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Document 61993CC0465

Conclusões do advogado-geral Elmer apresentadas em 5 de Julho de 1995.
Atlanta Fruchthandelsgesellschaft mbH e outros contra Bundesamt für Ernährung und Forstwirtschaft.
Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Frankfurt am Main - Alemanha.
Regulamento - Reenvio prejudicial - Apreciação de validade - Juiz nacional - Medidas provisórias.
Processo C-465/93.

Colectânea de Jurisprudência 1995 I-03761

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:218

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MICHEAL B. ELMER

apresentadas em 5 de Julho de 1995 ( *1 )

Introdução

1.

Nos presentes processos, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main submeteu ao Tribunal de Justiça uma série de questões prejudiciais no contexto de um processo relativo à atribuição de contingentes pautais com base no Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (a seguir «regulamento») ( 1 ). O órgão jurisdicional de reenvio solicita em primeiro lugar ao Tribunal de Justiça que precise a sua jurisprudência quanto à possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem medidas provisórias no âmbito de litígios de direito comunitário. Seguidamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que decida quanto à validade do referido regulamento, nomeadamente do seu título IV e do artigo 21.o, n.o 2.

2.

No acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho ( 2 ), o Tribunal de Justiça negou provimento ao pedido de anulação do título IV e do artigo 21.o, n.o 2, do regulamento. O recurso de anulação da República Federal da Alemanha nesse processo tinha sido interposto em 14 de Maio de 1993.

3.

No mesmo dia, as recorrentes, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft mbH e dezassete outras sociedades do grupo Atlanta (a seguir «Atlanta») interpuseram um recurso no Tribunal de Justiça pedindo, nomeadamente, a anulação do regulamento. Por despacho de 21 de Janeiro de 1994 ( 3 ), o recurso interposto pela Atlanta foi julgado inadmissível pelo Tribunal de Justiça no que diz respeito ao pedido de anulação, porque a Atlanta não tinha legitimidade para agir nos termos do artigo 173.o do Tratado. Um pedido de medidas provisórias apresentado separadamente pela Atlanta contra o regulamento foi indeferido pela mesma razão por despacho de 6 de Julho de 1993 ( 4 ).

4.

Do mesmo modo, no processo C-280/93, já referido, a República Federal da Alemanha tinha apresentado um pedido de medidas provisórias nos termos dos artigos 185.o e 186.o do Tratado, no qual pedia ao Tribunal de Justiça que lhe permitisse autorizar a importação de bananas com isenção de direitos nas mesmas quantidades anuais que em 1992. Por despacho de 29 de Junho de 1993, o Tribunal de Justiça decidiu esse pedido. A questão da validade do regulamento na medida em que estavam em causa bananas originárias de países terceiros suscitava, segundo o despacho, questões jurídicas complexas. O pedido de medidas provisórias não parecia, à primeira vista, ser desprovido de todo o fundamento e não podia, assim, ser indeferido por essa razão. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrado que seria impossível aos importadores alemães abastecerem-se de quantidades equivalentes de bananas comunitárias e ACP ( 5 ), em vez das bananas originárias de países terceiros de futuro sujeitas a uma contingentação pautal. Além disso, o regulamento continha normas obrigando as instituições a adaptar o contingente pautal se isso se afigurasse necessário devido a circunstâncias excepcionais. Não havia, assim, necessidade absoluta de decretar medidas provisórias e, por essa razão, o Tribunal de Justiça indeferiu o pedido que tinha sido apresentado nesse sentido.

5.

No âmbito da entrada em vigor, em 1 de Julho de 1993, da organização comum de mercado no sector das bananas, a Atlanta solicitou a sua inscrição na lista dos operadores da categoria A nos termos do artigo 19.o, n.o 1, alínea a), do regulamento ( 6 ). As autoridades alemãs competentes atribuíram à Atlanta um contingente provisório para o período compreendido entre 1 de Julho de 1993 e 30 de Setembro do mesmo ano, que todavia era claramente menor que as quantidades de bananas que a Atlanta tinha anteriormente podido comercializar. Devido a esta limitação, a Atlanta interpôs, em 20 de Outubro de 1993, no Verwaltungsgericht Frankfurt am Main um recurso contencioso contra a República Federal da Alemanha, representada pelo Bundesamt für Ernährung und Forstwirtschaft. A Atlanta pediu, a título principal, a anulação das decisões relativas à atribuição dos contingentes na medida em que limitavam as possibilidades de a Atlanta importar bananas originárias de países terceiros. A título subsidiário, a Atlanta pediu a atribuição de um contingente ilimitado ou em todo o caso superior. A Atlanta alegou que o regulamento é ilegal.

6.

No decurso da instância, a Atlanta, em 8 de Novembro de 1993, pediu ao Verwaltungsgericht Frankfurt am Main que decretasse medidas provisórias, principalmente sob a forma de suspensão provisória das restrições à importação decorrentes da organização do mercado, subsidiariamente sob a forma de emissão de certificados de importação suplementares.

7.

Em 1 de Dezembro de 1993, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main, como medida provisória, ordenou ao Bundesamt für Ernährung und Forstwirtschaft que atribuísse a título provisório certificados de importação suplementares dentro dos limites do contingente pautal para os meses de Novembro e de Dezembro de 1993, em relação a uma quantidade total de cerca de 12579 toneladas. Ao mesmo tempo, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main submeteu ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais abaixo reproduzidas, relativas, por um lado, à possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem medidas provisórias e, por outro, quanto ao mérito, quer dizer, quanto ao pedido destinado a obter a declaração da nulidade do regulamento. Os despachos de reenvio expõem pormenorizadamente as razões pelas quais o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main considera que existe uma dúvida fundamentada quanto à legalidade do regulamento. Além disso, o tribunal de reenvio tece um determinado número de considerações relevantes relativamente à questão da possibilidade de os órgãos jurisdicionais decretarem medidas provisórias e refere nomeadamente, a este respeito, que essa competência dos órgãos jurisdicionais nacionais é análoga à competência reconhecida ao Tribunal de Justiça pelo artigo 186.o nos processos que lhe são submetidos.

8.

Em contrapartida, os despachos de reenvio não demonstram em que medida o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main teve em consideração o facto de, pelo já referido despacho de 29 de Junho de 1993, no processo C-280/93 R, o Tribunal de Justiça ter já indeferido um pedido de medidas provisórias semelhante no processo na altura pendente no Tribunal de Justiça entre a Alemanha e o Conselho, e em que se colocava — em termos comparáveis ao problema suscitado no Verwaltungsgericht Frankfurt am Main — a questão da validade do regulamento, nem em que medida teve em conta esse facto quando do exame da questão das medidas provisórias. Nesse processo, além disso, o Tribunal de Justiça, como se referiu acima, negou provimento ao recurso de anulação do título IV e do artigo 21.o, n.o 2, do regulamento, interposto pela República Federal da Alemanha.

9.

A pedido do Tribunal de Justiça, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main, em 5 de Dezembro de 1994, informou-o de que, depois de ter examinado com as partes a necessidade de uma resposta às questões submetidas, mantinha o seu pedido de decisão a título prejudicial, não obstante o acórdão de 5 de Outubro de 1994.

As questões prejudiciais

10.

As questões submetidas pelo Verwaltungsgericht Frankfurt am Main têm a seguinte redacção ( 7 )

«1)

Um tribunal nacional que tem grandes dúvidas sobre a validade de determinado regulamento comunitário, tendo portanto submetido a questão ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decisão a título prejudicial, pode em medida cautelar relativa a acto administrativo de autoridade nacional, praticado com base no regulamento que foi objecto do pedido prejudicial, regular ou dar uma determinada conformação provisória às situações ou relações jurídicas em causa, até que o Tribunal de Justiça se tenha pronunciado sobre o pedido que lhe foi submetido?

2)

Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa:

Em casos como o descrito, sob que condições pode o tribunal nacional adoptar medidas cautelares? Será necessário, ao ponderar as referidas condições, distinguir entre medidas cautelares destinadas a assegurar uma situação jurídica já existente e destinadas a criar uma nova situação jurídica?

3)

As disposições do título IV, particularmente os artigos 17.o, 18.o, 19.o, 20.o, segundo parágrafo, e 21.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1) são inválidas, desde logo, por o regulamento ter surgido com violação de formalidades essenciais, dado que

a)

o Conselho, em violação do n.o 2, terceiro parágrafo, do artigo 43.o e do n.o 1 do artigo 149.o do Tratado CEE, aprovou o Regulamento n.o 404/93 com uma redacção substancialmente diferente da proposta pela Comissão QO C 232 de 10 de Setembro de 1992), ou reportando-se a uma alteração da proposta da Comissão aprovada de forma não conforme com o respectivo regulamento interno;

b)

o Conselho, em violação do n.o 2, terceiro parágrafo, do artigo 43.o do Tratado CEE, aprovou o Regulamento (CEE) n.o 404/93 com uma redacção substancialmente diferente da proposta original da Comissão, sem ter consultado de novo o Parlamento Europeu;

c)

o Conselho, em violação do artigo 190.o do Tratado CEE, não apresentou fundamento jurídico idóneo para o aumento de direitos sobre a importação de bananas frescas e para a repartição do contingente pautal, não se tendo, além disso, baseado na proposta devida da Comissão?

4)

No caso de ser respondido à primeira questão que não houve vícios processuais na aprovação do Regulamento n.o 404/93, sendo este, assim, válido, o tribunal pede resposta para as questões complementares seguintes:

a)

O contingente pautal referido no protocolo relativo ao contingente pautal para as importações de bananas, anexo à convenção de aplicação relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade, prevista no artigo 136.o do Tratado, só poderá ser suprimido nas condições previstas no artigo 236.o CEE, sendo assim o n.o 2 do artigo 21.o do Regulamento (CEE) n.o 404/93 inválido?

b)

Os artigos 42.o, 43.o e 39.o do Tratado CEE constituem base jurídica suficiente para os preceitos do título IV do Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho?

c)

Os preceitos do título IV, particularmente os artigos 17.o a 19.o e 20.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho são inválidos por violarem

aa)

o princípio da liberdade de concorrência [artigos 3.o, alínea f), 38.o, n.o 2, e 85.o e segs. do Tratado CEE]?

bb)

a proibição de discriminação (n.o 3, segundo parágrafo, do artigo 40.o do Tratado CEE)?

cc)

o direito de propriedade das recorrentes?

dd)

o princípio da protecção da confiança legítima consagrado pelo direito comunitário,

ee)

o princípio da proporcionalidade consagrado pelo direito comunitário?»

Observações gerais sobre as medidas provisórias

11.

Nos termos do artigo 185.o do Tratado, os recursos interpostos no Tribunal de Justiça não têm efeito suspensivo. Todavia, o Tribunal de Justiça pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado, se considerar que as circunstancias o exigem. Além disso, nos termos do artigo 186.o, o Tribunal de Justiça, nas causas submetidas à sua apreciação, pode ordenar as medidas provisorias necessárias.

O recurso às medidas provisorias previstas nos artigos 185.o e 186.o tem por objectivo, provisoriamente — quer dizer, aguardando-se o que venha a ser decidido no processo principal e na medida do necessário —, garantir os interesses jurídicos de uma parte. Devem servir para manter o statu quo e garantir a plena eficácia da decisão definitiva. As medidas provisórias não podem, no entanto, exceder o âmbito do processo a que dizem respeito. A suspensão prevista no artigo 185.o só pode ser ordenada em relação ao acto jurídico impugnado. Outras medidas provisórias, nos termos do artigo 186.o, não podem provisoriamente ter por efeito conferir um estatuto jurídico mais favorável do que o susceptível de ser obtido com base numa decisão definitiva que dê razão à parte demandante ( 8 ).

Como exemplo de aplicação do artigo 185.o, pode-se citar o despacho de 5 de Abril de 1993 no processo Peixoto/Comissão ( 9 ), pelo qual o Tribunal de Primeira Instância suspendeu a aplicação de uma sanção disciplinar aplicada a um funcionário, até ser proferida no processo principal a decisão de mérito quanto à sanção disciplinar.

Como exemplos de aplicação do artigo 186.o, pode-se citar o despacho de 10 de Outubro 1989 no processo Comissão/Reino Unido ( 10 ), pelo qual o Tribunal de Justiça ordenou ao Reino Unido que não aplicasse determinadas condições relativas à nacionalidade numa lei do Reino Unido relacionada com a pesca, até o Tribunal de Justiça ter decidido sobre a compatibilidade dessa legislação com o direito comunitário, e o despacho de 27 de Setembro de 1988 no processo Comissão/Itália ( 11 ), pelo qual o Tribunal de Justiça ordenou à República Italiana, no âmbito de uma acção por incumprimento por violação da Directiva 71/305, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, que adoptasse todas as medidas necessárias para impedir a celebração, por um consórcio, de uma determinada empreitada, até à decisão no processo principal.

12.

Além disso, as medidas provisórias previstas nos artigos 185.o e 186.o devem dizer respeito a um processo submetido ao Tribunal de Justiça. Se, pelo contrário, se tratar de um processo pendente num órgão jurisdicional nacional, compete a esse órgão jurisdicional decidir quanto à oportunidade de decretar medidas provisórias, mesmo no caso de esse órgão jurisdicional nacional submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à legalidade de uma disposição comunitária ou sobre a interpretação do direito comunitário. No entanto, o direito comunitário impõe como condição que deva ser possível, através dessa medida provisória, proteger esse direito, até que se decida sobre a existência desse direito, quer dizer, até que o litígio tenha sido definitivamente decidido com base na resposta dada pelo Tribunal às questões do órgão jurisdicional nacional. O direito comunitário impõe também que essa protecção provisória, pelo menos em determinadas situações, seja concedida em condições análogas às aplicáveis pelo Tribunal de Justiça quando decreta medidas provisórias ( 12 ).

13.

Esta jurisprudência foi estabelecida pelo Tribunal de Justiça em dois acórdãos proferidos em processos prejudiciais. No primeiro acórdão, de 19 de Julho de 1990, no processo Factortame e o. ( 13 ), fora pedido ao Tribunal de Justiça que apreciasse em que medida os órgãos jurisdicionais nacionais têm competência para decretar medidas provisórias nos processos relativos à existência de direitos invocados com base no direito comunitário. Esse processo tinha a sua origem na adopção, pelo Governo do Reino Unido, de uma lei que excluía os navios de proprietários estrangeiros da inscrição no registo dos navios de pesca do Reino Unido e, através dela, os excluía da utilização das quotas de pesca do Reino Unido. Um determinado número de armadores excluídos consideraram que essa legislação era contrária às normas do direito comunitário em matéria de livre circulação. Assim, accionaram judicialmente o Reino Unido pedindo que a lei em questão fosse revogada e que não fossem aplicadas as condições previstas pela lei, impondo que o navio fosse de propriedade britânica e que fosse gerido a partir do Reino Unido, aguardando-se a decisão sobre a compatibilidade dessa exigência com o direito comunitário. O problema colocado nesse caso concreto era, pois, saber se se devia conceder a um direito, invocado a título do direito comunitário, uma protecção relativamente a uma legislação nacional contrária.

No seu acórdão, como introdução, o Tribunal de Justiça sublinhou que as regras de aplicabilidade directa do direito comunitário devem produzir a plenitude dos seus efeitos, de um modo uniforme em todos os Estados-Membros. A plena eficácia do direito comunitário seria no entanto diminuída se uma norma do direito nacional pudesse impedir o juiz a quem foi submetido um litígio regido pelo direito comunitário de decretar medidas provisórias. Do mesmo modo, o efeito útil do sistema instaurado pelo artigo 177.o do Tratado seria diminuído se um órgão jurisdicional nacional não pudesse decretar medidas provisórias até à prolação da sua decisão adoptada na sequência da resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial. Nestas condições, o Tribunal de Justiça concluiu que há que interpretar o direito comunitário no sentido de que quando o Tribunal de Justiça considerar que o único obstáculo que se opõe a que decrete medidas provisórias é uma norma de direito nacional, o órgão jurisdicional a quem é submetido o litígio relativo ao direito comunitário deve afastar a aplicação da norma de direito nacional.

14.

O segundo acórdão foi proferido em 21 de Fevereiro de 1991 nos processos apensos ditos «Zuckerfabrik», Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest ( 14 ). O processo era relativo a um regulamento do Conselho que instituiu uma quotização especial a cargo dos fabricantes de açúcar. Um fabricante alemão de açúcar a quem foi exigida uma quotização de cerca de 2 milhões de DM, para impedir a cobrança, recorreu a um órgão jurisdicional nacional alegando que o regulamento era ilegal e solicitou ao mesmo tempo a suspensão da execução da cobrança da quotização. O órgão jurisdicional nacional deferiu esse pedido e submeteu ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas, por um lado, à questão de saber se o regulamento em causa era legal e, por outro, se o artigo 189.o do Tratado se opunha a que um órgão jurisdicional nacional pudesse suspender os efeitos de um acto administrativo interno adoptado com base num regulamento comunitário e em que condições um órgão jurisdicional nacional pode decretar essa medida suspensiva.

O Tribunal de Justiça declarou que «o disposto no segundo parágrafo do artigo 189.o, do Tratado não pode obstar à existência da tutela judicial a que as pessoas têm direito ao abrigo do direito comunitário. Quando a execução administrativa de regulamentos comunitários incumbe às instâncias nacionais, a tutela judicial garantida pelo direito comunitário comporta o direito de as pessoas contestarem, de forma incidental, a legalidade desses regulamentos perante o juiz nacional e de levar este a submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

Esse direito ficaria comprometido se, na expectativa de um acórdão do Tribunal de Justiça... uma pessoa não pudesse, estando preenchidas determinadas condições, obter uma decisão de suspensão susceptível de paralisar, no que a essa pessoa respeita, os efeitos do regulamento em causa.

... Ora, no âmbito do recurso de anulação, o artigo 185.o do Tratado CEE confere ao recorrente a faculdade de pedir a suspensão da execução do acto impugnado e ao Tribunal de Justiça a competência para decretá-la. A coerência do sistema de tutela provisória exige, portanto, que o juiz nacional possa igualmente decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário cuja legalidade é posta em causa» ( 15 ).

Além disso, o Tribunal de Justiça referiu-se ao referido acórdão de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., e declarou a este respeito o seguinte:

«A tutela provisória assegurada perante os órgãos jurisdicionais nacionais pelo direito comunitário não pode variar consoante se discuta a compatibilidade de disposições do direito nacional com o direito comunitário ou a validade de actos comunitários de direito derivado, desde que, em ambos os casos, a impugnação se baseie no próprio direito comunitário» ( 16 ).

Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que «... o artigo 189.o do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional adoptado com base num regulamento comunitario» ( 17 ).

No respeitante aos requisitos da suspensão da execução, o Tribunal de Justiça declarou que «... uma medida de suspensão da execução de um acto impugnado só pode ser tomada se as circunstâncias de facto e de direito invocadas pelos requerentes criarem no órgão jurisdicional nacional a convicção de que existem sérias dúvidas acerca da validade do regulamento comunitário em que se baseia o acto administrativo impugnado. Só a possibilidade de uma declaração de invalidade, reservada ao Tribunal de Justiça, pode, efectivamente, justificar a concessão da suspensão.

Tenha-se igualmente em atenção que a suspensão da execução deve manter carácter provisório. O órgão jurisdicional nacional, quando decide em processos de medidas provisórias, só pode, portanto, decretar a suspensão desde que o Tribunal de Justiça ainda não se tenha pronunciado sobre a questão da validade. Assim, incumbe-lhe remeter essa questão a este Tribunal, expondo os fundamentos de invalidade que lhe parece deverem ser acolhidos» ( 18 ).

«Dado que o poder dos órgãos jurisdicionais para decretarem a suspensão corresponde à competência reservada ao Tribunal de Justiça pelo artigo 185.o no âmbito das acções ou recursos propostos com base no artigo 173.o, os referidos órgãos jurisdicionais só devem decretar a suspensão nas condições que estão estabelecidas para o Tribunal de Justiça no que respeita aos processos de medidas provisórias.

A este propósito, resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que as medidas de suspensão da execução de um acto impugnado só podem ser tomadas se forem urgentes, ou seja, se forem necessárias e se se pretender que produzam efeitos antes da decisão de mérito, a fim de evitar que a parte que as solicita sofra um prejuízo grave e irreparável.

No que respeita à urgência, esclareça-se que o prejuízo invocado pelo requerente deve ser susceptível de se concretizar antes de o Tribunal de Justiça poder pronunciar-se sobre a validade do acto comunitário impugnado. Quanto à natureza do prejuízo, como já por várias vezes foi decidido pelo Tribunal, um prejuízo puramente pecuniário não pode, em princípio, ser considerado irreparável. Todavia, compete ao órgão jurisdicional que deva conhecer das medidas provisórias examinar as circunstâncias de cada caso concreto. Para tanto, deve apreciar os elementos que lhe permitam determinar se a execução imediata do acto que é objecto do pedido de suspensão seria susceptível de provocar ao requerente prejuízos irreversíveis e impossíveis de ser reparados no caso de o acto comunitário ser declarado inválido.

Acrescente-se, por outro lado, que o juiz nacional encarregue de aplicar, dentro dos limites da sua competência, as disposições do direito comunitário tem obrigação de assegurar a plena eficácia deste e, assim, em caso de dúvida acerca da validade dos regulamentos comunitários, deve tomar em conta o interesse da Comunidade em que esses regulamentos não sejam afastados sem garantias sérias.

A fim de cumprir essa obrigação, o órgão jurisdicional nacional, ao qual seja apresentado um pedido de suspensão, deve verificar, em primeiro lugar, se o acto comunitário em causa não ficaria, na falta de imediata aplicação, privado de qualquer efeito útil.

Quando a suspensão da execução for susceptível de provocar um risco financeiro para a Comunidade, o órgão jurisdicional nacional deve igualmente poder impor ao requerente a prestação de garantias suficientes, como a caução ou o depósito à ordem do tribunal» ( 19 ).

Em conclusão, o Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 189.o do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto administrativo nacional adoptado com base num regulamento comunitário», e que «a suspensão da execução de um acto nacional adoptado em execução de um acto comunitário só pode ser concedida por um órgão jurisdicional nacional se esse órgão tiver sérias dúvidas quanto à validade do acto comunitário e se, no caso de a questão da validade do acto impugnado não ter sido ainda submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, esse mesmo órgão lha reenviar, se houver urgência, se o requerente correr o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável e se esse órgão jurisdicional tomar em devida conta o interesse da Comunidade».

As primeira e segunda questões

15.

Como o demonstram as considerações precedentes, um órgão jurisdicional nacional pode suspender a aplicação de um acto jurídico nacional adoptado em execução de um acto comunitário cuja legalidade é contestada perante o juiz nacional, no contexto dum pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça por esse órgão jurisdicional, por analogia com a faculdade reconhecida ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 185.o do Tratado, de ordenar a suspensão da execução do acto jurídico impugnado. Através da sua primeira questão, o tribunal de reenvio solicita, na realidade, a apreciação do Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se um órgão jurisdicional nacional pode, numa situação análoga, decretar medidas provisórias diferentes da suspensão da execução do acto jurídico, por analogia com as medidas provisórias que nos termos do artigo 186.o do Tratado o Tribunal de Justiça pode decretar nos processos que lhe são submetidos. Devo entender a segunda questão no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio deseja saber em que condições poderia, eventualmente, decretar tais medidas e, nomeadamente, se essas condições correspondem às que regulamentam a suspensão da execução de um acto jurídico. Em minha opinião, há que responder globalmente a essas questões.

16.

O Governo espanhol propõe ao Tribunal de Justiça que responda de forma negativa, entre outras razões, porque o órgão jurisdicional nacional poderia, caso contrário, substituir o legislador comunitário.

17.

A Atlanta, os Governos francês, italiano e alemão, bem como a Comissão, consideram, pelo contrário, que o Tribunal de Justiça deve responder afirmativamente a essa primeira questão. O interesse inerente à coerência das normas que instituem as vias de recurso provisórias impõe, na opinião deles, que os órgãos jurisdicionais nacionais tenham a possibilidade, no âmbito de processos prejudiciais, de recorrer às medidas provisórias referidas no artigo 186.o As condições em que os órgãos jurisdicionais nacionais podem decretar medidas provisórias devem, além disso, ser as mesmas a que a jurisprudência sujeita a concessão, pelo Tribunal de Justiça, das medidas provisórias previstas nos artigos 185.o e 186.o, no âmbito de um processo nos termos do artigo 173.o: v. o acórdão no processo Zuckerfabrik. Os Governos francês e italiano, a este respeito, entre outras razões, referem a necessidade de o órgão jurisdicional nacional fazer uma apreciação rigorosa das condições e exigir, nesse âmbito, a prestação de uma caução nos casos em que uma medida provisória é susceptível de pôr em perigo os interesses financeiros da Comunidade. A Comissão considera que, para além da remissão para as condições expostas no acórdão Zuckerfabrik, o Tribunal de Justiça deve declarar que a concessão de medidas provisórias está sujeita à obrigação de tomar devidamente em conta as eventuais decisões do Tribunal de Justiça relativamente ao mesmo acto jurídico comunitário. A Atlanta sustenta que as normas comunitárias não se opõem a que o órgão jurisdicional nacional decrete medidas provisórias em condições menos estritas, se o direito nacional lhe dá essa possibilidade.

18.

O Reino Unido espera que o Tribunal responda afirmativamente à primeira questão, mas considera que a possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem medidas provisórias deve ser sujeita a critérios mais rigorosos do que os fixados no acórdão Zuckerfabrik. Se a dúvida quanto à validade apenas é respeitante às normas processuais, cujo incumprimento não pode ser reputado ter afectado o teor do acto comunitário, a possibilidade de decretar medidas provisórias devia ser excluída. Também se deve, designadamente, poder exigir do órgão jurisdicional nacional que apresente uma fundamentação exaustiva quanto às razões pelas quais considera que o acto comunitário deveria, com toda a probabilidade, ser declarado inválido.

19.

Em minha opinião, é difícil traçar uma linha de demarcação muito clara entre a suspensão da execução do acto impugnado referida no artigo 185.o do Tratado e as (outras) medidas provisorias necessárias, na acepção do artigo 186.o Os casos de suspensão a que alude a segunda frase do artigo 185.o podem, na realidade, ser considerados um subgrupo especial dentro das medidas provisorias referidas no artigo 186.o

20.

No caso em apreço, a suspensão da execução do acto jurídico nacional baseado no regulamento comunitario significaria provavelmente que a Atlanta poderia continuar, sem qualquer obstáculo, a exercer a sua actividade de importadora de bananas originárias de países terceiros — e talvez mesmo aumentar a sua actividade no mercado actualmente regulamentado — até que a questão da validade do regulamento fosse decidida. Em relação a essa hipótese, a medida provisória aplicada pelo órgão jurisdicional nacional continha uma restrição, o que teve por consequência que a Atlanta, em qualquer caso, não obteve uma situação mais favorável do que o statu quo ante. Assim, a medida provisória aplicada pode ser considerada a expressão de uma «medida mínima» relativamente à «medida máxima», que seria a suspensão da execução do regulamento relativamente à Atlanta.

21.

Evidentemente daria matéria de reflexão se a faculdade concedida aos órgãos jurisdicionais nacionais de decretar medidas provisórias correspondentes às referidas no artigo 186.o do Tratado pudesse ser desviada pelo facto de o órgão jurisdicional nacional substituir o legislador comunitário. No entanto, tal não é o caso. Tal como uma decisão do Tribunal de Justiça num processo de medidas provisórias nos termos dos artigos 185.o e 186.o no âmbito de um recurso interposto nos termos do artigo 173.o do Tratado, a possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais recorrerem a medidas provisórias nas causas que são objecto de um processo nos termos do artigo 177.o deve ser limitada a medidas de carácter temporário, isto é, até que se tenha decidido no processo principal e na medida em que isso seja necessário para assegurar a posição jurídica de uma parte protegendo o statu quo e para garantir a plena eficácia da decisão definitiva.

22.

Aos particulares é apenas reconhecida de modo limitado a legitimidade para agir nos termos do artigo 173.o do Tratado para fiscalização da legalidade dos actos comunitários, isto é, unicamente na medida em que esses actos lhes digam directa e individualmente respeito. Em contrapartida, os particulares dispõem na prática de um direito de recurso mais alargado perante os órgãos jurisdicionais nacionais contra actos jurídicos adoptados em relação a eles pelos Estados-Membros em execução de actos comunitários. O presente processo é disso uma ilustração, dado que, pelos despachos Atlanta/Conselho e Comissão e Atlanta/Conselho, já referidos, o Tribunal de Justiça julgou inadmissível o recurso de anulação interposto pela Atlanta contra o regulamento, bem como o pedido da Atlanta destinado à concessão de medidas provisórias, pela razão de que a Adanta não preenchia as condições da legitimidade activa.

23.

É igualmente por esta razão que deve existir um paralelismo entre a protecção jurisdicional provisória que pode ser obtida no âmbito de um recurso interposto no Tribunal de Justiça, para que seja apreciada a legalidade de um acto comunitario nos termos do artigo 173.o do Tratado, e a protecção jurisdicional provisória susceptível de ser obtida num processo pendente num órgão jurisdicional nacional, relativo às mesmas questões, submetido a título prejudicial à apreciação do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o As normas em matéria de processos de medidas provisórias contidas nos artigos 185.o e 186.o do Tratado constituem no seu conjunto ( 20 ) um sistema lógico e coerente para assegurar a protecção jurisdicional dos particulares em relação à violação dos seus direitos por parte do legislador comunitário. Essas normas dão a possibilidade de escolher a medida que seja concretamente a mais apta para proteger o statu quo ante da pessoa em causa e, ao mesmo tempo, preservar os interesses da Comunidade. A protecção jurisdicional provisória susceptível de ser ordenada no âmbito de um processo prejudicial não é, assim, limitada, em minha opinião, à suspensão da execução de actos jurídicos, como é mencionado no artigo 185.o do Tratado, mas abrange também as medidas provisórias necessárias, referidas no artigo 186.o

24.

A consideração do paralelismo entre a protecção jurisdicional provisória susceptível de ser obtida no âmbito de um recurso interposto perante o Tribunal de Justiça, relativo à validade de um acto jurídico comunitário, nos termos do artigo 173.o do Tratado e a protecção jurisdicional provisória susceptível de ser obtida num processo pendente num órgão jurisdicional nacional, relativo às mesmas questões, que são submetidas a título prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o, exige em minha opinião que sejam aplicadas as mesmas condições nas decisões a proferir a esse respeito, respectivamente, pelo Tribunal de Justiça e pelos órgãos jurisdicionais nacionais. As condições descritas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Zuckerfabrik a que acima fiz referência devem também aplicar-se no que diz respeito às (outras) medidas provisórias, referidas no artigo 186.o do Tratado.

25.

Assim, não me é possível aderir à tese da Atlanta segundo a qual o direito comunitário não se opõe a que o um órgão jurisdicional nacional decrete medidas provisórias sob condições menos estritas, se existir essa possibilidade no direito nacional. Um órgão jurisdicional nacional pode suspender um acto administrativo nacional adoptado em execução de um acto jurídico comunitário ou decretar medidas provisórias se as condições anteriormente indicadas estiverem preenchidas.

26.

Também não estou de acordo com a tese do Reino Unido segundo a qual seria necessário definir critérios mais rigorosos do que os fixados no acórdão Zuckerfabrik. Também não vejo por que razão não se poderiam decretar medidas provisórias em caso de incumprimento de regras processuais cuja transgressão não é considerada ter afectado a essência do direito comunitário. As regras processuais têm precisamente por objectivo assegurar uma tomada de decisão qualificada e, através da mesma, a qualidade da essência dos actos jurídicos adoptados. No respeitante, nomeadamente, às disposições que regulamentam a consulta do Parlamento, o Tribunal de Justiça sublinhou numa jurisprudência constante que a participação do Parlamento no processo legislativo da Comunidade constitui um elemento essencial do equilíbrio institucional decorrente do Tratado. A consulta regular do Parlamento nos casos previstos pelo Tratado constitui, assim, uma regra processual essencial, de cujo incumprimento resulta a ilegalidade ( 21 ).

27.

Quanto à questão de decidir sobre a questão de saber se os órgãos jurisdicionais nacionais devem decretar medidas provisórias no contexto da apresentação de um pedido de decisão prejudicial relativo à validade de um acto jurídico comunitário, os órgãos jurisdicionais nacionais devem acatar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicação dos artigos 185.o e 186.o do Tratado, e, na medida em que esta jurisprudência evoluir sobre essa questão, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a adaptar a sua jurisprudência nesse sentido.

28.

No exercício das suas competências, os órgãos jurisdicionais nacionais devem prestar uma particular atenção às decisões que o Tribunal de Justiça eventualmente tenha proferido ou venha a proferir relativamente à legalidade do acto jurídico comunitário que é precisamente o objecto das questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Um órgão jurisdicional nacional não pode — ou já não pode — ter sérias dúvidas quanto à validade de um acto jurídico comunitário se o Tribunal de Justiça já decidiu — ou decidiu posteriormente — essencialmente as mesmas questões que as suscitadas perante o órgão jurisdicional nacional. Do mesmo modo, os órgãos jurisdicionais nacionais devem prestar atenção às decisões que o Tribunal de Justiça eventualmente tenha proferido ou venha a proferir relativamente a medidas provisórias contra o acto comunitário em causa. A obrigação geral de lealdade que incumbe aos Estados-Membros nos termos do artigo 5.o do Tratado é válida também em relação aos órgãos jurisdicionais nacionais e implica, para estes, que se informem oficiosamente sobre a existência dessas decisões e as tenham devidamente em conta, mesmo depois de terem decretado medidas provisórias. Se for caso disso, devem anular essas medidas provisórias. Assim, não considero necessário, como propôs a Comissão, acrescentar outras exigências à lista das condições referidas no acórdão Zuckerfabrik.

29.

A obrigação de um órgão jurisdicional nacional expor os fundamentos que justificam as suas dúvidas relativamente à validade do acto comunitário em causa resulta já do n.o 24 do acórdão Zuckerfabrik. Deste modo, considero que não há razão, como propõe o Reino Unido, para tornar mais rigorosa essa obrigação de fundamentação. Sem insistir nas vantagens e nos inconvenientes do modo de formular os acórdãos e os despachos dos diferentes sistemas jurídicos, devo sublinhai que obrigar um órgão jurisdicional nacional a fundamentar de modo pormenorizado constituiria, em minha opinião, uma intromissão inoportuna nas regras processuais em vigor nos Estados-Membros. Um texto longo não é necessariamente melhor ou mais informativo que um texto conciso, talvez seja mesmo o contrário. O Tribunal de Justiça, em minha opinião com razão, não determinou condições estritas de fundamentação relativamente aos despachos de reenvio dos órgãos jurisdicionais nacionais.

30.

No respeitante em pormenor ao modo como o Tribunal de Justiça deve responder às primeira e segunda questões, sublinho que a formulação das conclusões no acórdão que o Tribunal de Justiça proferiu no processo Zuckerfabrik pode, à primeira vista, suscitar dúvidas quanto à questão de saber se as normas relativas à possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais suspenderem a execução de actos jurídicos nacionais adoptados com base num acto jurídico comunitário fazem parte integrante do direito comunitário ou do direito nacional. O Tribunal de Justiça utilizou formulações tais como «o artigo 189.o do Tratado... não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução...» e «a suspensão da execução... só pode ser concedida por um órgão jurisdicional nacional... se...». Todavia, há que ter em atenção o facto de essas formulações corresponderem ao texto das questões apresentadas pelo órgão jurisdicional alemão em causa. A resposta dada pelo Tribunal de Justiça foi assim, por um lado, que o artigo 189.o não exclui o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais decretarem a suspensão da execução de um acto jurídico comunitário, mas que o direito comunitário, por outro, fixa determinadas restrições relativas às condições em que os órgãos jurisdicionais nacionais o podem fazer.

31.

No caso em apreço, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main formulou a sua primeira questão de modo diferente da formulada em primeiro lugar pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo Zuckerfabrik. Efectivamente, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main não coloca a questão de saber se «se exclui» que o órgão jurisdicional nacional decrete medidas provisórias, mas, pelo contrário, se um órgão jurisdicional nacional «pode» decretar essas medidas. Tendo em consideração que se trata também no caso em apreço de um pedido de decisão prejudicial proveniente de um órgão jurisdicional alemão e tendo em conta as possibilidades de esse órgão jurisdicional ordenar uma protecção jurisdicional provisória como a prevista no artigo 19.o, n.o 4, da Grundgesetz alemã, não é necessário que no caso em apreço o Tribunal de Justiça tome posição quanto à questão de saber se o direito comunitário, enquanto tal, permite aos órgãos jurisdicionais nacionais decretarem medidas provisórias em relação a actos administrativos nacionais adoptados com base em regulamentos comunitários. Fazendo-o, o Tribunal de Justiça faria todavia uma interpretação do direito alemão, o que no sistema de repartição de funções, de que o processo de cooperação do artigo 177.o constitui a expressão, é uma função que incumbe apenas aos órgãos jurisdicionais alemães. Em minha opinião, por outro lado, não há qualquer dúvida de que a faculdade de conceder uma protecção jurisdicional provisória num caso como o que é sujeito ao Tribunal de Justiça deve (também) decorrer directamente do direito comunitário, conforme foi declarado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão já referido no processo Factortame e o., bem como nos n.os 16, 17, 18 e 20 dos fundamentos do acórdão no processo Zuckerfabrik. Assim, considero que se pode responder à questão colocada de forma afirmativa.

32.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às primeira e segunda questões do seguinte modo:

1)

Um órgão jurisdicional nacional pode decretar as medidas provisórias necessárias relativamente a um acto administrativo baseado num regulamento comunitário.

2)

Tais medidas provisórias decretadas relativamente a um acto administrativo baseado num regulamento comunitário só podem todavia ser decretadas se o órgão jurisdicional nacional considerar que existem sérias dúvidas sobre a validade do regulamento comunitário e se, no caso de essa questão não ter sido ainda submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, esse mesmo órgão jurisdicional lha reenviar; além disso, a adopção de tais medidas está subordinada à condição da urgência absoluta, à existência de um risco para o requerente de sofrer um prejuízo grave e irreparável, bem como à condição de o órgão jurisdicional tomar em devida conta o interesse da Comunidade.

As terceira e quarta questões

33.

Estas questões prejudiciais, bem como os argumentos formulados a este respeito pela Atlanta e pelo Governo alemão, de modo geral dizem respeito a problemas a propósito dos quais o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de tomar posição no acórdão Alemanha/Conselho, já referido. As questões 3 a) a 3 c) apresentadas pelo Verwaltungsgericht Frankfurt am Main são tratadas nos n.os 32 a 42 dos fundamentos do acórdão; a questão 4 a) é tratada nos n.os 113 a 118, e as questões 4 b) e 4 c) nos n.os 53 a 80, e 88 a 92.

34.

No que diz respeito à questão da validade do regulamento, não surgiu qualquer elemento novo no caso em apreço que permita chegar a um resultado diferente daquele a que o Tribunal chegou no acórdão Alemanha/Conselho.

35.

A Atlanta e o Governo alemão solicitaram ao Tribunal de Justiça que defina determinadas modalidades transitórias para efeitos da aplicação do regulamento. Em apoio desse pedido, fizeram referência aos princípios da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e do livre exercício de uma actividade profissional. No entanto, o despacho de reenvio não contém questões a respeito de um regime transitório da organização comum de mercado no sector das bananas. No âmbito de um processo prejudiciai, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar os problema para os quais considera que é necessária uma decisão do Tribunal de Justiça. As partes no processo não podem nem restringir nem aumentar o número e a natureza das questões apresentadas pelo órgão jurisdicional nacional ( 22 ). Assim, não há que tomar posição sobre a questão de um regime transitório.

36.

Proponho ao Tribunal de Justiça que responda às terceira e quarta questões no sentido de que o exame das questões apresentadas ao Tribunal de Justiça não revelou qualquer elemento susceptível de pôr em dúvida a validade do Regulamento n.o 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas.

Conclusão

37.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às primeira e segunda questões do seguinte modo:

«1)

Um órgão jurisdicional nacional pode decretar as medidas provisórias necessárias relativamente a um acto administrativo baseado num regulamento comunitário.

2)

Tais medidas provisórias decretadas relativamente a um acto administrativo baseado num regulamento comunitário só podem todavia ser decretadas se o órgão jurisdicional nacional considerar que existem sérias dúvidas sobre a validade do regulamento comunitário e se, no caso de essa questão não ter sido ainda submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, esse mesmo órgão jurisdicional lha reenviar; além disso, a adopção de tais medidas está subordinada à condição da urgência absoluta, à existência de um risco para o requerente de sofrer um prejuízo grave e irreparável, bem como à condição de o órgão jurisdicional tomar em devida conta o interesse da Comunidade.

3)

O exame das questões apresentadas ao Tribunal de Justiça não revelou qualquer elemento susceptível de pôr em dúvida a validade do Regulamento (CEE) n.o 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas.»


( *1 ) Língua original: dinamarquês.

( 1 ) JO L 47, p. 1.

( 2 ) C-280/93, Colect., p. I-4973.

( 3 ) Atlanta/Conselho e Comissão, C-286/93, não publicado na Colectânea.

( 4 ) Atlanta/Conselho, C-286/93 R, não publicado na Colectânea.

( 5 ) As bananas ACP são definidas como as bananas originárias dos 69 países de Africa, das Caraíbas e do Pacífico com os quais a Comunidade celebrou os acordos de Lomé.

( 6 ) No que diz respeito às normas de execução, v. artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1442/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6), alterado em último lugar pelo Regulamento (CEE) n.o 2444/94 da Comissão (JO 1994, L 261, p. 3), bem como o Regulamento (CEE) n.o 1443/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece medidas transitórias para aplicação do regime de importação de bananas na Comunidade em 1993 QO L 142, p. 16).

( 7 ) As primeira e segunda questões foram apresentadas no processo C-465/93 e as terceira e quarta questões (numeradas de modo diferente) foram apresentadas no processo C-466/93.

( 8 ) V. Henrik von Holstein, in: Festskrift til Ole Due, p. 138 e segs.

( 9 ) T-21/93 R, Cole., p. II-463.

( 10 ) 246/89 R, Cole., p. 3125.

( 11 ) 194/88 R, Cole., p. 5647.

( 12 ) V. Henrik von Holstein, in: Festskrift til Ole Due, p. 143 e segs.

( 13 ) C-213/89, Coleo., p. I-2433.

( 14 ) C-143/88 c C-92/89, Colect., p. I-415.

( 15 ) N.oM6, 17 e 18.

( 16 ) N.o 20.

( 17 ) N.o21.

( 18 ) N.(tm)23 e 24.

( 19 ) N.(tm) 27 a 32.

( 20 ) E em conjugação com o artigo 192.o, quarto parágrafo; v. Hans Krück, in: Groeben e o.; «Kommentar zum EWG--Vertrag», p. 4674 e segs.

( 21 ) V, como mais recente, o acórdão de 30 de Março de 1995, Parlamento/Conselho (C-65/93, Colect., p. II-643).

( 22 ) V. acórdãos de 6 de Outubro de 1982, CILFTT e o. (283/81, Recueil, p. 3415, n.o 9), e de 5 de Outubro de 1988, Alsatel (247/86, Colect., p. 5987, n.(tm) 7 e 8).

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