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Document 61993CJ0384

Acórdão do Tribunal de 10 de Maio de 1995.
Alpine Investments BV contra Minister van Financiën.
Pedido de decisão prejudicial: College van Beroep voor het Bedrijfsleven - Países Baixos.
Livre prestação de serviços - Artigo 59.º do Tratado CEE - Proibição de venda de serviços financeiros por telefone.
Processo C-384/93.

Colectânea de Jurisprudência 1995 I-01141

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:126

61993J0384

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 10 DE MAIO DE 1995. - ALPINE INVESTMENTS BV CONTRA MINISTER VAN FINANCIEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: COLLEGE VAN BEROEP VOOR HET BEDRIJFSLEVEN - PAISES BAIXOS. - LIVRE PRESTACAO DE SERVICOS - ARTIGO 59 DO TRATADO CEE - PROIBICAO DE VENDA DE SERVICOS FINANCEIROS POR TELEFONE. - PROCESSO C-384/93.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-01141


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Livre prestação de serviços ° Disposições do Tratado ° Âmbito de aplicação ° Serviços oferecidos por telefone a destinatários potenciais noutros Estados-Membros ° Inclusão

(Tratado CEE, artigo 59. )

2. Livre prestação de serviços ° Disposições do Tratado ° Âmbito de aplicação ° Serviços fornecidos de um Estado-Membro para outro sem deslocação do prestador ° Inclusão

(Tratado CEE, artigo 59. )

3. Livre prestação de serviços ° Restrições ° Proibição ° Alcance ° Medidas indistintamente aplicáveis no Estado-Membro de estabelecimento do prestador ° Inclusão

(Tratado CEE, artigo 59. )

4. Livre prestação de serviços ° Restrições ° Conceito ° Proibição de abordar por telefone clientes potenciais noutros Estados-Membros ° Inclusão

(Tratado CEE, artigo 59. )

5. Livre prestação de serviços ° Restrições ° Proibição de venda por telefone transfronteiriça de serviços ligados ao investimento nos contratos de mercadorias a termo ° Justificação por razões de interesse geral ° Preservação da boa reputação do sector financeiro do Estado-Membro que impõe a proibição ° Carácter proporcionado da proibição ° Admissibilidade

(Tratado CEE, artigo 59. )

Sumário


1. A aplicação das disposições em matéria de livre prestação de serviços não está dependente da existência prévia de uma relação entre um prestador e um destinatário determinado. O artigo 59. do Tratado deve, portanto, ser interpretado no sentido de que se aplica às ofertas de serviços de um prestador feitas por telefone a destinatários potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros.

2. O artigo 59. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos serviços que um prestador presta sem se deslocar, a partir do Estado-Membro onde está estabelecido, a destinatários estabelecidos noutros Estados-Membros.

3. O artigo 59. do Tratado diz respeito não apenas às restrições impostas pelo Estado de acolhimento, mas também às impostas pelo Estado de origem, mesmo que sejam medidas de aplicação geral, não sejam discriminatórias e não tenham como objecto ou efeito proporcionar uma vantagem ao mercado nacional relativamente aos prestadores de serviços de outros Estados-Membros.

4. A proibição de contactar por telefone clientes potenciais que se encontram noutro Estado-Membro, sem o consentimento prévio destes, é susceptível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços, atendendo a que priva os operadores em causa de uma técnica rápida e directa de publicidade e de contacto.

5. A proibição imposta num Estado-Membro, aos intermediários financeiros nele estabelecidos, de contactar por telefone clientes potenciais que se encontram noutro Estado-Membro, sem consentimento prévio destes, para lhes propor serviços ligados ao investimento em contratos de mercadorias a termo, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, mas justifica-se pela razão imperiosa de interesse geral que é a preservação da boa reputação do sector financeiro nacional. O bom funcionamento dos mercados financeiros depende, em larga medida, da confiança que eles inspiram aos investidores, confiança essa que é designadamente condicionada pela existência de uma regulamentação profissional que visa assegurar a competência e a lealdade dos intermediários financeiros. Ora, ao proteger os investidores de um método de contacto que geralmente os apanha desprevenidos, a proibição de "cold calling" num mercado tão especulativo como o dos contratos de mercadorias a termo visa assegurar a integridade do sector financeiro nacional.

Sendo o Estado-Membro a partir do qual é feito o contacto telefónico não solicitado aquele que está melhor colocado para regulamentar a abordagem de clientes potenciais que se encontram noutro Estado-Membro, não lhe pode ser censurado o facto de não deixar esse cuidado ao Estado-Membro do destinatário. Além disso, a restrição em causa não pode ser considerada excessiva, uma vez que a proibição está limitada ao mercado em que foram detectados abusos e a um único dos possíveis modos de abordagem da clientela.

Partes


No processo C-384/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Alpine Investments BV

e

Minister van Financiën,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 59. do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, F. A. Schockweiler, P. J. G. Kapteyn e C. Gulmann, presidentes de secção, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray, D. A. O. Edward (relator) e J.-P. Puissochet, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Alpine Investments BV, por G. van der Wal e W. B. J. van Overbeek, advogados inscritos no Hoge Raad der Nederlanden,

° em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação do Governo helénico, por V. Kontolaimos, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico do Estado, e por V. Pelekou, mandatária judicial no Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo do Reino Unido, por J. D. Colahan, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, e por P. Duffy, barrister,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Smulders e P. van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Alpine Investments BV, do Governo neerlandês, representado por J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo belga, representado por J. Devadder, director de administração no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo helénico, do Governo do Reino Unido, representado por C. Vajda, barrister, e da Comissão das Comunidades Europeias, na audiência de 29 de Novembro de 1994,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Janeiro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 28 de Abril de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de Agosto seguinte, o College van Beroep voor het Bedrijfsleven (a seguir "College van Beroep") submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, várias questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 59. do mesmo Tratado.

2 Essas questões foram suscitadas no quadro de um recurso interposto pela Alpine Investments BV da proibição do Ministério das Finanças neerlandês de contactar particulares por telefone, sem o consentimento prévio por escrito dos mesmos, para lhes propor diversos serviços financeiros (prática chamada de "cold calling").

3 A Alpine Investments BV, recorrente no processo principal (a seguir "Alpine Investments"), é uma sociedade de direito neerlandês estabelecida nos Países Baixos, especializada nos contratos de mercadorias a termo.

4 As partes num contrato de mercadorias a termo comprometem-se a comprar ou vender uma certa quantidade de mercadorias de determinada qualidade a um preço e numa data fixados no momento da celebração do contrato. Todavia, não têm a intenção de receber ou entregar efectivamente mercadorias, mas contratam apenas na esperança de beneficiar das flutuações de preços entre o momento da celebração do contrato e o mês da entrega, o que é possível efectuando no mercado a termo, antes do início do mês da entrega, a operação inversa da primeira transacção.

5 A Alpine Investments oferece três tipos de serviços em matéria de contratos de mercadorias a termo: a gestão de carteiras de títulos, a consultadoria para aplicações financeiras e a transmissão de ordens de clientes a corretores que operam em mercados de mercadorias a termo tanto no exterior como no interior da Comunidade. Tem clientes não apenas nos Países Baixos mas também na Bélgica, em França e no Reino Unido. Todavia, não possui qualquer estabelecimento fora dos Países Baixos.

6 Na época dos factos do processo principal, os serviços financeiros estavam sujeitos, nos Países Baixos, à Wet Effectenhandel de 30 de Outubro de 1985 (lei sobre o comércio de valores mobiliários, a seguir "WEH"). O artigo 6. , n. 1, dessa lei proibia que, sem autorização, se actuasse como intermediário em transacções que incidissem sobre valores mobiliários. O artigo 8. , n. 1, permitia ao ministro das Finanças conceder uma isenção dessa proibição, em condições especiais. Todavia, nos termos do n. 2 do artigo 8. , a isenção podia "estar sujeita a restrições e ser acompanhada de exigências para combater evoluções indesejáveis no comércio dos valores mobiliários".

7 Em 6 de Setembro de 1991, o ministro das Finanças, recorrido no processo principal, concedeu à Alpine Investments uma isenção para colocar ordens num determinado corretor, a Merril Lynch Inc. A isenção especificava que a Alpine Investments deveria respeitar todas as disposições que o ministro das Finanças viesse a adoptar num futuro próximo, no respeitante aos seus contactos com clientes potenciais.

8 Em 1 de Outubro de 1991, o ministro das Finanças decidiu proibir genericamente aos intermediários financeiros que propõem aplicações no comércio de mercadorias a termo e fora da Bolsa de Mercadorias que contactassem clientes potenciais em sistema de "cold calling".

9 Segundo o Governo neerlandês, esta decisão foi tomada na sequência das numerosas queixas que o ministro das Finanças recebera, durante o ano de 1991, de investidores que tinham feito nesse domínio aplicações mal sucedidas. Como as queixas provinham em parte de investidores estabelecidos noutros Estados-Membros, ele teria alargado a proibição aos serviços oferecidos noutros Estados a partir dos Países Baixos, com a preocupação de preservar a reputação do sector financeiro neerlandês.

10 Foi nestas condições que, em 12 de Novembro de 1991, o ministro das Finanças proibiu a Alpine Investments de contactar clientes potenciais pelo telefone ou pessoalmente, excepto se aqueles tivessem previamente informado, expressamente e por escrito, de que a autorizavam a entrar em contacto com eles dessa forma.

11 A Alpine Investments reclamou da decisão do ministro que a proibia de praticar o "cold calling". Posteriormente, tendo a sua isenção sido substituída, em 14 de Janeiro de 1992, por outra isenção que lhe permitia colocar ordens noutro corretor, a Rodham and Renshaw Inc., também com proibição de praticar o "cold calling", apresentou uma nova reclamação em 13 de Fevereiro de 1992.

12 Por decisão de 29 de Abril de 1992, o ministro das Finanças indeferiu a reclamação da Alpine Investments. Em 26 de Maio seguinte, a Alpine Investments recorreu para o College van Beroep.

13 Tendo a Alpine Investments alegado designadamente que a proibição do "cold calling" era incompatível com o artigo 59. do Tratado porque abrangia clientes potenciais estabelecidos em Estados-Membros que não os Países Baixos, o College van Beroep submeteu ao Tribunal várias questões sobre a interpretação daquela disposição:

"1) O artigo 59. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que abrange serviços oferecidos telefonicamente pelo prestador a partir do Estado-Membro em que está estabelecido a (potenciais) clientes estabelecidos noutro Estado-Membro e que ele presta em seguida a partir daquele Estado-Membro?

2) O disposto no referido artigo aplica-se igualmente às condições e/ou restrições que regem o exercício da actividade em causa no Estado-Membro em que o prestador de serviços está estabelecido, mas, no entanto, não se aplicam, ou pelo menos não do mesmo modo e na mesma medida, ao exercício da mesma actividade no Estado-Membro em que os (potenciais) destinatários dos serviços estão estabelecidos e, por consequência, são susceptíveis de constituir para o prestador, na oferta desses serviços a (potenciais) clientes estabelecidos noutro Estado-Membro, obstáculos que não afectam os prestadores do mesmo tipo de serviços que estejam estabelecidos naquele outro Estado-Membro?

Em caso de resposta afirmativa à questão que antecede:

3) a) Podem os interesses de protecção do consumidor e da reputação da prestação de serviços financeiros dos Países Baixos, que servem de base a uma disposição que pretende combater evoluções indesejáveis no comércio dos valores mobiliários, ser considerados razões imperativas de interesse geral que justifiquem as referidas limitações?

b) A imposição, numa isenção, da proibição do chamado 'cold calling' deve ser considerada objectivamente necessária para a protecção dos interesses referidos e proporcional ao fim prosseguido?"

14 Deve observar-se liminarmente que, admitindo que seja aplicável às transacções nos mercados de mercadorias a termo, a Directiva 93/22/CEE do Conselho, de 10 de Maio de 1993, relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários (JO L 141, p. 27), é posterior aos factos do litígio no processo principal. Por outro lado, a Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), não se aplica nem aos contratos celebrados por telefone nem aos contratos relativos a valores mobiliários [artigo 3. , n. 2, alínea e)].

15 As questões submetidas ao Tribunal devem, assim, ser examinadas unicamente à luz das disposições do Tratado aplicáveis em matéria de livre prestação de serviços. A este respeito, é pacífico que, sendo efectuadas mediante remuneração, as prestações realizadas pela Alpine Investments são efectivamente serviços abrangidos pelo artigo 60. do Tratado CEE.

16 Através das suas primeira e segunda questões, o tribunal de reenvio pretende saber em substância se a proibição do "cold calling" é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 59. do Tratado. Em caso afirmativo, pretende saber, através da terceira questão, se essa proibição pode, apesar disso, justificar-se.

Quanto à primeira questão

17 A primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional tem duas partes.

18 Em primeiro lugar, trata-se de saber se o facto de os serviços em causa constituírem simples ofertas e não terem ainda um destinatário determinado obsta à aplicação do artigo 59. do Tratado.

19 A este respeito, deve observar-se que a livre prestação de serviços se tornaria ilusória se legislações nacionais pudessem livremente entravar as ofertas de serviços. A aplicabilidade das disposições em matéria de livre prestação de serviços não pode, assim, estar dependente da existência prévia de um destinatário determinado.

20 Em segundo lugar, trata-se de saber se o artigo 59. diz respeito a serviços que um prestador oferece por telefone a pessoas estabelecidas noutro Estado-Membro e que ele presta sem se deslocar, a partir do Estado-Membro onde está estabelecido.

21 No caso vertente, as ofertas de serviços são dirigidas por um prestador estabelecido num Estado-Membro a um destinatário estabelecido noutro Estado-Membro. Resulta dos próprios termos do artigo 59. que se trata, por isso, de uma prestação de serviços na acepção daquela disposição.

22 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 59. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que diz respeito aos serviços que um prestador oferece por telefone a destinatários potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros e que ele presta sem se deslocar, a partir do Estado-Membro onde está estabelecido.

Quanto à segunda questão

23 Através da segunda questão, o tribunal nacional pergunta se a legislação de um Estado-Membro que impede os prestadores de serviços estabelecidos no seu território de fazer contactos telefónicos não solicitados com clientes potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros para lhes propor os seus serviços constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 59. do Tratado.

24 Liminarmente, há que observar que a proibição em causa se aplica à oferta de serviços transfronteiriços.

25 Para responder à questão do órgão jurisdicional nacional, há que examinar sucessivamente três aspectos.

26 Em primeiro lugar, trata-se de saber se a proibição de contactar telefonicamente com clientes potenciais que se encontram noutro Estado-Membro, sem consentimento prévio destes, pode constituir uma restrição à livre prestação de serviços. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção do Tribunal para o facto de os prestadores estabelecidos nos Estados-Membros onde residem potenciais destinatários não estarem necessariamente sujeitos à mesma proibição ou, pelo menos, não o estarem nos mesmos termos.

27 Deve notar-se que uma proibição como a que está em causa no processo principal não constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 59. , apenas pelo facto de outros Estados-Membros aplicarem regras menos rígidas aos prestadores de serviços semelhantes estabelecidos no seu território (v., neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1994, Peralta, C-379/92, Colect., p. I-3453, n. 48).

28 Todavia, essa proibição priva os operadores em causa de uma técnica rápida e directa de publicidade e de contacto com clientes potenciais que se encontram noutros Estados-Membros. Assim, é susceptível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços transfronteiriços.

29 Em segundo lugar, deve examinar-se se esta conclusão pode ser modificada pelo facto de a proibição em causa emanar do Estado-Membro onde está estabelecido o prestador e não do Estado-Membro onde está estabelecido o destinatário potencial.

30 O artigo 59. , primeiro parágrafo, do Tratado proíbe as restrições à livre prestação de serviços no interior da Comunidade em geral. Por conseguinte, esta disposição diz respeito não apenas às restrições impostas pelo Estado de acolhimento mas também às impostas pelo Estado de origem. Como o Tribunal decidiu por várias vezes, o direito à livre prestação de serviços pode ser invocado por uma empresa relativamente ao Estado em que está estabelecida, quando os serviços são prestados a destinatários estabelecidos noutro Estado-Membro (v. acórdãos de 27 de Maio de 1994, Corsica Ferries, C-18/93, Colect., p. I-1783, n. 30; Peralta (já referido, n. 40); e de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França, C-381/93, Colect., p. I-5145, n. 14).

31 Daí resulta que a proibição do "cold calling" não fica fora do âmbito de aplicação do artigo 59. do Tratado, pelo simples facto de ser imposta pelo Estado onde está estabelecido o prestador de serviços.

32 Por fim, há que examinar alguns argumentos aduzidos pelos Governos neerlandês e do Reino Unido.

33 Estes alegam que a proibição em causa fica fora do âmbito de aplicação do artigo 59. do Tratado, porque é uma medida de aplicação geral, não é discriminatória e não tem como objecto ou como efeito proporcionar ao mercado nacional uma vantagem relativamente aos prestadores de serviços de outros Estados-Membros. Ora, ao afectar apenas a forma como os serviços são oferecidos, seria análoga às medidas não discriminatórias que regulamentam modalidades de venda que, nos termos do acórdão Keck e Mithouard (acórdão de 24 de Novembro de 1993, C-267/91 e C-268/91, Colect., p. I-6097, n. 16), não se incluem no âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado CEE.

34 Estes argumentos não podem ser acolhidos.

35 Embora seja certo que uma proibição como a do processo principal tem carácter geral e não discriminatório e que não tem como objecto nem como efeito proporcionar uma vantagem ao mercado nacional relativamente aos prestadores de serviços de outros Estados-Membros, não é menos certo que, como acima se observou (v. n. 28), é susceptível de constituir uma restrição à livre prestação de serviços transfronteiriços.

36 Tal proibição não é análoga às regulamentações relativas às modalidades de venda que o acórdão Keck e Mithouard considerou como não abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado.

37 Segundo esse acórdão, não é susceptível de constituir entrave ao comércio entre Estados-Membros a aplicação, a produtos provenientes de outros Estados-Membros, de disposições nacionais que limitam ou proíbem, no território do Estado-Membro de importação, determinadas modalidades de venda, desde que, em primeiro lugar, elas se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e, em segundo lugar, afectem da mesma maneira, juridicamente e de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-Membros. A razão disso é que ela não é susceptível de impedir o acesso destes últimos ao mercado do Estado-Membro de importação ou dificultá-lo mais do que dificulta o dos produtos nacionais.

38 Ora, uma proibição como a que está em causa emana do Estado-Membro de estabelecimento do prestador de serviços e diz respeito não apenas às ofertas que ele faz a destinatários estabelecidos no território desse Estado, ou que aí se deslocam para receber serviços, mas também às ofertas dirigidas a destinatários que se encontram no território de outro Estado-Membro. Devido a isso, condiciona directamente o acesso ao mercado dos serviços nos outros Estados-Membros. Assim, é susceptível de entravar o comércio intracomunitário de serviços.

39 Assim, há que responder à segunda questão que a legislação de um Estado-Membro que proíbe os prestadores de serviços estabelecidos no seu território de fazer contactos telefónicos não solicitados com clientes potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros para lhes propor os seus serviços constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 59. do Tratado.

Quanto à terceira questão

40 Através da terceira questão, o órgão jurisdicional nacional procura saber se razões imperiosas de interesse geral justificam a proibição do "cold calling" e se esta deve ser considerada objectivamente necessária e proporcional ao objectivo prosseguido.

41 O Governo neerlandês alega que a proibição do "cold calling" no comércio a termo e fora da Bolsa de Mercadorias visa salvaguardar a reputação dos mercados financeiros neerlandeses e proteger o público investidor.

42 Há que notar, antes de mais, que os mercados financeiros desempenham um papel importante no financiamento dos agentes económicos e que, atendendo à natureza especulativa e à complexidade dos contratos de mercadorias a termo, o seu bom funcionamento depende em grande medida da confiança que inspiram aos investidores. Essa confiança é designadamente condicionada pela existência de regulamentações profissionais que visam assegurar a competência e a lealdade dos intermediários financeiros de que os investidores estão especialmente dependentes.

43 Em seguida, embora seja certo que a protecção dos consumidores no território dos outros Estados-Membros não compete, enquanto tal, às autoridades neerlandesas, não é menos certo que a natureza e o alcance dessa protecção tem incidência directa na boa reputação dos serviços financeiros neerlandeses.

44 A manutenção da boa reputação do sector financeiro nacional pode, portanto, constituir uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar restrições à livre prestação de serviços financeiros.

45 No que respeita à proporcionalidade da restrição em causa, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, as exigências impostas aos prestadores de serviços devem ser aptas a garantir a realização do objectivo que visam e não ir mais além do necessário para que ele seja alcançado (v. acórdão de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda e o., C-288/89, Colect., p. I-4007, n. 15).

46 Como o Governo neerlandês observou com razão, em caso de "cold calling", o particular, geralmente apanhado de surpresa, não está em condições de se informar sobre os riscos inerentes à natureza das operações que lhe são propostas nem de comparar com as ofertas dos concorrentes a qualidade e o preço dos serviços de quem o contacta. Sendo o mercado de mercadorias a termo altamente especulativo e escassamente compreensível para investidores pouco informados, impunha-se subtraí-lo aos métodos de venda mais agressivos.

47 A Alpine Investments sustenta, contudo, que a proibição do "cold calling" pelo Governo neerlandês não é necessária porque o Estado-Membro do prestador deveria confiar na fiscalização exercida pelo Estado-Membro do destinatário.

48 Este argumento deve ser rejeitado. Efectivamente, o Estado-Membro a partir do qual é feito o contacto telefónico é o que está melhor colocado para regulamentar o "cold calling". Mesmo que o Estado de acolhimento pretenda proibir o "cold calling" ou sujeitá-lo a determinadas condições, ele não pode impedir ou controlar chamadas telefónicas provenientes de outro Estado-Membro, sem a cooperação das autoridades competentes desse Estado.

49 Por conseguinte, a proibição do "cold calling" pelo Estado-Membro a partir do qual o contacto telefónico é feito, e que se destina a proteger a confiança dos investidores nos mercados financeiros desse Estado, não pode ser considerada inapta para realizar o objectivo de garantir a integridade destes.

50 A Alpine Investments sustenta, além disso, que uma proibição geral de venda por telefone aos clientes potenciais não é necessária para a realização dos objectivos prosseguidos pelas autoridades neerlandesas. O registo obrigatório, pelas sociedades de corretagem, das suas chamadas telefónicas não solicitadas bastaria para proteger eficazmente os consumidores. Tais regras teriam aliás sido adoptadas no Reino Unido pela Securities and Futures Authority (autoridade de fiscalização dos valores mobiliários e das operações a termo).

51 Esta posição não pode ser acolhida. Como o advogado-geral observou com razão, no n. 88 das conclusões, o facto de um Estado-Membro impor regras menos rígidas que as impostas por outro Estado-Membro não significa que estas últimas sejam desproporcionadas e, portanto, incompatíveis com o direito comunitário.

52 A Alpine Investments alega, por fim, que, apresentando carácter geral, a proibição do "cold calling" não toma em consideração o comportamento das empresas individuais e, por conseguinte, impõe desnecessariamente um ónus às empresas que nunca deram azo a queixas de consumidores.

53 Este argumento deve também ser rejeitado. Limitar a proibição do "cold calling" a determinadas empresas devido ao seu comportamento passado poderia não bastar para alcançar o objectivo de restaurar e preservar a confiança dos investidores no mercado nacional dos valores mobiliários em geral.

54 De qualquer modo, a regulamentação em causa tem um alcance limitado. Antes de mais, proíbe apenas que se contacte com clientes potenciais por telefone ou pessoalmente sem o seu consentimento escrito prévio, continuando autorizadas as outras técnicas de contacto com clientes. Além disso, aquela medida afecta as relações com clientes potenciais, mas não com os clientes existentes, que mantêm a possibilidade de dar o seu consentimento por escrito a novas comunicações. Por fim, a proibição de contactos telefónicos não solicitados está limitada ao mercado em que foram detectados abusos, neste caso, o dos contratos de mercadorias a termo.

55 À luz das considerações que antecedem, não se verifica que a proibição do "cold calling" seja desproporcionada em relação ao objectivo que prossegue.

56 Assim, deve responder-se à terceira questão que o artigo 59. do Tratado não se opõe a uma regulamentação nacional que, para proteger a confiança dos investidores nos mercados financeiros nacionais, proíbe a prática que consiste em fazer contactos telefónicos não solicitados com clientes potenciais que residem noutros Estados-Membros, para lhes propor serviços relacionados com o investimento em contratos de mercadorias a termo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

57 As despesas efectuadas pelos Governos belga, neerlandês, helénico e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven, por acórdão de 28 de Abril de 1993, declara:

1) O artigo 59. do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que diz respeito aos serviços que um prestador oferece por telefone a destinatários potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros e que ele presta sem se deslocar, a partir do Estado-Membro onde está estabelecido.

2) A legislação de um Estado-Membro que proíbe os prestadores de serviços estabelecidos no seu território de fazer contactos telefónicos não solicitados com clientes potenciais estabelecidos noutros Estados-Membros para lhes propor os seus serviços constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 59. do Tratado CEE.

3) O artigo 59. do Tratado CEE não se opõe a uma regulamentação nacional que, para proteger a confiança dos investidores nos mercados financeiros nacionais, proíbe a prática que consiste em fazer contactos telefónicos não solicitados com clientes potenciais que residem noutros Estados-Membros, para lhes propor serviços relacionados com o investimento em contratos de mercadorias a termo.

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