a por ter aplicado práticas comerciais que constituíam abuso de posição dominante, na acepção do artigo 86._ do Tratado CEE. Essas práticas consistiam essencialmente, segundo a Elopak, na venda de embalagens de cartão a preços predatórios, na imposição de condições desleais ao fornecimento de máquinas de enchimento e, em certos casos, na venda desse material a preços também predatórios.

- Em 16 de Dezembro de 1988, a Comissão decidiu iniciar o procedimento. Na decisão controvertida, resumiu as infracções da seguinte forma:

«1) prossecução de uma política de comercialização destinada a restringir consideravelmente a oferta e a compartimentar os mercados nacionais no interior da CEE;

2) imposição aos utilizadores dos produtos Tetra Pak, em todos os Estados-membros, de inúmeras cláusulas contratuais... cujo objectivo essencial é o de ligar indevidamente estes utilizadores à Tetra Pak e afastar artificialmente o jogo potencial da concorrência;

3) práticas de preços em relação aos cartões que se revelaram discriminatórias entre utilizadores de Estados-membros diferentes e, pelo menos em Itália, eliminatórias relativamente aos concorrentes;

4) práticas de preços em relação às máquinas que se revelaram:

- discriminatórias entre utilizadores de Estados-membros diferentes,

- discriminatórias igualmente, pelo menos em Itália, entre utilizadores de um mesmo país,

e

- pelo menos em Itália e no Reino Unido, eliminatórias relativamente aos concorrentes;

5) práticas pontuais diversas que visam a eliminação, em Itália pelo menos, de concorrentes e/ou da sua tecnologia de certos mercados.»

- A Comissão ordenou à recorrente que pusesse termo às infracções verificadas, adoptando determinadas medidas, e aplicou-lhe uma coima de 75 milhões de ecus.

3 Na primeira instância, a Tetra Pak pediu a anulação da decisão controvertida e a condenação da Comissão nas despesas.

4 O Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso da Tetra Pak e condenou-a nas despesas.

5 A Tetra Pak conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- anular, no todo ou em parte, o acórdão impugnado;

- anular, no todo ou em parte, a decisão controvertida;

- a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente a coima aplicada à Tetra Pak;

- condenar a Comissão nas despesas do presente recurso e nas do processo que correu no Tribunal de Primeira Instância.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- negar provimento ao recurso, por ser em parte inadmissível e, de qualquer modo, improcedente;

- condenar a Tetra Pak nas despesas da instância.

6 Em apoio do seu recurso, a Tetra Pak invoca cinco fundamentos.

Quanto ao primeiro fundamento

7 Com o primeiro fundamento, a Tetra Pak alega que a definição dos mercados de produtos em causa contida no acórdão é contraditória. Além disso, essa definição assentaria num critério jurídico errado.

8 A primeira parte desse fundamento diz respeito aos n.os 64 e 73 do acórdão, em que o Tribunal de Primeira Instância considerou:

«64 No caso, a «permutabilidade» dos sistemas assépticos de acondicionamento com os sistemas não assépticos e dos sistemas que utilizam cartão com os que utilizam outros materiais deve ser avaliada tomando em linha de conta o conjunto das condições da concorrência no mercado geral dos sistemas de acondicionamento destinados aos produtos alimentares líquidos. De onde resulta que, no contexto específico do caso em apreço, a tese da recorrente, consistente em cindir esse mercado geral em submercados diferenciados, em função do facto de os sistemas serem utilizados para embalagem de leite, de outros produtos lácteos que não o leite, ou de produtos não lácteos, tendo em consideração as características próprias de acondicionamento destas diferentes categorias de produtos, traduzindo-se na existência eventual de equipamentos diversos de substituição, levaria a um emparcelamento de mercados que não corresponde à realidade económica. Com efeito, as máquinas e cartões, tanto assépticos como não assépticos, caracterizam-se por uma estrutura da oferta e da procura comparável, qualquer que seja a sua utilização, uma vez que todos pertencem à mesma área de actividade: a da embalagem dos produtos alimentares líquidos.

...

73 A análise dos mercados no sector do acondicionamento do leite demonstra, portanto, que os quatro mercados em causa, delimitados na decisão, constituíam realmente mercados distintos.»

9 Para a Tetra Pak, estas duas declarações excluem-se mutuamente. Ou se deve tomar em consideração o mercado geral dos sistemas de acondicionamento destinados aos produtos alimentares líquidos, ou existem quatro mercados distintos. Se o mercado em causa fosse o mercado geral dos sistemas de acondicionamento destinados aos produtos alimentares líquidos, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter acolhido o argumento da Tetra Pak segundo o qual a Comissão tinha feito erradamente uma distinção entre os mercados assépticos e não assépticos. Se, em contrapartida, os mercados assépticos e não assépticos devessem ser considerados distintos, o Tribunal não deveria ter rejeitado o argumento da Tetra Pak segundo o qual a Comissão incluíra erradamente os sistemas de acondicionamento destinados aos produtos não lácteos no mercado de produtos em causa.

10 A este respeito, deve salientar-se que, no n._ 60 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância indicou que lhe competia verificar o bem fundado da definição dos quatro mercados assépticos e não assépticos, contida na decisão controvertida. Em seguida, no n._ 63, recordou que, segundo jurisprudência assente, o mercado dos produtos em causa devia ser definido tendo em conta o conjunto do contexto económico, de modo a poder apreciar-se o poder económico efectivo da empresa em questão, e que importava, para esse efeito, definir previamente os produtos que, não sendo substitutos de outros produtos, são suficientemente permutáveis com os produtos que essa empresa oferece, em função não só das suas características próprias, mas também das condições de concorrência e da estrutura da procura e da oferta no mercado.

11 Assim, no n._ 64 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância não fez ainda qualquer constatação quanto ao mercado em causa. Nessa fase do exame, limitou-se a afirmar que a permutabilidade dos sistemas assépticos e não assépticos devia ser avaliada no mercado geral dos sistemas de acondicionamento destinados aos produtos alimentares líquidos. Assim, rejeitou a tese da Tetra Pak segundo a qual se devia distinguir os mercados em função dos produtos embalados. Só depois de uma análise pormenorizada da situação nesse mercado geral é que o Tribunal de Primeira Instância, no n._ 73 do acórdão impugnado, chegou à conclusão de que os quatro mercados em causa, delimitados na decisão controvertida, constituíam realmente mercados distintos.

12 A segunda parte do primeiro fundamento, através da qual se censura ao Tribunal de Primeira Instância o ter-se baseado num critério jurídico errado, contém três aspectos. Em primeiro lugar, a Tetra Pak sustenta que o mercado das máquinas e das embalagens de cartão utilizadas para o acondicionamento dos produtos não lácteos deveria ter sido excluído do mercado em causa. O Tribunal de Primeira Instância deveria ter examinado, como fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461, n._ 37), se os produtos em causa eram particularmente aptos a satisfazer necessidades constantes e se eram pouco permutáveis com outros produtos. Para a Tetra Pak, o Tribunal não deveria ter-se contentado, como fez nos n.os 65, 74 e 75 do acórdão impugnado, em constatar primeiro que o sector do acondicionamento do leite era muito mais importante que o do acondicionamento dos produtos não lácteos, e em seguida que as embalagens em cartão não assépticas para o acondicionamento de sumos de frutos eram apenas uma «parte marginal» do mercado.

13 Ora, como o Tribunal declarou precisamente no n._ 37 do acórdão Michelin/Comissão, já referido, as condições de concorrência e a estrutura da oferta e da procura no mercado são critérios relevantes para determinar se determinados produtos são permutáveis com outros. Foi portanto com razão que, no caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração a estrutura da procura. Começou por declarar, no n._ 65 do acórdão impugnado, que a maior parte das embalagens de cartão, tanto assépticas como não assépticas, servia para o acondicionamento de leite e que a Comissão não estava obrigada a proceder a uma análise distinta do sector do acondicionamento dos produtos que não o leite. Por fim, no n._ 75, o Tribunal baseou-se na estabilidade da procura de embalagens de cartão assépticas e não assépticas utilizadas para o acondicionamento de sumos de frutos para demonstrar que, também nesse domínio, havia muito pouca permutabilidade.

14 Em segundo lugar, a Tetra Pak considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n._ 71 do acórdão impugnado, que bastava constatar que as embalagens assépticas que utilizavam outros materiais que não o cartão ocupavam uma parte marginal do mercado, para excluir a permutabilidade com os sistemas que utilizavam o cartão.

15 Deve observar-se que, no n._ 71 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância constatou que, no período que decorreu de 1976 a 1991, os materiais de embalagem que não o cartão só conseguiram conquistar uma parte marginal do mercado do acondicionamento do leite UHT. Como se disse acima, esta estabilidade da procura é um critério relevante para determinar se o cartão é permutável com outras matérias.

16 Em terceiro lugar, a Tetra Pak contesta o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 66 a 68 do acórdão impugnado. Com efeito, o Tribunal apontou aí que «o critério da permutabilidade suficiente dos produtos» devia ser aplicado «no estádio dos próprios sistemas de acondicionamento, que constituem o mercado dos produtos intermediários no qual a posição da Tetra Pak deve ser avaliada, e não no estádio dos produtos finais, no caso os produtos alimentares líquidos embalados». O Tribunal acrescentou contudo, no n._ 67, que a Comissão teve necessariamente que ter em conta as repercussões da procura por parte dos consumidores finais na procura intermédia proveniente das empresas de embalagem e que constatara que a modificação dos hábitos dos consumidores quanto à escolha do modo de acondicionamento do produto seria um processo longo e dispendioso que se estenderia por vários anos. O Tribunal subscreveu, no n._ 68, o raciocínio da Comissão segundo o qual variações pequenas mas significativas do preço relativo das diversas embalagens não seriam suficientes para desencadear substituições entre os diferentes tipos de leite a que elas estão associadas, porque a possibilidade de substituição entre os diferentes tipos de leite não é perfeita.

17 Para a Tetra Pak, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao apenas ter em conta, na sua definição do mercado em causa, a possibilidade de substituição a curto prazo, quando deveria ter examinado se os sistemas de acondicionamento assépticos só estavam expostos de modo pouco sensível à concorrência dos sistemas de acondicionamento não assépticos. No entender da Tetra Pak, as considerações do Tribunal nos n.os 69 e 70 do acórdão impugnado não demonstram a inexistência de uma concorrência sensível entre os dois sistemas de acondicionamento.

18 É pacífico que, na parte em questão do acórdão impugnado, o Tribunal examinou se os sistemas assépticos eram suficientemente permutáveis com os não assépticos. Baseando-se em vários critérios, concluiu que não era esse o caso.

19 Se o Tribunal fez referência, neste contexto, a um processo longo e dispendioso, foi apenas para qualificar a possibilidade de influenciar os hábitos dos consumidores. Os outros factores que o Tribunal considerou relevantes, como os custos suplementares associados à passagem de um sistema de acondicionamento para outro devido às diferenças entre os sistemas de distribuição, a necessidade de uma tecnologia complexa para produzir máquinas que permitissem o acondicionamento, em condições assépticas, do leite UHT nas embalagens de cartão e as dificuldades encontradas pelos produtores de sistemas não assépticos para terem acesso ao mercado dos sistemas assépticos, demonstravam a inexistência de permutabilidade suficiente, mesmo a médio e longo prazos. Contrariamente ao que a Tetra Pak afirma, o Tribunal de Primeira Instância não se limitou, portanto, a examinar a possibilidade de substituição a curto prazo.

20 Por todas estas razões, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento

21 Através do segundo fundamento, a Tetra Pak põe principalmente em causa o resultado a que o Tribunal de Primeira Instância chegou no n._ 122 do acórdão impugnado, nos termos do qual:

«Resulta do conjunto das considerações precedentes que, no contexto do caso em apreço, as práticas aplicadas pela Tetra Pak nos mercados não assépticos são susceptíveis de ficar abrangidas pelo artigo 86._ do Tratado, sem que seja necessário provar a existência de uma posição dominante nestes mercados isoladamente considerados, na medida em que a proeminência desta empresa nos mercados não assépticos, combinada com os laços estreitos de conexão entre estes mercados e os mercados assépticos, conferia à Tetra Pak uma independência de comportamento relativamente aos outros operadores económicos presentes nos mercados não assépticos, capaz de justificar a sua responsabilidade particular, nos termos do artigo 86._, na manutenção de uma concorrência efectiva e não falseada nestes mercados.»

22 Para a Tetra Pak, a jurisprudência citada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 114 e 115 do acórdão impugnado não permite concluir que uma prática instituída num mercado que não o mercado dominado, e que não tem como objectivo reforçar a posição neste último mercado, é abrangida pelo artigo 86._ do Tratado. A Tetra Pak sustenta que esta conclusão não pode sequer ser justificada pelas relações de conexão entre os diferentes mercados, tal como foram apuradas pela Comissão e pelo Tribunal de Primeira Instância.

23 Na sua argumentação, a Tetra Pak faz especialmente referência ao facto de, na sua jurisprudência anterior, o Tribunal de Justiça ter sempre apreciado ou abusos que se verificavam no mercado dominado e cujos efeitos se faziam sentir noutro mercado, ou abusos cometidos num mercado em que a empresa não ocupava uma posição dominante, mas que reforçavam a sua posição no mercado dominado.

24 Deve salientar-se antes de mais que não pode ser contestada a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, no n._ 113 do acórdão impugnado, segundo a qual o artigo 86._ não contém qualquer indicação explícita no que diz respeito às exigências atinentes à localização do abuso nos mercados dos produtos. Aquele Tribunal podia portanto afirmar com razão, no n._ 115 do acórdão impugnado, que o âmbito de aplicação material da responsabilidade particular que impende sobre uma empresa em posição dominante deve ser apreciado tendo em conta as circunstâncias específicas de cada caso, que demonstrem um enfraquecimento da concorrência.

25 A este respeito, a jurisprudência citada pelo Tribunal de Primeira Instância é pertinente. Os acórdãos de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, Colect., p. 119), e de 3 de Outubro de 1985, CBEM (311/84, Recueil, p. 3261), fornecem exemplos de abusos que produzem efeitos em mercados que não são os mercados dominados. Nos acórdãos de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C-62/86, Colect., p. I-3359), e de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão (T-65/89, Colect., p. II-389), o juiz comunitário considerou abusivos determinados comportamentos em mercados que não eram os mercados dominados e que tinham efeitos nestes. Foi, portanto, justificadamente que o Tribunal, no n._ 116 do acórdão impugnado, retirou dessa jurisprudência a consequência de que deviam ser desatendidas as alegações da recorrente segundo as quais o juiz comunitário teria excluído qualquer possibilidade de aplicação do artigo 86._ a um acto cometido por uma empresa em posição dominante num mercado distinto do mercado dominado.

26 Pelas razões expostas pelo advogado-geral no n._ 61 das conclusões, a Tetra Pak também não pode invocar como argumento os acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461) e Michelin/Comissão, já referido.

27 É certo que a aplicação do artigo 86._ pressupõe a existência de uma relação entre a posição dominante e o comportamento alegadamente abusivo, relação essa que normalmente não se verifica quando um comportamento num mercado distinto do mercado dominado produz efeitos nesse mesmo mercado. Tratando-se de mercados distintos, mas conexos, como no caso presente, só circunstâncias especiais podem justificar uma aplicação do artigo 86._ a um comportamento verificado no mercado conexo, não dominado, e que produz efeitos nesse mesmo mercado.

28 A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância começou por considerar relevante, no n._ 118 do acórdão impugnado, o facto de a Tetra Pak deter 78% da totalidade do mercado do acondicionamento em embalagens de cartão tanto assépticas como não assépticas, ou seja, sete vezes mais do que o seu concorrente mais próximo. No n._ 119 do acórdão, salientou a proeminência da Tetra Pak no sector não asséptico. Constatou em seguida, no n._ 121 do acórdão, que a posição da Tetra Pak nos mercados assépticos, em que ela detinha cerca de 90%, era quase monopolística. Observou que essa posição fazia também da Tetra Pak um fornecedor privilegiado de sistemas não assépticos. Por fim, concluiu, no n._ 122, que, no contexto do caso presente, a aplicação do artigo 86._ se justificava pela situação nos diferentes mercados e pelos estreitos elos de conexão entre estes.

29 Não pode contestar-se a relevância dos elos de conexão assim determinados pelo Tribunal de Primeira Instância. O facto de as diferentes matérias em causa serem utilizadas para o acondicionamento dos mesmos produtos líquidos de base revela que os clientes da Tetra Pak num sector são também clientes potenciais no outro. Esta possibilidade é corroborada por estatísticas das quais resulta que, em 1987, cerca de 35% dos clientes da Tetra Pak compravam simultaneamente sistemas assépticos e não assépticos. A este respeito, é também pertinente observar que a Tetra Pak e o seu concorrente mais importante, a PKL, estavam presentes nos quatro mercados. Atendendo ao seu domínio quase total dos mercados assépticos, a Tetra Pak podia também contar com um estatuto privilegiado nos mercados não assépticos. Graças à sua posição nos primeiros mercados, a Tetra Pak podia concentrar os seus esforços nos segundos actuando independentemente dos outros operadores económicos.

30 Foram as circunstâncias acima descritas, tomadas no conjunto e não isoladamente, que permitiram ao Tribunal de Primeira Instância, sem que lhe fosse necessário demonstrar o domínio da Tetra Pak nos mercados não assépticos, atribuir a esta empresa uma independência de comportamento relativamente aos outros operadores económicos nesses mercados.

31 Tendo em conta estes elementos, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância admitiu a aplicação no caso presente do artigo 86._ do Tratado, tendo em conta que a posição quase monopolística detida pela Tetra Pak nos mercados assépticos e a sua posição proeminente nos mercados não assépticos, distintas mas estreitamente conexas, colocavam esta empresa numa situação equiparável à detenção de uma posição dominante no conjunto dos mercados em causa.

32 Uma empresa que se encontre nessa situação está necessariamente em condições de prever que o seu comportamento pode ser abrangido pelo artigo 86._ do Tratado. Nestas condições, e contrariamente ao que a recorrente afirma, estão respeitadas as exigências ligadas à segurança jurídica.

33 Resulta das considerações que precedem que o segundo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento

34 Com o terceiro fundamento, a Tetra Pak alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar contrárias ao artigo 86._ as vendas ligadas das embalagens de cartão e das máquinas de acondicionamento, quando existia uma relação natural entre esses produtos e as vendas eram conformes aos usos comerciais.

35 Com efeito, a Tetra Pak interpreta o artigo 86._, segundo parágrafo, alínea d), do Tratado como proibindo apenas a prática que consiste em fazer depender a celebração de contratos da aceitação de prestações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não têm qualquer relação com o objecto desses contratos.

36 Deve observar-se em primeiro lugar que o Tribunal de Primeira Instância rejeitou expressamente o argumento apresentado pela Tetra Pak para demonstrar a relação natural entre as máquinas e as embalagens de cartão. Efectivamente, no n._ 82 do acórdão impugnado, o Tribunal declarou que «a análise dos usos comerciais não permite concluir pela indissociabilidade entre as máquinas destinadas ao acondicionamento de um produto, por um lado, e as embalagens de cartão, por outro. Existem, efectivamente, desde há muito, produtores independentes, especializados no fabrico de cartões não assépticos destinados a ser utilizados em máquinas produzidas por outras empresas e que não produzem eles próprios máquinas.» Ao mesmo tempo que refere os usos comerciais, esta apreciação afasta a existência da relação natural invocada pela Tetra Pak afirmando que outras empresas podem produzir embalagens de cartão destinadas a ser utilizadas nas máquinas da Tetra Pak. No que respeita às embalagens de cartão assépticas, o Tribunal declarou, no n._ 83 do acórdão, que «qualquer produtor independente é perfeitamente livre, à luz do direito comunitário da concorrência, de fabricar produtos para consumo destinados a serem utilizados em aparelhos fabricados por outros, a menos que, ao assim proceder, ofenda um direito de propriedade intelectual detido por um concorrente». O Tribunal observou também, no n._ 138, para rejeitar o argumento extraído da pretensa relação natural, que não competia à Tetra Pak impor, por sua iniciativa, determinadas medidas por considerações de ordem técnica ou relativas à responsabilidade ao nível dos produtos, à protecção da saúde pública e à protecção da sua reputação. Todas estas considerações demonstram que o Tribunal de Primeira Instância entendia que a Tetra Pak não era a única a poder produzir embalagens de cartão destinadas a serem utilizadas nas suas máquinas.

37 Deve salientar-se em seguida que a lista das práticas abusivas constante do segundo parágrafo do artigo 86._ do Tratado não é taxativa. Por conseguinte, mesmo quando a venda ligada de dois produtos seja conforme aos usos comerciais ou quando exista uma relação natural entre os dois produtos em questão, ela pode ainda assim constituir um abuso na acepção do artigo 86._, a menos que se justifique objectivamente. O raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância no n._ 137 do acórdão impugnado não está, portanto, ferido de qualquer vício.

38 Por estas razões, o terceiro fundamento deve também ser rejeitado.

Quanto ao quarto fundamento

39 Com este fundamento, a Tetra Pak alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar eliminatórios, no n._ 150 do acórdão impugnado, os preços praticados pela Tetra Pak no sector não asséptico, sem admitir que, para isso, era necessário demonstrar que a Tetra Pak podia razoavelmente esperar recuperar as perdas assim aceites.

40 A Tetra Pak considera que a possibilidade de recuperar as perdas devidas às vendas eliminatórias faz parte do conceito de prática de preço de evicção. Isto resultaria claramente do acórdão AKZO/Comissão, já referido, n._ 71. Ora, como a Comissão e o Tribunal de Primeira Instância admitem que as vendas abaixo do preço de custo só se verificaram nos mercados não assépticos, em que não se apurou uma posição dominante da Tetra Pak, esta não tinha portanto qualquer possibilidade real de recuperar posteriormente as suas perdas.

41 Deve salientar-se que foi efectivamente no acórdão AKZO/Comissão, já referido, que o Tribunal de Justiça consagrou a existência de dois métodos de análise diferentes quando se trata de verificar se uma empresa praticou preços predatórios. Em primeiro lugar, os preços inferiores à média dos custos variáveis devem ser sempre considerados abusivos. Nesse caso, não é concebível uma finalidade económica que não seja a eliminação de um concorrente, pois cada unidade produzida e vendida acarreta um prejuízo para a empresa. Em segundo lugar, os preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, só devem ser considerados abusivos quando possa demonstrar-se existir um plano de eliminação.

42 No n._ 150 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância efectuou o mesmo exame que o Tribunal de Justiça efectuou no acórdão AKZO/Comissão, já referido. Para as vendas de embalagens de cartão não assépticas em Itália entre 1976 e 1981, constatou que os preços eram largamente inferiores à média dos custos variáveis. A prova da intenção de eliminar os concorrentes não era, portanto, necessária. Em 1982, os preços dessas embalagens de cartão situavam-se entre a média dos custos variáveis e a média dos custos totais. Foi por esta razão que, no n._ 151 do acórdão, o Tribunal de Primeira Instância, aliás sem ser criticado pela recorrente, tentou demonstrar que a Tetra Pak tinha a intenção de eliminar um concorrente.

43 Foi também justificadamente que, nos n.os 189 a 191 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância seguiu exactamente o mesmo raciocínio quanto às vendas de máquinas não assépticas no Reino Unido entre 1981 e 1984.

44 Convém acrescentar que, nas circunstâncias do presente caso, não seria oportuno exigir também, a título de prova adicional, que se demonstrasse que a Tetra Pak tinha uma possibilidade real de recuperar as suas perdas. Com efeito, uma prática de preços predatórios deve poder ser penalizada quando exista o risco de eliminação dos concorrentes. Ora, esse risco foi verificado no caso presente pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 151 e 191 do acórdão impugnado. O objectivo pretendido, que é o de preservar uma concorrência não falseada, não permite aguardar que uma estratégia dessa natureza leve à eliminação efectiva dos concorrentes.

45 Por estas razões, o quarto fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao quinto fundamento

46 Por último, a Tetra Pak alega que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu aos seus argumentos que incidiam sobre as circunstâncias atenuantes que a Comissão deveria ter tomado em consideração quando fixou o montante da coima. A Tetra Pak considera que, no n._ 239 do acórdão impugnado, o Tribunal se limitou a examinar se as infracções tinham sido cometidas intencionalmente ou por negligência. Para a Tetra Pak, o Tribunal deveria além disso ter tomado em conta as particularidades do caso, incluindo a sua natureza inédita. Atendendo a que o Tribunal de Primeira Instância confundiu a questão da natureza intencional ou involuntária da infracção e a de saber se a inexistência de precedentes constitui uma circunstância atenuante, a Tetra Pak entende que a coima deve ser anulada ou, pelo menos, substancialmente reduzida.

47 A este respeito, deve antes de mais observar-se que, no n._ 228 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância tomou efectivamente em consideração o argumento da Tetra Pak sobre a natureza inédita tanto do método de delimitação do mercado dos produtos como da justificação da aplicação do artigo 86._ do Tratado no sector não asséptico.

48 Em seguida, no n._ 239 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância ponderou a gravidade da infracção e as circunstâncias invocadas pela recorrente. Entendeu que, embora sob certos aspectos a determinação dos mercados dos produtos em causa e do domínio de aplicação do artigo 86._ pudesse apresentar alguma complexidade, a Tetra Pak, atendendo à sua posição quase monopolística nos mercados assépticos e à sua posição proeminente nos mercados não assépticos, não podia deixar de ter consciência de que as práticas em causa eram contrárias às regras do Tratado. O Tribunal concluiu daí que o carácter manifesto e a especial gravidade das restrições à concorrência resultantes dos abusos em causa justificavam a manutenção do montante da coima, apesar da natureza não inédita de algumas das apreciações jurídicas feitas na decisão controvertida.

49 Com essa fundamentação, o Tribunal de Primeira Instância respondeu suficientemente ao argumento extraído pela recorrente das circunstâncias atenuantes que poderia invocar.

50 O quinto fundamento deve, portanto, ser também rejeitado.

51 Por todas as considerações que antecedem, deve negar-se provimento ao recurso na totalidade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

52 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118._, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A recorrente é condenada nas despesas.

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