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Document 61993TO0012(01)

Despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1993.
Comité Central d'Entreprise de la SA Vittel e Comité d'Etablissement de Pierval contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Processo de medidas provisórias - Suspensão da execução - Medidas provisórias.
Processo T-12/93 R.

Colectânea de Jurisprudência 1993 II-00785

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1993:60

61993B0012(01)

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA DE 6 DE JULHO DE 1993. - COMITE CENTRAL D'ENTREPRISE DE LA SA VITTEL E COMITE D'ETABLISSEMENT DE PIERVAL CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - PROCESSO DE MEDIDAS PROVISORIAS - SUSPENSAO DE EXECUCAO - MEDIDAS PROVISORIAS. - PROCESSO T-12/93 R.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-00785


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Processo de medidas provisórias ° Suspensão da execução ° Suspensão total ou parcial da execução de uma decisão que autoriza, em certas condições, uma concentração de empresas solicitada pelas organizações representativas dos trabalhadores ° Condições de concessão ° Prejuízo grave e irreparável ° Ponderação de todos os interesses em jogo ° Inexistência, para os trabalhadores, de risco de prejuízo que justifique a intervenção do juiz das medidas provisórias

(Tratado CEE, artigos 185. e 186. ; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104. , n. 2; Regulamento n. 4064/89 do Conselho; Directiva 77/187 do Conselho, artigos 3. e 4. )

Sumário


Numa situação em que a suspensão da execução de uma decisão da Comissão autorizando, em aplicação do Regulamento n. 4064/89, uma concentração de empresas, pedida pelas organizações representativas dos trabalhadores de algumas delas, teria como resultado suspender, na pendência de todo o processo contencioso, a autorização concedida e em que o deferimento das medidas provisórias requeridas a título subsidiário teria como resultado prolongar uma situação de posição dominante susceptível de provocar consequências irreversíveis na concorrência no sector em causa, compete ao juiz das medidas provisórias ponderar todos os interesses em causa. Para isso, deve tomar em consideração não apenas o interesse dos requerentes, por um lado, e o da Comissão em restabelecer uma concorrência efectiva, por outro, mas ainda os interesses de terceiros, nomeadamente as empresas envolvidas, de modo a evitar tanto a criação de uma situação irreversível como a superveniência de um prejuízo grave e irreparável para uma das partes em litígio, para um terceiro, ou ainda para o interesse público.

Numa situação como esta, o deferimento das medidas provisórias requeridas só pode justificar-se se se verificar que, sem elas, os trabalhadores representados pelos requerentes ficariam expostos a uma situação susceptível de pôr em perigo o seu futuro.

No caso em apreço, a decisão em causa não pode, em princípio, ter consequências nos direitos dos trabalhadores das empresas envolvidas nem causar directamente a esses trabalhadores um prejuízo cujo risco de ocorrência justifique a intervenção do juiz das medidas provisórias.

Com efeito, em relação ao prejuízo que os trabalhadores da empresa cedente alegam sofrer pelo facto de a cessão constituir um atentado ao seu direito à manutenção do património da empresa, as requerentes, que se limitam a alegar o carácter mínimo da contrapartida financeira da cessão, não provaram como é que a diminuição do património desta empresa seria, à primeira vista, susceptível de provocar um risco de prejuízo grave e irreparável na manutenção dos postos de trabalho na empresa. Em todo o caso, no que concerne à contrapartida financeira, é pacífico que o preço da cessão não resulta da decisão da Comissão, mas é apenas o resultado das negociações entre as empresas em causa.

Quanto ao prejuízo resultante, para os trabalhadores da empresa cedida, por deixarem de poder beneficiar das vantagens sociais de que gozam, por efeito tanto dos seus contratos individuais como do acordo colectivo em vigor na empresa cedente, deve observar-se, em primeiro lugar, que, nos termos dos artigos 3. e 4. da Directiva 77/187, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho são transferidas para o cessionário. Em segundo lugar, deve sublinhar-se que, segundo o direito do trabalho nacional aplicável, qualquer convenção ou acordo colectivo de trabalho por tempo indeterminado pode ser denunciado pelas partes signatárias, nas condições previstas na convenção ou acordo. Daí resulta que, mesmo a supor que o prejuízo alegado tem um carácter suficientemente certo, esse prejuízo não pode, no entanto, resultar directamente da decisão da Comissão. Com efeito, do mesmo modo que a decisão não exige que seja posto em causa, pelas novas entidades patronais, o acordo colectivo aplicável aos trabalhadores da empresa cedida, a eventual suspensão da cessão não asseguraria qualquer protecção contra a possibilidade de denúncia do acordo colectivo em vigor.

Partes


No processo T-12/93 R,

Comité central d' entreprise de la société anonyme Vittel, instituição representativa do pessoal regida pelo livro IV do code du travail francês, e

Comité d' établissement de Pierval, instituição representativa do pessoal regida pelo mesmo diploma,

com sede social em Vittel (França), representados por François Nativi, Hélène Rousseau e Françoise Bienayme-Galaz, advogados no foro de Paris, assistidos por Aloyse May, advogado no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório deste último, 31, Grand-rue

requerentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Francisco Enrique González Días, membro do Serviço Jurídico, e por Géraud de Bergues, perito nacional destacado junto da Comissão, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

requerida,

que tem por objecto a suspensão da execução da decisão da Comissão de 22 de Julho de 1992, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n. 4064/89 do Conselho referente ao controlo das operações de concentração de empresas (IV/M.190 ° Nestlé/Perrier, JO L 356, p. 1),

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


Factos na origem do litígio

1 Os factos essenciais que estão na origem do litígio submetido à apreciação do Tribunal, tal como resultam das alegações escritas apresentadas pelas partes e das explicações orais dadas durante a audiência, podem ser resumidos como se segue.

2 Em 25 de Fevereiro de 1992, a Nestlé SA (a seguir "Nestlé") notificou à Comissão, nos termos do n. 1 do artigo 4. do Regulamento (CEE) n. 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1, a seguir "Regulamento n. 4064/89"), uma oferta pública de aquisição das acções da Source Perrier SA (a seguir "Perrier"). Analisada a notificação, a Comissão decidiu, em 25 de Março de 1992, nos termos do artigo 6. , n. 1, alínea c), do Regulamento n. 4064/89, dar início a um processo previsto neste artigo, uma vez que a operação de concentração notificada suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.

3 Em 21 de Julho de 1992, tendo em conta nomeadamente os compromissos perante ela assumidos, a Comissão adoptou uma decisão declarando a concentração compatível com o mercado comum (a seguir "decisão"). Da decisão constavam condições e encargos destinados a assegurar que a Nestlé respeitaria os compromissos assumidos. De entre estas condições, a decisão previa que a Nestlé deveria vender a um concorrente sujeito a aprovação da Comissão, e num prazo fixado na própria decisão, as marcas e as nascentes Vichy, Thonon, Pierval, Saint-Yorre e um certo número de outras nascentes locais, bem como as capacidades de engarrafamento relativas a essas nascentes.

4 Em 26 de Janeiro de 1993, a Nestlé apresentou à Comissão um comprador, o grupo Castel, já presente no sector das bebidas. Este comprador declarou-se interessado em três grandes nascentes que a Nestlé se comprometeu a vender (Vichy, Thonon, Saint-Yorre), bem como noutras de menor importância. Tendo a Comissão considerado que esta cessão não dava total satisfação aos termos da decisão, os grupos Nestlé e Castel celebraram, em 18 de Fevereiro de 1993, um novo acordo, desta vez também relativo à cessão da nascente Pierval, para além das já mencionadas.

5 Em 3 de Março de 1993, a Comissão publicou um comunicado de imprensa, no qual dava a conhecer que a proposta de aquisição feita pelo grupo Castel constituía um elemento decisivo para o cumprimento do conjunto das condições previstas e anunciava que daria por encerrado o processo logo que os obstáculos à cessão efectiva das nascentes fossem ultrapassados, nomeadamente no que dizia respeito à transferência para o grupo Castel dos direitos de exploração da Vichy e da Thonon, detidos pelo Estado francês e pela cidade de Thonon-les-Bains, respectivamente.

Tramitação processual

6 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 3 de Fevereiro de 1993, o comité central d' entreprise de la société anonyme Vittel, o comité d' établissement de Pierval e a Fédération générale agroalimentaire-CFDT interpuseram, nos termos do segundo parágrafo do artigo 173. do Tratado CEE, um recurso destinado a anular a decisão.

7 Por requerimento separado, registado na Secretaria do Tribunal em 2 de Março de 1993, o comité central d' entreprise da société anonyme Vittel e o comité d' établissement de Pierval (a seguir "requerentes") apresentaram, nos termos dos artigos 185. e 186. do Tratado CEE, um pedido destinado a obter, a título principal, a suspensão da execução do acto impugnado e, a título subsidiário, que o Tribunal ordene a suspensão da decisão, na parte em que exige a cessão da Pierval, até que o mérito da causa seja julgado.

8 A Comissão apresentou observações escritas sobre a providência cautelar em 17 de Março de 1993. As partes foram ouvidas em alegações em 23 de Março de 1993.

9 Por despacho de 2 de Abril de 1993, CCE Vittel e CE Pierval/Comissão (T-12/93 R, Colect., p. II-449), o presidente do Tribunal ordenou à Comissão que informasse o Tribunal, logo que estivesse na posse dos respectivos elementos, do cumprimento de todas as condições relativas à cessão dos activos previstas na decisão e, em especial, da remoção dos obstáculos à transferência dos direitos de exploração da Vichy e da Thonon. Pelo mesmo despacho, o presidente do Tribunal ordenou a suspensão da execução da decisão, na medida em que faz depender da satisfação da condição relativa à cessão da Pierval a declaração de compatibilidade da operação de concentração notificada, até que o juiz da providência cautelar se pronunciasse, à luz das informações que lhe seriam fornecidas pela Comissão, acerca dos pedidos apresentados.

10 Por carta entrada na Secretaria do Tribunal em 11 de Junho de 1993, a Comissão informou o Tribunal que havia recebido, em 27 de Maio de 1993, a comunicação do acordo de cessão dos activos em questão entre a Nestlé e a Castel, bem como da concordância dada tanto pelo Estado francês, no que diz respeito à aquisição pela Castel da Compagnie fermière de Vichy, titular da licença de exploração da nascente Vichy-Célestins, como da cidade de Thonon-les-Bains, no que se refere à atribuição de uma nova concessão para a exploração da nascente Thonon. Nesse momento, a Comissão transmitiu ao Tribunal um comunicado de imprensa, de 5 de Maio de 1993, do ministro do Orçamento francês, dando a conhecer que o ministro do Orçamento tinha aprovado o acordo celebrado entre os grupos Nestlé e Castel relativo à concessão termal de Vichy, bem como uma telecópia, de 25 de Maio de 1993, do secretário-geral da mairie de Thonon-les-Bains, indicando que o conselho municipal tinha autorizado a "aditamento ao acordo de concessão entre a SEMT à Comuna".

11 Por carta entrada na Secretaria do Tribunal em 30 de Junho de 1993, a Comissão remeteu ao Tribunal uma cópia da acta da reunião de 24 de Maio de 1993 do conselho municipal da cidade de Thonon-les-Bains, na qual este autorizou o aditamento ao acordo de concessão de exploração da água mineral de Thonon.

12 Depois de ter tomado conhecimento das informações transmitidas pela Comissão em execução do seu despacho de 2 de Abril de 1993, já referido, o juiz da providência cautelar verifica que todas as condições relativas à cessão dos activos, previstas na decisão, estão, à primeira vista, cumpridas e considera-se suficientemente esclarecido para poder pronunciar-se sobre o mérito do pedido de medidas provisórias.

Quanto ao mérito

13 Por força das disposições conjugadas dos artigos 185. e 186. do Tratado e do artigo 4. da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, o Tribunal pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado, se considerar que as circunstâncias o exigem, ou ordenar as medidas provisórias necessárias.

14 O n. 2 do artigo 104. do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância estabelece que os pedidos de medidas provisórias a que se referem os artigos 185. e 186. do Tratado devem especificar os factos determinantes da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida. As medidas requeridas devem ter um carácter provisório, no sentido de que não devem prejudicar a decisão sobre o mérito da causa (v., por último, o despacho de 2 de Abril de 1993, já referido).

15 Para a exposição dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o despacho de 2 de Abril de 1993, já referido. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do juiz da providência cautelar.

Quanto ao objecto do pedido e à ponderação dos interesses em jogo

16 Deve lembrar-se que a presente providência cautelar se destina a obter, a título principal, a suspensão da execução da decisão através da qual a Comissão autorizou a Nestlé a tomar o controlo da Perrier e, a título subsidiário, que o Tribunal ordene a suspensão da decisão, na parte em que exige a cessão da Pierval, até que o mérito da causa seja julgado.

17 Em primeiro lugar, relativamente ao pedido de suspensão da execução da decisão, deve sublinhar-se, liminarmente, que essa suspensão implicaria que não produzisse efeitos, durante todo o processo contencioso, a autorização concedida pela Comissão à operação de concentração notificada e, consequentemente, o exercício, pela Nestlé, do seu direito de voto no grupo Perrier, o que seria susceptível de entravar gravemente o próprio funcionamento das empresas do grupo.

18 Em segundo lugar, relativamente ao pedido de medidas provisórias destinado a obter que o Tribunal ordene a suspensão da decisão, na parte em que exige a cessão da Pierval, até que o mérito da causa seja julgado, deve salientar-se, também, que essa medida implicaria a suspensão, no mínimo parcial, da execução dos compromissos, acima referidos no n. 3, que a Nestlé assumiu perante a Comissão e, por essa via, prolongar uma situação qualificada, pela decisão, de posição dominante susceptível de ter consequências irreversíveis na concorrência no sector em causa, situação à qual as condições e encargos impostos pela decisão se destinam, precisamente, a pôr termo. Efectivamente, o respeito desses compromissos, no prazo fixado na decisão, constitui a condição em que assenta a autorização dada pela Comissão para a realização da operação de concentração notificada.

19 Perante tal situação de facto e de direito, compete ao juiz da providência cautelar ponderar não só o interesse particular dos requerentes na obtenção da suspensão da execução da decisão controvertida e o interesse geral da Comissão no restabelecimento de uma concorrência efectiva, mas também os interesses de terceiros, como a Nestlé e a Castel, por forma a evitar, simultaneamente, a criação de uma situação irreversível e a ocorrência de um prejuízo grave e irreparável para qualquer das partes em litígio ou para um terceiro, ou ainda para o interesse público (v. o despacho do presidente do Tribunal de 15 de Dezembro de 1992, CCE Grandes Sources e o./Comissão, T-96/92 R, Colect., p. II-2579).

20 Deve lembrar-se a este respeito que, numa situação como a do caso em apreço, em que as medidas pedidas ao juiz da providência cautelar podem ter uma incidência grave nos direitos e interesses de terceiros, que não são parte no litígio e que, portanto, não podem ser ouvidos, essas medidas só podem justificar-se se se verificar que, sem elas, os requerentes ficariam expostos a uma situação susceptível de pôr em perigo a própria existência (v. o despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 1978, Simmenthal/Comissão, 92/78 R, Recueil, p. 1129; v., por último, o despacho CCE Grandes Sources e o./Comissão, já referido).

21 É à luz destas considerações que o juiz da providência cautelar deve analisar se as condições legais que permitem que as medidas provisórias sejam decretadas se encontram reunidas no caso em apreço.

Quanto à existência de um prejuízo grave e irreparável

22 Resulta de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o carácter urgente de uma providência cautelar deve ser apreciado relativamente à necessidade que exista de decidir provisoriamente, com o objectivo de evitar que a parte que pede a medida provisória sofra um prejuízo grave e irreparável. É à parte que requer a suspensão da execução que incumbe fazer prova de que não pode esperar pelo fim do processo principal, sem com isso sofrer um prejuízo que implicaria consequências graves e irreparáveis para ela (v., por último, o despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1993, Alemanha/Conselho, C-280/93 R, Colect., p. I-3667, n. 22).

23 Neste aspecto, os requerentes alegam que a cessão do estabelecimento da Pierval provocará, no que lhes diz repeito, um prejuízo grave e irreparável, iminente e certo. Segundo os requerentes, a cessão dos activos da Pierval afecta, em especial, o interesse dos trabalhadores desse estabelecimento e, em geral, o dos da sociedade Vittel, na medida em que tal cessão constitui um atentado ao seu direito à manutenção do património da empresa, sobretudo porque a contrapartida financeira dessa cessão, no caso em apreço, é irrisória. Para além disso, os requerentes sublinham que, em virtude da cessão, os trabalhadores da Pierval deixarão de poder beneficiar das importantes vantagens sociais a que têm direito, quer por contrato individual, quer pelo acordo colectivo em vigor na sociedade Vittel. Na opinião dos requerentes, esse prejuízo tem um carácter irreparável, na medida em que a cessão, se se realizar, produzirá efeitos jurídicos irreversíveis, apesar da existência de condições suspensivas ou resolutórias. Este prejuízo, acrescentam, resulta directamente da decisão da Comissão que impôs como condição à declaração de compatibilidade com o mercado comum da operação da concentração da Nestlé e da Perrier a cessão de diversas nascentes, entre as quais a Pierval.

24 A Comissão considera, a este propósito, que os requerentes não demonstraram a existência, na sua esfera jurídica, de um prejuízo certo e iminente resultante da decisão. A requerida alega especialmente que a cessão de uma parte do património de uma empresa só pode constituir, por si só, um prejuízo para os seus trabalhadores se daí resultar obrigatoriamente que um interesse que lhes é específico, como a perda do emprego, é posto em causa, o que não acontece no caso vertente. Quanto ao argumento baseado no prejuízo sofrido em especial pelos trabalhadores da Pierval por causa da cessão, a Comissão sublinha que não é certo que a cessão da empresa ponha necessariamente em causa o acordo colectivo e que, em todo o caso, esse acordo continua a aplicar-se durante o período de um ano ou até à entrada em vigor de um novo acordo, entendendo-se que, se nenhum acordo for celebrado durante o ano posterior à cessão da empresa, os trabalhadores mantêm as vantagens individuais adquiridas em aplicação do acordo celebrado antes da cessão. Para além disso, a Comissão salienta que os acordos colectivos também poderiam ter sido objecto de denúncia pela direcção da Vittel, mesmo no caso de o estabelecimento Pierval não ter sido alienado. Na opinião da Comissão, daí decorre que a denúncia desses acordos não é uma consequência inerente à cessão da Pierval, não sendo, por conseguinte, nem certo nem iminente o prejuízo para os trabalhadores desta empresa.

25 A este propósito, há que recordar, liminarmente, que, tal como o presidente do Tribunal declarou no despacho de 15 de Dezembro de 1992, já referido, uma decisão que autoriza uma concentração não pode, em princípio, ter consequências para os direitos dos trabalhadores de uma empresa que tenha sido objecto de transferência de propriedade na sequência da operação de concentração. Convém, no entanto, analisar, no caso vertente, se o prejuízo grave e irreparável alegado pelos requerentes é, por um lado, suficientemente certo para justificar a adopção das medidas provisórias requeridas e se tem, por outro, um nexo de causalidade directo com a decisão.

26 Relativamente ao prejuízo sofrido pelos trabalhadores da sociedade Vittel, em geral, em virtude de a cessão da Pierval constituir um atentado ao seu "direito de manutenção do património da empresa", há que observar que os requerentes não demonstraram a razão pela qual a diminuição do património da Vittel, por força da cessão da Pierval, seria, à primeira vista, susceptível de provocar um risco de prejuízo grave e irreparável para a manutenção dos postos de trabalho na empresa. A este propósito, os requerentes, que não invocaram qualquer circunstância especial que permita qualificar de certo e iminente o risco do prejuízo que os trabalhadores da Vittel sofreriam por causa da cessão, limitam-se a alegar o carácter irrisório da contrapartida financeira da cessão. Ora, é pacífico que o preço da cessão da Pierval, mesmo partindo do pressuposto que possa ser qualificado como irrisório, não decorre da decisão, mas é apenas o resultado das negociações entre a Nestlé e a Castel sobre a cessão de um conjunto de activos que a Nestlé se comprometeu a vender.

27 Relativamente ao prejuízo resultante do facto de os trabalhadores da Pierval deixarem de poder beneficiar das importantes vantagens sociais que lhes são reconhecidas quer por contrato individual quer por acordo colectivo em vigor na sociedade Vittel, há que observar, em primeiro lugar, que, por força dos artigos 3. e 4. da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122), os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existente à data da transferência são transferidos para o cessionário.

28 Há que sublinhar, em segundo lugar, que, nos termos do artigo L 132-8 do code du travail francês, evocado pelas partes durante o processo, qualquer convenção ou acordo colectivo de trabalho de duração indeterminada pode ser denunciado pelas partes signatárias, nas condições previstas na convenção ou no acordo. No que diz respeito, em especial, ao facto de uma convenção ou acordo numa certa empresa ser posto em causa em virtude, nomeadamente, de uma fusão, cessão ou cisão, o referido diploma prevê que a convenção ou acordo continua a produzir efeitos até à entrada em vigor de nova convenção ou de um novo acordo ou, na sua falta, durante um prazo mínimo de um ano, entendendo-se que os trabalhadores em causa mantêm as vantagens individuais adquiridas se a convenção ou acordo denunciado não tiver sido substituído nos prazos previstos.

29 Resulta dos elementos constantes do processo, em especial da intervenção do presidente do comité central d' entreprise da Vittel na reunião de 26 de Fevereiro de 1993 (anexo IV do pedido de medidas provisórias), que a convenção colectiva continuará a aplicar-se na nova sociedade. No que respeita aos acordos colectivos, estes continuarão a aplicar-se nas condições definidas no artigo L 132-8 do referido code du travail.

30 Tendo em conta tudo o que precede, forçoso é declarar, em primeiro lugar, que a possibilidade de denunciar uma convenção ou acordo colectivo está aberta a qualquer signatário e, em segundo lugar, que, em caso de cessão de empresa, como acontece no processo vertente, nenhuma disposição legal ou de outra natureza impõe a denúncia ou qualquer outra alteração da convenção em vigor. Há que salientar ainda que, se a aplicação dessa convenção ou acordo for, todavia, posta em causa, as disposições da lei francesa (artigo L 132-8, sétimo parágrafo, do code du travail) prevêem um regime idêntico ao que se aplica à denúncia por uma ou várias das partes signatárias.

31 Daí decorre que, mesmo supondo que o prejuízo alegado, isto é, a perda, para os trabalhadores do estabelecimento Pierval, das vantagens constantes do acordo colectivo em vigor na empresa Vittel, tem um carácter suficientemente certo, tal prejuízo não pode, todavia, resultar directamente da decisão. Com efeito, nem a decisão impõe que a nova entidade patronal ponha em causa o acordo colectivo aplicável aos trabalhadores da Pierval, nem a eventual suspensão da cessão da Pierval asseguraria qualquer protecção contra a possibilidade de denúncia, nos termos da lei, do acordo colectivo em vigor.

32 Assim, e sem que seja necessário analisar os fundamentos invocados pelos requerentes em apoio da procedência, à primeira vista, do seu pedido no processo principal, deve decidir-se que as condições jurídicas que permitem que sejam decretadas as medidas provisórias requeridas não se encontram reunidas e que o pedido deve ser indeferido.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1) O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 6 de Julho de 1993.

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