Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61994CC0051

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 11 de Maio de 1995.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Rotulagem e apresentação dos géneros alimentícios - Artigo 30.º do Tratado CE e Directiva 79/112/CEE - Menção, na denominação de venda, de uma substância que figura na lista de ingredientes.
    Processo C-51/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1995 I-03599

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:133

    61994C0051

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 11 de Maio de 1995. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. - ROTULAGEM E APRESENTACAO DOS GENEROS ALIMENTICIOS - ARTIGO 30. DO TRATADO CE E DIRECTIVA 79/112/CEE - MENCAO, NA DENOMINACAO DE VENDA, DE UMA SUBSTANCIA QUE FIGURA NA LISTA DE INGREDIENTES. - PROCESSO C-51/94.

    Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-03599


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Os factos

    1 No presente processo, a Comissão pretende obter uma declaração no sentido de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._, 6._ e 16._ da Directiva 79/112/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (1) e por força do artigo 30._ e seguintes do Tratado, ao exigir que, com vista a serem comercializados na Alemanha, certos géneros alimentícios que contêm um ingrediente que não é tradicionalmente utilizado nesses géneros alimentícios na Alemanha devem conter uma menção adicional indicando o ingrediente em causa, mesmo que o mesmo já conste da lista de ingredientes constante da embalagem.

    2 Os géneros alimentícios em questão são os molhos «sauce hollandaise» e «sauce béarnaise» e certos produtos de pastelaria contendo um aditivo chamado E 160 F. Tradicionalmente na Alemanha, o molho «sauce hollandaise» é fabricado com manteiga e com ovos e o molho «sauce béarnaise» é fabricado com ovos, manteiga e chalotas. Em alguns outros Estados-Membros o ovo e a manteiga são substituídos por gorduras vegetais quando esses molhos são produzidos industrialmente. Quando teve início o processo administrativo previsto pelo artigo 169._ do Tratado, as autoridades alemãs proibiam a comercialização dos molhos «sauce hollandaise» e «sauce béarnaise» que contivessem gorduras vegetais em vez de ovos. O Governo alemão informou a Comissão, por carta de 9 de Outubro de 1991, de que a proibição seria revogada. Em vez dela, as autoridades alemãs exigem agora que os molhos «sauce hollandaise» e «sauce béarnaise» ostentem uma indicação adicional sobre o rótulo indicando que o produto contém gorduras vegetais. Exigem também que os produtos de pastelaria que contenham o aditivo E 160 F indiquem este facto em separado sobre o rótulo quando a coloração amarela do produto é tal que as autoridades considerem que os consumidores seriam levados a crer que eles contêm ovos.

    3 As autoridades alemãs baseiam estas exigências da rotulagem adicional no § 17 da Lei de 15 de Agosto de 1974, a Lebensmittel und Bedarfsgegenstaendegesetz («LMBG»). O § 17, n._ 2, da LMBG proíbe a venda de géneros alimentícios sem rotulagem suficientemente precisa, quando tenham uma composição que não corresponde à prática comercial, de forma a diminuir significativamente a sua utilidade ou valor, inter alia, quando tenham uma aparência que pode conduzir os compradores a crer que são de qualidade superior à sua qualidade efectiva. O § 17, n._ 5, proíbe a venda de géneros alimentícios com um nome, especificação ou apresentação que possam induzir em erro o comprador. Em particular, o consumidor pode ser induzido em erro se são atribuídos certos efeitos a géneros alimentícios, quando o estado dos conhecimentos científicos não permite declarar tais efeitos ou não permite fazê-lo em medida suficientemente precisa. De igual modo, o consumidor pode ser induzido em erro se o nome, especificações, apresentação, representações ou outras expressões são utilizadas para indicar a sua origem, a sua quantidade, peso, data de fabrico ou de embalagem, a sua durabilidade ou outros elementos relevantes para afirmar a sua qualidade de uma maneira susceptível de induzir em erro. O § 47, n._ 1, da LMBG proíbe a importação para a Alemanha de produtos que não correspondam à regulamentação sobre géneros alimentícios em vigor nesse país.

    4 A LMBG foi alterada por uma lei de 18 de Dezembro de 1992. Em particular foi aditado um novo § 47a que estabelece que, a partir de 1 de Janeiro de 1993, os géneros alimentícios a que se aplica a LMBG que sejam legalmente produzidos e colocados no mercado em outro Estado-membro ou que sejam originários de um país terceiro mas tenham sido legalmente colocados no mercado num Estado-Membro podem ser importados e colocados no mercado alemão, mesmo que não sejam conformes com a legislação correspondente em vigor na República Federal da Alemanha. O novo § 47a prevê também no n._ 4 que, se os géneros alimentícios não obedecerem ao disposto na LMBG, esse facto deverá ser especificado no rótulo de uma forma adequada na medida exigida pela protecção dos consumidores.

    A legislação comunitária relevante

    5 O artigo 5._ da Directiva 79/112/CEE (a seguir «directiva») prevê:

    «1. A denominação de venda de um género alimentício é a denominação prevista pelas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que lhe são aplicáveis e, na sua ausência, o nome consagrado pela prática do Estado-Membro onde se efectua a venda ao consumidor final ou uma descrição do género alimentício e, se necessário, da sua utilização, suficientemente pormenorizada para permitir ao comprador conhecer a natureza real do produto e distingui-lo dos produtos com os quais poderia ser confundido.

    2. A denominação de venda não pode ser substituída por uma marca de fabrico ou comercial ou uma denominação de fantasia.

    3. A denominação de venda incluirá, ou será acompanhada da indicação do estado físico em que se encontra o género alimentício ou do tratamento específico a que foi submetido (por exemplo: em pó, liofilizado, congelado, concentrado, fumado) quando a omissão desta indicação for susceptível de originar confusão no espírito do comprador»

    6 O artigo 6._, nas partes com interesse, estabelece:

    «1. A lista dos ingredientes será mencionada em conformidade com o presente artigo e com os anexos.

    2. ...

    3. ...

    4. (a) Entende-se por ingrediente qualquer substância, incluindo os aditivos, utilizada no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, eventualmente sob forma alterada;

    (b) Quando um ingrediente de um género alimentício tiver sido elaborado a partir de vários ingredientes, estes últimos serão considerados como ingredientes deste género;

    (c) Não serão contudo considerados como ingredientes:

    (i) ...

    (ii) - os aditivos:

    - cuja presença num género alimentício seja devida unicamente ao facto de estarem contidos num ou vários ingredientes desse género e desde que não tenham nenhuma função tecnológica no produto acabado,

    - que sejam utilizados como auxiliares de processamento;

    - substâncias utilizadas, em doses estritamente necessárias, como solventes ou suportes de aditivos e de aromas.

    ...

    5. (a) A lista dos ingredientes deve ser estabelecida pela enumeração de todos os ingredientes que constituem o género alimentício, por ordem de peso decrescente no momento do seu fabrico. Deve ser precedida de uma indicação adequada incluindo a palavra `ingredientes'.

    ...

    6. As disposições comunitárias, e na sua ausência, as disposições nacionais podem prever, para certos géneros alimentícios, que a denominação de venda deve ser acompanhada pela indicação de um ou vários ingredientes determinados.

    O procedimento previsto no artigo 16._ aplicar-se-á às eventuais disposições nacionais.»

    7 O artigo 16._, na parte que interessa, prevê:

    «Nos casos em que for feita remissão para o presente artigo, aplicar-se-á o procedimento seguinte:

    (2) No caso de um Estado-Membro achar necessário adoptar uma nova legislação, deve comunicar à Comissão e aos outros Estados-Membros as medidas previstas, especificando os motivos que as justificam. A Comissão consultará os Estados-Membros no âmbito do Comité permanente dos Géneros Alimentícios, quando julgue útil tal consulta ou quando um Estado-Membro o solicite.

    O Estado-Membro só poderá adoptar as medidas previstas, três meses após ter feito esta comunicação e sob condição de não ter recebido, da Comissão, um parecer contrário.

    Neste último caso e antes do termo do prazo acima referido, a Comissão dará início ao procedimento previsto no artigo 17._ para decidir se as medidas propostas podem ser aplicadas mediante alterações adequadas, se for caso disso.»

    A violação do artigo 6._ da Directiva 79/112/CEE do Conselho

    8 A Comissão alega em primeiro lugar que a Alemanha deveria ter notificado as medidas que adoptou para impôr a exigência de rotulagem adicional: não o fez e, consequentemente, violou os artigos 6._, n._ 6, e 16._, n._ 2, da directiva.

    9 A Alemanha alega que não violou os artigos 6._, n._ 2, e 16._ da directiva. Considera que os §§ 17 e 47a, n._ 4, da LMBG não são medidas que exijam notificação na acepção do artigo 6._, n._ 6, da directiva: o seu objectivo é muito mais amplo, uma vez que não se aplicam apenas aos géneros alimentícios, seguem a mesma filosofia que o artigo 2._ da directiva e só têm efeitos na prática quando são adoptadas medidas em relação a casos individuais. O § 47a da LMBG foi notificado à Comissão em conformidade com a Directiva 83/189/CEE de 28 de Março de 1983 (2). A Alemanha alega também que as medidas individuais não são também abrangidas pela obrigação de notificação contida na directiva: não são «medidas» na acepção da directiva. Alega que não há legislação nacional que regulamente os ingredientes dos géneros alimentícios em questão. É só pelo uso tradicional que estes géneros alimentícios não contêm gorduras vegetais ou E 160 F, consoante os casos.

    10 Em minha opinião é desnecessário examinar o problema da falta de notificação das medidas adoptadas em relação ao molho «sauce béarnaise» e ao molho «sauce hollandaise» uma vez que essa falta não foi identificada como infracção no parecer fundamentado da Comissão no tocante a estes produtos (anexo 3 da petição). Além disso, a única disposição da directiva mencionada na parte dispositiva do parecer fundamentado é o artigo 5._ É jurisprudência constante que é o parecer fundamentado da Comissão que determina o objecto do processo subsequente perante o Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 169._ do Tratado; o parecer fundamentado da Comissão e a sua petição devem assentar nos mesmos fundamentos e argumentos (3).

    11 Sou de opinião de que, ao não comunicar as medidas que tomou em relação à rotulagem e comercialização de certos produtos de pastelaria em relação aos quais era exigida a menção adicional do aditivo E 160 F, a Alemanha violou o disposto no artigo 6._, n._ 6, da directiva.

    12 O artigo 6._, n._ 6, da directiva comporta uma obrigação clara de os Estados-Membros notificarem, de acordo com o procedimento previsto no artigo 16._, as medidas nacionais que estabelecem que o nome sob o qual um género alimentício específico é vendido deve ser acompanhado pela menção de um determinado ingrediente. O que a Alemanha alega, com efeito, é que o artigo 6._, n._ 6, exige somente a notificação de medidas gerais («disposições») relativas a géneros alimentícios enquanto as medidas que visam individualmente produtos ou marcas não necessitam de ser notificadas.

    13 Não concordo com a argumentação da Alemanha quanto a este ponto por duas razões. Primeiro, não creio que tal interpretação da palavra «disposições» seja apoiada pelo texto do preceito tomado no seu conjunto. O artigo 6._, n._6, refere-se a «certos géneros alimentícios» e «a um ingrediente determinado». Por outras palavras, as disposições nacionais referidas no artigo 6._, n._ 6, não são apenas as que tratam de situações gerais mas também aquelas que se aplicam em situações muito correctas e precisas. O alcance do artigo, lido no seu conjunto, é exigir a notificação precisamente do tipo de medidas adoptadas pelas autoridades alemãs neste caso. As medidas adoptadas aplicam-se a um certo género alimentício em cada caso e referem-se a um ingrediente determinado.

    14 Em segundo lugar, concluir que as medidas que regulam situações específicas não têm de ser notificadas por causa da forma que assumem seria, em minha opinião, contrário ao objectivo do artigo 6._, n._ 6. A finalidade do processo de notificação instituído torna-se evidente ao analisar o objectivo da própria directiva. Como foi afirmado no primeiro e segundo considerandos do preâmbulo, a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios contribui para a livre circulação desses produtos e para a harmonização das condições de concorrência. Todavia, o oitavo considerando do preâmbulo torna claro que a directiva não tem por objectivo decretar regras no sentido de incluir «nas indicações obrigatórias todas as que devem ser acrescentadas à lista em princípio aplicável ao conjunto dos géneros alimentícios» e declara expressamente que, numa segunda fase, serão adoptadas disposições comunitárias complementares. Da mesma forma, o quarto considerando afirma que as normas de natureza especial que visam somente certos géneros alimentícios determinados devem ser adoptadas pela Comunidade. O nono considerando e o próprio artigo 6._, n._ 6 contemplam expressamente que os Estados-Membros podem adoptar disposições na ausência de normas comunitárias de natureza específica. O Tribunal de Justiça declarou que a directiva constitui apenas a primeira etapa de um processo de harmonização que visa eliminar progressivamente todos os obstáculos à livre circulação de géneros alimentícios, resultantes das diferenças que existem entre as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas à rotulagem destes produtos (4). O pressuposto da directiva é que normas nacionais divergentes sobre rotulagem podem constituir obstáculo à livre circulação dos produtos e distorcer as condições de concorrência. Consequentemente, se a directiva permite expressamente aos Estados-Membros tomar medidas na ausência de disposições comunitárias detalhadas, o corolário disso é que deve haver um mecanismo para impedir a reintrodução de obstáculos à livre circulação e de distorções da concorrência: esse mecanismo é o processo estabelecido no artigo 6._, n._ 6, juntamente com o artigo 16._ da directiva. Assim, sou de opinião de que a distinção entre medidas nacionais que assumem uma forma generalizada e medidas nacionais que assumem uma forma específica ou detalhada não é relevante. Uma medida específica e detalhada adoptada por um Estado-Membro pode constituir entrave ao comércio intracomunitário de um produto determinado justamente na mesma medida que uma medida concebida em termos mais gerais.

    15 Consequentemente o termo «disposições» utilizado no artigo 6._, n._ 6, não pode ser invocado para excluir certas medidas nacionais do âmbito de aplicação da obrigação de notificação. Por conseguinte, sou de opinião de que, ao não notificar as medidas adoptadas em relação às exigências de rotulagem adicional para determinados produtos de pastelaria, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6._, n._ 6, da directiva.

    Violação do artigo 30._ do Tratado

    16 A Comissão alega que as medidas alemãs violam não apenas o artigo 30._ do Tratado mas também o artigo 5._ da directiva. Por consequência, pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de ambas as disposições. Em minha opinião, porém, o problema não é saber se houve uma violação do artigo 5._ independente da pretensa violação do artigo 30._ do Tratado, mas antes saber se a Alemanha pode justificar as medidas adoptadas com base no artigo 5._, n._ 3, da directiva.

    17 A Comissão alega que as exigências de rotulagem alemãs constituem medidas que têm um efeito equivalente a restrições quantitativas e consequentemente violam o artigo 30._ do Tratado. Alega que o resultado das medidas alemãs é privar um género alimentício importado da descrição comercial que legalmente utiliza no seu Estado-Membro de origem. Ainda que a importação e a comercialização na Alemanha dos géneros alimentícios em questão não sejam proibidas, as medidas alemãs actuam, pelo menos indirectamente, como obstáculo à sua importação e comercialização nesse país. A Comissão alega que as medidas não suportam a prova da proporcionalidade à luz da qual devem ser avaliadas as disposições legislativas que regulam a comercialização dos produtos e que têm em vista satisfazer exigências imperativas relativas à protecção do consumidor. Ao determinar se os consumidores necessitam de protecção, o postulado deve ser que os consumidores estão atentos e conscientes do conteúdo da lista de ingredientes impressa na embalagem dos produtos alimentícios que eles compram. A Comissão observa, além disso, que a exigência de rotulagem tem o efeito de inferiorizar os produtos aos olhos do consumidor, quando o Tribunal declarou nos acórdãos Miro (5) e Comissão/Alemanha (6) que as exigências de rotulagem não podem ter tal efeito. Finalmente, a Comissão alega que a rotulagem adequada dos géneros alimentícios em questão é feita com a própria lista dos ingredientes.

    18 A Alemanha alega que as medidas em questão, ainda que sejam medidas que têm um efeito equivalente a restrições quantitativas, se justificam por razões de protecção do consumidor. Segundo a Alemanha, os consumidores compram frequentemente produtos alimentícios sem primeiro efectuar um cuidadoso exame do produto e da informação com ele fornecida. Por conseguinte, ao decidir se os consumidores necessitam protecção contra o perigo de serem enganados, as autoridades deverão ter em conta não só que alguns consumidores estão atentos mas que outros estão desatentos. Se bem que a lista de ingredientes exposta sobre os géneros alimentícios deva em princípio, constituir a base da sua protecção, os consumidores dos géneros alimentícios em causa no presente processo podem ser enganados quanto aos ingredientes pela denominação comercial sob a qual são vendidos. Segundo a Alemanha, os consumidores atribuem qualidades especiais a produtos fabricados com determinados ingredientes ou com uma certa quantidade desses ingredientes, de tal forma que quando esses ingredientes são substituídos por outros nos produtos em questão, esse facto deve ser revelado no rótulo. Em consequência, uma menção adicional é necessária para completar a informação que pode ser verificada na lista de ingredientes. Mesmo que alguém tome o consumidor atento como o ponto de referência correcto, a Alemanha alega que os consumidores podem identificar de tal forma certos produtos com determinados ingredientes que tenha de se impor uma rotulagem adicional com vista a alertar o consumidor para uma composição diferente. Quanto aos géneros alimentícios em causa no presente processo, a Alemanha sustenta que o consumidor alemão identifica tão fortemente os produtos com ovos e manteiga que esses ingredientes se tornam uma característica dos géneros alimentícios.

    19 A Comissão alega que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não permite que o uso de uma designação genérica seja limitada somente a produtos fabricados com certos ingredientes. A Alemanha, por outro lado, replica que no presente processo não há nenhuma proibição relativa aos géneros alimentícios em questão que comportem a designação sob a qual eles são legalmente fabricados noutro Estado-Membro. A Alemanha alega que o direito comunitário exige apenas que um sistema nacional de informação obrigatória ao consumidor não implique apreciações negativas em relação aos produtos em questão e não deve impedir que as concepções do consumidor acerca do produto evoluam (7).

    20 A Alemanha alega que a indicação adicional de que os molhos são fabricados com gorduras vegetais permite ao consumidor comparar esse tipo de produto com o que é familiar na Alemanha. De forma semelhante, a indicação adicional de que os produtos de pastelaria em questão contêm E 160 F é necessária, porque a cor amarela intensa dos produtos acabados induzem erroneamente os consumidores a pensar que eles são feitos com uma grande concentração de gemas de ovo. A Alemanha indica que a menção adicional não é exigida sistematicamente para os produtos de pastelaria que contêm E 160 F mas somente quando a sua cor seja tão intensamente amarela que as autoridades receiem que os consumidores serão enganados.

    21 A Alemanha nega que a exigência da rotulagem tenha o efeito de inferiorizar o produto aos olhos do consumidor porque os ingredientes utilizados não são de valor inferior mas simplesmente diferentes. O único efeito da rotulagem é chamar a atenção do consumidor para ingredientes cuja presença seja imprevista.

    22 Finalmente, a Alemanha alega que as medidas são necessárias para proteger produtores nacionais contra a concorrência desleal de fabricantes de molhos «sauce béarnaise» ou «sauce hollandaise» que não utilizam ovos e manteiga mas gorduras vegetais. Foi afirmado que as gorduras vegetais são mais baratas do que os ovos e a manteiga e, por consequência, esses fabricantes têm uma vantagem concorrencial sobre os produtores nacionais.

    23 A Alemanha referiu que a Comissão apresentou uma proposta ao Conselho para modificar o artigo 5._ da directiva com vista a permitir melhor rotulagem para a protecção do consumidor (8). Considero que essa proposta não tem qualquer incidência directa sobre este processo. O facto de terem tido lugar no Conselho negociações sobre uma alteração à directiva não isenta o Estado-Membro do cumprimento das disposições comunitárias aplicáveis enquanto as alterações em discussão não entrarem em vigor (9). De qualquer modo, não parece que a proposta tal como está actualmente redigida permita as medidas alemãs.

    24 É importante salientar antes de mais que a Alemanha não contestou que os molhos em questão, quando são fabricados com gorduras vegetais, continuem a ser «sauce hollandaise» ou «sauce béarnaise», conforme os casos, nem que os produtos de pastelaria que contêm E 160 F sejam, não obstante, do mesmo tipo que os produtos de pastelaria sem aquela substância. As partes estão também de acordo em que os molhos «sauce hollandaise» e «sauce béarnaise» que contêm gorduras vegetais são normal e legalmente comercializados em outros Estados-Membros. Ambas as partes estão de acordo em que somente na Alemanha há uma sensibilidade particular do consumidor quanto à inclusão dos ingredientes nos géneros alimentícios em questão. Assim, o litígio está em saber se as medidas adoptadas são necessárias para proteger o consumidor alemão de ser enganado quanto à composição do produtos em questão.

    25 Este processo constitui uma sequência daqueles em que o Tribunal de Justiça declarou que uma proibição da comercialização ou importação de um produto é contrária ao artigo 30._ do Tratado mas que a rotulagem pode constituir uma alternativa compatível com esse artigo (10). De facto, o Tribunal de Justiça declarou que «é evidente que a rotulagem é um dos meios menos restritivos para a livre circulação desses produtos na Comunidade» (11).

    26 A Comissão alegou também que a exigência da rotulagem adicional não foi justificada à luz do artigo 5._ da directiva, conjugado com o artigo 2._, n._ 1, mesmo que tivesse sido seguido o procedimento indicado no artigo 16._ O artigo 2._, n._ 1, prevê, entre outras coisas, que a rotulagem usada não deve ser de natureza a induzir em erro o comprador em medida importante, em particular quanto (inter alia) à sua composição ou ao modo de fabrico ou de obtenção. Segundo a Comissão, a omissão de uma indicação adicional no sentido de que os géneros alimentícios em questão são fabricados com gorduras vegetais ou com corante E 160 F não induziria os consumidores em erro em medida importante na acepção do artigo 2._, n._ 1 da directiva, uma vez que essas substâncias seriam incluídas na lista de ingredientes exigidos pela directiva. A Alemanha alegou que as medidas em questão são justificadas com base no artigo 5._, n._ 3, da directiva. O artigo 5._, n._ 3, prevê expressamente que a denominação de venda de um produto seja acompanhada por algumas particularidades quanto ao estado físico do género alimentício, quando a omissão desta indicação for susceptível de originar confusão no espírito do comprador.

    27 Proponho-me tratar este ponto juntamente com a questão de saber se as medidas adoptadas pelas autoridades alemãs são proporcionadas. De facto, se um Estado-Membro exige que sejam aditadas as particularidades mencionadas no artigo 5._ da directiva deve, no entanto, ser respeitado o princípio de proporcionalidade. O Tribunal de Justiça declarou que uma directiva deve ser interpretada à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias (12). Assim, um Estado-Membro não pode justificar exigências de rotulagem excessivas com base no artigo 5._ da directiva se essas exigências forem desproporcionadas e conduzirem a restrições à livre circulação de mercadorias.

    28 Com vista a determinar se as medidas impostas pelas autoridades alemãs que constituem o objecto do presente processo são contrárias ao artigo 30._ do Tratado, deve responder-se sucessivamente a três questões:

    (i) Poderão as medidas impostas ser caracterizadas como medidas que têm efeito equivalente a restrições quantitativas proibidas pelo artigo 30._ do Tratado?

    (ii) Poderão as medidas ser justificadas por uma necessidade imperativa com prioridade sobre a livre circulação de mercadorias?

    e

    (iii) Serão as medidas proporcionadas ao objectivo que se propõem realizar?

    (i) A proibição de medidas de efeito equivalente

    29 Há jurisprudência constante do Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de indicar sobre a embalagem de produtos vendidos certa informação excessiva torna mais difícil importar produtos de outros Estados-Membros em que tal obrigação não é imposta e no sentido de tal obrigação cai, em princípio, na alçada de proibição contida no artigo 30._ do Tratado (13). Isto continua verdadeiro após o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Keck e Mithouard (14) em que o Tribunal declarou:

    «... constituem medidas de efeito equivalente, proibidas pelo artigo 30._, os obstáculos à livre circulação de mercadorias resultantes, na falta de uma harmonização das legislações, da aplicação a mercadorias provenientes de outros Estados-Membros, onde são legalmente fabricadas e comercializadas, de regras relativas às condições a que essas mercadorias devem obedecer (como as relativas à sua designação, forma, dimensões, peso, composição, apresentação, etiquetagem, acondicionamento), mesmo que essas regras sejam indistintamente aplicáveis a todos os produtos, desde que essa aplicação não possa ser justificada por interesses de ordem geral susceptíveis de primar sobre as exigências da livre circulação de mercadorias». (itálico nosso).

    30 Neste caso é claro que as exigências de rotulagem adicional impostas pelas autoridades alemãs são abrangidas pela proibição contida no artigo 30._ do Tratado. Essas exigências de rotulagem obrigam o produtor ou o importador a alterar a embalagem ou a rotulagem dos géneros alimentícios em causa, porque a informação adicional exigida pelas autoridades alemãs não é exigida em outros Estados-Membros. As medidas afectam por isso o comércio entre Estados-Membros (15).

    (ii) A justificação das medidas

    31 O Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que decorre do artigo 30._ do tratado que as regras nacionais, adoptadas na falta de normas comuns ou harmonizadas e aplicáveis sem distinção a produtos nacionais e a produtos importados de outros Estados-Membros onde sejam legalmente fabricados e comercializados, são compatíveis com o Tratado somente na medida em que são necessárias por razões que se prendem com o interesse público referidas no artigo 36._ do Tratado ou com vista a satisfazer exigências imperativas atinentes, designadamente, à lealdade das transacções comerciais e à defesa dos consumidores (16). Como foi afirmado acima, a directiva não constitui uma harmonização completa das normas aplicáveis à rotulagem do tipo da que está em causa neste processo.

    32 Os Estados-Membros podem, assim, apoiar-se na exigência de rotulagem imperativa com vista à protecção do consumidor desde que as medidas adoptadas sejam conformes com o princípio de proporcionalidade.

    (iii) A proporcionalidade das medidas

    33 Os Estados-Membros podem apoiar-se na exigência de rotulagem imperativa com vista à protecção do consumidor para justificar uma restrição de importações se o mesmo objectivo não puder ser prosseguido por qualquer outra medida menos restritiva da livre circulação de mercadorias (17).

    34 O Tribunal de Justiça declarou que:

    «Se uma regulamentação nacional relativa a um determinado produto compreende a obrigação de utilizar uma denominação suficientemente precisa para permitir ao comprador conhecer a natureza do produto e distingui-lo dos produtos com os quais poderia ser confundido, pode certamente ser necessário, para dar aos consumidores uma protecção eficaz, estender essa obrigação igualmente aos produtos importados, mesmo de maneira a impôr a modificação dos rótulos originários de certos desses produtos» (18).

    35 O governo alemão alegou que não há regras em vigor na Alemanha sobre a composição dos produtos em questão no presente processo. Exigências de rotulagem adicionais são decretadas pelas autoridades alemãs porque crêem que o consumidor alemão identifica fortemente os géneros alimentícios em questão com ovos e manteiga e supõe que o aditivo E 160 F não é utilizado no seu fabrico.

    36 Sou de opinião de que as exigências impostas pelas autoridades alemãs em relação aos molhos «sauce béarnaise» e «sauce hollandaise» e aos produtos de pastelaria que contêm E 160 F vão para além do que é exigido pela protecção do consumidor. Vários factores conduzem a esta conclusão.

    37 Em primeiro lugar, o Governo afirmou que os consumidores alemães têm provavelmente elevada sensibilidade para a composição dos produtos em questão. Não afirmou que a presença de gorduras vegetais ou do aditivo E 160 F altere tão fundamentalmente as características dos produtos que eles não possam ser reputados como sendo de um género similar àqueles que não contêm esses ingredientes. Pelo contrário, o Governo aceita que os produtos podem ser denominados com propriedade «sauce béarnaise» ou «sauce hollandaise». De forma similar, o Governo aceita que não é necessária uma mudança na designação dos produtos de pastelaria por causa da presença do aditivo E 160 F. Assim, o Governo admite que os consumidores alemães não podem ser induzidos em erro que os leve a crer que os produtos em questão são substancialmente diferentes. O governo afirma apenas que os consumidores não contam que esses ingredientes estejam presentes nos produtos deste tipo.

    38 Em segundo lugar, a presença de gorduras vegetais ou do aditivo E 160 F é, de qualquer forma, indicada na lista de ingredientes exigida pelo artigo 6._ da directiva. Deve, portanto, ter-se em consideração que a presença do aditivo E 160 F se rege pelo Regulamento (CEE) n._ 262/79 da Comissão, de 12 de Fevereiro de 1979, relativo à venda, a preço deduzido, da manteiga destinada ao fabrico de produtos de pastelaria, de gelados alimentares e outros produtos alimentares (19) e em especial pelo segundo travessão do artigo 5._, n._ 2 e Anexo II, ponto II, alínea a) desse Regulamento. De facto, a disposição referida torna o uso do aditivo E 160 F obrigatório em certas circunstâncias.

    39 Em terceiro lugar, sou de opinião de que os consumidores que estão suficientemente sensibilizados para a composição dos géneros alimentícios que compram, lerão primeiro a lista de ingredientes impressa na embalagem. Não concordo com a afirmação de que os consumidores são tão desatentos que, quando a composição de um produto se desvia de alguma norma tradicional conhecida, é necessária rotulagem adicional, porque a lista de ingredientes é insuficiente. Se assim fosse, a própria exigência de uma lista de ingredientes prevista pelo artigo 6._ da directiva seria supérflua. Concordo com o advogado-geral Tesauro, que observou no processo inquérito preliminar contra X que o consumidor médio não era «totalmente desprovido de discernimento» (20). Se um consumidor está suficientemente alertado para a composição dos géneros alimentícios em questão ao ponto de se sentir confundido ou enganado ao descobrir que neles estavam presentes gorduras vegetais ou E 160 F, então tal consumidor lerá a lista de ingredientes. Isto afigura-se verdadeiro quer se tome como ponto de referência um consumidor alemão, que pode estar particularmente sensibilizado para a composição dos géneros alimentícios aqui em questão, ou o consumidor médio doutros Estados-Membros.

    40 Finalmente, se é verdade que os consumidores alemães não esperam encontrar gorduras vegetais ou E 160 F nos produtos em causa e a presença desses ingredientes dá aos produtores que os utilizam uma vantagem concorrencial sobre produtores mais tradicionais que o não fazem, então os últimos têm a oportunidade de sublinhar as qualidades tradicionais e os ingredientes dos seus produtos. Desta forma atrairão os consumidores que estão sensibilizados para a presença desses ingredientes e que estão dispostos a pagar um preço mais elevado. Por conseguinte, não posso admitir que as medidas sejam necessárias para proteger produtores alemães que usam ovos e manteiga como ingredientes contra concorrência desleal dos concorrentes que usam em vez disso ingredientes de gordura vegetal mais baratos.

    Conclusão

    41 Pelo exposto, sou de opinião de que o Tribunal deve:

    (1) declarar que, não tendo notificado a Comissão da exigência de que certos produtos de pastelaria que contêm o aditivo E 160 F, com vista a serem comercializados na Alemanha, devem ostentar uma denominação comercial com uma menção adicional indicando a presença do aditivo, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6._, n._ 6, da Directiva do Conselho 79/112/CEE, de 18 de Dezembro de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final;

    (2) declarar que, ao exigir que o molho «sauce béarnaise» e o molho «sauce hollandaise» fabricados com gorduras vegetais e certos produtos de pastelaria que contêm o aditivo E 160 F, com vista a serem comercializados na Alemanha, ostentem uma denominação comercial com uma menção adicional indicando a substância em causa, mesmo que conste já da lista de ingredientes impressa na embalagem, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30._ do Tratado;

    (3) condenar a República Federal da Alemanha nas despesas do processo.

    (1) - JO 1979 L 33, p. 1; EE 13 F9, p. 162.

    (2) - JO 1983 L 109, p. 8; EE 13 F14, p. 34.

    (3) - V., por exemplo, processo 166/82 Comissão/Itália, Recueil 1984, p. 459, n._ 16, do acórdão.

    (4) - Processo C-17/93 Van der Veldt Recueil 1994, p. I-3537, n._ 26 do acórdão.

    (5) - Processo 182/84, Recueil 1985, p. 3731.

    (6) - Processo 178/84, Colect. 1987, p. 1227, n._ 36.

    (7) - V. processo 178/84 supra, nota 6, n.os 32 e 35 do acórdão.

    (8) - JO 1992 C 122, p. 12.

    (9) - V. processo C-317/92 Comissão/Alemanha, Recueil 1994, p. I-2039, n._ 5 do acórdão.

    (10) - V. inter alia, processo 193/80 Comissão/Itália, Recueil 1981, p. 3019, n._ 27 do acórdão e processo 407/85 3 Glocken, Colect. 1988, p. 4233, n._ 16.

    (11) - Processo C-39/90 Denkavit Futtermittel, Colect. 1991, p. I-3069, n._ 24.

    (12) - Processo C-47/90 Delhaize e Le Lion/Promalvin e AGE Bodegas Unidas Colect., p. I-3669, n._ 26 do acórdão e processo C-315/92 Verband Sozialer Wettberwerb/Clinique Laboratories and Estée Lauder Colect. 1994, p. I-317, n._ 12.

    (13) - Processo 8/74 Procureur du Roi/Dassonville Recueil 1974, p. 837, processo 120/78 Rewe/Bundesmonopolverwaltung fuer Branntwein Recueil 1979, p. 649 e mais recentemente no processo C-17/93 Van der Veldt, Colect., p. I-3537, n._ 23 do acórdão.

    (14) - Processo apensos C-267/91 de C-268/91 Colect., 1993, p. I-6097, n._ 15 do acórdão.

    (15) - Processo C-238/89 Pall Corp./P J Dahlhausen & Co. Colect.1990, p. I-4827, n._ 13 do acórdão, processo C-315/92 Verband Sozialer Wettbewerb/Clinique Laboratories and Estée Lauder Colect. 1994, p. I-317, n.os 18 e 19.

    (16) - Processo 76/86 Comissão/Alemanha Colect., 1989, p. 1021, n._ 13 do acórdão.

    (17) - Ibidem.

    (18) - Processo 27/80 Fietje Recueil 1980, p. 3839, n._ 11 do acórdão e processo 76/86 Comissão/Alemanha Colect. 1989, p. 1021, n._ 17.

    (19) - JO 1979 L41, p. 1; EE 03 F15, p. 141.

    (20) - Processo C-373/90 Colect., 1992, p. I-131, mais concretamente p. I-145.

    Top