Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61992TJ0010

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 18 de Dezembro de 1992.
    Cimenteries CBR SA, Blue Circle Industries plc, Syndicat Nationale des Fabricants de Ciments et de Chaux e Fédération de l'Industrie Cimentière asbl contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Concorrência - Comunicação das acusações - Acesso ao processo - Admissibilidade.
    Processos apensos T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 II-02667

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1992:123

    61992A0010

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (SEGUNDA SECCAO) DE 18 DE DEZEMBRO DE 1992. - CIMENTERIES CBR SA, BLUE CIRCLE INDUSTRIES PLC, SOCIETE NATIONALE DES FABRICANTS DE CIMENTS ET DE CHAUX E FEDERATION DE L'INDUSTRIE CIMENTIERE ASBL CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - COMUNICACAO DAS ACUSACOES - CONSULTA DO PROCESSO - ADMISSIBILIDADE. - PROCESSOS APENSOS T-10/92, T-11/92, T-12/92 E T-15/92.

    Colectânea da Jurisprudência 1992 página II-02667
    Edição especial sueca página II-00097
    Edição especial finlandesa página II-00099


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    Recurso de anulação - Actos susceptíveis de recurso - Conceito - Actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios - Procedimento administrativo de aplicação das regras da concorrência - Recusa de comunicar a uma empresa visada a totalidade da comunicação das acusações e de lhe consentir o acesso ao conjunto do processo - Acto preparatório - Exclusão - Direitos da defesa - Violação eventual que pode ser invocada como fundamento num recurso contra a decisão final da Comissão

    (Tratado CEE, artigo 173. ; Regulamento n. 17 do Conselho; Regulamento n. 99/63 da Comissão)

    Sumário


    Os actos através dos quais a Comissão recusou, no quadro de um procedimento administrativo de aplicação das regras da concorrência, por um lado, comunicar às empresas visadas uma parte da comunicação das acusações e, por outro, dar-lhes acesso ao conjunto dos documentos constantes do processo, não são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos de natureza a afectar, antes da eventual ocorrência de uma decisão que dê como verificada a existência de uma infracção às normas do Tratado, os interesses dessas empresas. Trata-se, portanto, unicamente de actos processuais, preparatórios em relação à decisão que constituirá o termo do procedimento administrativo organizado nos termos dos Regulamentos n. 17 e 99/63, que não podem, enquanto tais, ser objecto de recurso de anulação ao abrigo do artigo 173. do Tratado.

    Se é verdade que o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo susceptível de levar a sanções constitui um princípio fundamental de direito comunitário que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, a violação eventual desses direitos que pode constituir a recusa de acesso ao processo permanece circunscrita ao procedimento administrativo prévio em que se inscreve.

    Se, por hipótese, o juiz comunitário viesse a reconhecer, no quadro de um recurso contra uma decisão que pusesse termo ao processo, a existência de um direito de acesso completo ao processo que não tivesse sido respeitado e, por isso mesmo, viesse a anular a decisão em causa por violação dos direitos da defesa, seria o conjunto do processo que ficaria ferido de ilegalidade. Nesse caso, a Comissão seria obrigada ou a abandonar qualquer procedimento, ou a recomeçar o processo, respeitando os direitos anteriormente menosprezados.

    Partes


    Nos processos apensos T-10/92,

    Cimenteries CBR SA, sociedade de direito belga, com sede social em Bruxelas (Bélgica), representada por Michel Waelbroeck, Alexandre Vandencasteele e Denis Waelbroeck, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Ernst Arendt, advogado, 8-10, rue Mathias Hardt,

    T-11/92,

    Blue Circle Industries plc, sociedade de direito inglês, com sede social em Londres (Reino Unido), representada por Paul Lasok e Vivien Rose, barristers, do foro de Inglaterra e do País de Gales, e por Graham Child, solicitor na Supreme Court, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Elvinger & Hoss, 15, Côte d' Eich,

    T-12/92,

    Syndicat national des fabricants de ciments et de chaux, associação de direito francês, com sede social em Paris (França), representada por Edouard Didier e Jean-Claude Rivalland, advogados no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc Loesch, 8, rue Sainte Zithe,

    e T-15/92,

    Fédération de l' industrie cimentière ASBL, associação de direito belga, com sede social em Bruxelas (Bélgica), representada por Hans van Houtte e Onno W. Brouwer, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc Loesch, 8, rue Sainte Zithe,

    recorrentes,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Julian Currall, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que têm por objecto a anulação de uma ou várias decisões constantes de várias cartas dirigidas pela Comissão às recorrentes nos processos IV/27.997 - CPMA, IV/33.126 e IV/33.322 - Cimento, que lhes recusam o pleno acesso ao processo e a comunicação da totalidade das acusações,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

    composto por: J. L. Cruz Vilaça, presidente, D. P. M. Barrington, J. Biancarelli, A. Saggio e A. Kalogeropoulos, juízes,

    secretário: H. Jung

    vistos os autos e após a audiência de 24 de Novembro de 1992,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Os factos subjacentes ao litígio

    1 Em 25 de Abril de 1989, a Comissão, agindo oficiosamente, procedeu a um certo número de fiscalizações nos escritórios de uma dezena de empresas ou associações de empresas de vários Estados-membros, no quadro de um inquérito sobre a existência de acordos ou práticas concertadas na indústria cimenteira europeia. Outras empresas ou associações de empresas foram igualmente alvo de fiscalizações nos dias e semanas que se seguiram.

    2 Com base nos documentos recolhidos durante essas fiscalizações, bem como nas informações comunicadas, nos termos do artigo 11. do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85. e 86. do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir "Regulamento n. 17"), pelas empresas e associações de empresas em causa, a Comissão concluiu pela provável existência de um sistema de acordos ou de práticas concertadas, tanto a nível internacional como nacional, entre os produtores europeus de cimento, apoiados por certas associações profissionais nacionais e internacionais. Esse sistema teria essencialmente como objectivo a repartição dos mercados dos Estados-membros, a manutenção de barreiras entre esses mercados e a limitação das importações, quer das provenientes de outros Estados-membros quer de países terceiros.

    3 Foi neste contexto que a Comissão decidiu abrir processos de verificação de infracção ao disposto no artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE (processos IV/27.997 - CPMA, IV/33.126 e IV/33.322 - Cimento) contra um grupo de 76 empresas ou associações de empresas da indústria cimenteira, entre as quais as recorrentes. No âmbito desses processos, a Comissão enviou, durante o mês de Novembro de 1991, uma comunicação de acusações (a seguir "CA") a todas essas empresas ou associações de empresas, acusando-as de infracções ao artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE, e informando-as de que incorriam na aplicação de multas.

    4 Na CA, a Comissão distingue, no essencial, duas espécies de acusações relativas, respectivamente, a comportamentos no plano internacional e no plano nacional. A primeira série de acusações diz respeito a reuniões havidas no Cembureau, associação europeia que agrupa as várias federações nacionais, e à execução de um certo número de acções decididas nessas reuniões. A segunda espécie de acusações diz respeito a actuações que terão tido como objectivo a repartição dos mercados nacionais unicamente entre os produtores do Estado-membro em causa e a limitação das importações.

    5 A CA está dividida em duas partes cada uma delas dividida em vários capítulos. A primeira parte, intitulada "Os factos", tem nove capítulos. Os dois primeiros referem-se ao "Mercado do cimento" e às "Organizações internacionais de cimenteiras", dizendo os sete restantes respeito à análise das práticas verificadas noutros tantos mercados nacionais. A segunda parte, intitulada "Análise jurídica", está por sua vez dividida em três subpartes, entre as quais a primeira, relativa à aplicabilidade aos factos em litígio do artigo 85. , n. 1 do Tratado CEE, que comporta dez capítulos. Os três primeiros dizem respeito aos acordos e práticas descritos no capítulo 2 da primeira parte ("As organizações internacionais de cimenteiras"), enquanto os sete outros se referem aos acordos e práticas descritos em cada um dos capítulos da primeira parte consagrados ao exame de um mercado nacional. As duas outras subpartes dizem respeito, respectivamente, à não aplicabilidade do artigo 85. , n. 3, do Tratdo CEE e à aplicabilidade do artigo 15. , n. 2, do Regulamento n. 17.

    6 Embora se trate de um único documento, o texto da CA não foi integralmente comunicado a cada uma das 76 empresas e associações de empresas em causa. De facto, só os capítulos respeitantes ao comportamento no plano internacional (capítulos 1, 2, 10, 11 e 12) e as subpartes B e C da segunda parte da CA foram comunicadas a todas as empresas e associações de empresas visadas. Os capítulos relativos ao comportamento no plano nacional (capítulos 3 a 9 e 13 a 19) só foram enviados às empresas e associações de empresas sediadas no Estado-membro em causa. Além dos capítulos a elas respeitantes, os destinatários da CA só receberam o sumário completo da CA e uma lista do conjunto dos documentos do processo, com a indicação de quais podiam ser por elas consultados.

    7 Depois de terem recebido a CA e a lista dos documentos que podiam consultar, um certo número de empresas e associações de empresas, entre as quais as recorrentes, pediram à Comissão que lhes comunicasse os capítulos enviados a cada um dos destinatários da CA que não lhes tinham sido endereçados. Pediam também que a Comissão lhes facultasse a consulta da totalidade do processo, com excepção dos documentos internos ou confidenciais. Em resposta a esses pedidos, a Comissão informou as recorrentes, através de várias cartas que lhes endereçou durante os meses de Dezembro de 1991 e Janeiro e Fevereiro de 1992, nomeadamente, de que recusava transmitir-lhes os capítulos da CA dirigidos a cada um dos outros destinatários, bem como facultar-lhes o acesso aos documentos constantes do processo, além dos que já tinham podido consultar. Invocando a conexão entre os dois processos, a Fédération de l' industrie cimentière (a seguir "FIC"), pediu, ainda, à Comissão para responder simultaneamente à CA que já lhe tinha sido comunicada e à que a Comissão tivesse a intenção de lhe enviar relativamente ao acordo "Cement en Beton Stichting" (a seguir "acordos CBS"), notificado desde 14 de Janeiro de 1975. Por cartas de 27 de Janeiro e de 12 de Fevereiro de 1992, a Comissão fez saber à recorrente que o processo em curso não tinha ligação com o acordo CBS. Posteriormente, indeferiu os pedidos da FIC destinados, por um lado, a apensar o processo relativo ao acordo CBS ao processo originado pelo presente litígio, e, por outro, a prorrogar o prazo que lhe tinha sido dado para responder à CA.

    A tramitação processual

    8 Foi nestas circunstâncias que, através de requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12, 14 e 17 de Fevereiro de 1992, respectivamente, as recorrentes Cimenteries CBR SA (a seguir "CBR"), Blue Circles Industries plc (a seguir "Blue Circle"), Syndicat national des fabricants de ciments e de chaux (a seguir "SNFCC") e a FIC interpuseram os presentes recursos, destinados a obter a anulação das decisões constantes das referidas cartas da Comissão. Um quinto recurso com o mesmo objecto, interposto pela Eerste Nederlandse Cement-Industrie NV e pela Vereniging Nederlandse Cementindustrie, foi cancelado por despacho do Tribunal (Segunda Secção) de 14 de Setembro de 1992, na sequência da desistência das recorrentes.

    9 Em paralelo com os recursos, a totalidade das recorrentes apresentaram pedidos de medidas provisórias, nos termos dos artigos 185. e 186. do Tratado CEE e 105. , n. 2 do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, requerendo a suspensão dos procedimentos intentados pela Comissão até ao acórdão do Tribunal sobre o recurso. Por despacho de 23 de Março de 1992, o presidente do Tribunal indeferiu os pedidos de medidas provisórias, mas prorrogou o prazo concedido às recorrentes para responder à CA até 27 de Março de 1992 ou, caso as recorrentes respeitassem as condições fixadas pela Comissão quanto ao número de duplicados a apresentar, até terça feira, 31 de Março de 1992.

    10 Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução, e informar as partes de que a discussão na audiência se limitaria à questão da admissibilidade dos recursos. Tendo convidado as partes a apresentar as suas observações, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu, em 11 de Novembro de 1992, apensar os processos T-10/92, 11/92, 12/92 e 15/92, para efeitos da audiência e do acórdão.

    11 As alegações orais das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal quanto à admissibilidade dos presentes recursos foram ouvidas na audiência de 24 de Novembro de 1992. No final da audiência, o presidente deu por concluída a fase oral do processo.

    Os pedidos das partes

    12 No processo T-10/92, a CBR pede ao Tribunal que:

    - admita o recurso e lhe dê provimento;

    - anule a decisão da Comissão de 15 de Janeiro de 1992, que recusa a comunicação da totalidade da CA e o acesso à totalidade do processo, requeridos pela recorrente com o objectivo de exercer eficazmente os seus direitos da defesa relativamente à CA que a Comissão lhe enviou nos processos IV/33.126 Cimento e IV/27.997 - CPMA;

    - condene a Comissão nas despesas.

    13 No processo T-11/92, a Blue Circle pede que o Tribunal se digne:

    - anular a decisão ou as decisões da Comissão através das quais esta lhe recusou a comunicação da totalidade da CA, bem como o acesso a todos os documentos pertinentes do processo, e lhe fixou um prazo de resposta à CA para 24 ou 28 de Fevereiro de 1992;

    - condenar a Comissão nas despesas.

    14 No processo T-12/92, o SNFCC requer ao Tribunal que:

    - declare que a Comissão desrespeitou os seus direitos da defesa, ao recusar-lhe o acesso à totalidade dos documentos acessíveis às partes nacionais não francesas do processo que constituiu;

    - anule a decisão da Comissão que lhe recusa esse acesso, tal como esta se consubstancia nas cartas de 23 e 27 de Dezembro de 1991 e de 10 de Janeiro de 1992;

    - condenar a Comissão nas despesas que vierem a ser apresentadas.

    15 No processo T-15/92, a FIC pede que o Tribunal se digne:

    - admitir o recurso e dar-lhe provimento;

    - anular, em consequência, as decisões da Comissão de 29 de Novembro de 1991, de 27 de Janeiro e de 12 de Fevereiro de 1992, que recusam à recorrente:

    a) a faculdade de responder simultaneamente à CA que lhe foi enviada pela Comissão nos processos IV/27.997 - CPMA, IV/33.126 e IV/33.322 - Cimento, e à que a Comissão pretende enviar-lhe relativa ao acordo CBS, num prazo razoável de, pelo menos, dois meses;

    b) transmitir-lhe um "esclarecimento" claro e completo das acusações que a Comissão formula contra ela;

    c) o acesso a todos os documentos não confidenciais do processo, e

    d) o envio de certos capítulos da CA;

    - condenar a Comissão nas despesas.

    16 A Comissão, pelo seu lado, pede que o Tribunal se digne:

    - julgar os recursos inadmisíveis;

    - a título subsidiário, e, no caso de serem admitidos, lhes seja negado provimento;

    - conceder prioridade aos presentes processos, nos termos do artigo 55. , n. 2, do Regulamento de Processo;

    - condenar as recorrentes nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias.

    Quanto à admissibilidade

    A - A argumentação das partes

    17 A Comissão, sem, no entanto, arguir formalmente a inadmissibilidade do recurso como questão prévia, nos termos do artigo 114. do Regulamento de Processo, considera que os recursos são inadmissíveis. Segundo a Comissão, as causas de inadmissibilidade variam em função dos pedidos formulados nos diferentes recursos. Assim, os pedidos de comunicação da totalidade da CA e do acesso aos documentos relativos aos capítulos da CA que não foram enviados a todas as recorrentes seriam manifestamente inadmissíveis, por serem dirigidos contra a própria CA possibilidade que a jurisprudência do Tribunal de Justiça exclui claramente (acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639). Este mesmo ponto de vista teria sido, aliás, segundo a Comissão, plenamente confirmado pelo despacho no processo de medidas provisórias, a que já fizemos referência, proferido pelo presidente do Tribunal em 23 de Março de 1992.

    18 Relativamente aos pedidos de acesso aos documentos relacionados com os capítulos da CA enviados às recorrentes, a Comissão, ao mesmo tempo que apresenta argumentos quanto à questão de fundo de direito, levanta igualmente a questão da sua admissibilidade. Segundo a Comissão, o acesso ao processo é uma fase do processo administrativo estreitamente ligada à própria CA, constituindo, na realidade, uma expressão, entre outras, do princípio geral do respeito dos direitos da defesa e, nomeadamente, do direito a ser ouvido. Salvo em casos execepcionais, como, por exemplo, o de um acto desprovido de qualquer aparência de legalidade, a não comunicação de um ou de vários documentos, tal como as questões relativas à CA, só podem ser tratadas no quadro de um recurso dirigido contra a decisão que põe termo ao processo administrativo. A jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151) e do Tribunal de Primeira Instância (acórdão de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão, T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403) confirma este ponto de vista.

    19 A Comissão rejeita igualmente a ideia de que a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça citada por algumas das recorrentes - e nomeadamente o acórdão de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão (53/85, Colect., p. 1965) - tenha vindo alterar a apreciação a fazer sobre os pedidos das recorrentes. A recorrida alega, nomeadamente, que não se podem pôr no mesmo plano, por um lado, uma CA e, por outro, uma decisão de transmitir a um terceiro denunciante informações confidenciais - decisão que reveste um carácter final, no sentido de que a natureza confidencial de uma informação se perde definitivamente quando é comunicada a um terceiro - ou ainda uma decisão tomada ao abrigo do artigo 11. do Regulamento n. 17, que impõe uma obrigação ao destinatário - o que não acontece com uma CA. Para a Comissão, as recorrentes também não podem invocar a jurisprudência do Tribunal no processo BEUC (acórdão de 28 de Novembro de 1991, BEUC/Comissão, C-170/89, Colect., p. I-5709), porque, ao contrário das empresas destinatárias de uma CA em matéria de concorrência, que têm legitimidade para impugnar a decisão final, o terceiro denunciante nos processos em matéria de dumping não tem legitimidade para interpor um recurso de anulação da decisão final.

    20 A Comissão sublinha, por último, que, de qualquer modo, as cartas impugnadas no caso em apreço não constituem actos susceptíveis de recurso, nos termos do artigo 173. do Tratado CEE, uma vez que se trata de meras cartas dos seus serviços, com um carácter ainda mais preparatório do que uma CA, e que, consequentemente, em nada afectam a situação jurídica das recorrentes.

    21 As recorrentes, quanto a elas, consideram que a situação no caso em apreço difere totalmente da que estava em causa no processo IBM (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, já referido), porque, ao contrário de uma CA, que é um acto preparatório e que exprime um ponto de vista provisório, as decisões impugnadas no caso em apreço constituem actos através dos quais a Comissão se pronunciou definitivamente, cujos efeitos jurídicos se impõem obrigatoriamente aos destinatários e afectam os seus interesses.

    22 As recorrentes sublinham, por outro lado, que o Tribunal já se pronunciou, em benefício dos direitos da defesa, pela admissibilidade de recursos apresentados contra decisões tomadas pela Comissão no quadro do processo administrativo prévio - e isso apesar de a decisão posterior relativa à própria infracção admitir recurso (acórdãos de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão, já referido; de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colect., p. 3283, e de 28 de Novembro de 1991, BEUC/Comissão, já referido) -, desde que essas decisões modifiquem a situação jurídica das recorrentes e apresentem um carácter definitivo, como acontece no caso em apreço.

    23 A recorrente CBR considera, nomeadamente, que o acesso completo ao processo deve abranger não só o acesso ao conjunto dos documentos não confidenciais, mas também - e prioritariamente - o acesso à totalidade dos capítulos da CA, sendo artificial qualquer tentativa para cindir estes dois aspectos do recurso e devendo, consequentemente, ser afastada. Alega, igualmente, que, ao contrário do processo IBM, em que o processo judicial se destinava a proteger o interesse da recorrente em não ter que se defender no quadro de um processo administrativo que considerava completamente ilegal, a CBR pretende, com a presente acção, que o processo administrativo tenha pleno efeito, mantendo o seu aspecto contraditório, que só o acesso ao processo e à totalidade da CA pode garantir. A recorrente interroga-se, além disso, sobre o interesse da Comissão em se opor à admissibilidade dos presentes recursos, quando uma anulação posterior das decisões que vier a tomar no termo do processo administrativo a obrigará a recomeçar o processo e a dar às empresas e associações de empresas em causa a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre as acusações que lhes são feitas, à luz dos novos elementos a que deveriam ter tido acesso ab initio.

    24 A Blue Circle - tal como a CBR e a FIC, aliás - considera, contrariamente à interpretação que a Comissão faz do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1991, BEUC/Comissão, a que já se fez referência, que o recurso da BEUC foi julgado admissível, apesar do facto de essa associação não ter legitimidade para impugnar a decisão final da Comissão, e não, como pretende a Comissão, por essa capacidade não lhe ter sido reconhecida. A Blue Circle considera, igualmente, que a possibilidade de impugnar a decisão definitiva da Comissão não constitui protecção suficiente dos seus direitos susceptível de substituir o presente recurso, uma vez que o facto de se adiar o controlo jurisdicional até à fase da decisão a adoptar definitivamente pela Comissão nos termos do artigo 85. do Tratado, afectaria o seu direito a que essa decisão seja baseada numa correcta avaliação dos elementos de prova disponíveis.

    25 O SNFCC sublinha que, ao contrário da CA, que é uma medida preparatória, o acesso ao processo constitui, em si mesmo, um procedimento especial, distinto, no quadro do processo administrativo de verificação da infracção aos artigos 85. e 86. do Tratado. A recusa de acesso ao processo implicaria, segundo a recorrente, dois prejuízos: um, imediato, que afecta a situação jurídica do destinatário desde a fase do processo administrativo contraditório; o outro, potencial, que poderá, eventualmente, vir a concretizar-se na decisão final de condenação adoptada pela Comissão.

    26 A FIC esclarece, pelo seu lado, que a Comissão não pode ver no despacho do presidente do Tribunal proferido no processo de medidas provisórias, a confirmação da procedência dos seus argumentos quanto à inadmissibilidade dos recursos de anulação, uma vez que é jurisprudência constante que o exame efectuado pelo juiz das medidas provisórias é provisório e não vincula o Tribunal quanto ao fundo da questão. Considera, igualmente, que as decisões impugnadas modificam caracterizadamente a sua situação jurídica, porque fixam definitivamente a maneira como os direitos da defesa poderão vir a exercer-se e atingem, desde já, a substância e o exercício útil desses direitos.

    27 Na audiência, as recorrentes invocaram também, em apoio dos seus pedidos quanto à admissibilidade dos presentes recursos, dois acórdãos do Tribunal de Justiça em matéria de auxílios do Estado (acórdãos de 30 de Junho de 1992, Espanha/Comissão, C-312/90, Colect., p. I-4117, e Itália/Comissão, C-47/91, Colect., p. I-4145), acórdãos em que o Tribunal de Justiça teria julgado admissíveis recursos interpostos de actos preparatórios, ou seja, cartas para instauração do procedimento previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado.

    B - Apreciação do Tribunal

    28 Para decidir quanto à admissibilidade dos presentes recursos deve, liminarmente, lembrar-se que constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, nos termos do artigo 173. do Tratado CEE, as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos capazes de afectar os interesses do recorrente, alterando significativamente a situação jurídica deste. É de referir, quanto a este aspecto, que, quando estamos perante actos ou decisões cuja elaboração se efectua em várias fases, só constituem, em princípio, actos impugnáveis as medidas que fixam definitivamente a posição da instituição no termo do processo, com exclusão das medidas interlocutórias cujo objectivo é preparar a decisão final (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, n.os 8 e segs., e do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, n. 42, T-64/89, Colect., p. II-367).

    29 No caso em apreço, verifica-se que as recorrentes acusam, no essencial, a Comissão de uma violação dos seus direitos da defesa, ao recusar, por um lado, comunicar-lhes a totalidade dos capítulos da CA e, por outro, dar-lhes acesso ao conjunto dos documentos que fazem parte do processo, exceptuando os segredos comerciais, os documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais. A FIC, quanto a ela, censura, além disso, a Comissão de não lhe ter especificado claramente as acusações contra ela e de não lhe ter dado a possibilidade de responder simultaneamente à CA que deu origem ao presente litígio e à que a Comissão pretenderia enviar-lhe brevemente a propósito do acordo CBS.

    30 Relativamente às acusações das recorrentes sobre o acesso ao processo, deve ainda referir-se que, além do mais, se pode verificar, pelos documentos apresentados ao Tribunal bem como pelas explicações orais das partes, que não foram postos à disposição de cada um dos destinatários da CA duas espécies de documentos recolhidos pela Comissão no decurso do inquérito. São, por um lado, os documentos relacionados com os capítulos da CA relativos a cada um dos mercados nacionais, que só foram comunicados às empresas e associações de empresas destinatárias dos capítulos correspondentes da CA. E, por outro, certos documentos que, embora relacionados com as acusações comunicadas, estariam, segundo a Comissão, cobertos pelo segredo profissional, nos termos previstos pelo artigo 20. do Regulamento n. 17, por terem sido obtidos no quadro dos poderes de inquérito que o Regulamento n. 17 confere à Comissão e por não terem sido considerados como prova contra a empresa ou as associações de empresas alvo das acusações.

    31 No caso em apreço, incumbe ao Tribunal verificar se as medidas impugnadas pelas recorrentes alteram de modo significativo a sua situação jurídica. Para o fazer, deve verificar se os actos impugnados poderão originar, por eles mesmos, efeitos jurídicos susceptíveis de afectar os interesses das recorrentes, ou se, ao contrário, apenas constituem medidas preparatórias cuja ilegalidade pode ser arguida no âmbito de recursos das decisões finais da Comissão, assegurando, assim, uma protecção suficiente (acórdão de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão, já referido, n. 19).

    32 O Tribunal salienta que, no caso em apreço, as recorrentes receberam todas uma CA e que lhes foi concedido prazo pela Comissão para apresentarem as suas observações, nos termos do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 2. do Regulamento n. 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19. do Regulamento n. 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2269; EE 08 F1 p. 62, a seguir "Regulamento n. 99/63").

    33 A este respeito, o Tribunal lembra que a CA deve enunciar claramente os factos em que a Comissão se baseia, bem como a qualificação jurídica que deles é feita (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO Chemie/Comissão, n. 29, C-62/86, Colect., p. I-3359), podendo a Comissão, nos termos do artigo 4. do Regulamneto n. 99/63, invocar contra as empresas ou associações de empresas destinatárias da comunicação apenas as acusações sobre as quais estas últimas tenham podido pronunciar-se.

    34 Deve lembrar-se, porém, que "nem a abertura de um processo nem a comunicação das acusações podem ser consideradas, pela sua natureza e pelos seus efeitos jurídicos, como decisões, na acepção do artigo 173. do Tratado CEE, contra as quais é admissível um recurso de anulação. No quadro de um processo administrativo, tal como este é estruturado pelos Regulamentos n.os 17 e 99/63, constituem actos do processo, preparatórios da decisão que constitui o seu termo final" (acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, já referido, n. 21).

    35 De onde se deduz que a questão levantada pela recorrente FIC de saber se o processo seguido no presente caso afecta os direitos da defesa e, consequentemente, está ferido de ilegalidade, pelo facto de a Comissão, por um lado, não ter especificado as acusações contra cada um dos destinatários e, por outro, se ter reservado a possibilidade de comunicar novas acusações no quadro do acordo CBS, poderá ser invocada pela FIC - sem que, por isso, a sua protecção jurídica seja afectada - no âmbito do recurso que vier a apresentar da decisão final da Comissão, se for caso disso.

    36 Além disso, é de sublinhar que o facto de nos pronunciarmos, na fase actual do processo administrativo, sobre as acusações da Comissão contra cada uma das destinatárias da CA, implicaria - quando o processo ainda está em curso - que fosse precludida a faculdade da Comissão de alterar a sua posição relativamente às empresas e associações de empresas em causa após a análise das suas observações escritas e orais em resposta à CA, e que se anticipassem os debates quanto ao fundo da questão (IBM/Comissão, já referido, n.os 18 e 20). Portanto, os pedidos da FIC relativos a este aspecto são prematuros e devem ser indeferidos.

    37 Por outro lado, no que diz respeito às medidas através das quais a Comissão recusou às recorrentes, por um lado, a comunicação da totalidade dos capítulos da CA e, por outro, o acesso ao conjunto dos documentos que fazem parte do processo - incluindo as partes da CA dirigidas a outras empresas e associações de empresas -, o Tribunal considera que se deve analisar o quadro processual em que essas medidas se inserem.

    38 A este respeito, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que a possibilidade de acesso ao processo nos processos de concorrência tem como objectivo permitir aos destinatários de uma CA tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de poderem pronunciar-se eficazmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou na CA com base nesses elementos. O acesso ao processo é, portanto, uma das garantias processuais destinadas a proteger os direitos da defesa e a assegurar, designadamente, o exercício efectivo do direito a ser ouvido, consagrado nos artigos 19. , n.os 1 e 2, do Regulamento n. 17, e 2. do Regulamento n. 99/63. De onde se conclui que o direito de acesso ao processo constituído pela Comissão se justifica pela necessidade de garantir às empresas em causa a possibilidade de se defenderem eficazmente das acusações contra elas formuladas na CA.

    39 O Tribunal lembra, em segundo lugar, que o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo susceptível de se terminar por sanções constitui um princípio fundamental de direito comunitário, que deve ser observado em todas as circunstâncias, ainda que se trate de um processo administrativo. O respeito efectivo deste princípio geral exige que seja dada a possibilidade às empresas e associações de empresas em causa, desde a fase do processo administrativo, de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, n.os 9 e 11, 85/76, Recueil, p. 461).

    40 Deve, aliás, sublinhar-se que, relativamente à aplicação destes princípios, a própria Comissão, no seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política da Concorrência (pp. 40 e 41), afirmava: "a Comissão concede às empresas implicadas num processo a faculdade de tomarem conhecimento do processo que lhes diz respeito. As empresas são informadas do conteúdo do processo da Comissão, através da junção, à comunicação das acusações ou à carta a comunicar que não foi dado seguimento à denúncia, de uma lista de todos os documentos que constam do processo, com a indicação dos documentos ou das partes destes que lhes são acessíveis. As empresas são convidadas a consultar esses documentos no próprio processo. Se uma empresa apenas quiser examinar alguns, a Comissão pode enviar-lhe cópias. A Comissão considera confidenciais e, portanto, inacessíveis a uma determinada empresa, os seguintes documentos: os documentos ou partes destes dos quais constem segredos comerciais de outras empresas; os documentos internos da Comissão, tais como notas, projectos ou outros documentos de trabalho; quaisquer outras informações confidenciais, como por exemplo as que permitem identificar os denunciantes que não querem ver revelada a sua identidade, bem como as informações comunicadas à Comissão, sob reserva do respeito por esta do seu carácter confidencial".

    41 No acórdão de 17 de Dezembro de 1991, Hercules/Comissão (T-7/89, Colect., p. II-1711), o Tribunal deduzia deste texto que a Comissão tem a "obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo para aplicação do artigo 85. , n. 1, do Tratado CEE, o conjunto dos elementos contra e a favor que recolheu no decurso das diligências de instrução, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais".

    42 De quanto precede resulta que, ainda que sejam susceptíveis de constituir uma violação dos direitos da defesa, os actos da Comissão que recusam o acesso ao processo só produzem, em princípio, os efeitos limitados próprios a um acto preparatório que se insere no quadro de um processo administrativo prévio. Ora, só os actos que afectam imediatamente e de modo irreversível a situação jurídica das empresas em causa são susceptíveis de justificar, mesmo antes do termo do processo administrativo, a admissibilidade de um recurso de anulação.

    43 Esta conclusão não é susceptível de ser posta em causa pela argumentação avançada pelas recorrentes, baseada na jurisprudência do Tribunal de Justiça nos processos AKZO Chemie (acórdão de 24 de Junho de 1986, já referido) e BEUC (acórdão de 28 de Novembro de 1991, já referido). Tratava-se, efectivamente, em ambos os casos, de decisões da Comissão relativas à comunicação a terceiros de certos documentos. Em consequência, as decisões impugnadas eram independentes da decisão que iria ser tomada no termo do processo instaurado pela Comissão e, portanto, suficientemente separáveis dessa decisão final. No processo AKZO Chemie, a decisão em que a Comissão considerou que certos documentos não revestiam um carácter confidencial e podiam, portanto, ser comunicados ao terceiro denunciante, tinha um carácter definitivo e não se ligava com uma eventual decisão no termo do processo instaurado ao abrigo do artigo 86. contra a recorrente. Efectivamente, como o Tribunal de Justiça decidiu, o recurso interposto contra esta última decisão não pode garantir à empresa uma protecção adequada dos seus direitos, uma vez que não são susceptíveis de reparação através da anulação da decisão os efeitos irreversíveis que resultam da comunicação ilegal de alguns dos seus documentos a terceiros. No processo BEUC, a recusa de acesso ao processo foi oposta a um terceiro em relação ao processo. E, não sendo neste caso o processo - instaurado com base no Regulamento (CEE) n. 2423/88 do Conselho, de 11 de Julho de 1988, relativo à defesa contra as importações que são objecto de dumping ou de subvenções por parte de países não membros da Comunidade Económica Europeia (JO L 209, p. 1) - susceptível de se concluir por uma decisão que causa prejuízo aos consumidores ou organizações do tipo do BEUC, um acto que recusasse a este último acesso ao processo não confidencial da Comissão prejudicava em termos imediatos os seus interesses e, por isso mesmo, só podia ser impugnado no prazo de recurso a ele respeitante.

    44 Esta conclusão também não é susceptível de ser posta em causa pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa, por um lado, às decisões de pedidos de informação ou de fiscalização adoptadas pela Comissão ao abrigo dos artigos 11. , n. 5, e 14. , n. 3, do Regulamento n. 17, respectivamente, e, por outro, às cartas de instauração do procedimento a que se refere o artigo 93. , n. 2, do Tratado, em matéria de auxílios de Estado.

    45 Relativamente às decisões de pedidos de informação ou de fiscalização, é de sublinhar o facto de que, além do recurso dessas decisões estar expressamente previsto na legislação aplicável, esses actos se inserirem no processo de inquérito prévio, que não tem natureza contraditória e se diferencia do que, na sequência do envio de uma CA, pode permitir à Comissão adoptar uma decisão dando como provada uma infracção às regras de concorrência do Tratado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, já referido, n.os 20 a 25).

    46 Por outro lado, no que diz respeito às cartas de instauração do procedimento previsto no artigo 93. , n. 2, do Tratado, é de notar que o Tribunal, nos seus acórdãos de 30 de Junho de 1992, Espanha/Comissão e Itália/Comissão, a que já fizemos referência, decidiu que, nas circunstâncias específicas desses casos, a decisão de dar início ao processo implicava uma decisão sobre a qualidade do auxílio e das regras processuais correlativas, produzindo, assim, efeitos jurídicos definitivos, consistentes, nomeadamente, na suspensão de pagamentos do auxílio em causa. O Tribunal considerou, efectivamente, que nem uma decisão posterior da Comissão que considerasse o auxílio compatível com o Tratado nem a possibilidade de recurso contencioso da decisão que o julgasse incompatível permitiriam eliminar as consequências irreversíveis do atraso no pagamento do auxílio.

    47 Ao contrário das situações acima referidas, uma eventual violação do direito dos destinatários de uma CA de darem a conhecer, em tempo útil, o seu ponto de vista a propósito das acusações formuladas pela Comissão, bem como sobre as provas relativas a essas acusações, só é susceptível de produzir efeitos jurídicos obrigatórios, de molde a afectar os interesses das empresas e associações de empresas em causa, quando a Comissão adoptar - se adoptar - a ou as decisões que julguem verificadas as infracções de que são acusadas. Efectivamente, até à adopção de uma decisão final, a Comissão pode, tendo nomeadamente em conta as observações escritas e orais das partes, abandonar algumas, ou mesmo todas, as acusações inicialmente formuladas contra elas. Pode, do mesmo modo, reparar eventuais vícios processuais, dando acesso ao processo inicialmente recusado, a fim de que os destinatários da CA possam pronunciar-se de novo e com pleno conhecimento de causa sobre as acusações que lhes foram comunicadas. Ora, se, por hipótese, o Tribunal viesse a reconhecer, no quadro de um recurso de uma decisão que pusesse fim ao processo, a existência de um direito de acesso completo ao processo que não tivesse sido respeitado e, por isso mesmo, viesse a anular a decisão final da Comissão por violação dos direitos da defesa, seria o conjunto do processo que ficaria ferido de ilegalidade. Nesse caso, a Comissão seria obrigada ou a abandonar qualquer procedimento contra as empresas e associações de empresas em causa, ou a recomeçar o processo dando às empresas e associações de empresas em causa a possibilidade de manifestarem de novo o seu ponto de vista sobre as acusações contra elas formuladas, à luz do conjunto de novos elementos a que elas deveriam ter tido acesso. Nesta última hipótese, um processo contraditório legal bastaria para restabelecer plenamente as recorrentes nos seus direitos e prerrogativas.

    48 De quanto precede, se deduz que os actos através dos quais a Comissão recusou, por um lado, comunicar às recorrentes a totalidade dos capítulos da CA e, por outro, dar-lhes acesso ao conjunto dos documentos constantes do processo, não são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos de natureza a afectar, desde já e antes de uma eventual ocorrência de uma decisão que dê como verificada a existência de uma infracção ao artigo 85. , n. 1, do Tratado e que lhes aplique, eventualmente, uma sanção, os interesses das recorrentes.

    49 Finalmente, o Tribunal considera que, de qualquer modo, nenhuma circunstância excepcional, na acepção do acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, que já referimos (v. n. 23), permite, no caso ora em apreço, considerar os actos impugnados como desprovidos de qualquer aparência de legalidade. Efectivamente, apesar do debate entre as partes quanto a saber em que medida a protecção da confidencialidade a que se refere o artigo 20. , n. 2 do Regulamento n. 17 se estende ao conjunto das informações recolhidas pela Comissão no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo Regulamento n. 17 e que não foram consideradas na acusação de uma empresa, deve lembrar-se que, mesmo admitindo que a Comissão tenha aplicado erradamente, neste caso, o disposto no artigo 20. , n. 2, do Regulamento n. 17, tal facto não é susceptível de retirar qualquer aparência de legalidade aos actos impugnados, sobretudo quando essa questão jurídica ainda não foi resolvida pelo juiz comunitário.

    50 De quanto precede se infere que os recursos devem ser julgados inadmissíveis.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    51 Na audiência, as recorrentes alegaram que, nos termos do artigo 87. , n. 3, do Regulamento de Processo, a Comissão deveria ser condenada nas despesas, ainda que os presentes recursos não procedessem, uma vez que este processo resulta apenas de um comportamento menos razoável da Comissão que prejudica os direitos da defesa. Para sustentar esse pedido, as recorrentes invocam, designadamente, o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1987, Brueggemann/CES (248/86, Colect., p. 3963).

    52 Deve observar-se que, nos termos do artigo 87. , n. 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir as despesas, ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se as partes não obtiverem vencimento, respectivamente, relativamente a um ou vários pedidos, ou por motivos excepcionais. Em aplicação do disposto neste artigo, o Tribunal pode condenar uma parte, mesmo vencedora, a reembolsar a outra das despesas a que a obrigou e que são julgadas inúteis ou vexatórias.

    53 O Tribunal lembra que os presentes recursos foram declarados inadmissíveis por os actos impugnados não serem nem susceptíveis de produzir efeitos jurídicos imediatos capazes de afectar os interesses das recorrentes, nem de serem qualificados como actos desprovidos de qualquer aparência de legalidade. A este respeito, o Tribunal sublinha que, como se pode ler no n. 49 do presente acórdão, e ao contrário do que acontecia na situação a que se refere o despacho do Tribunal de Justiça invocado pelas recorrentes, não se pode acusar a Comissão de ter agido em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância. Não cabe, pois, aplicar, no presente processo, o artigo 87. , n. 3, do Regulamento de Processo.

    54 Nos termos do artigo 87. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas e tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes nas despesas, devem as recorrentes ser condenadas nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

    decide:

    1) Os recursos são inadmissíveis.

    2) As recorrentes são condenadas nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias.

    Top