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Document 61994CC0036

    Conclusões do advogado-geral Elmer apresentadas em 14 de Septembro de 1995.
    Siesse - Soluções Integrais em Sistemas Software e Aplicações Ldª contra Director da Alfândega de Alcântara.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa - Portugal.
    Colocação de mercadorias em livre prática - Ultrapassagem do prazo para atribuição de um destino aduaneiro - Cobrança de um direito.
    Processo C-36/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1995 I-03573

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:282

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    MICHAEL B. ELMER

    apresentadas em 14 de Setembro de 1995 ( *1 )

    Introdução

    1.

    O Tribunal é chamado no presente processo a pronunciar-se sobre a questão de saber se a regulamentação comunitária sobre mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade deve ser interpretada no sentido de que as autoridades aduaneiras nacionais podem autorizar os importadores a declarar as mercadorias para livre prática depois de expirados os prazos previstos para esse efeito e se podem fazer depender essa autorização do pagamento de um direito específico.

    2.

    O Regulamento (CEE) n.° 4151/88 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade (a seguir «regulamento») ( 1 ), dispõe no artigo 15.°:

    «1.

    Quando as mercadorias forem objecto de declaração sumária, devem ser declaradas para livre prática ou para outro regime aduaneiro ou ser objecto de um pedido no sentido de lhes ser atribuído um dos outros destinos aduaneiros referidos no artigo 14.°, nos prazos fixados pela autoridade aduaneira. Estes prazos não devem exceder:

    a)

    Quarenta e cinco dias, a partir da data do depósito da declaração sumária, quanto às mercadorias enviadas por via marítima;

    b)

    Vinte dias, a partir da data do depósito da declaração sumária, quanto às mercadorias enviadas por qualquer outra via.

    2.

    Quando as circunstâncias o justifiquem, a autoridade aduaneira pode autorizar uma prorrogação dos prazos referidos no n.° 1. Esta prorrogação não pode, todavia, exceder as necessidades reais justificadas pelas circunstâncias.»

    O artigo 19.°, n.° 1, dispõe:

    «A autoridade aduaneira tomará imediatamente todas as medidas necessárias, incluindo a venda das mercadorias, para solucionar a situação das mercadorias em relação às quais as formalidades destinadas a dar-lhes um dos destinos aduaneiros referidos no artigo 14.° não tenham sido iniciadas nos prazos fixados nos termos do artigo 15.°»

    3.

    O n.° 1 do artigo 638.° do Regulamento das Alfândegas português (a seguir «Regulamento das Alfândegas») dispõe que as mercadorias armazenadas em qualquer depósito de regime aduaneiro ou de regime livre serão vendidas pelas estâncias aduaneiras, depois de cumpridas as formalidades legais, quando os respectivos prazos de armazenagem tenham sido excedidos.

    O artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas prevê também:

    «1.

    Os donos das mercadorias demoradas além dos prazos legais de armazenagem podem despachá-las desde que assim o requeiram no prazo de 6 meses contados a partir da sujeição da mercadoria ao regime de hasta pública.

    2.

    As mercadorias despachadas ao abrigo do disposto neste artigo... estão sujeitas ao pagamento (de todas as taxas e imposições aplicáveis) e ao da percentagem de 5 por cento sobre o seu valor.»

    4.

    A sociedade SIESSE — Soluções Integrais em Sistemas Software e Aplicações Ld.a (a seguir «SIESSE»), com sede social em Lisboa, importou em 1993, de país terceiro não especificado, tendo Le Havre, França, como porto de trânsito, uma partida de material informático que foi objecto de declaração sumária, tendo sido colocada em depósito temporário por vinte dias no terminal da Liscont, Portugal. Não tendo nesse prazo declarado a mercadoria para qualquer regime aduaneiro, a SIESSE requereu às autoridades portuguesas autorização para declarar as mercadorias para livre prática mediante o pagamento de uma taxa correspondente a 5% do valor da mercadoria, nos termos do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas, para evitar a venda das mercadorias em hasta pública. O pedido foi deferido e a SIESSE pagou o montante correspondente.

    As questões prejudiciais

    5.

    Posteriormente, a SIESSE interpôs recurso para o Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, contra as autoridades aduaneiras portuguesas, contestando a legalidade da cobrança da taxa de 5%.

    6.

    Por despacho de 20 de Janeiro de 1994, o Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Decorridos os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, a) e b), do Regulamento (CEE) n.° 4151/88 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, pode ainda a autoridade aduaneira autorizar os donos das mercadorias a declará-las para livre prática?

    2)

    Nessa hipótese, apenas serão exigidos os direitos aduaneiros e demais encargos devidos pela importação, acrescidos de eventuais despesas motivadas pelo depósito temporário?

    3)

    No caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode a mesma autoridade, ao abrigo do disposto no artigo 19.°, n.° 1, do mesmo regulamento comunitário, condicionar tal autorização ao pagamento de determinada importância monetária alheia aos direitos, demais encargos e despesas referidos na segunda questão, importância essa que constitui receita do Estado-Membro?»

    A primeira questão

    7.

    Com a primeira questão prejudicial, o tribunal nacional solicita ao Tribunal que diga se as autoridades aduaneiras nacionais estão habilitadas pelo regulamento a autorizar um operador a declarar para livre prática mercadorias que foram objecto de declaração sumária, mesmo depois de expirado o prazo fixado para o efeito.

    8.

    Nas suas observações, a SIESSE alega que as autoridades portuguesas não têm competência para prorrogar de forma geral por seis meses o prazo fixado no regulamento para o desembaraço das mercadorias, nas condições previstas no artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas.

    O Governo português considera que o regulamento não se opõe a que o proprietário das mercadorias não declaradas na alfândega nos prazos previstos regularize a situação, depois de autorizado a declarar as mercadorias para livre prática.

    Para a Comissão, resulta directamente do artigo 15.°, n.° 2, do regulamento que a situação das mercadorias não declaradas na alfândega nos prazos previstos pode ser regularizada pela autorização de declarar as mercadorias para livre prática, atendendo a que aquela disposição dá às autoridades aduaneiras nacionais a possibilidade de prorrogar os prazos fixados. De resto, o regulamento não contém qualquer disposição que obrigue as autoridades aduaneiras a recusar a declaração de colocação das mercadorias em livre prática, mesmo que os prazos previstos tenham sido excedidos. Assim, no entender da Comissão, deve responder-se afirmativamente à primeira questão prejudicial.

    9.

    Gostaria de salientar antes de mais que resulta directamente do artigo 15.°, n.c 2, do regulamento que as autoridades aduaneiras nacionais podem prorrogar os prazos previstos, se as circunstâncias o justificarem. E deve ser assim, em meu entender, mesmo que os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), tenham expirado, atendendo a que o essencial, à luz da função do regime aduaneiro, é que os direitos e encargos aduaneiros sejam pagos o mais depressa possível e porque, parece-me, não há interesses concretos que possam militar contra esta solução.

    10.

    Este resultado é também corroborado pelo artigo 19.°, n.° 1, do regulamento, que diz respeito às obrigações que impendem sobre os Estados-Membros no caso de o importador exceder os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, do regulamento. Esta disposição prevê que as autoridades aduaneiras tomem imediatamente todas as medidas necessárias, incluindo a venda das mercadorias, para solucionar a situação das mercadorias em relação às quais as formalidades destinadas a dar-lhes um destino aduaneiro não tenham sido iniciadas nos prazos previstos. O artigo 19.°, n.° 1, dá portanto apenas a possibilidade de tomar medidas necessárias para regularizar a situação de mercadorias que não tenham sido desalfandegadas nos prazos previstos. Esta disposição menciona a possibilidade de uma regularização, por exemplo através da venda das mercadorias. Esta disposição não impõe, assim, às autoridades nacionais que regularizem a situação das mercadorias em causa segundo modalidades pré-determinadas. As autoridades aduaneiras têm, pois, a faculdade de libertar as mercadorias quando os montantes devidos tenham sido pagos e de prorrogar o prazo na perspectiva de um pagamento voluntário. Não é necessário, nesse caso, proceder a um leilão ou a outras medidas coercivas para cobrar esses montantes.

    11.

    De igual modo, interesses socioeconómicos e a protecção do devedor militam a favor deste resultado. A regularização da situação das mercadorias através da autorização de declaração para livre prática é uma solução mais eficaz ė menos dispendiosa, e também menos complicada, do que, por exemplo, a venda forçada em hasta pública.

    12.

    Assim, há que responder à primeira questão no sentido de que as autoridades aduaneiras podem, mesmo depois de expirados os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b) do regulamento, autorizar os proprietários das mercadorias a declará-las para livre prática.

    A segunda questão

    13.

    Com a segunda questão prejudicial, o tribunal de reenvio pretende que o Tribunal esclareça se, quando é autorizada a declaração de mercadorias para livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), as autoridades aduaneiras podem exigir importâncias que não sejam os direitos aduaneiros e outros encargos devidos na importação, acrescidos de eventuais despesas motivadas pelo depósito temporário. O tribunal de reenvio quer, com isto, aludir à percentagem de 5% do valor das mercadorias que foi exigida à SIESSE, nos termos do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas.

    14.

    A Comissão sustenta que, para além dos direitos aduaneiros e outros encargos devidos pela importação, e eventuais encargos relacionados com a armazenagem provisória, apenas são exigíveis as importâncias destinadas a compensar prejuízos efectivamente sofridos ou que constituam a remuneração de um serviço efectivamente prestado ao importador. Para a Comissão, o direito em questão é também incompatível com o artigo 9.°, n.° 1, do Tratado, respeitante à pauta aduaneira comum nas relações com países terceiros. Um direito que só é cobrado sobre as mercadorias importadas e cujo pagamento não corresponde à prestação de qualquer serviço, e que não é necessário para regularizar a situação das mercadorias em causa, deve, no entender da Comissão, ser qualificado como direito aduaneiro sobre as mercadorias originárias de países terceiros.

    15.

    Em apoio da sua tese da legalidade do direito cobrado, o Governo português sustenta que as «medidas necessárias» que devem ser tomadas pelos Estados-Membros por força do artigo 19.°, n.° 1, incluem, para além das que se destinam a garantir o pagamento de direitos aduaneiros e outros encargos, as que são indispensáveis para garantir a eficácia dos prazos fixados para afectação dos produtos a um destino aduaneiro determinado. As autoridades aduaneiras nacionais podem, assim, tomar medidas que, punindo um comportamento ilegal, incitem os proprietários das mercadorias a agir nos prazos previstos. Tais medidas podem, como no caso presente, consistir na cobrança de um direito por não cumprimento do prazo legal. No entender do governo, esse direito não pode ser considerado contrário aos artigos 9.° e seguintes do Tratado, respeitantes à pauta aduaneira a aplicar relativamente aos países terceiros, atendendo a que o direito não onera todos os importadores, mas se aplica apenas a alguns deles, devido a irregularidades consubstanciadas no desrespeito dos prazos fixados para cumprimento das formalidades aduaneiras.

    16.

    Em meu entender, as autoridades aduaneiras devem ter o direito, numa base compensatória, de cobrar montantes que representam os custos da armazenagem provisória, bem como montantes — por exemplo sob a forma de juros de mora — que cubram a perda de juros ocasionada por um pagamento tardio. Além disso, as autoridades aduaneiras devem, a meu ver, com base em considerações análogas, ter o direito de exigir o pagamento de uma taxa que cubra os incómodos suplementares devidos ao facto de o importador não ter dado atempadamente às mercadorias um destino aduaneiro determinado.

    17.

    Todavia, o problema aqui é que as autoridades aduaneiras nacionais podem também cobrar montantes que não se destinam, nem no caso concreto, nem mais geralmente, a compensar os prejuízos e incómodos ocasionados, mas têm pelo contrário a natureza de sanção administrativa por ultrapassagem dos prazos fixados, sob a forma de liquidação, em benefício da Fazenda Pública, de uma percentagem do valor das mercadorias em causa.

    18.

    Segundo jurisprudência constante ( 2 ) em matéria de sanções, o Tribunal declarou que, quando uma regulamentação comunitária não contém qualquer disposição específica que preveja uma sanção em caso de violação, ou remeta quanto a esse aspecto para as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, o artigo 5.° do Tratado impõe aos Estados-Membros que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito comunitário. Para esse efeito, e embora conservando a escolha das sanções, devem nomeadamente velar para que as violações do direito comunitário sejam punidas em condições, processuais e de fundo, análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância similares e que, de qualquer modo, confiram à sanção um caracter efectivo, proporcionado e dissuasor.

    Além disso, quanto à determinação dos limites que se impõem aos Estados-Membros na escolha das sanções aplicáveis às infracções da regulamentação comunitária, o Tribunal, pela última vez num acórdão de 16 de Dezembro de 1992 ( 3 ), declarou:

    «Deve observar-se, antes de mais, que, na falta de harmonização da legislação comunitária no domínio das infracções aduaneiras, os Estados-Membros são competentes para escolher as sanções que lhes parecem adequadas ... Todavia, os Estados-Membros são obrigados a exercer essa competência no respeito do direito comunitário e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade.

    Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já decidiu por várias vezes, as medidas administrativas ou repressivas não devem ultrapassar o âmbito do que for estritamente necessário aos objectivos prosseguidos...» (n.os 19 e 20).

    Como as normas comunitárias não prevêem qualquer sanção, os Estados-Membros são portanto competentes para adoptar sanções em caso de violação das normas comunitárias. Essas sanções devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade, o que significa que a sanção deve ser necessária para assegurar o respeito das normas comunitárias e não deve ir além daquilo que é necessário. A sanção para a infracção da disposição comunitária em causa deve seguir as mesmas regras que as sanções que se aplicam em direito nacional às infracções da mesma natureza e da mesma gravidade.

    19.

    Assim, deve-se começar por tomar posição sobre a questão de saber se o regulamento — em especial o artigo 19.°, n.° 1 — regula a faculdade dos Estados-Membros de aplicar sanções aos importadores por não terem, no prazo previsto, dado às mercadorias um destino aduaneiro determinado. A meu ver, deve responder-se negativamente a esta questão. Por um lado, o regulamento não impõe aos Estados-Membros que punam estas infracções. Por outro lado, considero que as disposições do regulamento também não se opõem à fixação, pelos Estados-Membros, de tais sanções, que têm evidentemente como finalidade, se necessário, incitar os importadores a proceder às formalidades exigidas para ser dado um destino aduaneiro determinado às mercadorias, antes de findos os prazos. Em especial, o artigo 19.°, n.° 1, do regulamento não toma posição sobre a questão da faculdade de aplicar sanções ao importador por este não ter cumprido as formalidades necessárias antes de expirados os prazos. Em contrapartida, o n.° 1 do artigo 19.° diz respeito ao alcance da obrigação das autoridades aduaneiras de tomarem medidas após a expiração dos prazos, para assegurarem o pagamento dos montantes devidos. O facto de as autoridades aduaneiras terem a obrigação de cobrar os montantes em dívida, através, por exemplo, da venda das mercadorias, não exclui que além disso os Estados-Membros apliquem aos importadores sanções penais ou administrativas por não terem feito, em tempo útil, aquilo que era necessário para o cumprimento das formalidades aduaneiras, de modo a que as autoridades aduaneiras não fossem colocadas na situação de terem de proceder à execução, com todos os riscos de prejuízo daí decorrentes.

    20.

    Nos termos da jurisprudência do Tribunal, uma sanção não deve ir para além daquilo que é necessário para garantir o respeito dos prazos. Para as mercadorias que não sejam de pequeno valor, um direito proporcional ao valor dos produtos importados constituirá, para os importadores, um forte incitamento para que, dentro do prazo, dêem aos produtos um destino aduaneiro determinado. Se se tratar de mercadorias de pequeno valor, a sanção, assim calculada, por ultrapassagem dos prazos será, atendendo às circunstâncias, relativamente pequena, pelo que não terá, quanto a essas mercadorias, o mesmo efeito preventivo que para mercadorias de maior valor. Se, pelo contrário, se tratar de mercadorias de valor particularmente elevado, poder-se-á pensar que um direito calculado proporcionalmente ao valor das mesmas levará a um montante desproporcionado relativamente à natureza da infracção — que é sobretudo formal, atendendo às circunstâncias — e ao montante da taxa paga com atraso. Compete ao tribunal nacional apreciar se tal direito, calculado na proporção do valor das mercadorias, é conforme ao princípio da proporcionalidade. Observe-se a este respeito que o Governo português declarou na audiência que, para além do direito de 5%, não são cobrados em Portugal juros de mora ou despesas de gestão administrativa. Assim, uma parte do direito de 5% do valor das mercadorias cobre as despesas incorridas devido ao pagamento tardio dos direitos aduaneiros, etc, e o tribunal nacional deverá ter isso em conta para apreciar se a sanção é conforme ao princípio da proporcionalidade.

    21.

    Compete também ao tribunal nacional apreciar se a sanção corresponde às sanções que se aplicam, em direito nacional, às infracções da mesma natureza e da mesma gravidade.

    22.

    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o direito em causa é contrário aos artigos 9.° e seguintes do Tratado relativos à pauta aduaneira comum, observarei que o Tribunal declarou que, em matéria de trocas intracomunitárias, «constitui encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação e de exportação qualquer encargo, ainda que mínimo, unilateralmente imposto, quaisquer que sejam a sua denominação e técnica e que onere as mercadorias nacionais ou estrangeiras devido ao facto de transporem a fronteira» ( 4 ).

    23.

    No que respeita à adopção de uma pauta aduaneira comum nas relações com os países terceiros, o Tribunal declarou que o Tratado não contém disposições expressas análogas às que proíbem, nas trocas intracomunitárias, os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros ( 5 ). A adopção da pauta aduaneira comum implica, contudo, que os Estados-Membros não podem instituir unilateralmente novos direitos sobre as importações directamente provenientes de países terceiros ou aumentar o nível dos já existentes nessa data ( 6 ).

    24.

    Os importadores que importam para Portugal produtos originários de países terceiros apenas estão sujeitos ao direito em causa, enquanto sanção administrativa, em situações especiais caracterizadas pela inobservância das regras aduaneiras, e esse direito só é cobrado quando o importador pretende utilizar a possibilidade de desalfandegamento depois de expirados os prazos, possibilidade essa prevista no Regulamento das Alfândegas. Está-se, assim, longe de uma situação em que qualquer importador que importe para Portugal produtos provenientes de países terceiros seja obrigado a pagar o direito. Além disso, este último é cobrado apenas depois de expirado um prazo relativamente longo, de modo que o importador tem uma possibilidade real de desalfandegar as mercadorias antes do fim do prazo. Assim, a meu ver, o direito controvertido não pode ser considerado um direito aduaneiro ou um encargo que Portugal, unilateralmente, imponha genericamente sobre os produtos importados de países terceiros e que por isso afecte a pauta aduaneira comum da Comunidade. Por isso, e no que respeita às minhas conclusões no presente processo, é irrelevante que se utilize a definição ampla utilizada pelo Tribunal para encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro no quadro intracomunitário, transpondo-a, por analogia, para osm direitos cobrados por um Estado-Membro sobre mercadorias originárias de um país terceiro.

    25.

    Assim, deve responder-se à segunda questão no sentido de que, para além dos direitos aduaneiros e outros encargos devidos na importação de uma partida de mercadorias, bem como eventuais encargos de armazenagem, os Estados-Membros podem, por um lado, exigir montantes destinados a cobrir encargos e despesas, assim como o acréscimo de trabalho ocasionado e os incómodos relacionados com a autorização de colocação em livre prática, depois de findos os prazos previstos para o efeito, e podem, por outro, cobrar ao importador um montante como sanção pelo desrespeito dos prazos fixados. Esta sanção deve ser conforme ao princípio da proporcionalidade e deve corresponder às sanções que se aplicam em direito nacional às infracções da mesma natureza e da mesma gravidade. Compete ao tribunal nacional apreciar se essas condições devem considerar-se preenchidas no caso concreto.

    A terceira questão

    26.

    Por fim, o tribunal nacional pretende que o Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se as autoridades aduaneiras nacionais podem fazer depender a autorização de declaração para colocação em livre prática, depois de expirados os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do regulamento, do pagamento à Fazenda Pública de uma determinada importância, para além dos eventuais direitos e encargos.

    Entendo esta questão no sentido de que o tribunal nacional pretende na realidade saber se as autoridades aduaneiras podem fazer depender a autorização de declaração para colocação em livre prática, depois de findo o prazo, do pagamento do direito ad valorem de 5% previsto no artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas, para além dos montantes referidos na segunda questão. Assim, apenas tomarei posição sobre a questão de saber se essa faculdade existe, e não sobre a questão de saber se as autoridades aduaneiras podem condicionar a autorização ao pagamento de outros montantes de que um importador fosse eventualmente devedor em relação a um terceiro.

    27.

    A cobrança dos montantes exigíveis, em função da resposta dada à segunda questão, pelas autoridades aduaneiras está intimamente relacionada com a autorização para efeitos da declaração para livre prática, depois de expirados os prazos fixados. Para haver a certeza de que esses montantes são pagos, parece-me natural que as autoridades aduaneiras nacionais condicionem essa autorização ao pagamento dos mesmos. Trata-se de encargos na acepção lata do termo, e as mercadorias que lhes servem de penhor permitem, em caso de não pagamento, ressarcir as autoridades aduaneiras antes de outros interessados. Essa garantia só pode ser preservada se as autoridades aduaneiras tiverem a disponibilidade efectiva da mercadoria até ao pagamento dos encargos com ela relacionados. Podem, portanto, fazer depender a autorização de declaração da mercadoria para livre prática da condição de esses montantes serem pagos.

    28.

    Assim, deve responder-se à terceira questão que, decorridos os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do regulamento, as autoridades aduaneiras podem fazer depender a autorização de declaração para livre prática do pagamento dos montantes indicados na resposta à segunda questão.

    Conclusão

    29.

    Atendendo às considerações que antecedem, proponho ao Tribunal que responda da seguinte forma às questões submetidas:

    1)

    As autoridades aduaneiras podem, apesar de decorridos os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento (CEE) n.° 4151/88 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade, autorizar os proprietários das mercadorias a declará-las para livre prática.

    2)

    Para além dos direitos aduaneiros e outros encargos devidos na importação de uma partida de mercadorias, bem como eventuais encargos de armazenagem, os Estados-Membros podem, por um lado, exigir montantes destinados a cobrir encargos e despesas, assim como o acréscimo de trabalho ocasionado e os incómodos relacionados com a autorização de colocação em livre prática, depois de findos os prazos previstos para o efeito, e podem, por outro, cobrar ao importador um montante como sanção pelo desrespeito dos prazos fixados. Esta sanção deve ser conforme ao princípio da proporcionalidade e deve corresponder às sanções que se aplicam em direito nacional às infracções da mesma natureza e da mesma gravidade. Compete ao tribunal nacional apreciar se essas condições devem considerar-se preenchidas no caso concreto.

    3)

    Decorridos os prazos previstos no artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4151/88, as autoridades aduaneiras podem fazer depender a autorização de declaração para livre prática do pagamento dos montantes indicados na resposta à segunda questão.


    ( *1 ) Língua original: dinamarquês.

    ( 1 ) JO L 367, p. 1.

    ( 2 ) V., por exemplo, acórdãos de 21 de Setembro de 1989, Comissão/Grécia (68/88, Colect., p. 2965, n.°* 23 e 24); de 10 de Julho de 1990, Hansen (C-326/88, Colect., p. I-2911, n.° 17); de 2 de Outubro de 1991, Vandevenne e o. (C-7/90, Colect., p. I-4371, n.° 11).

    ( 3 ) Comissão/Grécia (C-210/91, Colect., p. I-6735).

    ( 4 ) V, como mais recente, o acórdão de 7 de Julho de 1994, Lamaire (C-130/93, Colect., p. I-3215, n.° 13).

    ( 5 ) V. acórdão de 1 de Julho de 1969, Diarnantarbeiders (2/69 e 3/69, Colect. 1969-1970, p. 63).

    ( 6 ) V. acórdão de 13 de Dezembro de 1973, Diamantarbeiders (37/73 e 38/73, Colect., p. 633).

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