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Document 61993TO0549

Despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Novembro de 1993.
D. contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionários - Processo de medidas provisórias - Suspensão da execução - Processo disciplinar - Demissão.
Processo T-549/93 R.

Colectânea de Jurisprudência 1993 II-01347

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1993:109

61993B0549

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA DE 30 DE NOVEMBRO DE 1993. - D. CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIOS - PROCESSO DE MEDIDAS PROVISORIAS - SUSPENSAO DA EXECUCAO - PROCESSO DISCIPLINAR - DEMISSAO. - PROCESSO T-549/93 R

Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-01347


Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Processo de medidas provisórias ° Suspensão da execução ° Suspensão da execução de uma sanção disciplinar ° Condições de concessão ° Fumus boni juris ° Prejuízo grave e irreparável ° Prejuízo não patrimonial ° Ponderação do conjunto dos interesses em causa ° Prejuízo pecuniário

(Tratado CEE, artigo 185. ; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104. , n. 2)

Partes


No processo T-549/93 R,

D., funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, representado por Eric Boigelot, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Louis Schiltz, 2, rue du Fort Rheinsheim,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ana Maria Alves Vieira, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

requerida,

que tem por objecto um pedido de suspensão da execução da decisão de 30 de Setembro de 1993, pela qual a autoridade investida do poder de nomeação aplicou ao requerente a sanção disciplinar de demissão, sem supressão do direito à pensão de aposentação, prevista no artigo 86. , n. 2, alínea f), do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


Matéria de facto e tramitação

1 Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Outubro de 1993, o requerente interpôs, ao abrigo do artigo 91. , n. 4, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir "Estatuto"), recurso de anulação da decisão da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir "AIPN"), de 30 de Setembro de 1993, que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão, sem supressão do direito à pensão de aposentação, prevista no artigo 86. , n. 2, alínea f), do Estatuto.

2 Por acto separado, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância no mesmo dia, o requerente apresentou igualmente, ao abrigo do artigo 91. , n. 4, do Estatuto, um pedido de medidas provisórias de suspensão da decisão recorrida.

3 A Comissão apresentou as suas observações escritas em 11 de Novembro de 1993. As partes foram ouvidas na audiência de 17 de Novembro de 1993.

4 Antes de examinar o fundamento do presente pedido de medidas provisórias, importa lembrar sucintamente os antecedentes do litígio, tal como resultam das peças apresentadas pelas partes e das explicações fornecidas na audiência.

5 Em 28 de Abril de 1988, o requerente foi nomeado chefe da delegação da Comissão em (omissis), onde exerceu funções até Novembro de 1991. A partir de 1 de Dezembro de 1991, ocupou o lugar de chefe da delegação da Comissão em (omissis). Anteriormente, tinha exercido, sucessivamente, as funções de consultor junto das delegações da Comissão em (omissis), de 1981 a 1984, e em (omissis), de 1984 a 1987, e de chefe da delegação em (omissis), de Janeiro a Abril de 1988.

6 Aquando de um inquérito efectuado, em Fevereiro de 1993, pela Inspecção-Geral das Delegações da Comissão, na delegação em (omissis), chegaram ao conhecimento dos inspectores um determinado número de acusações contra o requerente, relacionadas com o período durante o qual este tinha exercido as funções de chefe da delegação. Essas acusações respeitavam, fundamentalmente, a práticas de assédio sexual de que teria sido vítima o pessoal feminino da delegação, bem como a irregularidades administrativas, que consistiam, nomeadamente, em pagamentos injustificados e discriminatórios a determinados membros do pessoal e, em geral, a uma gestão incorrecta e abusiva do pessoal e dos bens da Comissão.

7 Em 4 de Maio de 1993, a AIPN informou o requerente da abertura de um processo disciplinar. Após ter ouvido o requerente em 26 de Maio de 1993, a AIPN, por decisão de 28 de Maio de 1993, suspendeu-o das suas funções, nos termos do artigo 88. do Estatuto, sem perda de remuneração.

8 Em 2 de Junho de 1993, a AIPN encarregou o Sr. Petersen, consultor na Direcção-Geral "Pessoal e Administração", de "proceder, no local, à audição das testemunhas que se manifestaram e que se encontram em (omissis), bem como à inspecção dos locais". As queixosas e outros membros do pessoal local foram ouvidos entre 7 e 13 de Junho de 1993. Outros funcionários e agentes, que tiveram relações de trabalho com o requerente, foram igualmente ouvidos entre 18 de Junho e 2 de Julho de 1993.

9 Após ter informado o requerente em 29 de Junho de 1993, a AIPN submeteu o presente caso ao Conselho de Disciplina em relatório de 7 de Julho de 1993. Neste relatório, era imputado ao requerente ter assediado sexualmente agentes locais femininos que trabalhavam na delegação da Comissão em (omissis), no período em que tinha sido delegado da Comissão. No entanto, o relatório não mencionava as "graves irregularidades administrativas" alegadas anteriormente, referindo a AIPN que "in view of the nature of the allegations and of the evidence relating to them (it) does not consider it appropriate, at this stage, to seize de Disciplinary Board in respect of them" ("atenta a natureza das alegações e as provas que às mesmas se referem, não considera adequado, nesta fase, submeter essa questão ao Conselho de Disciplina").

10 No parecer de 27 de Julho de 1993, o Conselho de Disciplina, após ter tomado conhecimento do conjunto das peças juntas aos autos e ouvido o requerente e o Sr. Petersen, pronunciou-se no sentido de a AIPN "aplicar ao Sr. (D.) a sanção disciplinar indicada no artigo 86. , n. 2, alínea f), do Estatuto, a saber, a demissão, sem supressão dos direitos à aposentação". Aquando da audição perante o Conselho de Disciplina, o requerente tinha pedido que fosse efectuado um inquérito complementar e contraditório, compreendendo designadamente uma acareação e uma peritagem médica. Este pedido foi recusado pelo Conselho de Disciplina.

11 Após ter ouvido novamente o requerente em 29 de Julho de 1993, a AIPN comunicou-lhe, por nota de 30 de Julho de 1993, que tinha "decidido deferir o (seu) pedido de acareação com cada uma das queixosas, antes da tomada de qualquer decisão relacionada com o processo disciplinar que (lhe) tinha sido movido. Os resultados desta acareação, que terão lugar nas próximas semanas, completarão o parecer do Conselho de Disciplina de 27 de Julho de 1993 e serão juntos aos autos".

12 A acareação entre o requerente e as três queixosas, na presença dos respectivos advogados, teve lugar em 7 de Setembro de 1993. Em 15 de Setembro de 1993, a AIPN procedeu à audição final do requerente, nos termos do artigo 7. do anexo IX do Estatuto.

13 É nestas condições que, por decisão de 30 de Setembro de 1993, a AIPN aplicou ao requerente a sanção de demissão, sem supressão dos seus direitos à pensão de aposentação com efeitos a 1 de Dezembro de 1993. Na decisão, a AIPN considera, em substância, que os factos imputados ao requerente, como resultam das deposições das queixosas, constituem uma falta muito grave e também delito de direito comum, que nem o seu estado de saúde nem qualquer outra circunstância permitem, em caso algum, desculpar.

Fundamentação jurídica

14 Por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 185. e 186. do Tratado CEE, os recursos para o Tribunal não têm efeito suspensivo. Todavia, o Tribunal pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado, se considerar que as circunstâncias o exigem, ou ordenar as medidas provisórias necessárias.

15 Nos termos do artigo 104. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, incumbe ao requerente especificar as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida.

Argumentos das partes

16 Quanto à existência de fundamentos que justificam, à primeira vista, a concessão da suspensão da execução da decisão impugnada, o requerente considera, em substância, que várias circunstâncias de facto demonstram que pelo menos o debate iniciado apresenta um carácter sério e que a sua tese está apoiada em argumentos sólidos.

17 A esse propósito, o requerente alega, em primeiro lugar, que a AIPN desconheceu as regras de processo aplicáveis em matéria disciplinar, porquanto adoptou a decisão definitiva fora, respectivamente, do prazo de um mês a contar do parecer do Conselho de Disciplina, previsto no artigo 7. , terceiro parágrafo, do anexo IX do Estatuto, e do prazo de quatro meses a contar do dia em que uma decisão de suspensão teve efeito, previsto no artigo 88. , terceiro parágrafo, do Estatuto.

18 O requerente salienta, em segundo lugar, que, no momento da adopção da decisão impugnada, a AIPN não dispunha de um parecer regular do Conselho de Disciplina, que o deu sem dispor de todos os elementos do processo e, nomeadamente, do inquérito contraditório que ocorreu mais tarde. Nessas circunstâncias, entende o requerente que não apenas o processo está ferido de irregularidade, mas igualmente que os seus direitos de defesa foram violados, na medida em que foi colocado na impossibilidade de apresentar a totalidade dos seus argumentos perante o órgão encarregado de emitir o parecer fundamentado previamente à decisão da AIPN.

19 Em terceiro lugar, o requerente critica a AIPN por não ter indicado os meios de prova dos factos alegados, tendo-se limitado a aceitar como prova dos factos em litígio as deposições das queixosas, violando assim os direitos de defesa e o princípio geral in dubio pro reo, reconhecido em todos os sistemas jurídicos dos Estados-membros. Entende o requerente, em especial, que a decisão impugnada não contém qualquer fundamentação nem quanto à materialidade dos factos nem quanto à sua qualificação, e ignora quer a Resolução 90/C 157/02 do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa à protecção da dignidade das mulheres e dos homens no trabalho (JO C 157, p. 3), quer a Recomendação 92/131/CEE, de 27 de Novembro de 1991, da própria requerida, sobre a protecção e a dignidade das mulheres e dos homens no trabalho, e, especialmente, o anexo que estabelece um código de conduta que visa combater o assédio sexual (JO 1992, L 49, p. 1).

20 Em quarto lugar, o requerente sublinha que os factos que lhe são imputados foram denunciados entre dois a cinco anos após a sua suposta concretização e quinze meses após a sua partida da delegação onde os mesmos teriam ocorrido, o que é incompatível com a própria noção de assédio sexual. O requerente considera, aliás, que existe desproporção flagrante entre os factos imputados e a sanção aplicada, quando os mesmos não foram provados claramente e de modo irrefutável pela AIPN, a qual ignorou numerosos testemunhos e elementos dos autos que apontam no sentido de que os comportamentos em discussão não ocorreram. Daí se infere, na opinião do requerente, que, ao adoptar a sanção que, na prática, é a mais grave, pois não pode beneficiar de qualquer pensão, a AIPN infringiu a recomendação já referida, que prevê o princípio de um escalonamento de penas.

21 Considera o requerente, por último, que a decisão impugnada viola o princípio de que um acto apenas é punível se cometido por uma pessoa reconhecida como responsável dos seus actos. Sublinha, a este propósito, que a peritagem médica que tinha solicitado ao Conselho de Disciplina, para que fosse fixado o seu grau de eventual responsabilidade, lhe foi recusada com a justificação de que aparentemente não se verificava qualquer perturbação psíquica. Ora, a simples leitura dos factos que lhe foram imputados, a supô-los verdadeiros, seria de molde a demonstrar exactamente o contrário.

22 Quanto às razões da urgência, o requerente alega que a decisão impugnada implica um prejuízo grave e irreparável, tanto de ordem pecuniária como na sua reputação, honra e dignidade.

23 No que concerne ao prejuízo pecuniário, o requerente sublinha, desde logo, que, a partir de 1 de Dezembro de 1993, ficará sem trabalho e sem qualquer remuneração. Além disso, na medida em que é funcionário da Comissão há menos de dez anos, não pode receber qualquer pensão, mas simplesmente obter o reembolso das suas cotizações pessoais para a pensão. De acordo com as informações de que dispõe, tratar-se-ia de um montante da ordem de 1 000 000 BFR. Ora, atentas as numerosas despesas que deve suportar e em especial as ligadas, por um lado, à sua defesa no presente processo e, por outro, aos estudos que um dos seus filhos segue no Reino Unido, considera que ficará brevemente sem recursos, vendo-se constrangido a desfazer-se, em condições necessariamente más, de parte do seu património familiar.

24 Salienta o requerente, aliás, que, se a decisão cuja suspensão é pedida produzisse imediatamente efeitos em 1 de Dezembro de 1993, já não lhe seria, virtualmente, possível ser reintegrado, dentro de meses, ou até anos, no lugar que ocupa, quer na medida em que o lugar será necessariamente ocupado por outra pessoa para o mesmo nomeada, quer porque não será mais credível perante países terceiros ou a própria delegação.

25 Quanto ao ataque à sua reputação, honra e dignidade, o requerente alega que se trata de um prejuízo totalmente irreparável, porque, mesmo que ulteriormente a decisão impugnada seja anulada, a sua demissão e os motivos da mesma serão conhecidos pelo conjunto dos funcionários das Comunidades Europeias e os chefes das outras delegações, ou mesmo por pessoas estranhas às instituições comunitárias.

26 A Comissão considera, por seu turno, que as condições que justificam a concessão das medidas provisórias requeridas não estão reunidas no caso em apreço.

27 No que concerne ao fumus boni juris, a Comissão alega que os fundamentos e argumentos invocados pelo requerente não parecem, à primeira vista, fundados. Salienta, em especial, que, de acordo com a jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, o prazo de um mês previsto no artigo 7. do anexo IX do Estatuto não é peremptório e que, atentas as circunstâncias do caso vertente, a decisão final da AIPN foi tomada num prazo razoável. Quanto ao fundamento de a decisão final ter sido adoptada mais de quatro meses após o requerente ter sido suspenso, entende a Comissão que não se trata de uma irregularidade substancial susceptível de implicar a anulação da decisão em litígio. A requerida considera, a esse propósito, que a única "sanção" imposta pelos terceiro e quarto parágrafos do artigo 88. do Estatuto, no caso de ter sido ultrapassado o prazo de quatro meses, é o recebimento, novamente, pelo interessado da sua remuneração e das retenções eventualmente feitas. Ora, a decisão de suspensão do requerente previa, expressamente, que este continuaria a receber a remuneração durante o período de suspensão. Sublinha a Comissão que, de todo o modo, não lhe pode ser imputado o facto de se ter atrasado na adopção da decisão final, quando, por um lado, o prazo de quatro meses foi apenas ultrapassado em três dias e, por outro lado, tal resultou de se ter procurado assegurar da protecção máxima dos direitos da defesa, organizando, designadamente, a acareação pedida pelo requerente.

28 A Comissão considera também que o facto de o Conselho de Disciplina não ter tomado em consideração, aquando do seu parecer, o conjunto dos elementos dos autos, em especial, os resultantes da acareação entre o requerente e as queixosas, não constitui ilegalidade susceptível de ferir de irregularidade o processo e a decisão final. A requerida lembra, a esse propósito, que o Conselho de Disciplina, considerando-se suficientemente informado, tinha decidido não proceder à acareação entre as partes e não ordenar o exame médico do requerente. Acrescenta que a AIPN não estava obrigada a fazer essa acareação e, de todo o modo, esta não trouxe qualquer elemento novo.

29 A requerida alega também que o fundamento assente em pretenso erro de qualificação, como assédio sexual, dos comportamentos imputados ao requerente não é válido. Além de que, de qualquer modo, a qualificação jurídica dos comportamentos imputados é secundária perante a realidade fáctica, a Comissão adiantou que não se pode negar, no caso em apreço, a existência de subordinação hierárquica.

30 Quanto ao fundamento assente na ausência de indicação do escalonamento das penas susceptíveis de serem aplicadas em tais casos, a requerida, após ter sublinhado que a recomendação da Comissão de 27 de Novembro de 1991 não tem carácter imperativo, alega, por um lado, que o Estatuto não prevê um escalonamento de penas fixas em relação a uma determinada infracção disciplinar e, por outro lado, que, em tais circunstâncias, a imposição dessa obrigação à AIPN significaria negar o princípio segundo o qual lhe incumbe determinar a sanção disciplinar, uma vez demonstrada a realidade dos factos imputados ao funcionário.

31 Quanto à urgência, a Comissão é de opinião de que o requerente não demonstrou a existência de um risco de prejuízo grave e irreparável.

32 Quanto, por um lado, ao prejuízo pecuniário invocado, a requerida salienta que, no caso de eventual anulação da decisão em litígio pelo Tribunal de Primeira Instância, o requerente teria direito ao pagamento dos montantes que deveria receber desde 1 de Dezembro de 1993 até à sua reintegração. A requerida acrescenta que, em todo o caso, o requerente receberá, desde logo, um montante de aproximadamente 1 300 000 BFR, correspondente às cotizações que pagou, durante o período em que prestou serviço na Comissão como funcionário, para obter o direito à pensão. Além disso, terá direito, de acordo com a Comissão, a uma pensão belga quando atinja 62 anos de idade. A Comissão entende, por último, que o requerente não demonstrou que se via constrangido a efectuar a venda de bens do seu património familiar enquanto aguardava a decisão quanto ao mérito. No que concerne, em especial, às despesas ligadas aos estudos que o seu filho segue no Reino Unido, a requerida sublinha que recebe uma bolsa do Governo do Reino Unido e que está alojado pela Universidade de Sussex mediante o pagamento de 350 UKL. Na audiência, a Comissão acrescentou ainda que, além do montante correspondente à sua cotização para a pensão, o requerente deve igualmente receber um montante aproximado de 1 000 000 BFR a título de dias de férias não gozados. De acordo com um documento transmitido pela Comissão ao Tribunal em 19 de Novembro de 1993, trata-se de um montante de 1 086 828 BFR, correspondente a 86 dias de férias não gozadas pelo requerente no momento da cessação de funções.

33 Tratando-se, por outro lado, do prejuízo não patrimonial, a requerida alega que, quer ao nível da administração quer ao da sua hierarquia, o presente caso foi tratado criteriosamente, de modo a obviar a qualquer circunstância susceptível de atentar contra a imagem, a reputação e a dignidade profissional do requerente. Além disso, a Comissão sublinha que a própria credibilidade da instituição, designadamente junto de países terceiros onde o requerente exerceu as suas funções, se opunha a qualquer divulgação pública deste processo. A requerida considera, por último, quanto à invocação da impossibilidade de o requerente voltar a ocupar funções de chefe de delegação no caso de o Tribunal vir a julgar procedente o recurso, que, sem excluir que o requerente possa ser reintegrado nas suas antigas funções, resulta de jurisprudência assente que um funcionário não pode pretender ver ser-lhe atribuído ou mantido determinado lugar, dispondo as instituições de um largo poder de apreciação na organização dos seus serviços e na afectação do pessoal que se encontra à sua disposição.

Apreciação do Tribunal

Quanto à existência de um fumus boni juris

34 A fim de demonstrar a existência de um fumus boni juris, cabe ao Tribunal verificar se, atentas as circunstâncias de facto e de direito do caso em apreço, os fundamentos e argumentos que o requerente invoca em apoio do recurso de anulação perante o Tribunal revestem carácter de seriedade.

35 A esse propósito, importa constatar, em primeiro lugar, que a decisão contestada se limita a declarar que é imputado ao requerente "ter assediado sexualmente ° durante o período em que era delegado da Comissão em (omissis) ° agentes locais femininos", sem todavia adiantar qualquer outra especificação quanto a locais, circunstâncias, duração e regularidade dos factos constitutivos da falta disciplinar.

36 Em segundo lugar, importa observar que, de acordo com a decisão impugnada, os factos em discussão foram salientados pelos depoimentos das queixosas e por estas confirmados quer no inquérito desenvolvido no quadro do processo disciplinar quer aquando da acareação com o requerente. A decisão, pelo contrário, não faz qualquer referência aos testemunhos obtidos no decurso do processo disciplinar, susceptíveis de confirmar ou infirmar os depoimentos das queixosas.

37 Em terceiro lugar, cabe sublinhar que a decisão impugnada é muito sumária no que concerne às considerações que levaram a AIPN a adoptar a sanção escolhida, quando, no caso em apreço, se trata de uma das mais graves sanções disciplinares, ou seja, a demissão, sem supressão do direito à pensão de aposentação. A decisão limita-se, com efeito, por um lado, a qualificar os factos em discussão de "falta muito grave" e de "delito de direito comum", sem todavia especificar qual, e, por outro lado, a declarar que a qualidade do trabalho do requerente "não tem qualquer influência relativamente aos factos que lhe são imputados" e que "nem o seu estado de saúde nem qualquer outra circunstância permitem, em caso algum, desculpá-lo".

38 Ora, de acordo com jurisprudência constante (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1990, González Holguera/Parlamento, T-115/89, Colect., p. II-831, n.os 42 a 45), a obrigação de fundamentar qualquer decisão individual tomada em aplicação do Estatuto visa, por um lado, fornecer ao interessado os dados necessários para saber se a decisão é ou não fundada e, por outro, tornar possível o controlo jurisdicional. Para que o Tribunal possa exercer este controlo, é indispensável que os considerandos da decisão que comina uma sanção disciplinar especifiquem os factos concretos imputados ao funcionário, bem como as considerações que levaram a AIPN a adoptar a sanção escolhida (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, Recueil, p. 275).

39 Importa salientar, aliás, que, posteriormente ao parecer fundamentado do Conselho de Disciplina, a AIPN decidiu efectuar uma acareação entre o requerente e as queixosas. Todavia, decidiu não submeter novamente a questão ao Conselho de Disciplina após a acareação. Daí resulta, por um lado, que o requerente não pôde assim apresentar, perante o Conselho de Disciplina, as suas observações escritas ou orais sobre uma parte dos resultados do inquérito a que a AIPN procedeu e, por outro, que o Conselho de Disciplina não dispunha da totalidade dos elementos do processo disciplinar quando emitiu o seu parecer fundamentado.

40 Atento o que precede e sem antecipada apreciação da legalidade ou ilegalidade do acto recorrido, o Tribunal considera, tanto em matéria de avaliação da prova e da qualificação dos factos pela AIPN como do respeito dos direitos da defesa no decurso do processo disciplinar, que os elementos de que dispõe na fase actual do processo constituem uma base séria para os argumentos apresentados pelo requerente para fundamentar o recurso de anulação da decisão atacada.

41 Há, por conseguinte, que apreciar se a decisão impugnada é susceptível de implicar um risco de prejuízo grave e irreparável para o requerente, que justifique a suspensão da execução do acto impugnado ou a adopção de outras medidas provisórias.

Quanto ao risco de prejuízo grave e irreparável

42 Resulta de jurisprudência constante (v. despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Maio de 1993, CMBT/Comissão, T-24/93 R, Colect., p. II-543, n. 31) que o carácter urgente de uma providência cautelar deve ser apreciado relativamente à necessidade que existia de decidir provisoriamente, com o objectivo de evitar que a parte que pede a medida provisória sofra um prejuízo grave e irreparável. É à parte que requer a suspensão da execução da decisão que incumbe fazer prova de que não pode esperar pelo fim do processo principal, sem com isso sofrer um prejuízo que implicaria consequências graves e irreparáveis para ela.

43 Tratando-se, por um lado, do prejuízo que resulta da ofensa à sua reputação, honra e dignidade, cabe salientar, a título preliminar, que, sendo um prejuízo não patrimonial, é difícil ao Tribunal apreciar o carácter irreparável ou dificilmente reparável deste prejuízo. Nestas circunstâncias, o Tribunal deve proceder a uma ponderação cuidada dos interesses das partes, por forma a estabelecer se há que adoptar ou não as medidas provisórias solicitadas. A esse propósito, incumbe-lhe pesar, por um lado, o prejuízo grave e irreparável alegado pelo requerente e, por outro, o interesse da Comissão em não lhe ser imposta a continuação de uma relação laboral numa situação em que o funcionário foi demitido, devido a falta qualificada de extremamente grave, no termo de um processo disciplinar.

44 No caso em apreço, importa salientar que o prejuízo alegado pelo requerente, resultante da ofensa à sua reputação, honra e dignidade, a admiti-lo provado, já se verificou no essencial. A esse propósito, quanto, em particular, à impossibilidade, invocada pelo requerente, de retomar as suas funções no seio da delegação da Comissão em (omissis), mesmo no caso de anulação ulterior da decisão, pelo facto de a demissão ser conhecida de todos, basta lembrar que o requerente foi suspenso das suas funções enquanto chefe da delegação da Comissão em (omissis) desde 28 de Maio de 1993 e já efectuou a mudança dos seus objectos pessoais de (omissis) para (omissis). De todo o modo, a eventual suspensão da execução da decisão impugnada não pode restabelecer a reputação, a honra e a dignidade do requerente, mais do que o fará, no futuro, uma eventual anulação da decisão no termo do processo principal.

45 Tratando-se, por outro lado, do prejuízo pecuniário invocado pelo requerente, importa salientar que, de acordo com jurisprudência assente (v., em último lugar, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 1993, Hogan/Tribunal de Justiça, T-497/93 R II, Colect., p. II-1005), um prejuízo de ordem puramente pecuniária não pode, em princípio, ser considerado como irreparável, ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode ser objecto de uma compensação financeira ulterior.

46 No caso vertente, importa observar que, em caso de eventual anulação pelo Tribunal da decisão impugnada, o requerente terá direito ao pagamento de todos os montantes que deveria ter recebido a partir de 1 de Dezembro de 1993 até à sua reintegração.

47 Cabe, todavia, ao Tribunal apreciar, em função das circunstâncias próprias de cada caso, se a execução imediata da decisão pode causar ao requerente um prejuízo grave e iminente, que mesmo a anulação da decisão no termo do processo principal já não poderá reparar.

48 A esse propósito, importa sublinhar que, com a aplicação efectiva da decisão impugnada, o requerente receberá um montante de 1 326 536 BFR a título de reembolso das cotizações que pagou para ter direito à pensão de aposentação, a que acresce o montante de 1 086 828 BFR, correspondente ao saldo dos dias de férias não gozados, ou seja, aproximadamente, o montante global de 2 400 000 BFR.

49 Este montante, que corresponde aproximadamente a oito remunerações-base de um funcionário classificado no grau e escalão do requerente (A 4, escalão 5, 308 681 BFR), deve normalmente permitir-lhe fazer face às despesas necessárias para assegurar a satisfação das suas necessidades e as da sua família até que o Tribunal decida do recurso no processo principal. Daí resulta que, diferentemente do que o Tribunal de Justiça declarou nos seus despachos de 3 de Julho de 1984 (despacho do presidente da Terceira Secção, De Compte/Parlamento, 141/84 R, Recueil, p. 2575), e de 13 de Abril de 1987 (despacho do presidente da Quarta Secção, C. W./Tribunal de Contas, 90/87 R, Colect., p. 1801), a execução da decisão impugnada não implicaria, à primeira vista, na esfera do requerente, um prejuízo pecuniário grave e iminente.

50 De todo o modo, importa observar que, por força do artigo 108. do Regulamento de Processo, um despacho de medidas provisórias pode a qualquer momento, a pedido de uma das partes, ser alterado ou revogado na sequência de uma modificação de circunstâncias. Caberá, sendo caso disso, ao requerente dirigir-se ao Tribunal se se encontrar, devido a eventual morosidade do processo, numa situação financeira susceptível de lhe causar um prejuízo iminente que não pode aguardar a decisão no processo principal.

51 Nessas condições, é de negar provimento, nesta fase, ao pedido de suspensão da execução da decisão impugnada.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1) O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 30 de Novembro de 1993.

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