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Document 61994CJ0244

Acórdão do Tribunal de 16 de Novembro de 1995.
Fédération française des sociétés d'assurance, Société Paternelle-Vie, Union des assurances de Paris-Vie e Caisse d'assurance et de prévoyance mutuelle des agriculteurs contra Ministério da Agricultura e da Pesca.
Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - França.
Artigos 85.º e seguintes do Tratado CE - Conceito de empresa - Organismo encarregado da gestão de um regime complementar facultativo de segurança social.
Processo C-244/94.

Colectânea de Jurisprudência 1995 I-04013

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:392

61994J0244

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 16 DE NOVEMBRO DE 1995. - FEDERATION FRANCAISE DES SOCIETES D'ASSURANCE, SOCIETE PATERNELLE-VIE, UNION DES ASSURANCES DE PARIS-VIE E CAISSE D'ASSURANCE ET DE PREVOYANCE MUTUELLE DES AGRICULTEURS CONTRA MINISTERE DE L'AGRICULTURE ET DE LA PECHE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: CONSEIL D'ETAT - FRANCA. - ARTIGOS 85. E SEGUINTES DO TRATADO CE - CONCEITO DE EMPRESA - ORGANISMO ENCARREGADO DA GESTAO DE UM REGIME COMPLEMENTAR FACULTATIVO DE SEGURANCA SOCIAL. - PROCESSO C-244/94.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-04013


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Concorrência ° Regras comunitárias ° Empresa ° Conceito ° Organismo que gere um sistema de seguro de velhice complementar e facultativo ° Funcionamento segundo o princípio da capitalização ° Inclusão

(Tratado CE, artigos 85. e 86. )

Sumário


Um organismo sem fins lucrativos, que gere um sistema de seguro de velhice destinado a completar um regime de base obrigatório, instituído pela lei a título facultativo e funcionando, dentro dos limites das regras definidas pelo poder regulamentar, designadamente no que se refere às condições de adesão, às contribuições e às prestações, segundo o princípio da capitalização, constitui uma empresa na acepção dos artigos 85. e segs. do Tratado. Efectivamente, um organismo desse tipo, mesmo que não prossiga uma finalidade lucrativa e mesmo que o regime que gere contenha determinados elementos de solidariedade, limitados e não comparáveis aos que caracterizam os regimes obrigatórios de segurança social, exerce uma actividade económica em concorrência com as companhias de seguros de vida.

Partes


No processo C-244/94,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Conseil d' État francês, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Fédération française des sociétés d' assurance,

Société Paternelle-Vie,

Union des assurances de Paris-Vie,

Caisse d' assurance et de prévoyance mutuelle des agriculteurs

e

Ministério da Agricultura e da Pesca,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 85. e segs. do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. N. Kakouris e D. A. O. Edward, presidentes de secção, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida (relator), P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J. L. Murray, P. Jann, H. Ragnemalm e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação das recorrentes no processo principal, por Dominique Voillemot, advogado no foro de Paris,

° em representação do Governo francês, por Edwige Belliard, directora adjunta na direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Claude Chavance, adido principal da administração central na mesma direcção, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Richard Lyal, membro do Serviço Jurídico, e Géraud de Bergues, funcionário nacional colocado à disposição do mesmo serviço, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das recorrentes no processo principal, representadas por Michel Guénaire e Marie-Pia Hutin, advogados no foro de Paris, do Governo francês, representado por Claude Chavance, e da Comissão, representada por Richard Lyal e Géraud de Bergues, na audiência de 13 de Junho de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Julho de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 24 de Junho de 1994, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Setembro seguinte, o Conseil d' État francês submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 85. e seguintes do Tratado CE.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um pedido apresentado pela Fédération française des sociétés d' assurance, pela Société Paternelle-Vie, pela Union des assurances de Paris-Vie e pela Caisse d' assurance et de prévoyance mutuelle des agriculteurs, com vista a obter a anulação, por excesso de poder, do Decreto n. 90-1051, de 26 de Novembro de 1990, relativo ao regime complementar facultativo de seguro de velhice dos trabalhadores agrícolas não assalariados, adoptado em aplicação do artigo 1122-7 do code rural (JORF de 27.11.1990, p. 14581, a seguir "Decreto n. 90-1051").

3 O Decreto n. 90-1051 estabelece a organização e modalidades de funcionamento do regime complementar de seguro de velhice dos trabalhadores agrícolas não assalariados financiado através de contribuições voluntárias dedutíveis do rendimento profissional tributável, regime que foi criado pela Lei 88-1202, de 30 de Dezembro de 1988, relativa à adaptação da exploração agrícola ao ambiente económico e social em que se insere (JORF de 31.12.1988, p. 16741).

4 Nos termos do artigo 1. , segundo parágrafo, do Decreto n. 90-1051, a gestão do novo regime complementar é assegurada pela Caisse nationale d' assurance vieillesse mutuelle agricole (a seguir "Cnavma"), com o apoio das caixas departamentais ou pluridepartamentais de mutualité sociale agricole (a seguir "caisses de MSA").

5 No Conseil d' État, as recorrentes no processo principal alegam que a atribuição do monopólio de gestão do regime em causa à Cnavma, com o apoio das caisses de MSA, e a possibilidade de dedução fiscal das contribuições pagas à Cnavma colocaram esta última em situação de eliminar do mercado de seguros de vida e dos produtos de capitalização e de poupança-reforma as sociedades de seguro concorrentes. O Decreto n. 90-1051 seria, consequentemente, contrário aos artigos 85. e segs. do Tratado.

6 Tendo dúvidas quanto à interpretação a dar ao direito comunitário, o Conseil d' État decidiu suspender a instância e solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se

"nos termos do artigo 85. e segs. do Tratado pode ser considerado empresa um organismo sem fins lucrativos, que gere um regime de seguro de velhice destinado a completar um regime de base obrigatório, instituído pela lei a título facultativo e funcionando, dentro dos limites das regras definidas pelo poder regulamentar, designadamente no que se refere às condições de adesão, às contribuições e às prestações, segundo o princípio da capitalização".

7 No critério do Governo francês, a Cnavma, que, desde 1 de Janeiro de 1994, se fundiu com as duas outras caisses centrales d' allocations familiales mutuelles agricoles et de secours mutuel agricole num organismo único, a Caisse centrale de la mutualité sociale agricole (a seguir "CCMSA"), não é uma empresa na acepção dos artigos 85. e segs. do Tratado. Para o demonstrar, recorda as diversas características do regime de reforma complementar dos trabalhadores agrícolas não assalariados, designado "Coreva", bem como do organismo a quem cabe a sua gestão.

8 Em primeiro lugar, o regime Coreva tem em vista uma finalidade social. Foi criado com o objectivo de proteger uma população contra diversos riscos, população essa caracterizada por um rendimento mais modesto e por uma média de idade mais elevada do que as outras categorias sócio-profissionais, e cujo regime de base de seguro de velhice não é suficiente. Se o regime Coreva funciona segundo um modo de gestão por capitalização e não por repartição, isso deve-se ao facto de este último modo de gestão só se conceber no âmbito de regimes obrigatórios, que põem em prática um princípio de solidariedade entre grande número de indivíduos, o que não se verifica no caso presente.

9 Em segundo lugar, os direitos e obrigações existentes nas relações entre o organismo gestor e os beneficiários não se regem por um contrato de direito privado, antes derivam de um estatuto de direito público que não pode ser alterado por iniciativa das partes interessadas ou à medida dos seus interesses. A este respeito, o Governo francês observa que o regime Coreva assenta no regime de base de seguro de velhice, que as caisses de MSA não podem efectuar uma selecção das pessoas que se enquadram no âmbito de aplicação pessoal e profissional definido pelo artigo 1122-7 do code rural, não sendo solicitado o preenchimento de qualquer questionário ou a entrega de um processo médico antes da inscrição, que as contribuições são proporcionais aos rendimentos da actividade profissional e não podem exceder o triplo do limite fixado pelo regime de segurança social de base, ou seja, 4,5% (ou 7%, contribuição acrescida, pela qual se pode optar durante cinco anos), e, por último, que as prestações são concedidas sob a forma de rendas vitalícias e nunca sob a forma de capital. Apenas a determinação do preço de aquisição e do valor de cálculo do ponto percentual relativo à reforma complementar, que compete ao conselho de administração da CCMSA, distingue o regime Coreva de um regime legal obrigatório que funcione segundo o sistema de repartição.

10 Em terceiro lugar, o regime Coreva baseia-se num princípio de solidariedade. Assim, os aderentes que estejam impossibilitados de pagar as contribuições devido a doença podem ser dispensados do seu pagamento por uma comissão especial, ficando então as contribuições a cargo de um fundo de acção social alimentado por uma taxa sobre as contribuições do regime complementar de 0,5% das contribuições brutas anuais. Por outro lado, qualquer aderente pode abandonar o regime sem qualquer penalidade, mantendo o interessado a totalidade dos direitos à reforma adquiridos. Por último, no caso de morte prematura do aderente, os pontos acumulados não são pagos aos herdeiros como acontece no caso de um contrato de seguro de vida ou de poupança reforma, antes sendo os recursos colocados à disposição do regime, servindo para revalorizar as reformas em curso.

11 Em quarto lugar, o organismo gestor não tem em vista qualquer fim lucrativo. A sua administração é assegurada benevolamente por cidadãos eleitos nas condições referidas no artigo 1111. do code rural e a sua gestão sujeita ao controlo conjunto dos ministros da Agricultura e das Finanças. Além disso, os fundos disponíveis eventualmente detidos pelas caisses de MSA só podem ser utilizados nas aplicações financeiras autorizadas pelo despacho de 27 de Fevereiro de 1987, que altera o despacho de 13 de Março de 1973 relativo às aplicações e empréstimos das caisses de mutualité sociale agricole (JORF de 16.4.1987, p. 4332). Quanto aos custos de gestão, são cobertos por uma contribuição específica dentro dos limites previstos por um despacho do ministro da Agricultura.

12 Tendo em conta o que antecede, o Governo francês considera que o regime Coreva, por natureza, não é concorrencial e que o organismo que o gere preenche todas as condições que levaram o Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre (C-159/91 e C-160/91, Colect., p. I-637), a considerar que os organismos encarregados da gestão dos regimes de segurança social, como os que estavam em questão nesses processos, não são empresas na acepção dos artigos 85. e 86. do Tratado.

13 A título subsidiário, o Governo francês refere que a atribuição de direitos exclusivos à CCMSA não é contrária ao artigo 90. do Tratado CE. Efectivamente, o simples exercício desses direitos não leva o organismo gestor a explorar a sua posição dominante de modo abusivo e não é susceptível de criar uma situação em que esse organismo seja levado a cometer esses abusos.

14 Deve recordar-se que, no âmbito do direito da concorrência, o Tribunal de Justiça decidiu que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de funcionamento (v., designadamente, acórdãos de 23 de Abril de 1991, Hoefner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n. 21, e Poucet e Pistre, já referido, n. 17).

15 Por outro lado, no acórdão Poucet e Pistre, já referido, o Tribunal de Justiça excluiu deste conceito os organismos encarregados da gestão de determinados regimes de segurança social obrigatórios baseados no princípio da solidariedade. No regime de seguro de doença e de maternidade do sistema que lhe foi presente, as prestações eram, efectivamente, idênticas para todos os beneficiários, mas as contribuições eram proporcionais aos rendimentos; no regime de seguro de velhice, o financiamento das pensões de reforma era assegurado pelos trabalhadores em actividade; além disso, os direitos à pensão, fixados na lei, não eram proporcionais às contribuições pagas no regime de seguro de velhice; por último, os regimes excedentários participavam no financiamento dos regimes que tinham dificuldades financeiras estruturais. Esta solidariedade implicava necessariamente que os diversos regimes fossem geridos por um organismo único e que a inscrição nos mesmos fosse obrigatória.

16 É à luz destas considerações que deve ser apreciada a questão de saber se o conceito de empresa, na acepção dos artigos 85. e segs. do Tratado, se refere a um organismo como o que está em causa no processo principal.

17 A este respeito, importa desde logo salientar que a inscrição no regime Coreva é facultativa, que esse regime funciona segundo o princípio da capitalização e que as prestações a que confere direito dependem unicamente do montante das contribuições pagas pelos beneficiários, bem como dos resultados financeiros dos investimentos efectuados pelo organismo gestor. A CCMSA exerce, por isso, uma actividade económica em concorrência com as companhias de seguros de vida. Como a Comissão muito justamente observou, entre a CCMSA e uma companhia de seguros, um agricultor desejoso de completar a sua reforma de base optará pela solução que lhe garanta a melhor aplicação.

18 Os elementos de solidariedade que este regime contém, bem como as outras características salientadas pelo Governo francês, não são susceptíveis de contrariar esta qualificação.

19 Desde logo, o princípio da solidariedade traduz-se, no caso em apreço, pela independência das contribuições relativamente ao risco, pela colocação à disposição do regime dos recursos correspondentes às contribuições pagas no caso de falecimento prematuro do aderente, por um mecanismo de isenção de pagamento das contribuições em caso de doença e, por último, pela suspensão temporária do pagamento das contribuições por razões atinentes às condições económicas da exploração. Ora, disposições como essas encontram-se já em determinados seguros de vida de grupo ou podem aí ser incluídas. Em qualquer caso, o princípio da solidariedade tem um alcance extremamente limitado, que deriva da natureza facultativa do regime. Nessas condições, não pode retirar à actividade exercida pelo organismo gestor do referido regime o seu carácter económico.

20 Além disso, deve notar-se que, certamente, a prossecução de uma finalidade de carácter social, as exigências de solidariedade, bem como as outras regras referidas pelo Governo francês, designadamente quanto aos direitos e obrigações do organismo gestor e dos beneficiários, ao estatuto deste e às restrições que sofre na realização dos investimentos, podem tornar o serviço prestado pelo regime Coreva menos competitivo do que o serviço equiparável prestado pelas companhias de seguros de vida. Essas dificuldades não impedem, porém, que se considere a actividade exercida pela CCMSA uma actividade económica. Falta analisar se estas dificuldades podem ser invocadas, por exemplo, para justificar o direito exclusivo deste organismo a proporcionar seguros de velhice cujas contribuições são dedutíveis do rendimento profissional tributável.

21 Por último, o simples facto de a CCMSA não ter fins lucrativos não retira à actividade que exerce a sua natureza económica, uma vez que, tendo em conta as características referidas no n. 17, pode dar lugar a comportamentos que as regras de concorrência visam reprimir.

22 Deve, por isso, responder-se ao órgão jurisdicional nacional que um organismo sem fins lucrativos, que gere um regime de seguro de velhice destinado a completar um regime de base obrigatório, instituído pela lei a título facultativo e funcionando, dentro dos limites das regras definidas pelo poder regulamentar, designadamente no que se refere às condições de adesão, às contribuições e às prestações, segundo o princípio da capitalização, constitui uma empresa na acepção dos artigos 85. e segs. do Tratado.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

23 As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo Conseil d' État francês, por decisão de 24 de Junho de 1994, declara:

Um organismo sem fins lucrativos, que gere um regime de seguro de velhice destinado a completar um regime de base obrigatório, instituído pela lei a título facultativo e funcionando, dentro dos limites das regras definidas pelo poder regulamentar, designadamente no que se refere às condições de adesão, às contribuições e às prestações, segundo o princípio da capitalização, constitui uma empresa na acepção dos artigos 85. e segs. do Tratado CE.

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