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Document 61993CJ0070

    Acórdão do Tribunal de 24 de Outubro de 1995.
    Bayerische Motorenwerke AG contra ALD Auto-Leasing D GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
    Sistema de distribuição selectiva - Veículos automóveis - Recusa de fornecimento - Protecção territorial - Interpretação do artigo 85.º, n.º 1, do Tratado CEE e do Regulamento (CEE) n.º 123/85.
    Processo C-70/93.

    Colectânea de Jurisprudência 1995 I-03439

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:344

    61993J0070

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE 24 DE OUTUBRO DE 1995. - BAYERISCHE MOTORENWERKE AG CONTRA ALD AUTO-LEASING D GMBH. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: BUNDESGERICHTSHOF - ALEMANHA. - SISTEMA DE DISTRIBUICAO SELECTIVA - VEICULOS AUTOMOVEIS - RECUSA DE FORNECIMENTO - PROTECCAO TERRITORIAL - INTERPRETACAO DO ARTIGO 85., N. 1, DO TRATADO CEE E DO REGULAMENTO (CEE) N. 123/85. - PROCESSO C-70/93.

    Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-03439


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Concorrência ° Concertação ° Acordos entre empresas ° Violação da concorrência ° Afectação do comércio entre Estados-Membros ° Sistema de distribuição selectiva de veículos automóveis ° Proibição de os distribuidores fornecerem às sociedades de leasing independentes do construtor veículos destinados, sem opção de compra, a clientes domiciliados fora do seu próprio território contratual ° Inadmissibilidade

    (Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)

    2. Concorrência ° Concertação ° Proibição ° Isenção por categorias ° Regulamento n. 123/85 ° Proibição de os distribuidores fornecerem às sociedades de leasing independentes do construtor veículos destinados, sem opção de compra, a clientes domiciliados fora do seu próprio território contratual ° Exclusão do benefício da isenção

    (Regulamento n. 123/85 da Comissão)

    Sumário


    1. O artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de acordar com os seus concessionários que não forneçam veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em sistema de leasing) cujo domicílio ou sede social se situe fora do território contratual do distribuidor em questão, ou de convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento.

    Por um lado, com efeito, um tal acordo, ao estabelecer uma protecção territorial absoluta para os diferentes distribuidores e ao reduzir a liberdade de acção comercial de cada distribuidor na medida em que restringe, em relação a cada um, a escolha dos seus clientes unicamente às sociedades de leasing que celebraram contratos com os locadores (em sistema de leasing) estabelecidos no interior do seu território contratual, tem por objectivo e por efeito restringir de forma sensível a concorrência no interior do mercado comum. Por outro lado, um tal acordo, na medida em que se refere a produtos que são objecto de importantes trocas comerciais internacionais, é susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros.

    2. O Regulamento n. 123/85, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, deve ser interpretado no sentido de que não isenta um acordo pelo qual um construtor automóvel, que vende os seus veículos por intermédio de um sistema de distribuição selectiva, impõe aos seus distribuidores que não forneçam veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em sistema de leasing) cujo domicílio ou sede social se situe fora do território contratual do distribuidor em causa, ou convida os referidos distribuidores a adoptar este comportamento.

    Partes


    No processo C-70/93,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Bundesgerichtshof, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Bayerische Motorenwerke AG

    e

    ALD Auto-Leasing D GmbH,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE e do Regulamento (CEE) n. 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. N. Kakouris, D. A. O. Edward, G. Hirsch, presidentes de secção, G. F. Mancini, F. A. Schockweiler (relator), J. C. Moitinho de Almeida, P. J. G. Kapteyn, P. Jann, H. Ragnemalm e L. Sevón, juízes,

    advogado-geral: G. Tesauro,

    secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    ° em representação da Bayerische Motorenwerke AG, por Karl Peter Mailaender, advogado no foro de Estugarda,

    ° em representação da ALD Auto-Leasing D GmbH, por Albrecht Bach, advogado no foro de Estugarda,

    ° em representação do Governo alemão, por Claus-Dieter Quassowski, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

    ° em representação do Governo francês, por Philippe Pouzoulet, subdirector na Direcção dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Hubert Renié, secretário dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,

    ° em representação do Governo do Reino Unido, por S. Lucinda Hudson, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistida por Peter Goldsmith, QC,

    ° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Bernd Langeheine, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da Bayerische Motorenwerke AG, da ALD Auto-Leasing D GmbH, do Governo francês, do Governo do Reino Unido e da Comissão, representada por Goetz zur Hausen, consultor jurídico, na qualidade de agente, na audiência de 17 de Maio de 1994,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Novembro de 1994,

    visto o despacho de reabertura da fase oral de 25 de Janeiro de 1995,

    ouvidas as alegações da Bayerische Motorenwerke AG, da ALD Auto-Leasing D GmbH, do Governo francês, do Governo do Reino Unido, representado por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, assistida por Peter Goldsmith, e da Comissão, representada por Bernd Langeheine, na audiência de 31 de Maio de 1995,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Junho de 1995,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por despacho de 19 de Janeiro de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Março seguinte, o Bundesgerichtshof colocou, ao abrigo do artigo 177. do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE e do Regulamento (CEE) n. 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150, a seguir "Regulamento n. 123/85").

    2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Bayerische Motorenwerke AG (a seguir "BMW") à ALD Auto-Leasing D GmbH (a seguir "ALD") a propósito de uma circular enviada pelo construtor automóvel BMW aos seus concessionários na Alemanha, onde lhes solicita que não abasteçam as sociedades de leasing que colocam veículos à disposição de clientes cujo domicílio ou sede social se situa fora do território contratual do distribuidor em causa.

    3 A ALD é uma sociedade de leasing independente dos construtores automóveis. Oferece, entre outros, a locação em leasing de veículos da marca BMW, que compra junto dos distribuidores ou das sucursais da sociedade-mãe BMW que lhe oferecem as melhores condições de preço. Conclui-se do despacho do órgão jurisdicional nacional que os contratos propostos pela ALD não incluem opção de compra.

    4 O construtor BMW vende os seus veículos na Alemanha através, por um lado, de sucursais e, por outro, de distribuidores seleccionados. No estrangeiro, as suas vendas são organizadas da mesma forma, nomeadamente nos Estados-Membros da Comunidade. Nos termos do ponto 2.4 do contrato concluído pela BMW com os seus distribuidores, estes não podem "servir-se de um intermediário fora do território contratual relativamente ao produto contratual".

    5 A BMW desenvolve também as suas actividades no domínio do leasing automóvel na medida em que este grupo inclui a BMW-leasing GmbH, cujas prestações são, aliás, propostas pelos distribuidores BMW.

    6 O aparecimento de sociedades de leasing independentes, não submetidas por isso às obrigações contratuais a que estão sujeitos os membros da rede BMW (nomeadamente, a de limitar a sua actividade a um território determinado), provocou, segundo a BMW, um desequilíbrio na sua organização comercial. De facto, estas sociedades independentes concentram as suas compras em certos distribuidores BMW e alugam (em sistema leasing) os veículos a clientes estabelecidos fora do território contratual desses distribuidores. Os clientes dirigem-se em seguida, para as prestações gratuitas de manutenção e de serviço à clientela, ao distribuidor BMW do território contratual onde estão estabelecidos. Esses distribuidores, não tendo intervindo na transacção de venda inicial, não obtêm assim nenhuma margem de lucro. Denunciaram, deste modo, à BMW a actividade perturbadora da rede das sociedades de leasing independentes.

    7 Na sequência destas denúncias, a BMW enviou, em 12 de Fevereiro de 1988, aos seus distribuidores na Alemanha, uma circular intitulada "Abastecimento de sociedades de leasing estranhas ao grupo", onde se afirma, nomeadamente:

    "Deste modo, é proibido negociar com subscritores de um contrato de leasing que têm a sua sede fora do território contratual e que foram ou são procurados pela sociedade externa. Nestes casos, a sociedade terceira de leasing assume, na prática, uma função de intermediário. Ora, esta função no âmbito das relações comerciais permanentes fora do território contratual constitui uma infracção ao ponto 2.4 do contrato celebrado pela BMW com os seus revendedores. Só assim não será se a procura relativa ao veículo provier do cliente/locador (em sistema de leasing), isto é, quando a vossa empresa desenvolver relações comerciais com um cliente que pretende fazer intervir uma sociedade terceira de leasing. Neste caso, a procura não é provocada pelo intermediário, limitando-se a sociedade de leasing a executar o contrato concreto de leasing.

    Relações comerciais análogas no âmbito do território contratual não levantam, ao invés, nenhum problema.

    Daí resultam as seguintes consequências para o desenvolvimento da vossa actividade comercial:

    1. Nos contratos com sociedades de leasing estranhas ao grupo constitui, em princípio, vossa obrigação, nos termos do contrato de concessão, certificarem-se da residência ou sede de cada cliente. Se essa residência ou sede não se situar no território contratual, devem, em princípio, remeter essa sociedade de leasing para o membro da rede comercial responsável pela área respectiva.

    ...

    3. No caso de violação das instruções anteriores, assiste-nos o direito de rescisão do contrato, em conformidade com o ponto 11.5, após advertência da pessoa em causa.

    ..."

    8 A ALD considerou que esta circular violava tanto o direito da concorrência alemão como o artigo 85. do Tratado CEE. Recorreu, portanto, para o Landgericht Frankfurt am Main para que ordenasse à BMW que cessasse o seu comportamento anticoncorrencial. Com base no direito nacional, o Landgericht deu provimento à acção de condenação da ALD, considerando que o convite para não abastecer, em certas condições, as sociedades de leasing independentes constituía um apelo ao boicote dessas sociedades, com o objectivo de as prejudicar de forma iníqua, objectivo contrário ao direito alemão da concorrência.

    9 A BMW interpôs, sem êxito, recurso desta decisão para o Oberlandesgericht Frankfurt am Main.

    10 A BMW interpôs então recurso ("Revision") para o Bundesgerichtshof, que confirmou, em parte, as decisões dos órgãos jurisdicionais inferiores. No entender do Bundesgerichtshof, a circular contém, de facto, um convite à recusa de venda que ultrapassa o âmbito das obrigações contratuais dos distribuidores e se refere principalmente à ALD, que é a mais importante sociedade de leasing independente na Alemanha. O Bundesgerichtshof não considerou, no entanto, que esta circular constituísse, por isso, um apelo ao boicote interdito pelo direito alemão, que pressupõe a prova da vontade de prejudicar de forma iníqua as sociedades de leasing independentes. Em seu entender, esta vontade não existe na medida em que o comportamento da BMW se encontra dentro dos limites das práticas anticoncorrenciais autorizadas pelo direito comunitário no âmbito de um sistema de distribuição selectiva. Assim, o Bundesgerichtshof entendeu que a compatibilidade da circular com o direito comunitário e, nomeadamente, com o Regulamento n. 123/85 podia pôr em causa a condenação da referida circular face ao direito nacional.

    11 A BMW considera, por um lado, que o convite a não abastecer está abrangido pelo regulamento comunitário de isenção e, por outro, que a isenção concedida pelo direito comunitário impede a aplicação pelo órgão jurisdicional nacional da regulamentação alemã mais estrita em matéria de concorrência.

    12 No entanto, na ausência de uma isenção explícita, no Regulamento n. 123/85, de compromissos como o que a circular impõe aos distribuidores BMW, o Bundesgerichtshof duvida que este regulamento possa justificar o comportamento da BMW.

    13 Com base nestas considerações, decidiu suspender a instância e convidou o Tribunal de Justiça a pronunciar-se a título prejudicial sobre as seguintes questões:

    "1) Constitui violação do artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE ° à luz do Regulamento (CEE) n. 123/85 ° o facto de um construtor de automóveis que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva acordar com os seus concessionários que as empresas de leasing independentes não devem ser abastecidas com veículos quando estes sejam postos à disposição de clientes que têm o seu domicílio ou sede social fora da área da concessão do correspondente concessionário, ou o facto de um construtor de automóveis dirigir um pedido ao concessionário para adoptar tal comportamento?

    2) No caso de resposta negativa à primeira questão: o Regulamento (CEE) n. 123/85 obsta a que uma decisão dum tribunal nacional proíba um construtor de automóveis de dirigir aos seus concessionários uma recomendação nos termos referidos na primeira questão, em virtude de a mesma constituir uma recomendação ilegal para dificultar as transacções, à face do direito nacional relativo às restrições da concorrência?"

    Quanto à primeira questão prejudicial

    14 Através da primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional procura, em primeiro lugar, saber se o artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de combinar com os seus concessionários o não abastecimento de veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em leasing) cujo domicílio ou sede social se situa fora do território contratual do distribuidor em causa, ou de convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento. Caso necessário, pergunta, em segundo lugar, se o Regulamento n. 123/85 deve ser interpretado no sentido de que isenta este tipo de acordo.

    Quanto à aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado

    15 Por força de jurisprudência constante, determinada pelos acórdãos de 30 de Junho de 1966, Société technique minière (LTM) (56/65, Colect. 1965-1968, p. 381), e de 13 de Julho de 1966, Consten e o./Comissão (56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423), os acordos entre operadores situados em diferentes estádios do processo económico, também designados acordos verticais, podem constituir acordos na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado e ser abrangidos pela proibição enunciada nesta disposição.

    16 Além disto, no acórdão de 17 de Setembro de 1985, Ford/Comissão, (25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725, n. 21), o Tribunal de Justiça considerou que um convite dirigido por um construtor automóvel aos seus distribuidores constitui não um acto unilateral que escaparia ao âmbito de aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado, mas um acordo, na acepção desta disposição, quando se insere num conjunto de relações comerciais contínuas reguladas por um acordo geral preestabelecido.

    17 Resulta do processo que, no caso concreto, o convite de não abastecer as sociedades de leasing independentes, contido na circular de 12 de Fevereiro de 1988, entra no âmbito das relações contratuais entre a BMW e os seus distribuidores. Aliás, a circular remete expressamente e várias vezes para o contrato de concessão. O convite que contém insere-se, consequentemente, num conjunto de relações comerciais contínuas reguladas por um acordo geral preestabelecido.

    18 Este convite deve portanto ser considerado como um acordo na acepção do artigo 85. , n. 1, do Tratado. Para determinar se este acordo é proibido por esta disposição, importa examinar se a consequente proibição de abastecer tem por objectivo ou por efeito restringir, de forma sensível, a concorrência no interior do mercado comum e se é susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros.

    19 Quanto à condição relativa à restrição da concorrência, importa afirmar que, por força do acordo em causa, os distribuidores BMW só podem fornecer veículos da marca BMW a sociedades de leasing independentes, quando os veículos são colocados à disposição de locadores (em leasing) que têm a sua sede no território contratual do distribuidor em causa. Consequentemente, por um lado, apenas o distribuidor, no território do qual tem a sua sede o locador, está autorizado pelo construtor a fornecer à ALD veículos da marca BMW, com exclusão de todos os outros concessionários da BMW. Importa observar que isto equivale a uma protecção territorial absoluta para o distribuidor BMW no território do qual está estabelecido o cliente da ALD. Por outro lado, o acordo reduz a liberdade de acção comercial de cada distribuidor na medida em que limita, para cada um, a escolha dos seus clientes unicamente às sociedades de leasing que concluíram acordos com locadores (em leasing) estabelecidos no seu território contratual.

    20 Quanto à afectação do comércio intracomunitário, importa salientar que o acordo em causa, na medida em que se refere a produtos, como os veículos da marca BMW, que são objecto de importantes trocas comerciais internacionais, é susceptível, a duplo título, de afectar o comércio entre Estados-Membros. Antes de mais, este acordo vincula os distribuidores BMW numa parte substancial do mercado comum (a Alemanha) e contribui assim para a compartimentação do mercado alemão. Como o Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes, as práticas restritivas de concorrência, que se estendem a todo o território de um Estado-Membro, têm por efeito, pela sua própria natureza, consolidar a compartimentação dos mercados a nível nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (v. o acórdão de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n. 22). Em seguida, o acordo em causa tem por efeito restringir a possibilidade de as sociedades de leasing estrangeiras comprarem veículos da marca BMW na Alemanha. De facto, essas sociedades são de certo modo afectadas por uma proibição de exportação, uma vez que os distribuidores BMW alemães só lhes podem fornecer veículos nos casos em que o locador (em leasing) tem a sua sede no território contratual do distribuidor em causa.

    21 Atendendo às considerações precedentes, afigura-se que o acordo em causa tem por objectivo e por efeito restringir, de forma sensível, a concorrência no mercado comum e é susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros.

    22 Há portanto que responder à primeira parte da primeira questão prejudicial que o artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de acordar com os seus concessionários que não forneçam veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em leasing) cujo domicílio ou sede social se situe fora do território contratual do distribuidor em questão, ou convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento.

    Quanto ao Regulamento n. 123/85

    23 Em segundo lugar, o órgão jurisdicional nacional pergunta, basicamente, se este acordo está isento pelo Regulamento n. 123/85.

    24 O Regulamento n. 123/85 isenta da aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado os acordos pelos quais o fornecedor encarrega o revendedor (autorizado) de promover a distribuição dos produtos contratuais num território determinado e se compromete a reservar-lhe, no âmbito desse território, o abastecimento dos veículos automóveis e respectivas peças sobresselentes (artigo 1. ). Isenta também a obrigação imposta aos distribuidores de não vender veículos automóveis de marcas concorrentes (artigo 3. , n. 3) e de não vender os produtos contratuais a revendedores que não pertençam à rede de distribuição (artigo 3. , n. 10), a menos que se trate de intermediários, isto é, de operadores que agem em nome e por conta de consumidores finais e que recebem, para tal, uma autorização por escrito (artigo 3. , n. 11).

    25 Ao contrário, nenhuma das disposições do regulamento refere explicitamente o leasing. Apenas o artigo 13. , que define os termos utilizados no regulamento, prevê, no seu n. 12, que "' distribuir' e 'vender' incluem outras formas de comercialização tais como a locação financeira 'leasing' ".

    26 Combinando esta disposição com o artigo 3. , n. 10, alínea a), do regulamento, que permite que o construtor proíba os seus distribuidores de fornecer os produtos contratuais a um revendedor que não pertença à rede de distribuição, a BMW equipara, antes de mais, as sociedades de leasing independentes a revendedores que não fazem parte da sua rede de distribuição. Seria portanto lícito proibir os distribuidores de abastecerem sociedades de leasing independentes. Consequentemente, a proibição de fornecer resultante do acordo seria abrangida pelo Regulamento n. 123/85.

    27 Este argumento não deve ser acolhido.

    28 Há que recordar a título liminar que, tendo em conta o princípio geral da proibição dos acordos anticoncorrenciais consignado no artigo 85. , n. 1, do Tratado, as disposições de carácter derrogatório constantes de um regulamento de isenção por categoria não podem ser objecto de interpretação extensiva e não podem ser interpretadas de modo a alargar os efeitos do regulamento para além do que é necessário à protecção dos interesses que elas se destinam a garantir.

    29 Além disso, as sociedades de leasing que não oferecem opção de compra não podem ser consideradas como revendedores de veículos novos, os únicos visados pelo Regulamento n. 123/85, na medida em que se limitam a comprar veículos para satisfazer os pedidos dos seus clientes e não constituem stocks destinados a atrair a clientela.

    30 Finalmente, como justamente sublinhou a Comissão, a definição que consta do artigo 13. , n. 12, refere-se unicamente às relações entre o construtor e o distribuidor. Esta disposição visa, de facto, impedir que o distribuidor contorne algumas das suas obrigações contratuais recorrendo ao leasing. Assim, o artigo 13. , n. 12, tem por objectivo evitar que o distribuidor iluda a sua obrigação de não vender veículos de uma outra marca (artigo 3. , n. 3, do regulamento), oferecendo, em leasing, veículos de uma marca concorrente. De igual modo, garante o respeito da sua obrigação de não procurar activamente clientela fora do território que lhe foi atribuído (artigo 3. , n. 8, do regulamento), impedindo-o de praticar leasing dos produtos contratuais fora da sua zona. Assim, o artigo 13. , n. 12, não é pertinente para apreciar se as sociedades de leasing independentes são revendedores exteriores ao sistema de distribuição, na acepção do artigo 3. , n. 10, alínea a), do regulamento.

    31 A isenção prevista no artigo 3. , n. 10, alínea a), do regulamento não abrange, portanto, o convite da BMW de não abastecimento das sociedades de leasing independentes, como a ALD.

    32 A BMW alega, em segundo lugar, que este convite está igualmente abrangido pelo artigo 3. , n.os 8 e 9, do regulamento.

    33 Esta disposição permite que o construtor proíba os seus distribuidores, por um lado, de, fora do seu território contratual, procurarem clientela e instalarem armazéns para a distribuição dos produtos contratuais, e, por outro lado, de confiarem a terceiros a distribuição de produtos contratuais fora do território contratual.

    34 Quanto a isto, importa afirmar, antes de mais, que o fornecimento de veículos da marca BMW por distribuidores da rede a sociedades de leasing independentes cujos clientes potenciais se situariam fora do respectivo território contratual não constitui a manutenção de um armazém com vista à distribuição de produtos contratuais fora do território contratual. Em seguida, as sociedades de leasing independentes não são terceiros aos quais os distribuidores poderiam confiar a distribuição de veículos da marca BMW fora do território contratual. Com efeito, estas sociedades independentes da rede BMW não intervêm por conta de um distribuidor fora do seu território contratual, mas exercem a sua actividade em seu próprio nome e por sua própria conta, pelo que devem ser consideradas como utilizadores finais.

    35 O artigo 3. , n.os 8 e 9, do regulamento não abrange, consequentemente, o convite a não fornecer dirigido pela BMW aos seus distribuidores.

    36 Há que salientar ainda que, tratando-se das restrições territoriais impostas pelo construtor aos distribuidores, o Regulamento n. 123/85 enuncia expressamente no seu nono considerando:

    "As restrições impostas às actividades do distribuidor fora do território contratual levam-no a assegurar melhor a distribuição e o serviço num território determinado e controlável, a conhecer o mercado de maneira mais próxima da óptica do utilizador e a orientar a sua oferta em função das necessidades (n.os 8 e 9 do artigo 3. ). A procura de produtos contratuais deve, contudo, poder permanecer móvel e não regionalizada. Os distribuidores devem poder satisfazer não somente a procura desses produtos, no território contratual, mas também a que provenha de pessoas e de empresas estabelecidas noutros territórios do mercado comum..."

    37 Afigura-se assim que, apesar de o Regulamento n. 123/85 oferecer aos construtores importantes meios de protecção das suas redes, não os autoriza, no entanto, a compartimentar os seus mercados. No caso em apreço, o convite incluído na circular tem por objectivo e por efeito cantonar a distribuição dos veículos da marca BMW pelos distribuidores alemães da rede aos limites do respectivo território contratual e repercutir esta proibição nos clientes desses distribuidores que desenvolvam uma actividade de leasing fora da rede da BMW. Não é portanto susceptível de uma isenção concedida nos termos do artigo 85. , n. 3, do Tratado pelo Regulamento n. 123/85.

    38 Consequentemente, há que responder à segunda parte da primeira questão prejudicial que o Regulamento n. 123/85 deve ser interpretado no sentido de que não isenta este acordo.

    Quanto à segunda questão prejudicial

    39 Uma vez que a segunda questão se coloca unicamente na hipótese de o acordo em causa estar isento da proibição do artigo 85. , n. 1, do Tratado, pelo Regulamento n. 123/85, não há que lhe responder.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    40 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, francês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesgerichtshof, por despacho de 19 de Janeiro de 1993, declara:

    O artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de acordar com os seus concessionários que não forneçam veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em sistema de leasing) cujo domicílio ou sede social se situe fora do território contratual do distribuidor em questão, ou convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento.

    O Regulamento (CEE) n. 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n. 3 do artigo 85. do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, deve ser interpretado no sentido de que não isenta este acordo.

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