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Document 61994CJ0206

Acórdão do Tribunal de 2 de Maio de 1996.
Brennet AG contra Vittorio Paletta.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesarbeitsgericht - Alemanha.
Segurança social - Reconhecimento de uma incapacidade para o trabalho.
Processo C-206/94.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-02357

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:182

61994J0206

Acórdão do Tribunal de 2 de Maio de 1996. - Brennet AG contra Vittorio Paletta. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesarbeitsgericht - Alemanha. - Segurança social - Reconhecimento de uma incapacidade para o trabalho. - Processo C-206/94.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-02357


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Segurança social dos trabalhadores migrantes ° Seguro de doença ° Trabalhador em estada num Estado-Membro diferente do Estado competente ° Direito às prestações necessárias pelo seu estado ° Alcance ° Prestações pecuniárias destinadas a compensar a perda de salário do trabalhador doente ° Inclusão ° Pagamento do salário depois do surgimento da incapacidade ° Falta de incidência

[Regulamento n. 1408/71 do Conselho, artigo 22. , n. 1, alínea a), ii)]

2. Segurança social dos trabalhadores migrantes ° Seguro de doença ° Trabalhador em estada num Estado-Membro diferente do Estado competente ° Incapacidade para o trabalho ° Reconhecimento obrigatório ° Limites ° Apresentação pelo empregador de provas que permitam verificar a existência de um comportamento abusivo ou fraudulento do trabalhador ° Admissibilidade ° Exigência de apresentação de provas suplementares pelo trabalhador ° Inadmissibilidade

(Regulamento n. 574/72 do Conselho, artigo 18. , n.os 1 a 5)

Sumário


1. O artigo 22. , n. 1, alínea a), ii), do Regulamento n. 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma regulamentação nacional segundo a qual um trabalhador assalariado tem direito, em caso de incapacidade para o trabalho, à manutenção da sua remuneração durante um determinado período, ainda que o salário só seja devido algum tempo depois do início da incapacidade.

Com efeito, ao enunciar a condição de que o estado do doente deve "necessitar imediatamente de prestações", esta disposição, por um lado, exige que se verifique a necessidade clínica de uma prestação imediata e, por outro, não se refere só às "prestações em espécie" imediatamente necessárias, implica ainda que, em caso de urgência, o interessado possa igualmente ter direito às "prestações pecuniárias" correspondentes que, sendo destinadas essencialmente a compensar a perda de salário do trabalhador doente, têm como objectivo assegurar a sua subsistência que, sem essas prestações, poderia ficar comprometida.

2. A interpretação do artigo 18. , n.os 1 a 5, do Regulamento n. 574/72 dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 3 de Junho de 1992 (Paletta, C-45/90), segundo a qual a instituição competente ° mesmo no caso de ser a entidade patronal e não uma instituição de segurança social ° se encontra vinculada, de facto e de direito, pelas verificações médicas da instituição do local de residência ou de estada quanto à ocorrência e à duração da incapacidade, no caso de não ter mandado examinar o trabalhador por um médico da sua escolha, como a autoriza o n. 5 do mesmo artigo, não implica que esteja vedada à entidade patronal a apresentação de provas que habilitem o órgão jurisdicional nacional, se tal for o caso, a concluir pela existência de um comportamento abusivo ou fraudulento resultante do facto de o trabalhador, não obstante a sua alegação de incapacidade certificada nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 574/72, não ter estado doente. Com efeito, ninguém pode invocar abusiva ou fraudulentamente o direito comunitário.

Inversamente, se o empregador invocar e fizer prova de factos que permitem pôr seriamente em dúvida a alegada incapacidade, os objectivos prosseguidos pelo artigo 18. do Regulamento n. 574/72 impedem que sejam exigidas ao trabalhador provas suplementares quanto à veracidade da sua incapacidade para o trabalho certificada por um atestado médico. Na verdade, criar-se-iam assim para o trabalhador cuja incapacidade para o trabalho se verifica num Estado-Membro que não o Estado-Membro competente dificuldades de prova que a regulamentação comunitária se destina precisamente a eliminar.

Partes


No processo C-206/94,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Bundesarbeitsgericht, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Brennet AG

e

Vittorio Paletta,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 22. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), bem como sobre a interpretação e validade do artigo 18. , n.os 1 a 5, do Regulamento (CEE) n. 574/72 do Conselho, de 21 Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. 1408/71 (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. N. Kakouris, J.-P. Puissochet e G. Hirsch, presidentes de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida (relator), P. J. G. Kapteyn, J. L. Murray, P. Jann, H. Ragnemalm, L. Sevón e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Brennet AG, por Jobst-Hubertus Bauer, advogado em Estugarda,

° em representação de V. Paletta, por Horst Thon, advogado em Offenbach,

° em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

° em representação do Conselho da União Europeia, por Sophia Kyriakopoulou e Guus Houttuin, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, e Horstpeter Kreppel, funcionário destacado junto deste serviço, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Brennet AG, representada por Jobst-Hubertus Bauer e Martin Diller, advogados em Estugarda, do Governo alemão, representado por Ernst Roeder, do Conselho, representado por Sophia Kyriakopoulou e Guus Houttuin, e da Comissão, representada por Maria Patakia e Horstpeter Kreppel, na audiência de 14 de Novembro de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Janeiro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 27 de Abril de 1994, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de Julho do mesmo ano, o Bundesarbeitsgericht submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 22. , n. 1, do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 p. 98), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53, a seguir "Regulamento n. 1408/71"), bem como sobre a interpretação e validade do artigo 18. , n.os 1 a 5, do Regulamento (CEE) n. 574/72 do Conselho, de 21 de Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. 1408/71 (JO L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156).

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um processo movido por V. Paletta, de nacionalidade italiana, à sua entidade patronal, a sociedade Brennet (a seguir "Brennet"), com sede na Alemanha, a propósito da recusa desta de manter o pagamento do salário do interessado nos termos da Lohnfortzahlungsgesetz (lei alemã sobre a manutenção do salário) de 27 de Julho de 1969 (BGBl. I, p. 946, a seguir "LFZG").

3 Segundo a LFZG, a entidade patronal deve manter o pagamento da remuneração a um trabalhador que, em data posterior à sua entrada ao serviço, fique impedido, sem culpa sua, de desempenhar as suas funções, por incapacidade para o trabalho, pelo período de duração desta e até um máximo de seis semanas.

4 Resulta dos autos que V. Paletta, bem como a esposa e os seus dois filhos, apresentaram declarações de doença durante a licença que lhes tinha sido concedida pela Brennet, pelo período de 17 de Julho a 12 de Agosto de 1989, e que esta recusou pagar-lhes os salários durante as seis primeiras semanas seguintes ao início da doença, por não se considerar vinculada pelos atestados médicos passados no estrangeiro, cuja veracidade tinha sérias razões para contestar.

5 Foi nestas condições que o Arbeitsgericht Loerrach, solicitado a pronunciar-se, submeteu ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 18. do Regulamento n. 574/72.

6 Por acórdão de 3 de Junho de 1992, Paletta (C-45/90, Colect., p. I-3423), o Tribunal declarou que o artigo 18. , n.os 1 a 4, do regulamento devia ser interpretado no sentido de que a instituição competente ° mesmo no caso de ser a entidade patronal e não uma instituição de segurança social ° se encontra vinculada, de facto e de direito, pelas verificações médicas da instituição do local de residência ou de estada quanto à ocorrência e à duração da incapacidade, no caso de não ter mandado examinar o trabalhador por um médico da sua escolha, como a autoriza o n. 5 do mesmo artigo.

7 Tendo em consideração esta resposta, o Arbeitsgericht acolheu o pedido de V. Paletta e dos membros da sua família. Esta decisão foi confirmada pelo Landesarbeitsgericht, em sede de recurso.

8 A Brennet interpôs então um recurso de revista para o Bundesarbeitsgericht, que expõe várias dúvidas quanto ao alcance do referido acórdão Paletta.

9 O órgão jurisdicional de reenvio começa por se perguntar se o recorrente pode prevalecer-se do disposto no artigo 22. , n. 1, alínea a), do Regulamento n. 1408/71 para obter o pagamento do salário durante a totalidade ou parte do período de incapacidade para o trabalho em causa. Com efeito, esta disposição só concede o benefício das prestações pecuniárias, entre as quais se conta a manutenção do direito ao salário na acepção da LFZG, caso o estado do trabalhador "venha a necessitar imediatamente" dessas prestações. Ora, a legislação alemã aplicável, segundo a qual o salário só é pago no final de cada mês, parece excluir a concessão imediata das prestações controvertidas.

10 Em segundo lugar, o órgão jurisdicional nacional observa que, na prática, os atestados de incapacidade para o trabalho nem sempre correspondem à realidade, nomeadamente quando foram passados ou obtidos abusivamente. Foi a partir desta constatação que o Bundesarbeitsgericht desenvolveu jurisprudência segundo a qual, em caso de abuso, a entidade patronal pode contestar a veracidade de um atestado médico. Para este efeito, deve alegar e provar factos que permitam pôr seriamente em dúvida a existência da incapacidade para o trabalho. Compete a partir daí ao trabalhador apresentar provas suplementares para demonstrar a realidade dessa incapacidade.

11 Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a resposta dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Paletta, já referido, não resolve, de modo suficientemente claro, a questão de saber se e em que medida o juiz nacional pode, ao aplicar o artigo 18. do Regulamento n. 574/72, tomar em consideração abusos por parte do interessado.

12 Faz notar, a este propósito, que a possibilidade, para o empregador, de fazer prova de factos dos quais se possa inferir com certeza ou com elevado grau de probabilidade que não houve incapacidade para o trabalho não é incompatível com os objectivos do regulamento em questão. Ao invés, a exclusão dessa possibilidade privilegiaria os trabalhadores assalariados que adoecessem no estrangeiro em relação àqueles cuja doença se verificasse na Alemanha ° o que seria contestável juridicamente, tendo em conta que o Regulamento n. 1408/71 tem como objectivo, segundo os seus considerandos, por um lado, garantir a todos os nacionais dos Estados-Membros a igualdade de tratamento perante as diferentes legislações nacionais e, por outro, garantir que os trabalhadores e as pessoas que deles dependam beneficiem das prestações de segurança social, qualquer que seja o local de emprego ou de residência.

13 O Bundesarbeitsgericht pergunta-se, em terceiro lugar, se, caso o artigo 18. do Regulamento n. 574/72 deva ser interpretado no sentido de que não permite a prova de abusos perante o órgão jurisdicional nacional, não haverá desrespeito do princípio da proporcionalidade. Com efeito, o objectivo visado pelo artigo 18. não exige que a entidade patronal seja privada de qualquer possibilidade de fazer prova da existência de um abuso, e a prova desse abuso, não pondo de modo nenhum em causa a livre circulação de trabalhadores, permite impedir que o requerente obtenha, através de manobras fraudulentas, prestações indevidas.

14 Foi tendo em consideração estas dúvidas que o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) O n. 1 do artigo 22. do Regulamento (CEE) n. 1408/71, na parte em que determina que as prestações sejam imediatas, deixa de ser aplicável à obrigação de manutenção do salário pela entidade patronal quando, nos termos da legislação alemã aplicável, as prestações só devem ser efectuadas algum tempo (três semanas) depois do surgimento da incapacidade para o trabalho?

2) A interpretação do artigo 18. , n.os 1 a 4 e 5, do Regulamento (CEE) n. 574/92 do Conselho, de 21 de Março de 1972, efectuada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 3 de Junho de 1992 (processo C-45/90), implica que a entidade patronal está impedida de demonstrar a existência de factos constitutivos de abuso, dos quais resulte com certeza ou elevada probabilidade que não houve incapacidade para o trabalho?

3) Caso a resposta à segunda questão seja afirmativa, o artigo 18. do Regulamento (CEE) n. 574/72 viola o princípio da proporcionalidade (artigo 3. -B, terceiro parágrafo, do Tratado CE)?"

Quanto à primeira questão prejudicial

15 Com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o artigo 22. , n. 1, alínea a), ii), do Regulamento n. 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma regulamentação nacional segundo a qual um trabalhador assalariado tem direito, em caso de incapacidade para o trabalho, à manutenção da sua remuneração durante um determinado período, ainda que o salário só seja devido algum tempo depois do início da incapacidade.

16 Nos termos do artigo 22. , n. 1, do Regulamento n. 1408/71, um trabalhador que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações de doença e de maternidade e:

"a) cujo estado venha a necessitar imediatamente das prestações no decurso de uma estada no território de outro Estado-Membro

...

terá direito:

i) às prestações em espécie concedidas, por conta da instituição competente, pela instituição do lugar de estada ou de residência, nos termos da legislação aplicada por esta instituição, como se nela estivesse inscrito, sendo, no entanto, o período de concessão das prestações regulado pela legislação do Estado competente;

ii) às prestações pecuniárias concedidas pela instituição competente, nos termos da legislação por ela aplicada. Todavia, por acordo entre a instituição competente e a instituição do lugar de estada ou de residência, essas prestações podem ser concedidas pela última instituição, por conta da primeira, em conformidade com as disposições da legislação do Estado competente".

17 Segundo a Brennet, o artigo 18. do Regulamento n. 574/72, aplicável por força do disposto no artigo 24. do mesmo regulamento em caso de incapacidade para o trabalho sobrevinda durante a estada num Estado-Membro que não o Estado-Membro competente, só pode ser invocado quando as condições enunciadas no n. 1, alínea a), ii), do artigo 22. do Regulamento n. 1408/71 se encontram reunidas. Caso contrário, a concessão das prestações rege-se exclusivamente pelo direito do Estado-Membro competente, neste caso, o direito alemão.

18 A Brennet faz notar que, ao inserir no texto do artigo 22. a expressão "venha a necessitar imediatamente", o legislador comunitário pretendeu limitar a intervenção do mecanismo nele previsto a situações de urgência. Ora, segundo a legislação alemã, o direito à manutenção do salário só se torna exigível quando surge a incapacidade para o trabalho, mas na data em que o salário é exigível na relação laboral, isto é, no final de cada mês. Em consequência, V. Paletta não tinha necessidade imediata de receber as prestações pecuniárias, uma vez que só podia exigir o salário em 31 de Agosto de 1989, ou seja, 24 dias depois do início da incapacidade.

19 Esta interpretação do artigo 22. , n. 1, alínea a), ii), do Regulamento n. 1408/71 não pode ser aceite.

20 Como a Comissão justamente realçou, ao enunciar a condição de que o estado do doente deve "necessitar imediatamente de prestações", a disposição em causa exige que se verifique a necessidade clínica de uma prestação imediata. Se esta condição se aplica inegavelmente às "prestações em espécie" imediatamente necessárias, implica ainda que, nesse caso de urgência, o interessado possa igualmente ter direito às "prestações pecuniárias" correspondentes que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 30 de Junho de 1966, Vaassen-Goebbels, 61/65, Colect. 1965-1968, p. 401), se destinam essencialmente a compensar a perda de salário por parte do trabalhador doente, e, portanto, a assegurar a sua subsistência que, sem essas prestações, poderia ficar comprometida.

21 Além disso, a tese defendida pela Brennet teria como consequência que só poderiam beneficiar do mecanismo previsto no artigo 22. os trabalhadores que ficassem doentes numa data próxima da data de vencimento do direito ao salário. Esta interpretação, que faz abstracção das necessidades do doente, é incompatível com a finalidade prosseguida pela disposição em questão.

22 Deve, por conseguinte, responder-se à primeira questão prejudicial que o artigo 22. , n. 1, alínea a), ii), do Regulamento n. 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma regulamentação nacional segundo a qual um trabalhador assalariado tem direito, em caso de incapacidade para o trabalho, à manutenção da sua remuneração durante um determinado período, ainda que o salário só seja devido algum tempo depois do início da incapacidade.

Quanto à segunda questão prejudicial

23 No acórdão Paletta, já referido, o Tribunal limitou-se a interpretar o artigo 18. , n.os 1 a 4, do Regulamento n. 574/72, sem analisar especificamente o problema de uma utilização abusiva ou fraudulenta desta disposição.

24 Relativamente à questão de saber se o órgão jurisdicional nacional pode, em caso de comportamento abusivo do interessado, pôr em causa as declarações respeitantes à incapacidade para o trabalho efectuadas nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 574/72, deve lembrar-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal, os interessados não podem invocar abusiva ou fraudulentamente o direito comunitário (v., nomeadamente, no domínio da livre prestação de serviços, os acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Colect., p. 543, n. 13, e de 5 de Outubro de 1994, TV10, C-23/93, Colect., p. I-4795, n. 21; em matéria de livre circulação de mercadorias, acórdão de 10 de Janeiro de 1985, Leclerc e o., 229/83, Recueil, p. 1, n. 27; em matéria de livre circulação dos trabalhadores, acórdão de 21 de Junho de 1988, Lair, 39/86, Colect., p. 3161, n. 43; em matéria de política agrícola comum, acórdão de 3 de Março de 1993, General Milk Products, C-8/92, Colect., p. I-779, n. 21).

25 Se os órgãos jurisdicionais nacionais podem, assim, baseando-se em elementos objectivos, tomar em consideração o comportamento abusivo ou fraudulento do interessado para lhe recusarem, se for caso disso, o benefício previsto pelas disposições de direito comunitário invocadas, devem, no entanto, ao apreciar esse comportamento, tomar em consideração as finalidades prosseguidas pelas normas em causa.

26 Ora, a aplicação da jurisprudência referida pelo órgão jurisdicional nacional, segundo a qual impende sobre o trabalhador o ónus de apresentar provas suplementares quanto à realidade da incapacidade para o trabalho certificada por um atestado médico, quando a entidade patronal invocar e fizer prova de factos que permitem pôr seriamente em dúvida a alegada incapacidade, não é compatível com os objectivos prosseguidos pelo artigo 18. do Regulamento n. 574/72. Com efeito, criar-se-iam assim para o trabalhador cuja incapacidade para o trabalho se verifica num Estado-Membro que não o Estado-Membro competente dificuldades de prova que a regulamentação comunitária se destina precisamente a eliminar.

27 Esta disposição não impede, porém, que a entidade patronal apresente provas que habilitem o órgão jurisdicional nacional, se tal for o caso, a declarar verificado um comportamento abusivo ou fraudulento resultante do facto de o trabalhador, não obstante a sua alegação de incapacidade certificada nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 574/72, não ter estado doente.

28 Deve, assim responder-se à segunda questão prejudicial que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Paletta, já referido, do artigo 18. , n.os 1 a 5, do Regulamento n. 574/72, não implica que o empregador fique impedido de apresentar provas que habilitem o órgão jurisdicional nacional, se tal for o caso, a concluir pela existência de um comportamento abusivo ou fraudulento resultante do facto de o trabalhador, não obstante a sua alegação de incapacidade certificada nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 574/72, não ter estado doente.

29 Tendo em conta a resposta dada à segunda questão prejudicial, não se justifica responder à terceira questão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

30 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesarbeitsgericht, por despacho de 27 de Abril de 1994, declara:

1) O artigo 22. , n. 1, alínea a), ii), do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n. 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma regulamentação nacional segundo a qual um trabalhador assalariado tem direito, em caso de incapacidade para o trabalho, à manutenção da sua remuneração durante um determinado período, ainda que o salário só seja devido algum tempo depois do início da incapacidade.

2) A interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 3 de Junho de 1992, Paletta (C-45/90, Colect., p. I-3423) do artigo 18. , n.os 1 a 5, do Regulamento (CEE) n. 574/72 do Conselho, de 21 Março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n. 1408/71, não implica que o empregador fique impedido de apresentar provas que habilitem o órgão jurisdicional nacional, se tal for o caso, a concluir pela existência de um comportamento abusivo ou fraudulento resultante do facto de o trabalhador, não obstante a sua alegação de incapacidade certificada nos termos do artigo 18. do Regulamento n. 574/72, não ter estado doente.

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