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Document 61993TO0021

    Despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 1993.
    Carlos Afonso Camarinha Lobão Peixoto contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Processo de medidas provisórias - Suspensão da execução - Condições de concessão.
    Processo T-21/93 R.

    Colectânea de Jurisprudência 1993 II-00463

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1993:36

    61993B0021

    DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA DE 5 DE ABRIL DE 1993. - CARLOS AFONSO CAMARINHA LOBAO PEIXOTO CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - PROCESSO DE MEDIDAS PROVISORIAS - SUSPENSAO DA EXECUCAO - REGRAS DE CONCESSAO. - PROCESSO T-21/93 R.

    Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-00463


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Processo de medidas provisórias ° Suspensão da execução ° Condições de concessão ° "Fumus boni juris" ° Sanção disciplinar aplicada pela entidade competente para proceder a nomeações mais gravosa do que a proposta pelo conselho de disciplina se bem que baseada na mesma apreciação dos factos

    (Tratado CEE, artigo 185. ; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104. , n. 2)

    2. Processo de medidas provisórias ° Suspensão da execução ° Condições de concessão ° Prejuízo grave e irreparável ° Prejuízo pecuniário ° Prejuízo não patrimonial ° Ponderação do conjunto dos interesses em causa ° Sanção disciplinar muito posterior aos factos imputados

    (Tratado CEE, artigo 185. ; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104. , n. 2)

    Sumário


    1. Tratando-se da suspensão da execução de uma decisão que aplica uma sanção disciplinar a um funcionário, encontra-se satisfeita a condição relativa à existência de um fumus boni juris num caso em que a entidade competente para proceder a nomeações, sem contestar a apreciação dos factos constantes do parecer fundamentado do conselho de disciplina, aplicou uma sanção mais gravosa do que a proposta por este último, e em que a qualificação dos factos efectuada pela entidade competente para proceder a nomeações na decisão impugnada suscita, à primeira vista ° e sem que se possa, nesta fase, prejudicar-se da decisão quanto à sua legalidade ou ilegalidade °, dúvidas sérias.

    2. Atendendo à condição de concessão da suspensão da execução relativa ao risco de quem a solicita sofrer um prejuízo grave e irreparável, um prejuízo meramente pecuniário não pode, em princípio, ser considerado irreparável, ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode ser objecto de uma compensação financeira posterior. Cabe todavia ao juiz chamado a decidir das medidas provisórias examinar, tendo em conta o interesse que tem para a instituição a execução do acto impugnado, as circunstâncias específicas de cada caso e apreciar, em função das mesmas, se o requerente sofre um prejuízo que não possa ser reparado mesmo que a decisão venha a ser anulada no âmbito do processo principal.

    A este respeito, não se pode considerar que uma diminuição do seu rendimento mensal de cerca de 12%, que um funcionário sofre devido à sua retrogradação, constitui um prejuízo grave e irreparável, dado que, se o pedido no processo principal for considerado procedente, o requerente recuperaria a diferença de remuneração resultante da sua retrogradação.

    Em contrapartida, no que diz respeito tanto ao prejuízo resultante do facto de terem sido postas em causa a dignidade e a seriedade profissionais do funcionário, como ao resultante do agravamento do seu estado psicológico, há que admitir que, quando é mais de cinco anos após um ilícito disciplinar, qualificado de extrema gravidade, e do seu conhecimento há mais de quatro anos antes da abertura do processo disciplinar, que a entidade competente para proceder a nomeações, que com efeito não está sujeita a qualquer prazo de prescrição fixado na matéria, aplicou uma sanção, os interesses do funcionário são preponderantes quando comparados com os da instituição que lhe aplicou a sanção.

    Partes


    No processo T-21/93 R,

    Carlos Afonso Camarinha Lobão Peixoto, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, representado por Américo Thomatti, advogado em Lisboa, com escritório na Rua do Alecrim, 46 S/L,

    requerente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ana Maria Alves Vieira, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    requerida,

    que tem por objecto um pedido de suspensão da execução da decisão de 27 de Novembro de 1992 pela qual a requerida aplicou ao requerente a sanção disciplinar de retrogradação prevista no artigo 86. , n. 2, alínea e), do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias,

    O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

    profere o presente

    Despacho

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Matéria de facto e tramitação processual

    1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 1 de Março de 1993, o requerente interpôs, nos termos do artigo 91. , n. 4, do Estatuto, um recurso de anulação da decisão da requerida de 27 de Novembro de 1992 que lhe aplicou a sanção disciplinar de retrogradação prevista no artigo 86. , n. 2, alínea e), do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir "Estatuto").

    2 Por requerimento separado, que deu entrada na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, o requerente apresentou igualmente, nos termos do artigo 91. , n. 4, do Estatuto, um pedido de medidas provisórias de suspensão do acto recorrido.

    3 A requerida apresentou as suas observações escritas em 12 de Março de 1993. As partes foram ouvidas nas suas alegações orais em 18 de Março de 1993.

    4 Por despacho de 19 de Março de 1993, o presidente do Tribunal ordenou à Comissão que comunicasse ao Tribunal cópia dos autos do processo disciplinar movido contra o ora requerente.

    5 Antes de examinar se o presente pedido de medidas provisórias é procedente, convém recordar brevemente os antecedentes do litígio, face ao conteúdo dos articulados apresentados pelas partes e das alegações orais por estas proferidas, bem como dos autos de processo disciplinar.

    6 Em finais de Outubro de 1987, o requerente, então funcionário estagiário da Comissão, pediu, e obteve, alguns dias de licença para se deslocar a Portugal e aí tratar de um problema pessoal e urgente. Este problema estava relacionado com a alegada participação do requerente num delito de tráfico de estupefacientes.

    7 Logo após a sua chegada a Lisboa, no dia 2 de Novembro de 1987, o requerente foi consultar um médico. Este passou-lhe um atestado, declarando-o incapacitado para o trabalho por tempo indeterminado. O referido atestado foi enviado à Comissão pelo cônjuge do requerente, tendo dado entrada nos serviços daquela instituição em 12 de Novembro de 1987.

    8 Na tarde do referido dia 2 de Novembro, o requerente apresentou-se nas instalações da Polícia Judiciária, tendo sido detido em cumprimento de um mandado de captura emitido, na mesma data, pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Na manhã seguinte, o requerente foi presente ao juiz deste Tribunal que ordenou a sua prisão preventiva, em situação de incomunicabilidade, por considerar haver indícios bastantes de o arguido estar envolvido como co-participante num ilícito penal por tráfico de estupefacientes. A referida situação de incomunicabilidade prolongou-se durante cerca de três semanas. Os autos foram remetidos à Polícia Judiciária com a seguinte anotação: "... proceda a secção de investigação às diligências mais urgentes de modo a apurar-se a intervenção dolosa do arguido nos factos destes autos ou outros a eles conducentes, devendo ser prestado no prazo acima referido (oito dias), informação sobre a situação prisional de incomunicabilidade do arguido, atendendo a que o mesmo se encontra colocado em organismo da CEE e a prorrogação da situação actual do mesmo sem absoluta necessidade (pode) vir a causar prejuízos irreparáveis".

    9 Prologando-se a ausência do requerente, a Comissão enviou para a sua residência em Sacavém, em 18 de Dezembro de 1987, um telegrama solicitando a apresentação daquele a uma visita médica de controlo em Lisboa. O requerente, que se encontrava ainda em situação de prisão preventiva, não compareceu a essa visita.

    10 Em 12 de Janeiro de 1988, o advogado do requerente requereu ao Tribunal de Instrução Criminal que informasse a Comissão da situação de prisão preventiva em que aquele se encontrava, informação essa que veio a ser comunicada ao Gabinete de Imprensa e Informação da Comissão em Lisboa a 22 de Janeiro de 1988.

    11 Por decisão de 24 de Fevereiro de 1988 da entidade competente para proceder a nomeações (a seguir "ECPN"), o requerente foi suspenso das suas funções, nos termos do disposto no artigo 88. do Estatuto. Em 26 de Março de 1988, o juiz do Tribunal de Instrução Criminal, por julgar não se justificar a medida de prisão preventiva, ordenou que o requerente fosse imediatamente restituído à liberdade, com a obrigação de se apresentar na embaixada ou representação diplomática de Portugal existente no seu local de trabalho no primeiro dia útil de cada mês, durante seis meses. Por decisão de 8 de Abril de 1988, a ECPN pôs fim à suspensão do requerente com efeitos a partir do dia 5 de Abril do mesmo ano.

    12 Por acórdão de 14 de Maio de 1990 do Tribunal Criminal de Lisboa (4. Juízo), foi o requerente condenado na pena de quatro meses de prisão e 100 000 ESC de multa por ter actuado com negligência inconsciente num crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido mandado em liberdade por já haver cumprido preventivamente a pena que lhe foi imposta.

    13 Em 30 de Março de 1992, a ECPN decidiu instaurar um processo disciplinar contra o requerente acusando-o de haver prestado falsas declarações ao justificar, através de um atestado médico, a sua ausência do serviço por razões de saúde, quando na realidade se encontrava detido por ordem do juiz do Tribunal de Instrução Criminal.

    14 O conselho de disciplina emitiu o seu parecer fundamentado em 2 de Outubro de 1992, propondo que ao requerente fosse aplicada a sanção disciplinar de repreensão, prevista no artigo 86. , n. 2, alínea b), do Estatuto. No entender do conselho de disciplina, não estava provado que o atestado médico tivesse sido enviado à Comissão após a prisão do requerente, não sendo assim possível imputar-lhe falsas declarações. Contudo, ao não ter dado cumprimento, entre os dias 18 de Dezembro de 1987 e 22 de Janeiro de 1988, à obrigação de informar a instituição dos motivos da sua ausência do serviço, o requerente teria violado as obrigações estatutárias, em particular as que lhe são impostas pelo artigo 59. , n. 1, segundo parágrafo, do Estatuto.

    15 Por decisão de 27 de Novembro de 1992, a ECPN considerou ter o requerente cometido um ilícito disciplinar de falsas declarações e aplicou-lhe a sanção disciplinar de retrogradação do grau B 3, escalão 5, ao grau B 4, escalão 5, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1992. Na sua decisão, a ECPN considera que, no momento em que foi preparada a comunicação à Comissão do atestado médico, o requerente devia estar consciente que a sua ausência eventual do serviço após a licença que lhe fora concedida não seria devida a razões de saúde, e que aquele se absteve deliberadamente de comunicar à instituição as verdadeiras razões da sua ausência do serviço. Mais considera a ECPN que, no final da situação de incomunicabilidade a que esteve submetido, o requerente deveria ter informado a Comissão que o atestado médico não correspondia à verdade, ou, pelo menos, certificar-se que a polícia havia efectivamente comunicado à Comissão a sua detenção. Em todo o caso, não obstante o requerente ter tomado conhecimento, em 18 de Dezembro de 1987, que a Comissão não havia sido informada pelas autoridades portuguesas da sua detenção, só veio a reagir a 12 de Janeiro seguinte, deixando assim, conscientemente, a Comissão na convicção de que a sua ausência seria devida a motivos de saúde. No entender da ECPN, acresce ainda que o requerente assinou e nunca contestou a decisão de suspensão de 24 de Fevereiro de 1988 que o acusava já de ter querido esconder que a sua ausência não era devida a razões de saúde. Tal facto ° que não foi tomado em consideração pelo conselho de disciplina no seu parecer fundamentado ° implica que não possa ser visado apenas o período de 18 de Dezembro de 1987 a 12 de Janeiro de 1988 como referência para a violação do dever de informação.

    Quanto ao mérito

    16 Nos termos conjugados dos artigos 185. e 186. do Tratado CEE, os recursos perante o Tribunal não têm efeito suspensivo. Todavia, o Tribunal pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado, se considerar que as circunstâncias o exigem, ou adoptar as medidas provisórias necessárias.

    17 Nos termos do artigo 104. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal, os pedidos de suspensão da execução de actos de uma instituição devem especificar o objecto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida.

    Argumentos das partes

    18 Alega o requerente que a sanção disciplinar de retrogradação que lhe foi aplicada o coloca numa situação de profundo vexame perante os seus colegas e superiores hierárquicos, para além do prejuízo económico e das expectativas que foi criando relativamente à sua carreira profissional, o que lhe tem causado problemas de ordem não só material como emocional. Segundo o requerente, o prejuízo económico por ele sofrido resulta não apenas da perda de salário directamente decorrente da sanção disciplinar de retrogradação, mas também do facto de não haver sido proposto, como o foram todos os seus colegas, para a promoção ao grau superior.

    19 Mais considera o requerente que, nada tendo sido dado como provado quanto à prestação de falsas declarações de que foi acusado em sede de processo disciplinar, o período de tempo que decorrerá até que o Tribunal se pronuncie sobre o recurso de anulação interposto no processo principal vem agravar ainda mais o seu estado psicológico, já bastante afectado, por estarem postas em causa não apenas a sua vida familiar e a sua situação económica, mas também a sua dignidade e seriedade profissionais.

    20 No entender do requerente, a decisão recorrida, ao alhear-se de relevantes documentos de prova e ao assentar em considerandos que contradizem a prova constante do processo disciplinar, enferma de vício de falta de fundamentação, além de vício de violação da lei.

    21 A Comissão, por seu lado, invocando uma jurisprudência constante do Tribunal, contesta que o prejuízo pecuniário invocado pelo requerente constitua um prejuízo grave ou irreparável de natureza a justificar as medidas provisórias solicitadas, já que se o recurso principal vier a ser julgado procedente o requerente virá a receber a diferença de salário decorrente da sua retrogradação. A requerida considera igualmente que o prejuízo alegado pelo requerente relativamente à sua não promoção não depende, de modo algum, da decisão ora recorrida e salienta a este propósito que o requerente nunca contestou, quer através de reclamação, quer por via contenciosa, uma tal ausência de promoção, não lhe sendo assim lícito vir agora prevalecer-se do eventual prejuízo pecuniário daí resultante.

    22 A Comissão alega, por outro lado, que nenhum dos fundamentos invocados pelo requerente no recurso principal é procedente. No entender da requerida, a decisão indica de forma exaustiva os fundamentos de facto e de direito que levaram a ECPN a aplicar a sanção disciplinar de retrogradação, bem como as razões que a levaram a afastar-se do parecer do conselho de disciplina e a aplicar, dada a extrema gravidade dos factos imputados ao requerente, uma sanção mais gravosa do que aquela que havia sido proposta por aquele conselho.

    Sobre a existência de um "fumus boni juris"

    23 Resulta dos autos que o conselho de disciplina se pronunciou por uma sanção mais moderada do que aquela que veio a ser aplicada pela ECPN, ao considerar como não provado que o atestado médico tivesse sido enviado à Comissão depois da detenção do requerente no dia 2 de Novembro de 1987, não podendo por isso ser-lhe imputado um ilícito de falsas declarações. Na sua decisão, a ECPN, sem contraditar a apreciação factual constante do parecer fundamentado do conselho de disciplina, afasta-se do entendimento deste, para tanto invocando essencialmente, por um lado, que no momento em que foi preparada a comunicação à Comissão do atestado médico, o requerente devia estar consciente que a sua ausência eventual do serviço após a licença que lhe fora concedida não seria devida a razões de saúde e, por outro lado, que o requerente assinou e nunca contestou a decisão de suspensão de 24 de Fevereiro de 1988 que o acusava já de ter querido esconder que a sua ausência não era devida a razões de saúde.

    24 A qualificação dos factos operada pela ECPN na decisão ora recorrida suscita, à primeira vista ° e sem que possa, nesta fase, prejudicar-se da decisão quanto à sua legalidade ou ilegalidade °, dúvidas sérias.

    25 Com efeito, e vistos os elementos de que dispõe este juiz, nada nos autos permite inferir que o requerente soubesse ou devesse saber que seria imediatamente detido após a sua apresentação voluntária, em 2 de Novembro de 1987, nas instalações da Polícia Judiciária, tanto mais que o despacho de pronúncia e o mandado de captura datam apenas desse mesmo dia 2 de Novembro. Por outro lado, a falta de contestação da decisão que suspendeu o requerente não parece permitir, por si só, tirar quaisquer ilações, já que a suspensão foi levantada antes de decorrido o prazo para a contestação da mesma.

    26 Acresce, ainda, que resulta do despacho do juiz de instrução criminal mencionado no ponto 8, ter este ordenado à Polícia Judiciária que fosse prestada informação sobre a situação prisional de incomunicabilidade do ora requerente. Ganha, assim, plausibilidade a alegação do requerente de que estava convencido que tal informação havia sido prestada à Comissão e que só a 18 de Dezembro de 1987, data do telegrama que o convoca para uma visita médica de controlo, tomou conhecimento de que tal não correspondia à realidade. Por outro lado, tendo em conta a situação de prisão preventiva do requerente e a ocorrência das férias judiciais de Natal, não parece que o período de cerca de três semanas que decorreu até que o seu advogado requeresse ao Tribunal que notificasse a Comissão da situação prisional do requerente, permita inferir que este pretendeu deliberadamente esconder à Comissão os verdadeiros motivos da sua ausência do serviço.

    27 Resulta do que precede que os elementos fornecidos a este juiz, na presente fase do processo, são de molde a dar um fundamento sério às alegações apresentadas pelo requerente em apoio do seu pedido de anulação da decisão recorrida.

    Sobre o risco de prejuízo grave e irreparável

    28 É de jurisprudência constante (v., por último, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Março de 1993, Hogan/Parlamento, T-115/92 R, Colect., p. II-339), que um prejuízo de natureza estritamente pecuniária não pode, em princípio, ser considerado irreparável, ou mesmo dificilmente reparável, quando possa ser objecto de uma compensação financeira posterior. Cabe, todavia, ao juiz examinar, tendo em conta o interesse que a instituição em causa tem na execução da decisão recorrida, as circunstâncias específicas de cada caso concreto e apreciar, em função disso, se a decisão causa ao requerente um prejuízo que não possa ser reparado mesmo que a decisão venha a ser anulada no âmbito do processo principal.

    29 A este propósito, deverá salientar-se, em primeiro lugar, que o prejuízo pecuniário invocado pelo requerente, como resultado da sua retrogradação, representa cerca de 12% do seu vencimento mensal. Um tal prejuízo pecuniário, apesar das eventuais dificuldades que possa acarretar, não constitui um prejuízo grave ou irreparável, já que se o recurso principal vier a ser declarado procedente, o requerente virá a receber as diferenças salariais resultantes da sua retrogradação.

    30 Convém recordar, em segundo lugar, que o requerente alega um prejuízo pecuniário resultante da sua não promoção em 1992. Cabe aqui referir que, segundo as próprias alegações do requerente, a sua promoção deveria ter ocorrido, como a de todos os seus colegas, em 1991, com efeitos a partir de Janeiro de 1992. Resulta do exposto que, em todo o caso, a não promoção do requerente é anterior não apenas à sanção disciplinar que lhe foi aplicada, mas também à própria abertura do processo disciplinar, e que, por conseguinte, o prejuízo alegado não se reporta, de forma alguma, à decisão ora recorrida.

    31 O requerente invoca, finalmente, os prejuízos resultantes do atentado à sua dignidade e seriedade profissionais, bem como do agravamento do seu estado psicológico resultante da situação de profundo vexame perante os seus colegas e superiores hierárquicos.

    32 A este propósito, deve salientar-se que o ilícito disciplinar de falsas declarações, que veio a dar origem ao processo disciplinar movido ao requerente em 30 de Março de 1992 e, posteriormente, à sanção de retrogradação que lhe foi aplicada, remonta a Novembro de 1987 e era do conhecimento da ECPN pelo menos desde 22 de Janeiro de 1988. Decorreram, assim, mais de quatro anos e dois meses entre o conhecimento do ilícito e a abertura do processo disciplinar.

    33 No decurso deste período, o requerente esteve preso preventivamente cerca de cinco meses entre Novembro de 1987 e Março de 1988, e foi posteriormente condenado, como acima se referiu, por ter actuado com negligência inconsciente num crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido mandado em liberdade por já haver cumprido preventivamente a pena que lhe foi imposta.

    34 Ainda no decorrer deste período, o requerente foi nomeado funcionário titular da Comissão no grau B 3, a partir de 1 de Novembro de 1988, com base num relatório de fim de estágio ° o qual havia sido prolongado para tomar em consideração o seu período de ausência por se encontrar detido ° que continha referências elogiosas dos seus superiores hierárquicos. Desde então, tem o requerente continuado a exercer as suas funções no seio da Direcção-Geral XXI, "União aduaneira e fiscalidade indirecta", da Comissão.

    35 É certo que o Estatuto, ao regulamentar nos artigos 86. a 89. e no anexo IX o regime disciplinar aplicável aos funcionários comunitários, não prevê qualquer prazo de prescrição para a instauração de processos disciplinares aos funcionários acusados de não terem cumprido as suas obrigações estatutárias. Tal não significa, contudo, que o lapso de tempo decorrido entre a verificação do ilícito e a abertura do respectivo processo disciplinar não deva ser tomada em consideração pelo juiz, mormente no quadro de um processo visando obter a suspensão da executoriedade do acto impugnado.

    36 Justifica-se, pois, face ao que acabou de ser dito, uma ponderação cuidada dos interesses das partes.

    37 É inegável que a decisão recorrida sanciona o requerente por um ilícito disciplinar, qualificado de extrema gravidade, cometido há mais de cinco anos e conhecido da ECPN há mais de quatro anos à data da abertura do processo disciplinar. Acresce que, dada a suspensão do processo relativo ao recurso principal, nos termos do artigo 91. , n. 4, do Estatuto, até que venha a ser proferida uma decisão explícita ou implícita de indeferimento da reclamação, a manutenção dos efeitos do acto recorrido até à decisão final do Tribunal poderá prolongar-se ainda por muito tempo. Tal facto é susceptível de afectar o requerente de forma sensível, pondo de novo em causa a sua dignidade e seriedade profissionais e contribuindo eventualmente para a agravação do seu estado psicológico.

    38 É certo que, tratando-se de um prejuízo de natureza não patrimonial, difícil será ao juiz aferir, em sede de medidas provisórias, da irreparabilidade ou dificuldade de reparação de tal prejuízo. Mas cabe aqui referir, igualmente, que, atento o já longo período decorrido desde o ilícito disciplinar imputado ao requerente, a eventualidade de uma suspensão da sanção disciplinar, até que o Tribunal venha a proferir a sua decisão no processo principal, em nada prejudica a organização dos serviços da instituição requerida. Por outro lado, tal suspensão não comporta também qualquer risco de prejuízo para a Comissão, dado o montante pouco elevado em causa e ser este facilmente recuperável, caso o Tribunal venha a negar provimento ao recurso (v. o despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1984, De Compte/Parlamento, 141/84 R, Recueil, p. 2575).

    39 Face ao exposto, e tendo particularmente em atenção os fundamentos de facto e de direito relativos à procedência do recurso principal invocados pelo requerente, justifica-se que seja ordenada a suspensão da execução da decisão recorrida até que seja proferida a decisão final pelo Tribunal.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    decide:

    1) É suspensa a decisão de 27 de Novembro de 1992 que aplicou ao requerente a sanção disciplinar de retrogradação ao grau B 4, escalão 5, até que seja proferida a decisão final do Tribunal.

    2) As despesas são reservadas para a decisão final do Tribunal.

    Proferido no Luxemburgo, em 5 de Abril de 1993.

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