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Document 61993CJ0434

Acórdão do Tribunal de 6 de Junho de 1995.
Ahmet Bozkurt contra Staatssecretaris van Justitie.
Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos.
Acordo de Associação CEE Turquia - Decisão do Conselho de Associação - Livre circulação de trabalhadores - Condutor internacional de camião - Incapacidade permanente para o trabalho - Direito de residência.
Processo C-434/93.

Colectânea de Jurisprudência 1995 I-01475

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:168

61993J0434

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 6 DE JUNHO DE 1995. - AHMET BOZKURT CONTRA STAATSSECRETARIS VAN JUSTITIE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: RAAD VAN STATE - PAISES BAIXOS. - ACORDO DE ASSOCIACAO CEE/TURQUIA - DECISAO DO CONSELHO DE ASSOCIACAO - LIVRE CIRCULACAO DE TRABALHADORES - CONDUTOR INTERNACIONAL DE CAMIAO - INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO - DIREITO DE RESIDENCIA. - PROCESSO C-434/93.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-01475


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Acordos internacionais ° Acordo de Associação CEE-Turquia ° Livre circulação de pessoas ° Trabalhadores ° Integração de um nacional turco que exerce uma actividade de condutor internacional no mercado regular do emprego de um Estado-Membro ° Apreciação pelo órgão jurisdicional nacional ° Critérios a tomar em consideração

(Acordo de Associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, artigo 6. , n. 1)

2. Acordos internacionais ° Acordo de Associação CEE-Turquia ° Livre circulação de pessoas ° Trabalhadores ° Acesso dos nacionais turcos a uma actividade assalariada da sua escolha num dos Estados-Membros e direito de residência correlativo ° Condições ° Exercício prévio de um emprego regular ° Conceito ° Actividade de condutor internacional que não necessita, por força da legislação nacional, nem de licença de trabalho nem de título de residência ° Inclusão

(Acordo de Associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, artigo 6. , n. 1)

3. Acordos internacionais ° Acordo de Associação CEE-Turquia ° Livre circulação de pessoas ° Trabalhadores ° Nacional turco atingido por uma incapacidade permanente para o trabalho consecutiva a um acidente de trabalho ° Direito de residir no território de um Estado-Membro ° Exclusão

(Acordo de Associação CEE-Turquia; Decisão n. 1/80 do Conselho de Associação CEE-Turquia, artigo 6. , n. 2)

Sumário


1. Para verificar a integração de um trabalhador turco que exerce uma actividade de condutor internacional no mercado regular de emprego de um Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80 adoptada pelo Conselho de Associação CEE-Turquia, cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a relação de trabalho do interessado apresenta um elo de conexão suficientemente estreito com o território do Estado-Membro, tomando em consideração, nomeadamente, o lugar da contratação, o território a partir do qual a actividade assalariada é exercida e a legislação nacional aplicável em matéria de direito do trabalho e de segurança social.

2. O exercício do emprego regular num Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80 do Conselho de Associação instituído pelo acordo de Associação CEE-Turquia, que supõe uma situação estável e não precária no mercado do emprego desse Estado e que deve apreciar-se à luz da legislação nacional do Estado de acolhimento aplicável às condições de entrada e de exercício de emprego no território nacional, pode dar-se como provado, no caso de um trabalhador turco que, para o exercício da sua actividade profissional, não é obrigado, por aplicação da legislação nacional considerada, a estar na posse de uma autorização de trabalho ou de uma autorização de residência, emitida pelas autoridades do país de acolhimento. O exercício de tal emprego implica necessariamente o reconhecimento de um direito de residência na esfera jurídica do interessado.

3. No estado actual das disposições adoptadas pelo Conselho de Associação instituído pelo Acordo de Associação CEE-Turquia para realizar gradualmente a livre circulação dos trabalhadores entre os Estados-Membros e a Turquia, e na ausência de uma disposição específica que reconheça aos trabalhadores turcos o direito de residir no território de um Estado-Membro após ter aí exercido um emprego, o artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80 do Conselho já referido, que cobre apenas a situação de trabalhadores turcos activos ou em incapacidade transitória para o trabalho, não poderá ser interpretado como conferindo a um nacional turco, que pertenceu ao mercado regular do emprego de um Estado-Membro, o direito de residir no território desse Estado após ter sido vítima de um acidente de trabalho que provocou uma incapacidade permanente para o trabalho.

Partes


No processo C-434/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Raad van State (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Ahmet Bozkurt

e

Staatssecretaris van Justitie,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 2. da Decisão n. 2/76, de 20 de Dezembro de 1976, e 6. da Decisão n. 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do Conselho de Associação instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963 em Ancara e aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, F. A. Schockweiler (relator), P. J. G. Kapteyn e C. Gulmann, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet e G. Hirsch, juízes,

advogado-geral: M. B. Elmer

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação do recorrente no processo principal, por D. Schaap, advogado no foro de Roterdão,

° em representação do Governo neerlandês, por J. G. Lammers, consultor jurídico exercendo funções no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e B. Kloke, Regierungsrat no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo helénico, por N. Mavrikas, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico do Estado, e C. Sitara, mandatária judicial junto do Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo do Reino Unido, por J. D. Colahan, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de A. Bozkurt, do Governo neerlandês, representado por J. W. De Zwaan, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo alemão, do Governo helénico, representado por M. Apessos, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico de Estado, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, e por E. Sharpston, barrister, e da Comissão das Comunidades Europeias, na audiência de 17 de Janeiro de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Março de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão interlocutório de 24 de Setembro de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de Novembro seguinte, o Raad van State (Países Baixos) submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 2. da Decisão n. 2/76, de 20 de Dezembro de 1976, e 6. da Decisão n. 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do Conselho de Associação instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963 em Ancara e aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18, a seguir "acordo".

2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um processo que opõe Ahmet Bozkurt, nacional turco, ao Ministério da Justiça neerlandês a propósito de um pedido de concessão de uma autorização de residência sem limite de duração no território neerlandês.

3 Ahmet Bozkurt exerceu, pelo menos desde 21 de Agosto de 1979, a actividade de camionista internacional nos itinerários do Médio Oriente, como empregado da Rynart Transport BV, pessoa colectiva de direito neerlandês, cuja sede se situa em Klundert, nos Países Baixos. O seu contrato de trabalho foi celebrado segundo o direito neerlandês. No intervalo das suas viagens e durante as suas férias, residia nos Países Baixos.

4 Não era exigida qualquer autorização de trabalho, emitida pelo Ministério dos Assuntos Sociais, para o exercício da actividade de A. Bozkurt pela razão de que, para a aplicação da Wet arbeid buitenlandse werknemers de 9 de Novembro de 1978 (lei relativa ao trabalho dos trabalhadores estrangeiros, Stbl., 737, a seguir "Wabw"), os condutores internacionais de camiões não são considerados como estrangeiros, em conformidade com as disposições do decreto de 25 de Outubro de 1979 que adopta uma medida geral de administração na acepção do artigo 2. , n. 1, alínea c), da Wabw (Stbl., 574).

5 Titular de um visto válido para viagens múltiplas, A. Bozkurt também não teve necessidade de uma autorização de residência na acepção dos artigos 9. e 10. da Vreemdelingenwet de 13 de Janeiro de 1965 (lei relativa aos estrangeiros, Stbl., 40) para poder exercer a sua profissão de camionista internacional e permanecer nos Países Baixos no intervalo das suas viagens, qualificado de "período livre" cuja duração é indicada no visto. Nos Países Baixos, os condutores internacionais de camiões não são abrangidos pela política geral de estrangeiros, tal como resulta de uma circular sobre os estrangeiros de 1982.

6 Em Junho de 1988, A. Bozkurt foi vítima de um acidente de trabalho. A sua taxa de incapacidade para o trabalho foi fixada entre 80% e 100%. Beneficia por essa razão de prestações nos termos da Wet op de Arbeidsongeschiktheids-verzekering (lei relativa ao seguro por incapacidade para o trabalho) e da Algemene Arbeidsongeschiktheidswet (lei geral sobre a incapacidade para o trabalho).

7 Em 6 de Março de 1991, o chefe da polícia municipal de Roterdão indeferiu o pedido de autorização de residência sem limite de duração que A. Bozkurt lhe tinha dirigido. Em 18 de Março de 1991, este último apresentou ao ministro da Justiça um pedido de revisão dessa decisão, pedido que foi igualmente indeferido. Em 16 de Julho de 1991, A. Bozkurt interpôs recurso de anulação dessa decisão de indeferimento para o Raad van State, alegando que as disposições dos artigos 2. da Decisão n. 2/76 e 6. da Decisão n. 1/80 lhe conferem o direito de permanecer nos Países Baixos.

8 As Decisões n.os 2/76 e 1/80 dão aplicação ao disposto no artigo 12. do acordo que figura no último capítulo do título II consagrado a outras disposições de carácter económico. Nos termos desse artigo, as partes contratantes acordam em "inspirar-se nos artigos 48. , 49. e 50. do Tratado que institui a Comunidade na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores".

9 O artigo 2. , n. 1, alíneas a) e b), da Decisão n. 2/76 dispõe o seguinte:

"a) O trabalhador turco empregado regularmente há mais de três anos num Estado-Membro da Comunidade tem o direito de, sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, responder a uma oferta de emprego feita em condições normais, registada nos serviços de emprego desse Estado para a mesma profissão, ramo de actividade e região.

b) O trabalhador turco empregado regularmente há mais de cinco anos num Estado-Membro da Comunidade beneficia nesse Estado do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha."

10 A Decisão n. 1/80 prevê, no seu artigo 6. , n. 1, o seguinte:

"Sem prejuízo das disposições do artigo 7. relativo ao livre acesso ao emprego dos membros da sua família, o trabalhador turco integrado no mercado regular do emprego de um Estado-Membro:

° tem direito, nesse Estado-Membro, após um ano de emprego regular, à renovação da sua autorização de trabalho na mesma entidade patronal, se dispuser de um emprego;

° tem o direito, nesse Estado-Membro, após três anos de emprego regular e sem prejuízo da prioridade a conceder aos trabalhadores dos Estados-Membros da Comunidade, de responder, dentro da mesma profissão, junto de uma entidade patronal da sua escolha, a outra oferta de emprego feita em condições normais, registada junto dos serviços do emprego desse Estado-Membro;

° beneficia, nesse Estado-Membro, após quatro anos de emprego regular, do livre acesso a qualquer actividade assalariada da sua escolha."

11 O artigo 2. , n. 1, alínea c), da Decisão n. 2/76 dispõe que

"As férias anuais e as ausências de curta duração por doença, maternidade ou acidente de trabalho são equiparadas aos períodos de emprego regular. Os períodos de desemprego involuntário, devidamente verificados pelas autoridades competentes, e as ausências por doença de longa duração, ainda que não sejam equiparadas a períodos de emprego regular, não devem prejudicar os direitos adquiridos por virtude do período de emprego anterior."

12 O artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80 tem um conteúdo ligeiramente diferente:

"As férias anuais e as ausências por maternidade, acidente de trabalho ou doença de curta duração são equiparadas aos períodos de emprego regular. Os períodos de desemprego involuntário, devidamente verificados pelas autoridades competentes, e as ausências por doença de longa duração, ainda que não sejam equiparadas a períodos de emprego regular, não prejudicam os direitos adquiridos por virtude do período de emprego anterior."

13 Considerando que a solução do litígio requeria uma interpretação das disposições acima referidas, o Raad van State submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) O critério enunciado no acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1989 no processo 9/88, Lopes da Veiga, deve ser aplicado também para a solução da questão de saber se a actividade que um trabalhador de nacionalidade turca exerce, com base num contrato de trabalho regulado pelo direito neerlandês, como camionista internacional ao serviço de uma sociedade de direito neerlandês com sede nos Países Baixos, pode ser considerada como emprego (regular) num Estado-Membro na acepção do artigo 2. da Decisão n. 2/76 e/ou do artigo 6. da Decisão n. 1/80 e se serão, mutatis mutandis, as mesmas circunstâncias que devem ser tomadas em consideração pelo juiz nacional?

2) Existe exercício de um emprego regular num Estado-Membro, na acepção do artigo 2. da Decisão n. 2/76 e/ou do artigo 6. da Decisão n. 1/80, no caso de um trabalhador turco que, pelo facto de os períodos em que permanece nos Países Baixos no intervalo das suas viagens serem geralmente de curta duração, não tem necessidade de dispor duma autorização de trabalho ou duma autorização de residência para o exercício da sua actividade de camionista internacional, mas a quem este emprego, nos termos da legislação e da política neerlandesas em matéria de imigração, não confere em princípio um direito de residência de longa duração?

3) Em caso de resposta afirmativa às questões 1 e 2, o artigo 2. da Decisão n. 2/76 e/ou o artigo 6. da Decisão n. 1/80 implicam que um trabalhador turco goza do direito de residência pelo menos enquanto exercer um emprego regular na acepção das referidas decisões?

4) Em caso de resposta afirmativa à questão 3, o trabalhador turco mantém esse direito de residência resultante do artigo 2. da Decisão n. 2/76 e/ou do artigo 6. da Decisão n. 1/80 se estiver total e permanentemente incapacitado para o trabalho?"

14 A título preliminar, convém salientar que a Decisão n. 2/76 se apresenta, no seu artigo 1. , como uma primeira etapa na realização da livre circulação de trabalhadores entre a Comunidade e a Turquia, cuja duração foi fixada em quatro anos a partir de 1 d Dezembro de 1976. As disposições da secção 1 do capítulo II, intitulada "Disposições sociais" da Decisão n. 1/80, de que faz parte o artigo 6. , constituem uma etapa suplementar com vista à realização da livre circulação de trabalhadores e são aplicáveis, em conformidade com o artigo 16. da decisão, desde 1 de Dezembro de 1980. A partir dessa data, as disposições do artigo 6. da Decisão n. 1/80 substituíram portanto as disposições correspondentes, menos favoráveis, da Decisão n. 2/76. Nestas condições, para fornecer uma resposta útil às questões prejudiciais e tendo em conta a localização no tempo dos elementos de facto acima resumidos, há que fazer referência exclusivamente às disposições do artigo 6. da Decisão n. 1/80.

Quanto à primeira questão

15 Com esta questão, o órgão jurisdicional procura saber, em substância, na base de que critérios há que verificar a integração de um trabalhador turco, que exerce uma actividade de camionista internacional, no mercado regular de emprego de um Estado-Membro, na acepção do artigo 6. da Decisão n. 1/80.

16 No acórdão de 27 de Setembro de 1989, Lopes da Veiga (9/88, Colect., p. 2989, n. 17), o Tribunal de Justiça declarou, a propósito de um trabalhador nacional de um Estado-Membro que exerce, a título permanente, uma actividade assalariada a bordo de um navio arvorando pavilhão de um outro Estado-Membro, na ocorrência os Países Baixos, que, para determinar se essa relação jurídica laboral podia ser localizada no território da Comunidade ou apresentava uma conexão suficientemente estreita com esse território, para efeitos de aplicação das disposições do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação de trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), cabia ao órgão jurisdicional nacional tomar em consideração várias circunstâncias decorrentes dos autos à disposição do Tribunal de Justiça, a saber, que o recorrente no processo principal trabalhava a bordo de um navio registado nos Países Baixos, ao serviço de uma sociedade armadora de direito neerlandês com sede nos Países Baixos, que tinha sido contratado nos Países Baixos e que a relação laboral que o vinculava ao seu empregador estava sujeita à lei neerlandesa e, finalmente, que o interessado estava segurado ao abrigo do regime de segurança social nos Países Baixos e aí estava sujeito ao imposto sobre o rendimento.

17 A. Bozkurt e a Comissão entendem que, no caso em apreço, há que utilizar esses mesmos critérios. A Comissão alega, em particular, que a aplicação dessa jurisprudência decorre da obrigação imposta às partes contratantes, pelo artigo 12. do acordo, de inspirar-se nos artigos 48. , 49. e 50. do Tratado CEE na realização progressiva entre si da livre circulação dos trabalhadores.

18 Pelo contrário, os Governos neerlandês, alemão, helénico e do Reino Unido opõem-se a que o acórdão Lopes da Veiga, já referido, que, em sua opinião, incide sobre a interpretação duma noção fundamental de direito comunitário em matéria da livre circulação de trabalhadores, possa servir para a interpretação de disposições decorrentes de um acordo de associação, de objectivos mais modestos, que rege a situação de um nacional de um país terceiro no mercado de emprego de um Estado-membro.

19 A esse propósito, convém, em primeiro lugar, recordar que o objectivo prosseguido pelo Conselho de Associação, quando da adopção das disposições sociais da Decisão n. 1/80, era iniciar uma etapa suplementar para a realização da livre circulação de trabalhadores inspirando-se nos artigos 48. , 49. e 50. do Tratado.

20 Para assegurar o respeito desse objectivo, parece indispensável transpor, na medida do possível, para os trabalhadores turcos que beneficiam dos direitos reconhecidos pela Decisão n. 1/80 os princípios admitidos no quadro desses artigos.

21 A este propósito, convém salientar que as disposições do artigo 6. , n. 1, se limitam a regular a situação do trabalhador turco, integrado já no mercado regular do emprego de um Estado-Membro, no que toca ao acesso a um emprego.

22 Para apreciar, com vista à aplicação dessas disposições, se o trabalhador turco deve ser considerado como integrado no mercado do trabalho de um Estado-Membro, em conformidade com o princípio enunciado no artigo 12. do acordo e por analogia com a situação de um trabalhador nacional de um Estado-Membro que exerce actividade no território de um outro Estado-Membro, há que verificar, tal como o Tribunal de Justiça o julgou nomeadamente no acórdão Lopes da Veiga, já referido, se a relação jurídica laboral pode ser localizada no território de um Estado-Membro ou se apresenta uma conexão suficientemente estreita com esse território.

23 Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, de facto, a relação de trabalho do recorrente na causa principal, na sua qualidade de camionista internacional, apresentava um elo de conexão suficientemente estreito com o território neerlandês, tomando em consideração nomeadamente o local de contratação, o território a partir do qual a actividade assalariada era exercida e a legislação nacional aplicável em matéria de direito de trabalho e de segurança social.

24 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que, para verificar a integração de um trabalhador turco que exerce uma actividade de camionista internacional no mercado regular do emprego de um Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a relação de trabalho do interessado apresenta um elo de conexão suficientemente estreito com o território do Estado-Membro, tomando em consideração nomeadamente o lugar da contratação, o território a partir do qual a actividade assalariada é exercida e a legislação nacional aplicável em matéria de direito de trabalho e de segurança social.

Quanto às segunda e terceira questões

25 Com a segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional nacional procura saber, no fundo, se a existência de um emprego regular num Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, pode considerar-se provada no caso de um trabalhador turco que, para o exercício da sua actividade profissional, não era obrigado, em aplicação da legislação nacional considerada, a estar na posse de uma autorização de trabalho nem de uma autorização de residência, emitida pelas autoridades do Estado de acolhimento e se, em caso afirmativo, esse trabalhador pode pretender beneficiar de um direito de residência durante todo o tempo em que exercer um emprego regular.

26 A este propósito, há que recordar em primeiro lugar, tal como o Tribunal de Justiça o salientou no acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince (C-192/89, Colect., p. I-3461, n. 30), que a regularidade do emprego na acepção do artigo 6. , n. 1, pressupõe uma situação estável e não precária no mercado do trabalho de um Estado-Membro.

27 Importa depois reconhecer que o carácter regular de um emprego, exercido durante um certo período, deve ser apreciado à luz da legislação do Estado de acolhimento, que rege as condições em que o nacional turco entrou no território nacional e aí exerce um emprego.

28 Estando satisfeitas estas condições, as disposições do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80 que confere ao trabalhador turco o direito de, após um certo período de emprego regular, continuar a exercer a sua actividade assalariada na mesma entidade patronal ou dentro da mesma profissão numa entidade patronal da sua escolha, ou ainda de aceder livremente a qualquer actividade assalariada da sua escolha, implicam necessariamente, sob pena de privar de todo o efeito útil o direito de acesso ao mercado de emprego e de exercer um emprego, a existência de um direito de residência na esfera jurídica do interessado (v., nesse sentido, acórdãos Sevince, já referido, n. 29, e de 16 de Dezembro de 1992, Kus, C-237/91, Colect., p. I-6781, n.os 29 e 30).

29 O reconhecimento desses direitos não é subordinado pelo artigo 6. da Decisão n. 1/80 à condição de o carácter regular do emprego se provar pela posse pelo nacional turco de um documento administrativo específico, tal como uma autorização de trabalho ou uma autorização de residência emitida pelas autoridades do país de acolhimento.

30 Daí decorre que os direitos conferidos por essas disposições aos nacionais turcos já regularmente integrados no mercado de trabalho de um Estado-Membro são reconhecidos aos seus beneficiários independentemente da emissão pelas autoridades competentes de documentos administrativos que, nesse contexto, podem apenas declarar a existência desses direitos sem no entanto poderem constituir uma condição dos mesmos.

31 Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que a existência de um emprego regular num Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, pode considerar-se provada no caso de um trabalhador turco que, para o exercício da sua actividade profissional, não era obrigado, em aplicação da legislação nacional considerada, a estar na posse de uma autorização de trabalho nem de uma autorização de residência, emitida pelas autoridades do país de acolhimento, e que a existência de tal emprego implica necessariamente o reconhecimento de um direito de residência na esfera jurídica do interessado.

Quanto à quarta questão

32 Com esta questão, o Raad van State procura saber, desde que esteja provado que um trabalhador turco, tal como A. Bozkurt, em virtude da sua actividade de camionista internacional, está efectivamente integrado no mercado regular do emprego dos Países Baixos, se o artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80 lhe confere o direito de permanecer no território do Estado de acolhimento após ter sido vítima de um acidente de trabalho que provocou uma incapacidade permanente para o trabalho.

33 A. Bozkurt entende poder deduzir um direito de residir no território neerlandês do artigo 6. , n. 2, segunda frase, da Decisão n. 1/80, na medida em que este tem em vista as doenças de longa duração, tendo em conta o seu período de emprego anterior.

34 A Comissão partilha a mesma conclusão apoiando-se no texto do artigo 6. , n. 2, primeira frase, da Decisão n. 1/80, que equipara certos períodos de ausência a um emprego regular. A Comissão considera assim que um período de incapacidade de trabalho permanente na sequência de um acidente de trabalho deve ser equiparado a um emprego regular permanente, o que implica a existência de um direito de residência na esfera jurídica do interessado.

35 Em contrapartida, os Governos neerlandês, alemão, helénico e do Reino Unido são unânimes em considerar que, na ausência de disposição expressa na matéria, à semelhança do artigo 48. , n. 3, alínea d), do Tratado e do Regulamento (CEE) n. 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito de os trabalhadores permanecerem no território de um Estado-Membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24; EE 05 F1 p. 93), há que considerar que os trabalhadores turcos não podem prevalecer-se do direito de permanecer. As consequências de uma incapacidade de trabalho permanente de que seriam vítimas estes últimos, à luz do seu direito de permanência num Estado-Membro, reger-se-iam portanto exclusivamente pelo direito nacional do Estado-Membro considerado.

36 O Governo alemão acrescenta que, tendo em conta a finalidade da Decisão n. 1/80, que, em sua opinião, visa a consolidar a situação dos trabalhadores turcos que já exercem uma actividade, o direito de residência deve continuar a ser o corolário do emprego do trabalhador de forma que, em caso de interrupção, só pode subsistir se a interrupção for limitada no tempo. Esta interpretação está em conformidade com a letra do artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80, que tem em vista apenas ausências transitórias não pondo, em princípio, em causa a participação posterior do trabalhador na vida activa. Em contrapartida, em caso de incapacidade de trabalho duradoura, o trabalhador já não está de forma nenhuma disponível no mercado do trabalho e não há qualquer interesse objectivamente justificado em garantir-lhe um direito de acesso ao mercado do trabalho e um direito de residência acessório. Manter um direito de residência em caso de incapacidade permanente para o trabalho redundaria, segundo o Governo alemão, em reconhecer-lhe um carácter autónomo contrário à finalidade da Decisão n. 1/80. As observações do Reino Unido vão no mesmo sentido.

37 Esta última argumentação deve ser acolhida no estado actual das disposições adoptadas pelo Conselho de Associação, para realizar gradualmente, em conformidade com o princípio enunciado no artigo 12. do acordo, a livre circulação de trabalhadores entre os Estados-Membros da Comunidade e a Turquia.

38 Com efeito, o artigo 6. , n. 2, tem por objecto apenas regular as consequências de certas interrupções de trabalho na aplicação das disposições do artigo 6. , n. 1. Assim, as férias anuais e as ausências por maternidade, acidente de trabalho ou doença de curta duração são equiparadas a períodos de emprego, nomeadamente para o cálculo da duração do período de emprego regular necessário à aquisição do direito ao livre acesso a qualquer actividade assalariada. Quanto aos períodos de desemprego ou de ausência por doença de longa duração, que não são equiparados a períodos de emprego, só são tomados em consideração com vista a garantir a manutenção de direitos que o trabalhador tenha adquirido em virtude dos períodos de emprego anteriores. Essas disposições garantem portanto apenas uma continuação do direito ao emprego e pressupõem necessariamente a aptidão para tal continuação, mesmo após uma interrupção temporária.

39 Resulta do que precede que o artigo 6. da Decisão n. 1/80 abrange a situação de trabalhadores turcos activos ou em incapacidade temporária para o trabalho. Em contrapartida, não visa a situação de um nacional turco que tenha definitivamente deixado o mercado de trabalho de um Estado-Membro porque, por exemplo, atingiu a idade da reforma ou, como no caso em apreço, está atingido por uma incapacidade total e permanente para o trabalho.

40 Em consequência, na falta de uma disposição específica que reconheça aos trabalhadores turcos o direito de permanecerem no território de um Estado-Membro após aí terem exercido uma actividade laboral, o direito de residência do nacional turco tal como é garantido, implícita mas necessariamente, pelo artigo 6. da Decisão n. 1/80, enquanto corolário do exercício de uma actividade laboral regular, não subsiste se o interessado for vítima de uma incapacidade total e permanente.

41 Convém aliás notar que, no que toca aos trabalhadores comunitários, as condições em que tal direito de permanecer pode ser exercido estavam dependentes, em conformidade com o disposto no artigo 48. , n. 3, alínea d), do Tratado, da adopção de um regulamento pela Comissão, de modo que não é possível transpor, sem mais, para os trabalhadores turcos um regime aplicável com base no artigo 48.

42 Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80 não confere ao nacional turco, que se integrou no mercado regular do emprego de um Estado-Membro, o direito de permanecer no território desse Estado após ter sido vítima de um acidente de trabalho que provocou uma incapacidade permanente para o trabalho.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

43 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, alemão, helénico e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Raad van State (Países Baixos), por acórdão interlocutório de 24 de Setembro de 1993, declara:

1) Para verificar a integração de um trabalhador turco que exerce uma actividade de camionista internacional no mercado regular de emprego de um Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, de 19 de Setembro de 1980, do Conselho de Associação instituído pelo Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963 em Ankara e aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963, cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a relação de trabalho do interessado apresenta um elo de conexão suficientemente estreito com o território do Estado-Membro, tomando em consideração nomeadamente o lugar da contratação, o território a partir do qual a actividade assalariada é exercida e a legislação nacional aplicável em matéria de direito do trabalho e de segurança social.

2) A existência de um emprego regular num Estado-Membro, na acepção do artigo 6. , n. 1, da Decisão n. 1/80, já referida, pode considerar-se provada no caso de um trabalhador turco que, para o exercício da sua actividade profissional, não era obrigado, em aplicação da legislação nacional considerada, a estar na posse de uma autorização de trabalho nem de uma autorização de residência, emitida pelas autoridades do país de acolhimento. A existência de tal emprego implica necessariamente o reconhecimento de um direito de residência na esfera jurídica do interessado.

3) O artigo 6. , n. 2, da Decisão n. 1/80, já referida, não confere ao nacional turco, que se integrou no mercado regular de emprego de um Estado-Membro, o direito de residir no território desse Estado depois de ter sido vítima de um acidente de trabalho que provocou uma incapacidade permanente para o trabalho.

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