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Document 61994CJ0158

    Acórdão do Tribunal de 23 de Outubro de 1997.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Incumprimento pelo Estado - Direitos exclusivos de importação e exportação de electricidade.
    Processo C-158/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1997 I-05789

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1997:500

    61994J0158

    Acórdão do Tribunal de 23 de Outubro de 1997. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Incumprimento pelo Estado - Direitos exclusivos de importação e exportação de electricidade. - Processo C-158/94.

    Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-05789


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Livre circulação de mercadorias - Disposições do Tratado - Âmbito de aplicação - Electricidade - Inclusão

    (Tratado CE, artigos 30._ e segs.)

    2 Monopólios nacionais de natureza comercial - Direitos exclusivos de importação e de exportação de electricidade - Inadmissibilidade - Justificação - Artigo 90._, n._ 2, do Tratado - Condições de aplicação - Atribuição de direitos exclusivos em Itália

    (Tratado CE, artigos 37._, 90._ e 169._)

    Sumário


    3 A importação e exportação de electricidade estão abrangidas no âmbito de aplicação das regras do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias. Com efeito, a electricidade é uma mercadoria, na acepção do artigo 30._ do Tratado, o que é confirmado designadamente pela nomenclatura pautal da Comunidade (código NC 27.16)

    4 Contraria o disposto no artigo 37._ do Tratado que um Estado-Membro confira a uma empresa pública direitos exclusivos de importação e de exportação de electricidade, quando esses direitos exclusivos de importação são susceptíveis de afectar directamente as condições de comercialização unicamente dos operadores ou vendedores dos outros Estados-Membros e os direitos exclusivos de exportação só afectam as condições de abastecimento dos operadores ou consumidores dos outros Estados-Membros, levando assim a uma discriminação dos exportadores ou importadores estabelecidos noutros Estados-Membros.

    Resulta da conjugação dos n.os 1 e 2 do artigo 90._ do Tratado que o n._ 2 pode ser invocado para justificar a concessão, por um Estado-Membro, a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos exclusivos contrários nomeadamente ao artigo 37._ do Tratado, na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

    Em primeiro lugar, relativamente à questão de saber se a República Italiana fez prova bastante de que os direitos exclusivos em causa são necessários para permitir à empresa que detém esses direitos cumprir a missão particular que lhe foi confiada, é verdade que incumbe ao Estado-Membro que invoca o artigo 90._, n._ 2, demonstrar que as condições previstas por esta disposição se encontram reunidas. Todavia, este ónus de prova não pode ir até à exigência de que a República Italiana, que expôs pormenorizadamente as razões por que, em caso de supressão das medidas contestadas, o cumprimento, em condições economicamente aceitáveis, das missões de interesse económico geral de que encarregou uma empresa seria, do seu ponto de vista, posto em causa, vá ainda mais além e demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável, e por definição hipotética, poderia permitir garantir o cumprimento dessas missões nas mesmas condições.

    Com efeito, quando a Comissão, à qual incumbe fazer prova da existência do alegado incumprimento e fornecer ao Tribunal os elementos necessários à verificação, por este, da existência desse incumprimento, se limita essencialmente a desenvolver uma argumentação puramente de direito para contestar os argumentos invocados por esse Estado-Membro para justificar a manutenção desses direitos exclusivos, o Tribunal deve ater-se a uma decisão sobre a procedência dos fundamentos jurídicos alegados pela Comissão, não lhe cabendo fazer uma apreciação, com base em observações de carácter geral, que implicaria necessariamente uma análise de dados económicos, financeiros e sociais, dos meios de que um Estado-Membro se poderia servir para assegurar o abastecimento do país em electricidade aos mais baixos custos possíveis e de modo responsável em relação à colectividade.

    Em segundo lugar, relativamente à questão de saber se os direitos exclusivos em causa afectam o desenvolvimento das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse da Comunidade, competia à Comissão, para prova da existência do alegado incumprimento, definir, sob controlo do Tribunal, o interesse da Comunidade à luz do qual se deve avaliar o desenvolvimento das trocas comerciais e demonstrar como é que, não existindo uma política comum nesta área, seria possível um desenvolvimento das trocas directas entre produtores e consumidores, paralelamente ao das trocas entre grandes redes, nomeadamente sem direito de acesso desses produtores e consumidores às redes de transporte e distribuição.

    Partes


    No processo C-158/94,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Richard B. Wainwright, consultor jurídico principal, e Antonio Aresu, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    apoiada por

    Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por David Anderson, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

    interveniente,

    contra

    República Italiana, representada pelo professor Umberto Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

    demandada,

    apoiada por

    República Francesa, representada por Catherine de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Jean-Marc Belorgey, encarregado de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada de França, 8 B, boulevard Joseph II,

    Irlanda, representada por Michael A. Buckley, Chief State Solicitor, na qualidade de agente, assistido por John D. Cooke, SC, e Jennifer Payne, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da Irlanda, 28, route d'Arlon,

    intervenientes,

    que tem por objecto obter a declaração de que a República Italiana, ao estabelecer e ao manter, em relação aos outros Estados-Membros, no quadro de um monopólio nacional de natureza comercial, direitos exclusivos de importação e de exportação no sector da electricidade, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado CE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. Gulmann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, presidentes de secção, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, P. J. G. Kapteyn, J. L. Murray, D. A. O. Edward (relator), J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann e L. Sevón, juízes,

    advogado-geral: G. Cosmas,

    secretários: H. von Holstein, secretário adjunto, D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 7 de Maio de 1996, na qual a Comissão se fez representar por Richard B. Wainwright e Antonio Aresu, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por Nicholas Green, barrister, a República Italiana, por Ivo M. Braguglia, a República Francesa, por Marc Perrin de Brichambaut, director dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e Jean-Marc Belorgey, e a Irlanda, por Paul Gallagher, SC, e Jenniffer Payne,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Novembro de 1996,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Junho de 1994, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que a República Italiana, ao estabelecer e ao manter, em relação aos outros Estados-Membros, no quadro de um monopólio nacional de natureza comercial, direitos exclusivos de importação e de exportação no sector da electricidade, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado CE.

    2 Em Itália, a Lei n._ 1643, de 6 de Dezembro de 1962 (GURI n._ 316 de 12 de Dezembro de 1962), nacionalizou o sector da electricidade criando o Ente nazionale per l'energia elettrica (a seguir «ENEL») e transferindo para este as empresas industriais que exerciam a sua actividade no sector da electricidade. O artigo 1._, primeiro parágrafo, da lei confia ao ENEL a missão de assegurar no território nacional as actividades de produção, de importação e de exportação, de transporte, de transformação, de distribuição e de venda de electricidade, qualquer que seja a sua origem.

    3 Os direitos do ENEL foram definidos pelo Decreto legislativo n._ 342, de 18 de Março de 1965 (GURI n._ 104 de 26 de Abril de 1965), cujo artigo 20._ proíbe expressamente a outras empresas que não o ENEL as importações, as exportações e as trocas de electricidade, bem como as transferências por conta de terceiros.

    4 Por outro lado, nos termos dos artigos 133._ e seguintes do texto único n._ 1755, de 11 de Dezembro de 1933, sobre as águas e as instalações eléctricas, alterado pelas Leis n._ 127 de 26 de Janeiro de 1942 e n._ 606 de 19 de Julho de 1959, a importação e exportação de electricidade estão dependentes de uma autorização a conceder pelo Ministro das Obras Públicas. Resulta dos autos que, nos termos da autorização actualmente em vigor, válida até 31 de Dezembro de 1997, o ENEL pode importar ou exportar, a partir de ou com destino a países europeus vizinhos de Itália, até 30 000 TWh (terawatt/hora = mil milhões de kWh) por ano, com uma margem de tolerância de + 20%

    5 Considerando que a legislação italiana assim descrita conferia direitos exclusivos de importação e de exportação de electricidade ao Estado, que os exercia através do ENEL, sendo, por isso, contrária ao disposto nos artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado, a Comissão, por carta de 9 de Agosto de 1991, nos termos do artigo 169._ do Tratado, interpelou o Governo italiano, convidando-o a apresentar as suas observações sobre o alegado incumprimento no prazo de dois meses.

    6 Por carta de 5 de Novembro de 1991, o Governo italiano contestou o incumprimento, alegando nomeadamente que a manutenção dos direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL se justificava à luz do disposto nos artigos 36._ e 90._, n._ 2, do Tratado CE.

    7 Em 26 de Novembro de 1992, a Comissão notificou à República Italiana um parecer fundamentado, no qual contestou os argumentos avançados pelo Governo italiano, sustentando designadamente que as excepções previstas nos artigos 36._ e 90._, n._ 2, do Tratado não se aplicavam ao caso em apreço.

    8 Tendo o Governo italiano mantido a sua posição através de uma carta de 6 de Outubro de 1993, a Comissão interpôs o presente recurso.

    9 Em dois despachos de 18 de Janeiro de 1995, o presidente do Tribunal admitiu a República Francesa e a Irlanda como interveniente em apoio da República Italiana; por despacho da mesma data, admitiu o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte como interveniente em apoio dos pedidos da Comissão.

    Sobre a conformidade dos direitos exclusivos de importação e de exportação com os artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado

    10 A Comissão afirma que a existência de um monopólio nacional de importação a favor do ENEL impede, por um lado, os produtores dos outros Estados-Membros de venderem a sua produção em território italiano a clientes diferentes do monopólio e, por outro, os clientes potenciais em território italiano de escolherem livremente as suas fontes de abastecimento em electricidade proveniente de outros Estados-Membros.

    11 Os direitos exclusivos de importação do ENEL seriam, pois, susceptíveis de restringir o comércio entre Estados-Membros e, como medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, contrários ao artigo 30._ do Tratado. Estes direitos constituiriam ao mesmo tempo uma discriminação na acepção do artigo 37._ do Tratado não só em relação aos exportadores estabelecidos noutros Estados-Membros, mas também em relação aos utentes estabelecidos no Estado-Membro em causa.

    12 A Comissão alega que estas mesmas considerações valem mutatis mutandis relativamente aos direitos exclusivos de exportação de que beneficia o ENEL. O titular desses direitos teria naturalmente tendência a afectar a produção nacional ao mercado nacional, em detrimento dos pedidos provenientes de outros Estados-Membros, de modo que estes direitos deveriam ser considerados discriminatórios na acepção dos artigos 34._ e 37._ do Tratado.

    13 Antes de analisar estes argumentos, convém verificar se, como pretende o Governo italiano, a electricidade não constitui uma «mercadoria» na acepção do Tratado, não devendo, portanto, ser sujeita às disposições deste relativas à livre circulação de mercadorias.

    Quanto à qualificação da electricidade como «mercadoria» na acepção do Tratado

    14 O Governo italiano sustenta que a electricidade tem muito mais semelhanças com a categoria dos «serviços» do que com a das «mercadorias» e não está, por isso, abrangida no âmbito de aplicação material dos artigos 30._ a 37._ do Tratado. Sublinha que a electricidade é uma substância imaterial que não pode ser armazenada e que não tem existência económica própria, porque não é útil em si mesma, mas apenas através das aplicações que dela é possível fazer. Mais particularmente, tanto a importação como a exportação seriam simples operações de gestão da rede eléctrica que, pela sua natureza, entrariam na categoria dos «serviços».

    15 O Governo italiano alega ainda que mesmo que, a electricidade fosse uma mercadoria na acepção do Tratado, resulta dos acórdãos de 24 de Março de 1994, Schindler (C-275/92, Colect., p. I-1039), e de 18 de Junho de 1991, ERT (C-260/89, Colect., p. I-2925), que a importação e a exportação de uma mercadoria com o único objectivo de efectuar uma prestação de serviços estão compreendidas nos próprios serviços e, por isso, não estão sujeitas às regras que regem a livre circulação de mercadorias.

    16 Nestes acórdãos, o Tribunal decidiu, por um lado, que a importação de documentos publicitários e de bilhetes de lotaria num Estado-Membro para fazer participar os habitantes desse Estado-Membro numa lotaria organizada num outro Estado-Membro constitui uma actividade de «serviços», na acepção do artigo 60._ do Tratado, abrangida, portanto, pelo âmbito de aplicação do artigo 59._ do Tratado CE (n._ 1 do dispositivo do acórdão Schindler, já referido), e, por outro, que a concessão a uma única empresa de direitos exclusivos em matéria de emissão de mensagens televisivas e a atribuição, para este efeito, do poder exclusivo de importar, alugar ou distribuir materiais e produtos necessários para a sua difusão não constitui, enquanto tal, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 30._ do Tratado (n._ 15 do acórdão ERT, já referido).

    17 Deve recordar-se, porém, que, no acórdão de 27 de Abril de 1994, Almelo e o. (C-393/92, Colect., p. I-1477, n._ 28), o Tribunal concluiu que não se contesta em direito comunitário, nem, aliás, nos direitos nacionais, que a electricidade é uma mercadoria na acepção do artigo 30._ do Tratado. O Tribunal salientou, em especial, que a electricidade é considerada uma mercadoria no âmbito da nomenclatura pautal da Comunidade (código NC 27.16) e que já tinha declarado, no acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa/Enel (6/64, Colect. 1962-1964, p. 549), que a electricidade pode relevar do âmbito de aplicação do artigo 37._ do Tratado.

    18 No acórdão Schindler, já referido, o Tribunal salientou expressamente, no n._ 22, que a importação e a difusão dos documentos e bilhetes necessários à organização de uma lotaria não constituem fins em si mesmos, destinando-se apenas a permitir que os habitantes dos Estados-Membros, onde esses objectos são importados e difundidos, participem na lotaria. O acórdão Schindler não pode, pois, ser transposto para uma situação, como a do caso em apreço, em que os serviços necessários à importação ou à exportação de electricidade e ao seu transporte e distribuição são meros instrumentos do fornecimento ao utente de uma mercadoria na acepção do Tratado.

    19 Além disso, o Tribunal decidiu, no acórdão ERT, já referido (n._ 18), que a atribuição a um monopólio de serviços em matéria de televisão do poder exclusivo de importar, alugar ou distribuir materiais e produtos necessários à difusão de mensagens televisivas não constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 30._ do Tratado, desde que não se verifique discriminação entre produtos nacionais e importados em detrimento destes últimos. Não pode, assim, em nenhum caso, deduzir-se deste acórdão que a importação e exportação do material em causa não cabe no próprio âmbito de aplicação das regras do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

    20 Deve, portanto, examinar-se a compatibilidade dos direitos exclusivos de importação e de exportação de electricidade ora em discussão à luz dessas regras, entre as quais se inclui o artigo 37._ do Tratado.

    Quanto ao artigo 37._ do Tratado

    21 Segundo o artigo 37._, n._ 1, os Estados-Membros adaptarão progressivamente os monopólios nacionais de natureza comercial, de modo a que, findo o período de transição, esteja assegurada a exclusão de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados-Membros quanto às condições de abastecimento e de comercialização. Esta obrigação impõe-se a qualquer organismo através do qual um Estado-Membro, de jure ou de facto, controle, dirija ou influencie sensivelmente, directa ou indirectamente, as importações ou as exportações entre os Estados-Membros e é igualmente aplicável aos monopólios delegados pelo Estado. Por outro lado, o artigo 37._, n._ 2, impõe aos Estados-Membros que se abstenham de qualquer nova medida contrária aos princípios enunciados no n._ 1.

    22 Portanto, sem exigir a supressão dos referidos monopólios, esta disposição impõe obrigatoriamente a sua adaptação por forma a assegurar o completo desaparecimento das discriminações referidas, findo o período de transição (acórdão de 3 de Fevereiro de 1976, Manghera e o., 59/75, Colect., p. 32, n._ 5). Além disso, mesmo antes do termo do período de transição, o artigo em causa vedava aos Estados-Membros a criação de novas discriminações do tipo das enunciadas no seu n._ 1.

    23 Ora, como o Tribunal já declarou nos acórdãos Manghera e o., já referido (n._ 12), e de 13 de Dezembro de 1990, Comissão/Grécia (C-347/88, Colect., p. I-4747, n._ 44), a existência de direitos exclusivos de importação conduz, relativamente aos exportadores estabelecidos noutros Estados-Membros, a uma discriminação abrangida pelo artigo 37._, n._ 1. Com efeito, esses direitos são susceptíveis de afectar directamente as condições de comercialização unicamente dos operadores ou vendedores dos outros Estados-Membros.

    24 Do mesmo modo, a existência de direitos exclusivos de exportação leva, por natureza, a uma discriminação contra os importadores estabelecidos noutros Estados-Membros, uma vez que esta exclusividade não afecta apenas as condições de abastecimento dos operadores ou consumidores dos outros Estados-Membros.

    25 Há que realçar, como fez a Comissão, que o ENEL, que está legalmente encarregado de exercer no território nacional não apenas actividades de produção, de importação e de exportação, de transporte e de transformação, mas também de distribuição e venda de electricidade, reserva a produção nacional disponível prioritariamente aos utentes situados em território italiano. Por isso, há que concluir que os direitos exclusivos de exportação do ENEL têm, senão por objecto, pelo menos por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e estabelecer assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno e o comércio de exportação, de forma a garantir uma vantagem particular ao mercado interno italiano (v., a este respeito, relativamente ao artigo 34._ do Tratado, designadamente o acórdão de 9 de Junho de 1992, Delhaize e Le Lion, C-47/90, Colect., p. I-3669, n._ 12).

    26 O Governo italiano alega, porém, que resulta do acórdão ERT, já referido, que, quando as trocas de mercadorias estão estreitamente ligadas a prestações de serviços, como seria o caso da electricidade, não basta, para dar por verificada uma infracção às regras do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias em geral e ao artigo 37._ em especial, invocar obstáculos indirectos ou potenciais às trocas intracomunitárias, sendo necessário fazer prova da existência de um obstáculo efectivo, e, por conseguinte, da discriminação real sofrida pelo produto importado em relação ao produto nacional.

    27 O Governo italiano sublinha, neste contexto, que o nível das importações de electricidade em Itália aumentou constantemente nos últimos anos e que a Itália é actualmente o maior importador de electricidade da União Europeia.

    28 O Governo italiano acrescenta que, ao decidir, no acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C-267/91 e C-268/91, Colect., p. I-6097, n._ 16), que a aplicação de disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas modalidades de venda a produtos provenientes de outros Estados-Membros não é susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio entre Estados-Membros na acepção da jurisprudência Dassonville (acórdão de 11 de Julho 1974, 8/74, Colect., p. 423), desde que afecte da mesma forma, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros, o Tribunal generalizou o princípio resultante do acórdão ERT, já referido, de modo que os direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL só poderiam ser contrários às disposições do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias se se destinassem a permitir ao ENEL que efectuasse livremente uma discriminação, quanto à sua utilização, entre a electricidade produzida em Itália e a produzida no resto da União Europeia, em benefício da primeira.

    29 É verdade que, no acórdão ERT, já referido, o Tribunal entendeu que os artigos do Tratado relativos à livre circulação de mercadorias não se opõem à concessão a uma única empresa de direitos exclusivos, no domínio da emissão de mensagens televisivas, e à atribuição para esse efeito do poder exclusivo de importar, alugar ou distribuir materiais e produtos necessários à difusão, desde que não se verifique discriminação entre produtos nacionais e produtos importados em detrimento destes últimos.

    30 No entanto, como sublinhou o advogado-geral no n._ 65 das suas conclusões, as importações de mercadorias em causa no processo ERT, já referido, eram exclusivamente destinadas ao detentor de um monopólio de prestações de serviços que, em si mesmo, não era contrário ao direito comunitário, ao passo que, no presente caso, a electricidade importada pelo titular dos direitos exclusivos não se destina ao seu próprio consumo exclusivo, mas ao consumo do conjunto das empresas e dos consumidores do Estado-Membro em causa.

    31 Deve igualmente esclarecer-se que o acórdão Keck e Mithouard, já referido, visa unicamente disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas modalidades de venda e não legislações nacionais que se destinam a regular o comércio de mercadorias entre os Estados-Membros (n._ 12 do acórdão), ou que dizem respeito às condições a que essas mercadorias devem obedecer (n._ 15 do acórdão).

    32 Com efeito, o facto de o volume das trocas ter aumentado constantemente nos últimos anos não é susceptível de infirmar as conclusões expostas nos n.os 23 a 25 do presente acórdão, segundo as quais a existência de direitos exclusivos de importação e de exportação num Estado-Membro leva a discriminações respectivamente contra os exportadores e os importadores estabelecidos noutros Estados-Membros, dado que essas trocas são obra exclusivamente do titular exclusivo desses direitos e que todos os agentes económicos dos outros Estados-Membros estão automaticamente excluídos das importações e exportações directas e privados da livre escolha dos seus clientes ou fornecedores no Estado-Membro em que este se encontra estabelecido.

    Quanto aos artigos 30._, 34._ e 36._ do Tratado

    33 Sendo, assim, a manutenção dos direitos exclusivos de importação e de exportação controvertidos contrária ao artigo 37._ do Tratado, já não é necessário analisar se esses direitos são contrários aos artigos 30._ e 34._, nem, portanto, se se podem eventualmente justificar ao abrigo do artigo 36._ do Tratado.

    34 Ter-se-á ainda que analisar, porém, se os direitos exclusivos em discussão não podem ser justificados, como pretende o Governo italiano, nos termos do disposto no artigo 90._, n._ 2, ou nos artigos 130._-A e 130._-B do Tratado.

    Quanto às justificações baseadas no artigo 90._, n._ 2, do Tratado

    35 A Comissão sustenta, porém, a título principal, que o artigo 90._, n._ 2, do Tratado não pode ser invocado para justificar medidas estatais incompatíveis com as regras do Tratado sobre livre circulação de mercadorias, entre as quais se conta o artigo 37._

    36 A título subsidiário, a Comissão afirma que, segundo a jurisprudência do Tribunal, para beneficiar da derrogação constante do artigo 90._, n._ 2, não basta apenas que um Estado-Membro tenha confiado a uma empresa a gestão de um serviço de interesse económico geral, é ainda necessário que a aplicação das normas do Tratado ponha em causa o cumprimento da missão específica confiada a essa empresa e que o interesse da Comunidade não seja afectado (acórdão de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n._ 26). A Comissão acrescenta ainda que resulta dos acórdãos de 19 de Maio de 1993, Corbeau (C-320/91, Colect., p. I-2533, n.os 14 e 16) e Almelo e o., já referido (n._ 49), que, para que as restrições à concorrência que implica a atribuição de direitos exclusivos a empresas encarregadas de uma missão de interesse económico geral possam ser justificadas ao abrigo do disposto no artigo 90._, n._ 2, do Tratado, é necessário que elas sejam necessárias para assegurar a execução da missão específica confiada a essas empresas, particularmente para lhes permitir beneficiar de condições economicamente aceitáveis.

    37 Examinemos, em primeiro lugar, o argumento avançado, a título principal, pela Comissão, segundo o qual o artigo 90._, n._ 2, do Tratado não pode ser invocado para justificar medidas estatais incompatíveis com as regras do Tratado sobre livre circulação de mercadorias.

    Quanto à aplicabilidade do artigo 90._, n._ 2, do Tratado a medidas estatais contrárias às regras do Tratado sobre livre circulação de mercadorias

    38 O artigo 90._, n._ 1, do Tratado proíbe, de um modo geral, aos Estados-Membros, relativamente às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, que tomem ou mantenham medidas contrárias às regras do Tratado CE, designadamente às constantes do artigos 6._ e 85._ a 94._ Este preceito pressupõe necessariamente que os Estados-Membros podem conceder a determinadas empresas direitos exclusivos e atribuir-lhes um monopólio.

    39 O artigo 90._, n._ 2, prevê que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral estão sujeitas às regras do Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

    40 No acórdão de 6 de Julho de 1982, França, Itália e Reino Unido/Comissão (188/80, 189/80 e 190/80, Recueil, p. 2545, n._ 12), o Tribunal declarou que o artigo 90._ diz respeito apenas às empresas por cujo comportamento os Estados devem assumir uma responsabilidade particular devido à influência que podem exercer sobre esse comportamento e que este artigo, por um lado, sublinha que essas empresas, sem prejuízo do disposto no seu n._ 2, estão submetidas ao conjunto das regras do Tratado e, por outro, impõe aos Estados-Membros que respeitem essas regras nas suas relações com essas empresas.

    41 À luz destas considerações, o artigo 90._, n._ 1, deve ser interpretado no sentido de que visa evitar que os Estados-Membros se aproveitem das suas relações com estas empresas para contornar as proibições das outras regras do Tratado que lhes são directamente dirigidas, como as dos artigos 30._, 34._ e 37._, obrigando ou levando essas empresas a ter comportamentos que, a serem da autoria dos Estados-Membros, seriam contrários a essas mesmas regras.

    42 É neste contexto que o n._ 2 do artigo fixa as condições em que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral podem, a título excepcional, escapar às regras do Tratado.

    43 Resulta da conjugação dos n.os 1 e 2 do artigo 90._, com o alcance que acabamos de definir, que o n._ 2 pode ser invocado para justificar a concessão, por um Estado-Membro, a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos exclusivos contrários nomeadamente ao artigo 37._ do Tratado, na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

    44 Nestas circunstâncias, convém igualmente verificar se, como a Comissão sustenta a título subsidiário, aquelas condições não estão reunidas no caso que ora nos ocupa.

    Quanto à necessidade dos direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL

    45 Recorde-se a este propósito que, na carta de interpelação, a Comissão afirmou que a República Italiana não podia continuar a manter, em relação aos outros Estados-Membros, direitos exclusivos de importação e de exportação no sector da electricidade que, segundo a Comissão, eram incompatíveis com os artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado.

    46 Na resposta, o Governo italiano apresentou uma descrição detalhada do sector nacional de electricidade, tal como este se apresentava antes da adopção da lei de 1962, e lembrou, em especial, que, nos termos desta lei, a missão confiada ao ENEL consistia nomeadamente em «assegurar, com os menores custos de gestão possíveis, uma disponibilidade em energia eléctrica adaptada pela sua quantidade e preço às exigências de um desenvolvimento equilibrado do país». Invocou igualmente um certo número de argumentos, tanto económicos como jurídicos, que justificam a manutenção dos direitos exclusivos controvertidos ao abrigo nomeadamente do artigo 90._, n._ 2, do Tratado. Afirmou que a supressão desses direitos teria como consequência inevitável impedir o cumprimento da missão específica confiada ao ENEL, nos termos por ele já expostos.

    47 No parecer fundamentado, a Comissão não abordou a discussão no plano económico, tendo-se, ao invés, concentrado em considerações jurídicas, persistindo no parecer de que a manutenção dos direitos exclusivos controvertidos era incompatível com os artigos 30._, 34._ e 37._ do Tratado. Quanto ao artigo 90._, n._ 2, a Comissão limitou-se a afirmar que esta disposição não era aplicável a medidas estatais contrárias a esses artigos.

    48 Na nota de observações sobre o parecer fundamentado, o Governo italiano chamou a atenção para as consequências da posição da Comissão que, ao pôr em causa determinadas formas de organização do sector eléctrico italiano, estaria a prejudicar uma organização que, do ponto de vista dos objectivos da política nacional de energia, responde às necessidades, quando nenhuma política comunitária seria susceptível, no estádio actual, de a substituir.

    49 O Governo italiano insistiu também na necessidade de ter em conta, na análise crítica de aspectos parciais dessa organização, como os direitos exclusivos de importação e de exportação, a situação específica de cada Estado-Membro.

    50 Embora nessa nota o Governo italiano tenha confirmado que mantinha a sua posição quanto ao alegado incumprimento, a Comissão continuou, na petição, a limitar-se - como se pode ver pelos n.os 35 e 36 do presente acórdão - a lembrar, por um lado, a sua tese principal sobre a inaplicabilidade do artigo 90._, n._ 2, do Tratado a medidas estatais contrárias às regras do Tratado sobre livre circulação de mercadorias e, por outro, a existência dos acórdãos Merci convenzionali porto di Genova, Corbeau e Almelo e o., já referidos, sem, porém, examinar a sua aplicação concreta ao caso em apreço.

    51 No Tribunal, o Governo italiano reiterou, no essencial, as considerações que já tinha expendido durante o processo pré-contencioso e designadamente a sua certeza de que a abolição dos direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL impediria esta de cumprir a sua obrigação de fornecer energia a custos e preços contidos, a fim de garantir um desenvolvimento equilibrado do país. Defendeu, a este propósito, que, em caso de supressão desses direitos, a maior parte dos grandes consumidores, estabelecidos nas regiões da Itália do Norte, próximo das fronteiras, prefeririam abastecer-se junto de fornecedores estrangeiros, privando assim o ENEL da sua principal fonte de perequação dos custos de distribuição de electricidade, o que levaria a uma subida do preço médio da electricidade que recairia sobre os consumidores que, ou pelo seu baixo consumo, ou pelo facto de se encontrarem estabelecidos em regiões da Itália central e meridional nas quais o acesso a fornecedores estrangeiros é impossível ou economicamente injustificado, não teriam outra solução que não a de se abastecerem em electricidade junto do ENEL.

    52 Apesar desta argumentação, a Comissão limitou-se a reiterar, na réplica, as considerações jurídicas que tinha feito na petição, afirmando, quanto ao mais, que o mero receio de que uma propensão massiça dos consumidores industriais para comprarem electricidade no estrangeiro pudesse vir a privar o ENEL dos clientes mais interessantes não justificava, de modo nenhum, a conclusão de que a missão de equilibragem confiada a esta última poderia ser posta em perigo, uma vez que o Governo italiano não teria provado que não existem outras medidas de natureza económica, menos restritivas, como subvenções aos consumidores desfavorecidos ou fundos nacionais de apoio, susceptíveis de permitir chegar ao mesmo resultado no respeito das exigências do Tratado.

    53 Forçoso é reconhecer, porém, que, ao enumerar assim, em termos gerais, certos meios de substituição dos direitos impugnados, a Comissão não teve em conta nem as particularidades do sistema nacional de abastecimento em electricidade (designadamente as exigências decorrentes da configuração geográfica do país) sublinhadas pelo Governo italiano, nem examinou concretamente se esses meios permitiriam ao ENEL realizar a missão de interesse económico geral de que está encarregada em condições economicamente aceitáveis.

    54 Ora, se é verdade que incumbe ao Estado-Membro que invoca o artigo 90._, n._ 2, demonstrar que as condições previstas por esta disposição se encontram reunidas, este ónus de prova não pode ir até à exigência de que esse Estado-Membro, quando expõe pormenorizadamente as razões por que, em caso de supressão das medidas contestadas, o cumprimento, em condições economicamente aceitáveis, das missões de interesse económico geral de que encarregou uma empresa seria, do seu ponto de vista, posto em causa, vá ainda mais além e demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável, e por definição hipotética, poderia permitir garantir o cumprimento dessas missões nas mesmas condições.

    55 Com efeito, no quadro de um processo por incumprimento nos termos do artigo 169._ do Tratado, incumbe à Comissão fazer prova da existência do alegado incumprimento e fornecer ao Tribunal os elementos necessários à verificação por este da existência desse incumprimento (v. acórdão de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos, 96/81, Recueil, p. 1791, n._ 6).

    56 Deve recordar-se a este propósito que a finalidade da fase pré-contenciosa prevista no artigo 169._ do Tratado é permitir ao Estado-Membro dar voluntariamente cumprimento às exigências do Tratado ou, se for caso disso, dar-lhe oportunidade de justificar a sua posição (v., neste sentido, o acórdão de 18 de Março de 1986, Comissão/Bélgica, 85/85, Colect., p. 1149, n._ 11). Foi precisamente o que fez o Governo italiano, invocando, na resposta à carta de interpelação da Comissão, um certo número de argumentos susceptíveis de justificar a manutenção dos direitos exclusivos controvertidos ao abrigo, designadamente, do artigo 90._, n._ 2, do Tratado.

    57 O parecer fundamentado deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v., nomeadamente, o acórdão de 17 de Setembro de 1996, Comissão/Itália, C-289/94, Colect., p. I-4405, n._ 16). No caso ora em apreço, as razões invocadas pela Comissão a este respeito foram essencialmente considerações jurídicas segundo as quais as justificações avançadas pelo Governo italiano não seriam pertinentes.

    58 O objectivo de uma eventual acção da Comissão é o de especificar, em função do processo pré-contencioso, as acusações sobre as quais o Tribunal é chamado a pronunciar-se, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de direito e de facto em que essas acusações se baseiam (v., designadamente, o acórdão Comissão/Grécia, já referido n._ 28). A Comissão limitou-se, ainda aqui, essencialmente, a desenvolver uma argumentação puramente de direito.

    59 Tendo o quadro do litígio sido definido nestes termos, o Tribunal deve ater-se a uma decisão sobre a procedência dos fundamentos jurídicos alegados pela Comissão. Não cabe seguramente na competência do Tribunal, baseando-se em observações de carácter geral feitas na fase da réplica, fazer uma apreciação, que implicaria necessariamente uma análise de dados económicos, financeiros e sociais, dos meios que um Estado-Membro se poderia servir para assegurar o fornecimento de electricidade no território nacional, com custos e preços susceptíveis de garantir o desenvolvimento económico equilibrado do país.

    60 Tendo em conta o que precede e, designadamente, o facto de o Tribunal não ter acolhido a posição jurídica em que se baseava tanto o parecer fundamentado como a petição da Comissão, o Tribunal não está em condições de proceder, no caso do presente processo, a um exame da questão de saber se, ao manter os direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL, a República Italiana ultrapassou efectivamente os limites do necessário para permitir a esses estabelecimentos cumprir, em condições economicamente aceitáveis, as missões de interesse económico geral que lhes foram confiadas.

    61 Deve recordar-se, no entanto, que, para que os direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL possam escapar à aplicação das regras do Tratado ao abrigo do seu artigo 90._, n._ 2, é necessário que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

    Quanto ao prejuízo no desenvolvimento das trocas comerciais intracomunitárias

    62 Como resulta do n._ 27 do presente acórdão, o Governo italiano explicou, na contestação, que o nível das importações de electricidade em Itália aumentou constantemente ao longo dos últimos anos e que a Itália é actualmente o maior importador de electricidade da União Europeia. Especificou, sem contestação por parte da Comissão, que as importações de electricidade aumentaram, em 1993, de 11,6% em relação a 1992, atingindo quase 40 mil milhões de kWh, ou seja, o equivalente da produção total da Áustria.

    63 A Comissão, por sua vez, limitou-se a recordar que, para que determinadas medidas possam escapar à aplicação das regras do Tratado ao abrigo do seu artigo 90._, n._ 2, é necessário não só que essa aplicação obste directa ou indirectamente ao cumprimento da missão particular confiada, mas igualmente que o interesse da Comunidade não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade, não tendo, no entanto, dado qualquer explicação destinada a demonstrar que, por causa dos direitos exclusivos de importação e de exportação do ENEL, as trocas comerciais intracomunitárias de electricidade tiveram e continuam a ter lugar de uma maneira que contraria o interesse da Comunidade.

    64 Ora, no presente caso, a Comissão deveria ter feito essa prova.

    65 Com efeito, tendo em consideração as explicações do Governo italiano, competia à Comissão, para prova da existência do alegado incumprimento, definir, sob controlo do Tribunal, o interesse da Comunidade à luz do qual se deve avaliar o desenvolvimento das trocas comerciais. Deve recordar-se a este respeito que o artigo 90._, n._ 3, do Tratado encarrega expressamente a Comissão de zelar pela aplicação do referido artigo e de dirigir, se necessário for, aos Estados-Membros as directivas ou decisões adequadas.

    66 No caso que ora nos ocupa, essa definição impunha-se tanto mais quanto o único acto comunitário directamente relacionado com as trocas de electricidade, isto é, a Directiva 90/547/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1990, relativa ao trânsito de electricidade nas grandes redes (JO L 313, p. 30), afirma expressamente, no seu sexto considerando, que existem entre as grandes redes eléctricas de alta tensão dos países europeus trocas de energia eléctrica cuja importância tem vindo a aumentar de ano para ano.

    67 Tendo a Comissão tido o cuidado de precisar que o seu pedido dizia unicamente respeito aos direitos exclusivos de importação e de exportação e não a outros direitos existentes, nomeadamente em matéria de transporte e distribuição, competia-lhe demonstrar em particular como, não existindo uma política comum nesta área, seria possível um desenvolvimento das trocas directas entre produtores e consumidores, paralelamente ao das trocas entre grandes redes, nomeadamente sem o acesso desses produtores e consumidores às redes de transporte e distribuição.

    68 Resulta de quanto precede que o pedido da Comissão deve ser rejeitado, sem que seja necessário analisar os argumentos do Governo italiano baseados nos artigos 130._-A e 130._-B do Tratado.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    69 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do artigo 9._, n._ 4, deste regulamento, os Estados-Membros e as instituições intervenientes devem suportar as suas próprias despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

    70 O pedido é rejeitado.

    71 A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

    72 O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Irlanda, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

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