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Document 61992TJ0006

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) de 26 de Outubro de 1993.
Andreas Reinarz contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionários - Acto que causa prejuízo - Reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem - Redução dos reembolsos.
Processos apensos T-6/92 e T-52/92.

Colectânea de Jurisprudência 1993 II-01047

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1993:89

61992A0006

ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (QUARTA SECCAO) DE 26 DE OUTUBRO DE 1993. - ANDREAS HANS REINARZ CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - FUNCIONARIO - ACTO LESIVO - REEMBOLSO DAS DESPESAS COM ASSISTENCIA DE ENFERMEIRO - REDUCAO DOS REEMBOLSOS. - PROCESSOS APENSOS T-6/92 E T-52/92.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página II-01047


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Funcionários ° Recurso ° Acto que causa prejuízo ° Conceito ° Nota informativa contendo informações administrativas ° Exclusão

(Estatuto dos Funcionários, artigo 91. )

2. Funcionários ° Recurso ° Recurso com o objectivo de, na ausência de acto que causa prejuízo, fazer apreciar a legalidade de uma disposição normativa ° Inadmissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigo 91. )

3. Excepção de ilegalidade ° Alcance ° Actos cuja ilegalidade pode ser invocada como questão prévia ° Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias

(Tratado CEE, artigo 184. )

4. Funcionários ° Segurança social ° Seguro de doença° Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias ° Adopção de comum acordo pelas instituições ° Admissibilidade ° Condições

(Estatuto dos Funcionários, artigo 72. , n. 1)

5. Funcionários ° Segurança social ° Seguro de doença ° Despesas de doença ° Despesas com auxiliares médicos e enfermagem ° Limites máximos de reembolso ° Admissibilidade ° Condições

(Estatuto dos Funcionários, artigo 72. , n. 1; Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença, anexo I, ponto X)

6. Funcionários ° Segurança social ° Seguro de doença ° Despesas de doença ° Despesas com auxiliares médicos e enfermagem ° Modificação da regulamentação no sentido da diminuição do reembolso ° Violação dos princípios dos direitos adquiridos e da confiança legítima ° Inexistência

(Estatuto dos Funcionários, artigo 72. , n. 1; Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença, anexo I, ponto X)

7. Funcionários ° Obrigação de assistência que incumbe à administração ° Alcance

(Estatuto dos Funcionários, artigo 24. )

8. Funcionários ° Recurso ° Reclamação administrativa prévia ° Identidade de objecto e de causa ° Fundamentos e argumentos constantes da reclamação apenas sob forma de remissão para outros documentos ° Admissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90. e 91. )

9. Funcionários ° Igualdade de tratamento ° Funcionários em serviço e funcionários reformados ° Idêntico reembolso das despesas de doença ° Inexistência de discriminação

(Estatuto dos Funcionários, artigo 72. , n. 1; Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença, anexo I, ponto X)

10. Funcionários ° Segurança social ° Seguro de doença ° Despesas de doença ° Modalidades e percentagens de reembolso ° Controlo das despesas e exigências do princípio da proporcionalidade

(Estatuto dos Funcionários, artigo 72. , n. 1; Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença, anexo I, ponto X)

Sumário


1. Só são causadores de prejuízo, na acepção do artigo 91. , n. 1, do Estatuto, os actos susceptíveis de afectar directamente a situação jurídica de um funcionário, o que não é o caso de simples cartas informativas que contêm apenas informações administrativas, como sucede na hipótese de uma nota que se limita a informar o interessado da entrada em vigor e do conteúdo de uma nova Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias.

2. No quadro de um recurso interposto nos termos do n. 1 do artigo 91. do Estatuto, o Tribunal apenas é competente para fiscalizar a legalidade de um acto que cause prejuízo ao recorrente, não podendo, na falta de medida de aplicação especial, pronunciar-se em abstracto sobre a legalidade de uma norma de carácter geral, como seja a Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias.

3. O artigo 184. do Tratado constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, com o objectivo de obter a anulação de uma decisão que lhe diz directa e individualmente respeito, a validade dos actos institucionais anteriores que constituem a base jurídica da decisão impugnada. Consequentemente, esta excepção não pode ser limitada aos actos que têm a forma de regulamento, único acto previsto no artigo 184. do Tratado, devendo antes ser objecto de uma interpretação lata, no sentido de que engloba todos os actos com carácter geral.

Ora, a Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias, adoptada em execução do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, regula, essencialmente, o reembolso das diversas despesas de doença e apresenta um carácter geral, uma vez que se aplica a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos para as categorias de pessoas contempladas de forma geral e abstracta. Consequentemente, ainda que não tenha a forma de regulamento, esta regulamentação pode ser objecto de uma excepção de ilegalidade.

O alcance de uma excepção de ilegalidade deve, no entanto, ser limitado ao indispensável para a solução do litígio. Assim, o acto geral cuja ilegalidade foi invocada deve ser aplicável, directa ou indirectamente, à situação que constitui objecto do recurso, e deve existir um vínculo jurídico directo entre a decisão individual impugnada e o acto geral em questão.

4. Não contendo o Estatuto todas as normas aplicáveis no domínio da segurança social dos funcionários, as instituições das Comunidades Europeias estão habilitadas, por força do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, a adoptar, de comum acordo, disposições à margem do próprio Estatuto. Esta delegação está em conformidade com os princípios do Tratado. Com efeito, não se trata de uma transferência de competência legislativa propriamente dita do Conselho para as restantes instituições, uma vez que a adopção da regulamentação pressupõe o comum acordo das instituições e, por conseguinte, também o acordo do Conselho, que estabeleceu a delegação.

O artigo 72. , n. 1, do Estatuto deixa aos autores da Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias o cuidado de determinar o âmbito de aplicação dessa cobertura, pela adopção de disposições suplementares, no respeito das disposições do Estatuto e dos objectivos que este prossegue.

5. Não contendo o artigo 72. do Estatuto regras específicas no que se refere ao reembolso de despesas com auxiliares médicos e enfermagem, é evidente que a Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias deve conter tais regras a esse respeito.

O artigo 72. não confere aos beneficiários do regime comum de seguro de doença o direito de obter, nas diversas hipóteses que configura, o reembolso a 80%, 85% ou 100% das despesas em que incorrem. Tais percentagens fixam o limite máximo reembolsável e não impõem às instituições a obrigação de reembolsar os interessados nessas percentagens, em todos os casos.

A fixação, pelas disposições de execução, de limites máximos de reembolso, com o objectivo de salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime de seguro de doença, não constitui violação do artigo 72. do Estatuto, na condição de, ao fixar esses limites máximos, as autoridades comunitárias respeitarem o princípio de cobertura social que está na base daquele artigo.

6. Não prevendo o artigo 72. , n. 1, do Estatuto nem a Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias, em matéria de despesas com auxiliares médicos e enfermagem, taxas de reembolso fixas, mas apenas taxas máximas, o simples facto de, durante um certo período, a aplicação dada a este artigo pelas instituições comunitárias ter sido particularmente favorável aos interessados não é susceptível de criar um direito adquirido na sua esfera jurídica. Aliás, dado que, no domínio do reembolso de despesas de doença, há que proceder à constante adaptação das regras aplicáveis em função dos recursos disponíveis e da necessidade de salvaguardar o equilíbrio financeiro, a diminuição futura do reembolso de certas prestações não viola o princípio do respeito da confiança legítima.

7. A obrigação de assistência, enunciada no artigo 24. do Estatuto, visa a defesa dos funcionários pela instituição contra actos de terceiros, e não da sua autoria, cujo controlo se rege por outras disposições do Estatuto.

8. A concordância exigida entre os fundamentos formulados na reclamação e os invocados no recurso destina-se a permitir e a favorecer uma resolução amigável do diferendo surgido entre o funcionário e a administração. Para satisfazer este imperativo, importa que a administração tenha a possibilidade de conhecer as acusações e as pretensões do interessado. Tal sucede se os fundamentos não constarem explicitamente da reclamação, mas tiverem sido formulados em reclamações anteriores para as quais aquela remeta.

9. A discriminação consiste em tratar de forma idêntica situações diferentes ou de forma diferente situações idênticas.

No que se refere ao seguro de doença, os funcionários reformados não podem ser considerados uma categoria de segurados à parte que, pelo simples facto de ser constituída por antigos funcionários, está particularmente exposta ao risco de ser confrontada com despesas com auxiliares médicos e enfermagem. Trata-se, antes, de um risco geral da vida que pode afectar qualquer funcionário em actividade ou reformado. Embora seja verdade que os funcionários correm o risco de ser confrontados, numa idade mais avançada, com despesas mais elevadas originadas por uma doença de longa duração, pode legitimamente confiar-se que, em tempo útil, tenham tomado as precauções financeiras adequadas. Com efeito, atendendo à redacção do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, que prevê apenas percentagens de reembolso máximas, a adopção de tais medidas preventivas era e continua a ser aconselhada, uma vez que a redução da percentagem de reembolso pode verificar-se em qualquer momento. O facto de não ter tomado medidas desta natureza não pode, nestas condições, ser imputado, a pretexto de uma discriminação, nem aos autores do Estatuto nem aos da Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias.

10. O princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização do objectivo prosseguido, entendendo-se que, quando há possibilidade de escolher entre várias medidas adequadas, convém recorrer à menos gravosa.

Aplicado às disposições que fixam as percentagens e modalidades de reembolso das despesas de doença no quadro da Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias, tal princípio apenas é susceptível, atendendo à complexidade dos problemas suscitados pela salvaguarda do necessário equilíbrio financeiro do regime comum que conduz a que seja reconhecido às instituições comunitárias um amplo poder de apreciação, de conduzir à constatação da ilegalidade das medidas de redução dos reembolsos caso estas se revelem manifestamente inadequadas, no seu princípio ou resultado, à luz do objectivo de economia que as inspirou.

Partes


Nos processos apensos T-6/92 e T-52/92,

Andreas Hans Reinarz, antigo funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, representado por Francis Herbert, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Carlos Zeyen, 67, rue Ermesinde,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Hendrik van Lier, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Jules Stuyck, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Nicola Annecchino, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que têm, respectivamente, por objecto a anulação da nota da Comissão de 27 de Março de 1991, na medida em que diz respeito às modalidades de reembolso no futuro das despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas pelo recorrente e referentes ao seu cônjuge (processo T-6/92), e a anulação da decisão da Comissão de 5 de Julho de 1991, através da qual foi praticada uma retenção de 6 300 BFR sobre o reembolso de determinadas despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas pelo recorrente e referentes ao seu cônjuge (processo T-52/92),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: C. W. Bellamy, presidente, H. Kirschner e A. Saggio, juízes,

secretário: H. Jung

vistos os autos e após a audiência de 26 de Maio de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Factos na origem do recurso, enquadramento jurídico e tramitação processual

1 O recorrente, Andreas Hans Reinarz, antigo funcionário (de grau A 2) da Comissão, cessou definitivamente as suas funções nas Comunidades em 1 de Maio de 1973. De acordo com o seu passaporte neerlandês e uma carta de condução emitida pelas autoridades de Wasa British Columbia (Canadá) (anexo C 8 da petição T-6/92 e anexo 1 da réplica T-52/92), o recorrente tem actualmente domicílio no Canadá, onde, segundo as fichas de informações pessoais que figuram no seu processo individual, se encontra, desde 1973, a sua "residência privada".

2 Em Junho de 1988, durante uma estada em casa dos filhos em Dworp (Beersel), Bélgica, o seu cônjuge foi atingido por uma doença grave, estando, desde essa altura, a ser tratado em Dworp.

3 Em razão dessa doença, o recorrente solicitou e obteve, ao abrigo do artigo 72. , n. 1, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir "Estatuto"), o reembolso a 100% das despesas com auxiliares médicos e enfermagem referentes ao seu cônjuge. O último reembolso acordado referia-se ao período compreendido entre 15 de Maio de 1991 e 14 de Maio de 1994.

4 Até 31 de Dezembro de 1990, por força dos pontos IV, n. 1, segundo parágrafo, e X, n. 2, alínea a), do anexo I da Regulamentação relativa à cobertura de riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir, por um lado, "anexo I" e, por outro, "regulamentação de cobertura"), adoptada de comum acordo pelas instituições das Comunidades em aplicação do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, os reembolsos pagos mediante autorização prévia do serviço de liquidação, em relação a prestações tais como os serviços prestados por auxiliares médicos e enfermeiros, estavam sujeitos a um limite máximo de valor tal ° isto é, o dobro do montante máximo de 4 830 BFR por serviço de 24 horas ° que o recorrente beneficiava efectivamente de um reembolso de 100% das despesas com auxiliares médicos e enfermagem.

5 A partir de 1 de Janeiro de 1991, o ponto IV, n. 1, terceiro parágrafo, do anexo I estabelece, nomeadamente, para as prestações de auxiliares médicos e enfermagem, novos limites máximos de reembolso, indicados no ponto X. Por força da nova redacção deste preceito, o reembolso só pode ser acordado, mediante autorização prévia, até ao limite máximo de 2 415 BFR por serviço de 24 horas e por um período inicial de 90 dias [ponto X, n. 2, alínea c)]. Para além deste período, o reembolso é limitado ao vencimento de base de um funcionário de grau C 5, primeiro escalão, diminuído de um montante de 10% do vencimento de base ou da pensão do segurado [ponto X, n. 2, alínea d)]. Finalmente, segundo o ponto XV, n. 3, segundo parágrafo, do anexo I, a parte das despesas considerada excessiva pelo serviço de liquidação não confere direito a reembolso. A disposição de interpretação relativa a esta última disposição prevê, no essencial, que as despesas que ultrapassem em 50% o custo correspondente a 100% dos limites previstos devem considerar-se excessivas, não sendo, em consequência, reembolsáveis.

6 Em 29 de Março de 1991, o recorrente, que nesse momento se encontrava na Bélgica, recebeu, na morada "Hauwaertstraat 52, Dworp", uma nota datada de 27 de Março de 1991, assinada pelo responsável do serviço de liquidação da Direcção-Geral "Pessoal e Administração" da Comissão. No seu primeiro parágrafo, essa nota informava o recorrente de que tinha obtido uma autorização prévia, anexa à nota, de reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem, referentes ao seu cônjuge, e isto por um período de 90 dias. Nos segundo e terceiro parágrafos, a nota chamava a atenção do recorrente para a nova redacção dos pontos IV e X, já referidos, que limitava o reembolso a 2 415 BFR por 24 horas, por um período de 90 dias, e informava o recorrente de que "no termo desse período, e salvo se for acordada nova autorização prévia, o reembolso previsto é limitado a um montante igual ao vencimento de base de um funcionário de grau C 5, primeiro escalão (actualmente cerca de 72 000 BFR), deduzido de um montante igual a 10% da sua pensão de base". A nota terminava com o seguinte parágrafo: "A presente nota é-lhe dirigida a fim de que possa tomar as disposições necessárias para o futuro". A nota tinha anexo um excerto das disposições atrás mencionadas da nova regulamentação de cobertura, em língua francesa, uma vez que, na altura, a versão neerlandesa ainda não se encontrava disponível.

7 Em 30 de Março de 1991, o recorrente apresentou uma reclamação proveniente de Dworp, registada em 4 de Abril de 1991 no Secretariado-Geral da Comissão, na qual sustentava, essencialmente, que a regulamentação de cobertura em vigor desde 1 de Janeiro de 1991 tinha por efeito, contrariamente ao disposto no artigo 72. , n. 1, do Estatuto, reduzir sensivelmente o reembolso aplicável antes dessa data aos beneficiários de uma cobertura a 100% pelo regime de seguro de doença comum às instituições das Comunidades Europeias (a seguir "regime comum") afectados por doença considerada grave. A este propósito, o recorrente realçava "uma diminuição de mais de 70% para o período durante o qual me encontro afastado do local de estada da minha esposa", acrescentando: "Quando me encontro em Dworp e que me ocupo, obviamente, dos cuidados a dispensar à minha mulher, a redução eleva-se a cerca de metade". Acusava, além disso, a nova regulamentação de afectar, de forma unilateral e discriminatória, a categoria de segurados (composta sobretudo por funcionários reformados) para quem o custo dos tratamentos ou as despesas de reeducação representam um conjunto de despesas bastante gravoso e sustentava que a sua aplicação violava os direitos que adquirira por força do Estatuto.

8 Em 9 de Julho de 1991, o comité de gestão do regime comum (a seguir "comité de gestão") emitiu, ao abrigo do artigo 16. , n. 2, da regulamentação de cobertura, um parecer sobre a reclamação do recorrente, no qual manifestou dúvidas quanto à sua admissibilidade por não lhe parecer dirigida contra um acto que causa prejuízo, uma vez que a nota em litígio de 27 de Março de 1991 contém apenas uma simples informação do recorrente sobre a nova regulamentação aplicável. Quanto ao mérito, o comité de gestão considerava que esta regulamentação não violava qualquer direito que o recorrente tivesse adquirido.

9 Em 4 de Agosto de 1991, a reclamação foi tacitamente indeferida. Antes dessa data, por carta de 12 de Junho de 1991, proveniente de "Dworp, Hauwaertstraat 50", o recorrente completara a reclamação, desenvolvendo as razões jurídicas que, em seu entender, feriam de ilegalidade "a decisão de 27 de Março de 1991".

10 Em 29 de Outubro de 1991, o recorrente recebeu, na morada "Hauwaertstraat 52, Dworp", uma nota datada de 15 de Outubro de 1991, assinada por H. Richardson, director da Direcção "Direitos e obrigações" da Direcção-Geral "Pessoal e Administração", com a seguinte redacção: "O exame da sua reclamação mostrou que esta era dirigida contra uma informação... actualmente irrelevante para a sua situação jurídica e que ainda não lhe causa prejuízo. Com efeito, a carta da administração comunica-lhe uma informação... (e) não contém uma decisão concreta quanto ao reembolso... com base num pedido por si eventualmente apresentado para esse efeito".

11 Foi nestas condições que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Janeiro de 1992, o recorrente interpôs recurso de anulação da decisão contida, em sua opinião, na nota de 27 de Março de 1991 e que procede, a seu ver, a uma redução dos reembolsos das despesas com auxiliares médicos e enfermagem referentes ao seu cônjuge (processo T-6/92).

12 Entretanto, o recorrente apresentara, em 6 de Maio de 1991, no serviço de liquidação, um pedido de reembolso de despesas com auxiliares médicos e enfermagem no montante de 78 750 BFR. Em 7 de Julho de 1991, recebeu um pagamento da Comissão, datado de 5 de Julho de 1991, que se elevava a 72 450 BFR.

13 Por carta datada de 30 de Setembro de 1991, proveniente de "Dworp, Beersel", o recorrente apresentou uma reclamação em que alegava, por um lado, que só em Agosto de 1991 recebera "a nota referente (ao pagamento)... que foi enviada, por rotina, para a morada do Canadá", e, por outro, que, para além da primeira reclamação que apresentara em 30 de Março de 1991 contra as alterações da regulamentação de cobertura, pretendia igualmente impugnar, a título cautelar, a retenção de 6 300 BFR que tinha sido efectuada, em aplicação da nova regulamentação, sobre o seu pedido de reembolso.

14 Esta reclamação foi inicialmente objecto de indeferimento tácito. No entanto, em 12 de Março de 1992, a Comissão enviou uma decisão de indeferimento expresso para a morada "Hauswaertstraat 52, Dworp", que o recorrente recebeu em 16 de Março de 1992. O indeferimento baseava-se, essencialmente, no facto de o reembolso em litígio ter sido liquidado em conformidade com a regulamentação aplicável e de não se tratar de uma discriminação contra os reformados, uma vez que as condições de reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem continuavam a ser as mesmas, quer o segurado se encontrasse ou não em serviço activo.

15 Foi nestas condições que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Julho de 1992, o recorrente interpôs um segundo recurso de anulação, dirigido, essencialmente, contra a decisão de 5 de Julho de 1991 que determinou a retenção de 6 300 BFR sobre o seu pedido de reembolso (processo T-52/92).

16 A fase escrita teve tramitação normal. Por despacho de 30 de Outubro de 1992, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância apensou os dois processos para efeitos de audiência e de acórdão.

17 Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, colocou algumas questões à Comissão.

18 Nessa ocasião, a Comissão apresentou, nomeadamente, o texto do parecer n. 3/89, emitido pelo comité de gestão em 23 de Fevereiro de 1989, relativo à revisão da regulamentação de cobertura, sem, no entanto, lhe juntar o texto das diferentes propostas de revisão, em especial das relativas aos pontos IV, X, n. 2, e XV do anexo I. Nos considerandos desse parecer, o comité de gestão salientava, nomeadamente, que, devido a um desequilíbrio crescente entre contribuições e despesas no seio do regime comum, tinha surgido, durante os últimos exercícios, um défice de exploração e que, tendo em conta as previsões, o regime corria o risco de esgotar, em larga medida, os seus excedentes cumulados, aquando do encerramento do exercício de 1991. Consequentemente, sublinhava a necessidade de prever o restabelecimento do equilíbrio entre contribuições e despesas e, para esse fim, propunha, designadamente, um aumento das contribuições dos segurados e das instituições. Ao mesmo tempo, sugeria várias modificações da regulamentação de cobertura, em especial, no quadro do anexo I, a modificação do ponto X, relativo às prestações com auxiliares médicos e enfermagem, e do ponto XV, n. 3, segundo parágrafo, relativo às despesas excessivas.

19 Após a audiência de 26 de Maio de 1993, o recorrente entregou, a pedido do Tribunal, o formulário anexo à nota de 27 de Março de 1991, mediante o qual apresentara um pedido de autorização prévia e no qual a administração inscrevera o seu acordo.

20 Por decisão de 2 de Julho de 1993, o presidente declarou encerrada a fase oral do processo.

Pedidos das partes

21 No processo T-6/92, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a título principal

° tomar determinadas medidas relativas à organização do processo (convidando a Comissão a clarificar a nova regulamentação que fixa os limites máximos e a explicar as respectivas razões e modalidades de aplicação);

° declarar o pedido admissível e procedente e, em consequência,

1) anular, nos termos em que foi comunicada na nota de 27 de Março de 1991, a decisão pela qual os reembolsos das despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas pelo seu cônjuge foram reduzidos de forma drástica;

2) condenar a Comissão nas despesas, em conformidade com o artigo 87. , n. 2, do Regulamento de Processo;

a título subsidiário

no caso de o Tribunal julgar o pedido improcedente, condenar, de qualquer modo, a Comissão nas despesas, nos termos do artigo 87. , n. 3, do Regulamento de Processo;

a título ainda mais subsidiário

no caso de o recurso ser rejeitado, aplicar o artigo 88. do Regulamento de Processo.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° declarar o recurso inadmissível;

° subsidiariamente, declará-lo improcedente;

° condenar o recorrente nas despesas.

22 No processo T-52/92, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a título principal

° tomar as mesmas medidas de organização do processo que já solicitara no processo T-6/92;

° declarar o pedido admissível e procedente e, por conseguinte,

1) declarar inválida a disposição do ponto IV, n. 1, terceiro parágrafo, do anexo I, relativa às despesas com auxiliares médicos e enfermagem previstas no ponto X, n. 2, alíneas c) e d), e, por conseguinte, anular a decisão pela qual foram drasticamente diminuídos os reembolsos das despesas com auxiliares médicos e enfermagem do cônjuge do recorrente, tal como foi comunicada pela nota de 27 de Março de 1991 e aplicada na decisão de 5 de Julho de 1991 que procedeu à retenção de 6 300 BFR;

2) condenar a Comissão nas despesas, nos termos do n. 2 do artigo 87. do Regulamento de Processo;

a título subsidiário

caso o Tribunal julgue o pedido improcedente, condenar, de qualquer modo, a Comissão nas despesas, nos termos do n. 3 do artigo 87. do Regulamento de Processo;

a título ainda mais subsidiário

caso o recurso seja rejeitado, aplicar o artigo 88. do Regulamento de Processo.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

° julgar o recurso inadmissível;

° subsidiariamente, julgar o recurso improcedente;

° condenar o recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-6/92

Argumentos das partes

23 A Comissão, sem suscitar formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade na acepção do artigo 114. do Regulamento de Processo, contesta a admissibilidade do recurso sob dois aspectos: o cumprimento dos prazos e a existência de um acto que cause prejuízo.

24 Quanto ao cumprimento dos prazos, a Comissão sustenta que o recurso interposto em 31 de Janeiro de 1992 contra a nota de 27 de Março de 1991 não foi apresentado no prazo de três meses previsto no artigo 91. , n. 3, do Estatuto, atendendo a que este prazo começou a correr em 4 de Agosto de 1991, data do indeferimento tácito da reclamação do recorrente. Com efeito, a nota de H. Richardson de 15 de Outubro de 1991 não pode ser qualificada como decisão expressa de indeferimento da reclamação do recorrente, uma vez que se limita a corroborar o ponto de vista da Comissão, segundo o qual a nota anterior, datada de 27 de Março de 1991, se limitava a fornecer informações e não incluía qualquer decisão. No que respeita à carta de 12 de Junho de 1991, "apresentada ... com o objectivo de completar a reclamação" inicial do recorrente, a Comissão considera que este complemento não tem significado autónomo para efeito de cálculo dos prazos.

25 Quanto à natureza jurídica da nota de 27 de Março de 1991, a Comissão alega que não se trata de um acto que cause prejuízo, na medida em que o prejuízo eventualmente sofrido pelo recorrente resulta directamente da modificação da regulamentação aplicável, que constitui um acto administrativo de alcance geral. Como é óbvio, a autorização prévia concedida através dessa nota não lesa o recorrente, que, aliás, na petição, apenas considera como acto que causa prejuízo a passagem da nota que o informa das consequências jurídicas associadas à nova regulamentação.

26 A este propósito, a Comissão, remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. os acórdãos de 17 de Julho de 1959, Phoenix-Rheinrohr/Alta Autoridade, 20/58, Mannesmann e o./Alta Autoridade, 23/58, e Snupat/Alta Autoridade, 32/58 e 33 /58, Colect., respectivamente, pp. 321, 333, 337, bem como os acórdãos de 28 de Maio de 1970, Richez-Parise e o./Comissão, 19/69, 20/69, 25/69 e 30/69, Colect., p. 359, n. 3, e de 9 de Julho de 1970, Fiehn/Comissão, 23/69, Colect., p. 423, n. 3), recorda que as comunicações que interpretam actos existentes não são passíveis de recurso, o que é válido, por maioria de razão, para as comunicações, como a nota em litígio no caso em análise, nas quais a autoridade se limita a fazer referência à alteração de determinada regulamentação.

27 A Comissão sublinha que, na realidade, o recorrente apenas procura invocar a pretensa ilegalidade das disposições modificadas da regulamentação de cobertura. Como esta não é uma decisão de que o recorrente é destinatário e como também não pode ser considerada uma decisão que lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 173. , segundo parágrafo, do Tratado CEE, o recurso de anulação que contra ela interpôs é, de qualquer modo, no entender da Comissão, inadmissível, conforme resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, na sequência do acórdão de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect., p. 279).

28 O recorrente responde que, em matéria de prazos, tudo indica que a nota de H. Richardson de 15 de Outubro de 1991 constitui efectivamente uma decisão expressa de indeferimento da sua reclamação: por um lado, foi solicitado e obtido, nos termos do artigo 16. da regulamentação de cobertura, o parecer do comité de gestão sobre a sua reclamação; o procedimento adoptado foi, pois, o previsto para a adopção de uma decisão sobre uma reclamação; por outro lado, a redacção da nota de 15 de Outubro de 1991 e a posição administrativa e hierárquica do seu signatário revelam, sem qualquer dúvida, que se trata de uma decisão expressa de indeferimento que, em conformidade com o artigo 91. , n. 3, segundo travessão, última frase, do Estatuto, faz começar a correr novo prazo de recurso.

29 Quanto à reclamação "complementar" de 12 de Junho de 1991, o recorrente confirma que foi apresentada para completar a primeira, no prazo previsto para este efeito pelo artigo 90. do Estatuto. Uma vez que, na opinião do recorrente, o recurso interposto contra o indeferimento, por nota de 15 de Outubro de 1991, da sua reclamação desta forma completada, foi apresentado dentro do prazo, não é necessário tecer mais considerações sobre este ponto.

30 No que respeita à questão de saber se a nota de 27 de Março de 1991 comporta uma decisão recorrível, o recorrente considera que a jurisprudência citada pela Comissão não é relevante. A nota impugnada contém um acto que causa prejuízo, dado que emana do responsável do serviço de liquidação, que, nos termos do artigo 20. da regulamentação de cobertura, é responsável pelo recebimento e liquidação dos pedidos de reembolso de despesas e pela execução dos respectivos pagamentos, bem como pelo seguimento a dar aos pedidos de autorização prévia. Além disso, a nota dirige-se ao recorrente e refere-se especificamente ao reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem referentes ao seu cônjuge, identificado na nota. Por último, o recorrente foi informado das modificações introduzidas na regulamentação de cobertura que se repercutiam directamente no reembolso deste tipo de despesas, e isto a partir do primeiro período de 90 dias, a fim de lhe "permitir tomar as disposições necessárias para o futuro".

31 O recorrente considera que a jurisprudência existente confirma que a nota impugnada tem a natureza de um acto que causa prejuízo. A este propósito, remete para o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1979, Deshormes/Comissão (17/78, Recueil, p. 189), e para as conclusões do advogado-geral F. Capotorti no processo Curtis/Comissão e Parlamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1981, 167/80, Recueil, pp. 1499, 1512, 1534, 1535). O recorrente conclui daí que, aplicando estes princípios ao caso em análise, há que concluir que a nota de 27 de Março de 1991 o advertia efectivamente para a forma como a nova regulamentação seria posta em prática no seu caso, no que respeita à aplicação, com reserva de autorização prévia, do ponto X do anexo I. O recorrente sublinha que a eventual existência de prejuízo é confirmada pela indicação, que figura na nota, de que as informações lhe eram fornecidas com o objectivo de permitir que tomasse as disposições necessárias para o futuro.

32 Na audiência, o recorrente sublinhou, quanto ao problema da existência de um acto causador de prejuízo, que a nota de 27 de Março de 1991, não obstante a sua apresentação sob a forma de comunicação geral, é, de facto, um acto que o afecta individualmente. Com efeito, na medida em que limita a 90 dias a autorização prévia concedida, esta nota constitui a primeira medida de execução da nova regulamentação que introduziu, no ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I, uma restrição cuja aplicação ao recorrente acarreta uma degradação da sua situação. Uma vez que esta restrição não existia no regime anterior, o facto de a autorização prévia lhe ter sido concedida apenas para um período de 90 dias constitui um acto que lhe causa prejuízo.

33 O recorrente acrescentou, na audiência, que os seus dois recursos devem ser considerados como um todo e que é o próprio regime da nova regulamentação, considerado na sua coerência cronológica, que o recorrente impugna enquanto tal. Com efeito, a nota de 27 de Março de 1991, na parte em que o convidava a "tomar as disposições necessárias para o futuro", não teve apenas em vista o período de 90 dias, mas a totalidade do período durante o qual o cônjuge do recorrente esteve doente, sem que fosse previsível uma melhoria do seu estado de saúde. Remetendo, neste contexto, para a liquidação de 20 de Maio de 1992, junta aos autos como anexo à réplica no processo T-52/92, alegou que tal liquidação constitui uma medida de aplicação do novo ponto X, n. 2, alínea d), do anexo I, no que respeita ao período posterior aos primeiros 90 dias, cuja legalidade deve ser igualmente examinada no quadro do presente litígio. Com efeito, não se pode exigir que o recorrente impugne separadamente todas as medidas especiais de aplicação da regulamentação ° isto é, todas as liquidações de reembolso °, uma vez que tal exigência é contrária a qualquer ideia de economia processual e certamente não facilita o trabalho da Comissão, do Tribunal ou dos advogados.

34 Por sua vez, a Comissão reafirmou, na audiência, o seu ponto de vista, segundo o qual a nota de 27 de Março de 1991 era uma simples carta informativa. Acrescentou que, naquela altura, não podia fornecer uma informação completa sobre a nova regulamentação de cobertura, visto a versão neerlandesa da nova regulamentação ainda não se encontrar disponível. Teve, no entanto, o cuidado de alertar o recorrente para o teor das novas disposições, a fim de lhe chamar a atenção para as consequências que lhe diziam directamente respeito. Quanto à autorização prévia anexa à nota em litígio, a Comissão salientou que o limite a 90 dias da autorização não tinha sido impugnado ao longo da fase escrita do processo. Só na audiência é que este ponto foi, pela primeira vez, referido pelo recorrente.

Apreciação do Tribunal

35 Cabe aqui recordar que qualquer recurso de anulação interposto por um funcionário contra uma instituição comunitária de que depende só é admissível, segundo o artigo 91. , n. 1, do Estatuto, se for dirigido contra um acto que cause prejuízo. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, só são causadores de prejuízo os actos susceptíveis de afectar directamente a situação jurídica de um funcionário, o que não é o caso de simples cartas informativas que contêm apenas informações administrativas (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1969, Grasselli/Comissão, 32/68, Colect. 1969-1970, p. 201, n. 7; os despachos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Julho de 1991, Herremans/Comissão, T-47/90, Colect., p. II-467, n.os 21 e 22, e de 11 de Maio de 1992, Whitehead/Comissão, T-34/91, Colect., p. II-1723, n. 22; bem como o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 1990, Pfloeschner/Comissão, T-135/89, Colect., p. II-153, n. 14). Consequentemente, há que examinar as principais disposições da nota impugnada de 27 de Março de 1991, a fim de determinar a sua natureza jurídica.

36 O primeiro parágrafo da nota impugnada remete para uma autorização prévia, que figura em anexo, concedida por um período de 90 dias e que diz respeito ao reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem a efectuar pelo cônjuge do recorrente. A este propósito, há que concluir, em primeiro lugar, que, na medida em que as despesas com auxiliares médicos e enfermagem só são reembolsáveis, nos termos do ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I, mediante autorização prévia, a concessão desta constitui uma medida favorável ao interessado, a qual, enquanto tal, não pode ser objecto de recurso.

37 No entanto, o recorrente sustentou, na audiência, que a autorização prévia referida na nota impugnada constituía, em relação a si, o primeiro acto de execução individual da nova regulamentação de cobertura e que esse acto lhe causava prejuízo em razão do limite a 90 dias aí previsto, quando, na vigência da regulamentação anterior, lhe tinha sido concedida a mesma autorização por um período mais longo, isto é, seis meses. Sob este aspecto, há que salientar que, embora a autorização em causa possa ter constituído, em relação ao recorrente, a primeira medida de aplicação concreta da nova regulamentação, tal medida não fixava, no entanto, a taxa de reembolso real das despesas com auxiliares médicos e enfermagem que o recorrente teria eventualmente que efectuar. Com efeito, esta taxa ainda não era conhecida no momento em que a autorização prévia foi concedida pois dependia de factores externos à administração. Nestas condições, a autorização em causa assemelha-se mais a um acto preparatório que precede o reembolso posterior de despesas com auxiliares médicos e enfermagem ainda não autorizados.

38 Contudo, não parece que seja necessário resolver esta questão. Mesmo que a autorização em causa devesse ser considerada um acto que causa prejuízo, há que salientar que os pedidos que constam da petição não são dirigidos contra a autorização e esta não constitui, portanto, objecto do litígio na acepção do artigo 44. , n. 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Com efeito, o recorrente não a mencionou na página 6 da petição no processo T-6/92, no sentido de fazer parte do objecto do litígio, e também não a juntou à referida petição, enquanto acto cuja anulação é pedida, como exige o artigo 44. , n. 4, do Regulamento de Processo. Finalmente, a autorização em causa não foi impugnada na reclamação apresentada em 30 de Março de 1991. Daqui resulta que o facto de o recorrente a ter impugnado, pela primeira vez, na audiência, não pode ter por efeito ampliar a essa autorização o objecto do recurso, visto tal extensão ter ocorrido fora de qualquer prazo de recurso, sem respeito das formalidades previstas na disposição, já referida, do Regulamento de Processo e sem ter sido precedida pela fase pré-contenciosa imposta pelo Estatuto.

39 No que respeita aos segundo, terceiro e quarto parágrafos da nota impugnada de 27 de Março de 1991, a análise destas passagens demonstra que se limitam a informar o recorrente sobre a entrada em vigor da nova regulamentação de cobertura e, especialmente, das disposições pertinentes para a sua situação. De resto, esta informação era particularmente indicada no caso do recorrente, atendendo a que, no início de 1991, a versão neerlandesa da nova regulamentação ainda não se encontrava disponível. De facto, as informações fornecidas nos segundo e terceiro parágrafos da nota impugnada correspondem a uma comunicação, onde não se faz qualquer comentário, do próprio texto das disposições relevantes da nova regulamentação. A única indicação que transcende um resumo do conteúdo destas disposições consiste na precisão numérica do limite igual ao vencimento de base actual de um funcionário de grau C 5, primeiro escalão, previsto no ponto X, n. 2, alínea d), do anexo I. Esta precisão, extraída do quadro de vencimentos mensais de base estabelecido no artigo 66. do Estatuto, era particularmente interessante para um funcionário reformado. Daqui resulta que as passagens analisadas contêm apenas informações desprovidas de qualquer carácter decisório.

40 Esta apreciação jurídica é alicerçada pelos acórdãos Grasselli/Comissão, já referido, n.os 1 e 5 a 7, e Pfloescher/Comissão, já referido, n. 14, nos quais foi declarado que informações administrativas fornecidas a título indicativo, quer sob a forma de um quadro explicativo dos direitos do funcionário interessado, quer de uma liquidação provisória, não podem ser qualificadas como actos que causam prejuízo.

41 Finalmente, o último parágrafo da nota de 27 de Março de 1991 também não contém qualquer elemento decisório que cause prejuízo ao recorrente. Com efeito, ainda que esta passagem se dirija directa e individualmente ao recorrente, a Comissão limita-se a indicar aí as razões que a levaram a fornecer-lhe as informações referidas, isto é, permitir-lhe tomar as disposições necessárias para o futuro. Longe de afectar de forma positiva ou negativa a situação jurídica do recorrente, esta frase, lida no seu contexto, apresenta-se antes como uma fórmula de cortesia, aliás, supérflua para um funcionário prudente e diligente que, informado da entrada em vigor de nova regulamentação aplicável à sua situação pessoal, deve examinar, por sua própria iniciativa e no seu próprio interesse, as possibilidades ou a necessidade de tomar certas medidas para o futuro.

42 Esta conclusão não pode ser posta em causa pela jurisprudência citada, neste contexto, pelo recorrente. Com efeito, no processo Deshormes/Comissão, já referido, o recorrente era confrontado com uma nota da administração que tinha indeferido o seu pedido de consideração de determinados períodos para efeitos de cálculo dos seus direitos à pensão (ponto I da matéria de facto, Recueil 1979, p. 191). Esta nota constituía, portanto, um acto administrativo com carácter decisório (n. 10 do acórdão), facto que a distingue completamente da nota impugnada no caso em análise.

43 Na medida em que o recorrente alega ainda que é o regime da nova regulamentação de cobertura, enquanto tal, que impugna em ambos os recursos, que, a seu ver, devem ser tratados como um todo, basta verificar que, no regime de vias processuais previsto no artigo 179. do Tratado CEE e nos artigos 90. e 91. do Estatuto, um acto de alcance geral, como a regulamentação de cobertura adoptada pelas instituições comunitárias em execução do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, não pode ser objecto de recurso de anulação.

44 Das considerações que antecedem resulta que o recurso no processo T-6/92 deve ser julgado inadmissível, não sendo necessário examinar a questão de saber se foi interposto no prazo previsto no n. 3 do artigo 91. do Estatuto.

Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-52/92

Argumentos das partes

45 A Comissão, embora não suscite formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade na acepção do artigo 114. do Regulamento de Processo, considera que o recurso é inadmissível por inobservância dos prazos. Com efeito, uma vez que o recorrente recebeu, em 16 de Março de 1992, a decisão que indeferia expressamente a sua reclamação, o recurso de 13 de Julho de 1992 foi interposto mais de três meses depois da notificação dessa decisão (artigo 90. , n. 3, do Estatuto). Embora o recorrente defenda que o prazo normal de três meses, pelo facto de residir habitualmente no Canadá, deve ser prorrogado por um mês em razão da distância, nos termos do disposto no artigo 102. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, conjugado com o artigo 1. , último travessão, do anexo II do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o recorrente não demonstrou, no entanto, que (ainda) reside no Canadá.

46 Uma vez que não contesta que recebeu em Dworp, seu lugar de residência na Bélgica, a decisão de 12 de Março de 1992 que indeferiu a sua reclamação, o recorrente não pode, no entender da Comissão, reclamar o benefício de uma prorrogação de prazo em razão da distância. Esta solução impõe-se tanto mais que o próprio recorrente, ainda em 30 de Setembro de 1991, dirigiu ao presidente da Comissão, a partir de Dworp/Beersel, uma reclamação sobre esta mesma questão. Assim, a Comissão tinha o direito de considerar que o recorrente consentiu em receber as decisões que lhe dissessem respeito na sua morada na Bélgica. Por conseguinte, podia, legitimamente esperar que o recorrente não apresentasse qualquer recurso de anulação depois de 16 de Junho de 1992. Dado que o prazo de interposição do recurso é um prazo imperativo, a Comissão considera não poder deixar de a isso atender no caso em análise.

47 O recorrente responde que fixou residência no Canadá. Isso resulta do seu passaporte neerlandês, bem como da sua carta de condução emitida no Canadá, cuja cópia consta dos autos (anexo 1 à réplica), sublinhando que estes documentos já acompanhavam a petição no processo T-6/92. Ora, a Comissão não contesta, no quadro do primeiro processo, que o recorrente reside fora da Europa.

48 Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal depois de encerrada a fase escrita, a Comissão declarou que não estava em posição de fornecer, em apoio da sua afirmação de que o recorrente reside habitualmente na Bélgica, elementos de facto ou de direito suplementares relativamente aos factos declarados nos seus articulados e que, sobre este assunto, confiava na apreciação do Tribunal.

Apreciação do Tribunal

49 Cabe recordar, em primeiro lugar, que o recurso foi interposto em 13 de Julho de 1992, isto é, quando já tinham decorrido mais de três meses sobre a recepção, em 16 de Março de 1992, da decisão que indeferiu a reclamação do recorrente. Consequentemente, o recurso só é admissível se o prazo tiver sido ° em virtude do disposto no artigo 102. , n. 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, conjugado com o artigo 1. , último travessão, da decisão sobre os prazos de dilação, que constitui o anexo II do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça ° acrescido de um mês devido ao facto de o recorrente ter, como pretende, residência habitual no Canadá.

50 Considerando que uma decisão sobre o local da ou das residências habituais do recorrente no Canadá e/ou na Bélgica exige averiguações factuais difíceis, sendo que só na hipótese de o recurso se revelar procedente é que a questão sobre a admissibilidade necessita ser resolvida, o Tribunal considera oportuno começar por examinar as questões de mérito no processo T-52/92.

Quanto ao mérito do recurso no processo T-52/92

Quanto ao objecto do recurso

51 Uma vez que a formulação dos pedidos que constam da petição é bastante lata, há que determinar, em primeiro lugar, o objecto do recurso. Ora, tratando-se de um recurso de anulação de um acto que causa prejuízo, o Tribunal só pode examinar os pedidos apresentados a título principal, destinados a obter a anulação da liquidação de 5 de Julho de 1991, na medida em que desta consta uma retenção de 6 300 BFR. A este propósito, o Tribunal verifica que, como as partes reconheceram na audiência, esta retenção refere-se apenas ao primeiro período de 90 dias, na acepção da nova regulamentação de cobertura. Assim, tal retenção assentou unicamente no ponto X, n. 2, alínea c), e não na alínea d) do anexo I. Além disso, a relevância exclusiva da alínea c) já foi sublinhada nas páginas 3 e 4 da decisão de 12 de Março de 1992 que indeferiu a reclamação do recorrente.

52 Consequentemente, o Tribunal não pode, no quadro do processo T-52/92, examinar "a decisão pela qual foram drasticamente diminuídos os reembolsos das despesas com auxiliares médicos e enfermagem referentes ao cônjuge do recorrente, tal como foi notificada na nota de 27 de Março de 1991 e aplicada na decisão de 5 de Julho de 1991", nem a afirmação do recorrente, segundo a qual, na vigência da nova regulamentação de cobertura, o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem em que o recorrente incorreu "se eleva a 35,77% para os primeiros 90 dias e a 21,72% para o período subsequente" (p. 5 da réplica). Com efeito, embora possa acontecer que, pelo jogo dos limites previstos, o reembolso de despesas efectuadas seja efectivamente reduzido a uma percentagem tão baixa, não é esse o caso do reembolso impugnado no caso em análise, que se eleva a 92% das despesas efectuadas, apesar da controvertida retenção de 6 300 BFR. Neste contexto, o Tribunal recorda que, já nos acórdãos de 12 de Julho de 1991, Pincherle/Comissão (T-110/89, Colect., p. II-635, n.os 30 e 33), e de 25 de Fevereiro de 1992, Barassi/Comissão (T-41/90, Colect., p. II-159, n. 38), declarou que o juiz comunitário apenas é competente para fiscalizar a legalidade de um acto que causa prejuízo ao funcionário recorrente, não podendo, na falta de medida de aplicação especial, pronunciar-se em abstracto sobre a legalidade de uma norma de carácter geral. Daqui resulta que o recorrente não pode impugnar a regulamentação de cobertura na medida em que esta não se refere à decisão individual impugnada.

53 Há que acrescentar que o Tribunal também não tem competência para apreciar a legalidade da liquidação de 20 de Maio de 1992, que figura no anexo 2 da réplica. O Tribunal salienta que ° em aplicação dos pontos IV, n. 1, terceiro parágrafo, X, n. 2, alínea d), e XV, n. 3, segundo parágrafo, do anexo I, do artigo 8. , n. 2, da nova regulamentação de cobertura, bem como da disposição de interpretação relativa ao ponto XV, n. 3, segundo parágrafo, do referido anexo I ° foi apresentado um novo pedido de reembolso de despesas com auxiliares médicos e enfermagem no montante de 132 928 BFR e que o respectivo reembolso se limitou a um montante de 41 881 BFR. Ora, esta liquidação não foi impugnada na petição. As disposições com base nas quais esta foi fixada não são as mesmas em que assenta a liquidação de 5 de Julho de 1991, que foi objecto de um processo pré-contencioso e é expressamente referida na petição.

Quanto aos argumentos apresentados pelo recorrente

54 Em apoio do seu recurso, o recorrente invoca cinco fundamentos baseados, respectivamente, na violação do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, na violação dos seus direitos adquiridos, na violação do dever geral de solicitude, na violação do princípio da não discriminação e na violação do princípio da proporcionalidade. Num sexto fundamento, o recorrente suscita, além disso, uma excepção de ilegalidade destinada a obter a declaração, pelo Tribunal, de que as disposições do ponto IV, n. 1, terceiro parágrafo, e do ponto X, n. 2, alíneas c) e d), do anexo I são inválidas pelas razões apresentadas nos cinco primeiros fundamentos e que essas disposições não podem, portanto, servir de base jurídica à decisão impugnada.

55 Neste contexto, a Comissão considera que a regulamentação de cobertura não é uma decisão de que o recorrente seja destinatário nem um acto que lhe diga directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 173. , segundo parágrafo, do Tratado. O recorrente também não podia, com base no artigo 184. do Tratado CEE, suscitar uma excepção de ilegalidade desta regulamentação. Tal excepção só pode ser invocada sob a forma de incidente e não de forma autónoma. Além disso, é óbvio que a argumentação do recorrente no que respeita à ilegalidade da regulamentação de cobertura não se situa no quadro de uma excepção de ilegalidade, mas antes no quadro de uma crítica do acórdão do Tribunal, já referido, no processo Barassi/Comissão.

56 Quanto à admissibilidade da excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente, ao abrigo do artigo 184. do Tratado, relativamente à regulamentação de cobertura, deve recordar-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Recueil, p. 777, n.os 39 a 41), a excepção de ilegalidade constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, com o objectivo de obter a anulação de uma decisão que lhe diz directa e individualmente respeito, a validade dos actos institucionais anteriores que constituem a base jurídica da decisão impugnada. Consequentemente, esta excepção não pode ser limitada aos actos que têm a forma de regulamento, único acto previsto no artigo 184. do Tratado, devendo antes ser objecto de uma interpretação lata, no sentido de que engloba todos os actos com carácter geral. Ora, a regulamentação de cobertura, que, adoptada em execução do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, regula, essencialmente, o reembolso das diversas despesas de doença efectuadas pelos inscritos no regime comum, foi adoptada na sua versão inicial, em 1974, pelas instituições das Comunidades Europeias, por comum acordo homologado em 31 de Outubro de 1974 pelo presidente do Tribunal de Justiça; foi objecto de várias alterações, a última das quais remonta a 1991, tendo o comum acordo sido homologado pelo presidente do Tribunal de Justiça em 28 de Novembro de 1991. Esta regulamentação apresenta um carácter geral, uma vez que se aplica a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos para as categorias de pessoas contempladas de forma geral e abstracta (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1975, Acton e o./Comissão, 44/74, 46/74 e 49/74, Colect., p. 155, n. 7, e de 14 de Fevereiro de 1989, Lefebvre Frère et Soeur/Comissão, 206/87, Colect., p. 275, n. 13). Consequentemente, ainda que não tenha a forma de regulamento, esta regulamentação pode ser objecto de uma excepção de ilegalidade. De resto, o próprio Tribunal de Justiça qualificou-a como "disposição de execução do Estatuto" e examinou a sua compatibilidade com as disposições relevantes do Estatuto, nomeadamente quanto à questão de saber se determinadas normas aí previstas não transcendem os limites que o Conselho estabeleceu no artigo 72. do Estatuto (acórdãos de 20 de Novembro de 1980, Gerin/Comissão, 806/79, Recueil, p. 3515, n. 15, e de 8 de Março de 1988, Brunotti/Comissão, 339/85, Colect., p. 1379, n. 13).

57 Porém, na medida em que o recorrente não limitou a excepção de ilegalidade ao ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I, que é a única base da liquidação impugnada, tendo-a tornado extensiva ao n. 2, alínea d), há que recordar que o alcance de uma excepção de ilegalidade deve ser limitado ao indispensável para a solução do litígio. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 184. do Tratado não se destina a permitir que uma parte impugne a aplicabilidade de todo e qualquer acto de carácter geral, através de qualquer tipo de recurso. Sublinhou que o acto geral cuja ilegalidade foi invocada deve ser aplicável, directa ou indirectamente, à situação que constitui objecto do recurso e que deve existir um vínculo jurídico directo entre a decisão individual impugnada e o acto geral em questão (acórdãos de 31 de Março de 1965, Dalmas e Figli/Alta Autoridade, 21/64, Colect., p. 55, e de 13 de Julho de 1966, Itália/Conselho e Comissão, 32/65, Colect., p. 483). Ora, no caso em análise, uma vez que a liquidação impugnada se baseou apenas no n. 2, alínea c), da disposição em causa, a excepção de ilegalidade, ao dizer respeito ao n. 2, alínea d), estende-se a uma disposição sem relevância para a solução do litígio, com o qual não apresenta qualquer vínculo jurídico directo. Assim sendo, tal excepção deve ser julgada inadmissível.

58 Assim, só há que examinar a legalidade, relativamente aos cinco primeiros fundamentos apresentados pelo recorrente, da liquidação de 5 de Julho de 1991, e, na medida em que é pacífico que tal liquidação foi feita em aplicação apenas do disposto no ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I, a legalidade destas disposições.

Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação do artigo 72. , n. 1, do Estatuto

Argumentos das partes

59 O recorrente sustenta que, por força desta disposição, tem direito a beneficiar de um reembolso de 100% das despesas que foi efectivamente obrigado a efectuar. Ora, no seu caso, o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem apenas atinge, por efeito da nova regulamentação de cobertura, uma percentagem muito menor (respectivamente, 35,77%, para os primeiros 90 dias, e 21,72%, para o período subsequente). Trata-se manifestamente de uma violação do direito, reconhecido pelo Estatuto, a um reembolso de 100% em caso de doença grave.

60 A circunstância de a Comissão insistir, na decisão que indefere a reclamação do recorrente, no facto de o reembolso por este recebido em 7 de Julho de 1991 se elevar a 92% das despesas realmente efectuadas, constitui, para o recorrente, um argumento desprovido de pertinência. Com efeito, por um lado, um reembolso até ao limite de 92% continua a ser insuficiente relativamente à taxa de 100% imposta no Estatuto e, por outro, a questão jurídica de princípio suscitada no caso em análise não pode ser influenciada pela circunstância de, em virtude de o recorrente se ter esforçado por reduzir as despesas a reembolsar, estas terem sido reembolsadas, num caso isolado, numa percentagem próxima dos 100%.

61 Além disso, o reembolso a 100% implica manifestamente, em relação à regulamentação geral, um elemento de intervenção suplementar que se justificava pela gravidade da doença. No regime anterior, este elemento traduzia-se no facto de o limite máximo previsto em caso de reembolso a 100% ser fixado no dobro do limite aplicável na hipótese de reembolso a 80%. Em contrapartida, segundo a nova regra enunciada no ponto IV do anexo I, o limite previsto para os reembolsos a 80% aplica-se igualmente aos reembolsos a 100%. Assim, deixou de existir qualquer diferença entre os dois limites. O facto de a nova regulamentação de cobertura prever, além disso, uma diminuição deste limite, até 10% do vencimento de base ou da pensão do segurado, reforça ainda a incompatibilidade com o princípio do reembolso a 100%.

62 O recorrente acrescenta que o texto francês do artigo 72. , n. 1, do Estatuto faz referência a um reembolso "até ao limite de 80%", quando o texto neerlandês prevê um reembolso "até ao máximo de 80%". Este termo "limite" significa que o reembolso é limitado a 80% das despesas efectuadas. Além disso, da comparação do texto neerlandês das disposições de interpretação da regulamentação de cobertura relativas ao ponto XV do anexo I com as restantes versões linguísticas, resulta que, para efeitos de aplicação do artigo 8. , n. 2, da referida regulamentação, o "limite" deve efectivamente ser convertido a partir da base 100 (anexo C 11 à petição T-52/92), o que confirma ser necessário, por maioria de razão, praticar uma conversão a partir da base 100 no caso de um reembolso formalmente fixado em 100%.

63 Em resposta ao argumento da Comissão extraído dos acórdãos Pincherle/Comissão e Barassi/Comissão, já referidos, em que o Tribunal enunciou o princípio de que as taxas de reembolso previstas no artigo 71. , n. 1, do Estatuto constituem taxas mínimas e reconheceu, no processo Barassi/Comissão, a legalidade de um reembolso que se elevava apenas a 31% das despesas efectuadas, o recorrente afirma que existe violação manifesta do princípio de cobertura social subjacente ao artigo 72. do Estatuto, quando, no quadro de um reembolso em princípio fixado em 100%, o reembolso efectivo se eleva, como no presente caso, a 35% durante os primeiros 90 dias e a 21% no termo deste período. O argumento que o Tribunal de Justiça retira, no processo Barassi/Comissão, do artigo 72. , n. 3, do Estatuto, que prevê um reembolso especial no caso de as despesas serem particularmente elevadas, é, ainda segundo o recorrente, incompatível com uma interpretação sistemática e teleológica desta disposição. Por um lado, esta aplica-se apenas a situações excepcionais, como resulta do processo específico previsto e do poder de apreciação reconhecido à AIPN nesta matéria: a afirmação do Tribunal, segundo a qual esta disposição justifica medidas de execução que conduzem, de forma estrutural, a uma taxa de reembolso extremamente baixa, implica, desta forma, uma inversão total da economia geral do artigo 72. (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 1984, Ooms/Comissão, 115/83, Recueil, p. 2613, n. 14). Por outro lado, o raciocínio seguido pelo Tribunal não é válido no sistema específico de cobertura a 100% em caso de doença grave: com efeito, não se pode admitir que disposições de execução limitem este reembolso a menos de um quarto, alegando que, em semelhante caso e nas condições previstas no artigo 72. , n. 3, do Estatuto, a AIPN pode, com base num pedido, conceder um reembolso especial.

64 Além disso, o recorrente observa que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça a propósito do artigo 8. , n. 5, da regulamentação de cobertura (acórdão Barassi/Comissão, já referido, n. 38) é duvidoso e não pode, de forma alguma, ser transposto para o caso em análise. A conclusão de que, segundo esta disposição, a aplicação do artigo 8. , n. 2, da regulamentação de cobertura e, consequentemente, do artigo 72. , n. 3, do Estatuto, depende necessariamente de um pedido, obrigaria o interessado a adiantar o pagamento das despesas durante um longo período. Com efeito, segundo a prática administrativa seguida na matéria (anexo 3 da réplica), só no termo de um período de referência mínimo de doze meses é que o segurado pode apresentar esse pedido, ao mesmo tempo que, por outro lado, dispõe de um novo período de doze meses para esse efeito. A existência de prazos tão longos, sobretudo no caso de segurados idosos, está em absoluto desacordo com os princípios gerais de boa administração, tanto mais que o pedido assim apresentado fica em seguida sujeito aos prazos previstos no artigo 90. do Estatuto, o que significa que a sua apreciação pode ainda tardar catorze meses em caso de indeferimento, tendo em conta o prazo de recurso.

65 O recorrente salienta ainda que, no seu caso específico, a possibilidade de obter reembolsos especiais está limitada, nos termos da disposição de interpretação relativa ao ponto XV do anexo I, às despesas que não ultrapassem em 50%, no máximo, os limites previstos no anexo I para o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem. Esta restrição é tanto mais importante quanto reforça o tratamento discriminatório reservado às despesas com auxiliares médicos e enfermagem. A este propósito, o recorrente remete novamente para a liquidação de 20 de Maio de 1992, que consta do anexo 2 à réplica, para sublinhar que esta disposição foi efectivamente aplicada no seu caso. OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC : 692A0006.1

66 A Comissão responde que o artigo 72. , n. 1, do Estatuto determina apenas que, em geral, as despesas de doença são reembolsadas dentro do limite de determinadas percentagens (80%, 85% ou 100%, consoante os casos) e com base em regulamentação fixada de comum acordo pelas instituições das Comunidades. Assim, nada impede que as Comunidades limitem a percentagens inferiores as prestações do seguro de doença. Além disso, estes limites não constituem o único critério, uma vez que o artigo 72. , n. 1, do Estatuto prevê expressamente a adopção de regras específicas. Quanto à redacção do artigo 72. do Estatuto, a Comissão, observando que a versão francesa invocada pelo recorrente não goza de qualquer prioridade, afirma não compreender como é que a expressão "até ao limite de 80%" se afasta da sua interpretação, segundo a qual esta percentagem constitui uma taxa máxima.

67 A Comissão refere-se, seguidamente, aos acórdãos Pincherle/Comissão e Barassi/Comissão, em que o Tribunal declarou que as percentagens de reembolso fixadas no artigo 72. do Estatuto em 80% ou 85% das despesas efectuadas constituem o limite máximo reembolsável, que, na falta de limite máximo de reembolso fixado pelo Estatuto, as instituições podem fixar limites máximos adequados, respeitando o princípio de cobertura social que inspira o artigo 72. do Estatuto, e que os limites máximos aplicáveis no caso vertente não são ilegais nem injustos. No entender da Comissão, o mesmo raciocínio é aplicável ao regime de cobertura a 100%.

68 A Comissão acrescenta, a título subsidiário, que a regulamentação de cobertura tem força jurídica idêntica à do Estatuto. Assim, cabe aplicar a regra geral que exige que uma disposição posterior altere uma disposição anterior (lex posterior derogat lege priori).

69 Quanto a este último fundamento de defesa, invocado a título subsidiário pela Comissão, o recorrente responde ° remetendo para os artigos 212. do Tratado CEE e 24. do Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias, por um lado, e para o artigo 72. do Estatuto, por outro, bem como para as exigências de publicidade impostas pelos regulamentos do Conselho ° que a afirmação da Comissão segundo a qual a regulamentação de cobertura tem força jurídica idêntica à do Estatuto é errada.

70 Na audiência, o recorrente afirmou poder aceitar a interpretação do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, segundo a qual o reembolso das despesas de doença pode ser efectuado "em torno" das percentagens de 80%, 85% ou 100%, consoante os casos.

Apreciação do Tribunal

71 Há que salientar, em primeiro lugar, que o artigo 72. , n. 1, do Estatuto determina que o seu conteúdo pode ser completado por uma "regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições das Comunidades". O Conselho, na qualidade de autor do Estatuto, partiu, portanto, da ideia de que o regulamento por ele adoptado ° o Estatuto ° não contém todas as normas aplicáveis no domínio da segurança social dos funcionários. Estabeleceu ° a par da possibilidade de modificação formal do Estatuto através de regulamento ° uma segunda via diferente de adopção de legislação nesta matéria, cuja responsabilidade confiou às instituições, agindo de comum acordo. As instituições, incluindo o próprio Conselho, estão, portanto, habilitadas, por força do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, a adoptar disposições à margem do próprio Estatuto.

72 Esta delegação está em conformidade com os princípios do Tratado. Com efeito, não se trata de uma transferência de competência legislativa propriamente dita para as restantes instituições, uma vez que a adopção da regulamentação pressupõe o comum acordo das instituições e, por conseguinte, também o acordo do Conselho que estabeleceu a delegação. Assim, este último continua a poder bloquear a adopção de quaisquer disposições que considere inadequadas.

73 Em seguida, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou de forma geral que, ao prever que o funcionário e o seu cônjuge estão cobertos contra os riscos de doença dentro dos limites de determinada percentagem das despesas efectuadas e com base numa regulamentação comum às instituições, o artigo 72. , n. 1, do Estatuto deixa aos autores dessa regulamentação o cuidado de determinar o âmbito de aplicação dessa cobertura, no respeito das disposições do Estatuto e dos objectivos que este prossegue (acórdão Brunotti/Comissão, já referido, n. 10). Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu que a regulamentação de cobertura pode conter disposições suplementares, desde que estas não excedam os limites impostos pelo artigo 72. do Estatuto, e, desta forma, rejeitou o argumento segundo o qual o Conselho não pode delegar o seu poder de regular a matéria (acórdão Brunotti/Comissão, n.os 12 e 14).

74 Deve acrescentar-se que estas disposições suplementares podem, em princípio, comportar igualmente limites máximos de reembolso. Como o Tribunal já declarou no acórdão Barassi/Comissão (já referido, n. 33), caso o Estatuto não estabeleça limites máximos de reembolso, as instituições podem proceder à sua fixação através de disposições de regulamentação comum. No entanto, o Tribunal sublinhou que as instituições não podem, ao adoptar disposições de execução do artigo 72. , n. 1, do Estatuto e, nomeadamente, ao fixar limites máximos de reembolso, ultrapassar os limites que são impostos ao seu poder pelo princípio de cobertura social que está na base daquela disposição do Estatuto.

75 No que respeita ao caso em análise, que tem por objecto o reembolso de despesas com auxiliares médicos e enfermagem, deve salientar-se que o artigo 72. do Estatuto não contém uma regra específica neste domínio. Ora, trata-se de um domínio particularmente complexo e importante. Por um lado, as despesas com auxiliares médicos e enfermagem podem atingir montantes bastante elevados e, por outro, as prestações necessárias, dependendo da natureza da doença manifestada, podem ter um carácter muito variado. Por conseguinte, é evidente que a regulamentação comum deve conter regras específicas a respeito de tais despesas.

76 O recorrente considera que a regulamentação de cobertura não pode legitimamente fixar um limite máximo de reembolso no caso de cobertura a 100%, hipótese prevista no artigo 72. , n. 1, do Estatuto para as doenças especialmente graves. Esta afirmação do recorrente viola o alcance do artigo 72. , n. 1, do Estatuto. Com efeito, deve recordar-se que, já nos acórdãos Pincherle/Comissão (já referido, n. 25) e Barassi/Comissão (já referido, n. 32), o Tribunal declarou que as taxas de reembolso de 80% ou 85%, previstas no artigo 72. , n. 1, do Estatuto, devem, atendendo ao teor desta disposição, ser interpretadas no sentido de que constituem o limite máximo reembolsável, não impondo, portanto, qualquer obrigação de reembolso, nessa percentagem, dos segurados ou inscritos, em todos os casos. Deve acrescentar-se que este raciocínio continua a ser inteiramente válido nos casos em que é aplicável a percentagem de 100%, prevista nesta mesma disposição.

77 Esta conclusão é ditada pelo próprio sistema a que obedece o funcionamento do regime comum. Com efeito, os recursos do regime comum são limitados às contribuições dos inscritos e das instituições e o seu equilíbrio financeiro implica uma correlação necessária entre despesas e cotizações. Dado que o artigo 72. , n. 1, do Estatuto não fixa um limite mínimo, cabe às instituições comunitárias, agindo de comum acordo, regular o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem, respeitando apenas os limites dos recursos disponíveis, por um lado, e o princípio de cobertura social, atrás referido, por outro. Daqui resulta que, no caso de despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas com doença grave, o reembolso pode ser inferior à pergentagem de 100% prevista como limite máximo no artigo 72. , n. 1, do Estatuto.

78 Quanto à liquidação impugnada de 5 de Julho de 1991, o Tribunal já declarou atrás que o montante reembolsado corresponde a 92% das despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas pelo recorrente, isto, em aplicação do único limite máximo previsto no ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I. O Tribunal considera que a diferença entre a percentagem efectiva de reembolso e a percentagem máxima de reembolso prevista, que se eleva apenas a 8%, não pode ser considerada como violação do princípio de cobertura social. Esta apreciação é corroborada pelo facto de o próprio recorrente ter declarado que podia aceitar um reembolso situado "em torno" de 100%. Assim, as disposições da nova regulamentação de cobertura, nas quais a liquidação em litígio se baseou, não ultrapassam os limites previstos no artigo 72. , n. 1, do Estatuto, não sendo necessário, no caso em análise, determinar as percentagens de reembolso concretas abaixo das quais, de um modo geral e relativamente a todos os reembolsos de despesas com auxiliares médicos e enfermagem, se deve entender que tais limites foram violados.

79 Por último, deve recordar-se que as percentagens de reembolso que o recorrente receia venham a ser-lhe futuramente aplicadas em determinadas circunstâncias, que calcula, respectivamente, em 35,77% e 21,72%, não apresentam qualquer relação com a liquidação de 5 de Julho de 1991, à qual o litígio se refere. As circunstâncias do caso vertente não permitem, portanto, examinar essas percentagens. O mesmo se diga em relação ao argumento que o recorrente pretende extrair do carácter excepcional do reembolso especial previsto no artigo 72. , n. 3, do Estatuto e das dificuldades administrativas relacionadas com a execução desta disposição. Com efeito, uma vez que o recorrente não solicitou o benefício deste reembolso especial, este argumento não tem qualquer relevância para a solução do presente litígio (v. o acórdão Pincherle/Comissão, já referido, n. 30).

80 Das considerações expostas resulta que o fundamento baseado na violação do artigo 72. , n. 1, do Estatuto deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento baseado na violação dos direitos adquiridos

Argumentos das partes

81 O recorrente alega que um funcionário pode invocar um direito adquirido desde que o facto que deu origem a esse direito se tenha verificado na vigência de determinado Estatuto, anterior a uma modificação decretada pela autoridade comunitária (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1975, Gillet/Comissão, 28/74, Colect., p. 171). No caso vertente, o facto gerador foi a ocorrência da doença do seu cônjuge e o seu reconhecimento como doença grave, ambos verificados na vigência da regulamentação de cobertura anterior. As modalidades de reembolso, nos termos em que foram fixadas pela regulamentação antiga, não podiam, portanto, ser modificadas em prejuízo do recorrente, que, nessas ocasiões, se viu obrigado a tomar determinado número de decisões sobre a forma como enfrentar material e financeiramente aquela doença. Para poder determinar as consequências financeiras de uma doença cuja duração era, por definição, imprevisível, o recorrente só podia, obviamente, tomar como base a situação jurídica que conhecia, isto é, o princípio de cobertura de 100% no quadro das modalidades de execução de que tinha conhecimento nessa altura, ou seja, uma cobertura até ao limite do dobro do montante máximo então em vigor. O direito do recorrente a um reembolso de 100%, nos termos das modalidades assim determinadas, nasceu, pois, nesse momento, e constitui, portanto, um direito adquirido. Esta análise é reforçada pelo facto de o princípio de cobertura a 100% não ter sido modificado, mas, na prática, por mero efeito da nova regulamentação, tal princípio ter perdido qualquer consistência.

82 A Comissão responde que a jurisprudência referida pelo recorrente não é aplicável no caso em análise, uma vez que o facto que deu origem ao direito em causa é posterior à entrada em vigor da nova regulamentação. Com efeito, o recorrente beneficiou da antiga regulamentação quanto às despesas referentes à doença do seu cônjuge efectuadas antes de 1 de Janeiro de 1991. Em contrapartida, a nova regulamentação só é aplicável às despesas efectuadas depois daquela data.

83 A este propósito, a Comissão remete para os acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1981, Duerbeck (112/80, Recueil, p. 1095, n. 48), e de 11 de Março de 1982, Grogan/Comissão (127/80, Recueil, p. 869, n. 15), cuja relevância para os presentes processos é, todavia, contestada pelo recorrente. A Comissão considera, por último, que a tese defendida pelo recorrente dá origem a uma situação absurda. O seu resultado seria o de, em caso de doença de longa duração, as modalidades de reembolso das despesas de doença deverem ser consideradas direitos adquiridos a partir do momento em que a doença se manifestou, de tal forma que qualquer revisão da base de reembolso depois de decorrido certo lapso de tempo, nomeadamente em função da duração da doença, tornar-se-ia impossível.

Apreciação do Tribunal

84 A este propósito, basta salientar que, em matéria de despesas com auxiliares médicos e enfermagem, nem o artigo 72. , n. 1, do Estatuto nem a regulamentação de cobertura prevêem taxas de reembolso fixas, mas apenas taxas máximas, uma vez que o simples facto de, durante um certo período, a aplicação dada a este artigo pelas instituições comunitárias ter sido particularmente favorável aos interessados não é susceptível de criar um direito adquirido na sua esfera jurídica. O recorrente, que beneficiou de uma vantagem que se traduz, durante um certo período, numa aplicação favorável do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, o qual permite igualmente, nos termos da sua redacção, uma aplicação menos favorável, não pode, pois, invocar um direito adquirido para manter essa vantagem (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1987, Rau, 133/85 a 136/85, Colect., p. 2289, n. 18).

85 Por outro lado, nos acórdãos de 16 de Maio de 1979, Tomadini (84/78, Recueil, p. 1801, n. 21), e Duerbeck (já referido, n. 48), o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao princípio do respeito da confiança legítima, não poder ser impedida a aplicação de uma nova regulamentação aos efeitos futuros de situações nascidas na vigência da anterior regulamentação, o que se verifica, em particular, num domínio cujo objecto implique uma constante adaptação em função das variações da situação económica. A aplicação, ao caso em análise, da ideia expressa nesta jurisprudência pressupõe que os efeitos futuros ° no caso vertente, as despesas a efectuar no futuro ° de uma doença de longa duração que se manifestou na vigência de determinada regulamentação sejam, eventualmente, regulados, a partir de certo momento, por uma nova regulamentação, possivelmente menos favorável do que a anterior, tanto mais que o sector do reembolso das despesas médicas é precisamente um daqueles cujo objecto implica uma constante adaptação das regras aplicáveis, em função dos recursos disponíveis e da necessidade de salvaguardar o equilíbrio financeiro.

86 Consequentemente o fundamento baseado numa violação dos direitos adquiridos deve ser afastado.

Quanto ao terceiro fundamento baseado numa violação do dever geral de solicitude

Argumentos das partes

87 O recorrente invoca o artigo 24. do Estatuto e a jurisprudência do Tribunal de Justiça a ele relativa, segundo a qual a finalidade deste artigo seria facultar ao pessoal no activo e ao pessoal reformado uma segurança para o presente e para o futuro (acórdão de 12 de Junho de 1986, Sommerlatte/Comissão, 229/84, Colect., p. 1805). Esta referência à segurança para o futuro é particularmente relevante no caso em análise. Nesta óptica, é contrário ao dever de solicitude adoptar, sem a menor forma de concertação colectiva ou individual prévia com os reformados interessados, medidas que violam grave e unilateralmente os seus direitos.

88 Além disso, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677), o recorrente recorda que o dever de solicitude reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocos nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever de solicitude está ligado a um princípio fundamental do direito do trabalho, segundo o qual uma relação de trabalho de longa duração faz surgir obrigações especiais de assistência e de protecção [v. as conclusões do advogado-geral G. Reischl no processo 191/81 (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1982, Plug/Comissão, Recueil, pp. 4229, 4250, 4256)]. Naquele caso, este dever de solicitude foi violado pelo facto de, aquando da adopção das medidas de economia em litígio, não terem sido atendidos os interesses das pessoas especialmente em causa, isto é, as pessoas cujas despesas com auxiliares médicos e enfermagem constituem uma parcela importante de despesas (sobretudo os reformados, mas também os titulares de uma pensão de invalidez): durante a elaboração destas medidas, em nenhum momento se pensou consultar estas categorias de pessoas, quando as medidas em questão afectam os reformados sensivelmente em maior grau do que os funcionários em actividade.

89 A Comissão considera, em contrapartida, que, segundo jurisprudência assente, o artigo 24. do Estatuto não tem por objectivo a defesa dos funcionários, pela instituição comunitária, contra actos da sua autoria; tal defesa está prevista noutras disposições do Estatuto (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1981, Bellardi-Ricci e o./Comissão, 178/80, Recueil, p. 3187, n. 23). O dever geral de solicitude não impede que a administração adopte determinadas medidas restritivas em matéria de segurança social, tanto mais que a Comissão tem esta obrigação relativamente a todo o seu pessoal e deve, a este título, garantir o funcionamento correcto do regime de protecção social.

90 Finalmente, a Comissão sustenta que, alegando o recorrente que, com a adopção das medidas de economia em causa, o dever de solicitude foi violado, a pretensa violação parte da hipótese de que a Comissão deveria ter adoptado uma regulamentação especial destinada aos reformados. Ora, tal premissa assenta na ideia de que os reformados se encontram numa situação especial que exige uma regulamentação diferente. Nesta medida, tal premissa confunde-se com o quarto fundamento.

Apreciação do Tribunal

91 Na medida em que o recorrente invoca, neste contexto, o artigo 24. do Estatuto, sustentando que a nova regulamentação de cobertura só deveria ter sido adoptada pelas instituições comunitárias depois de uma concertação prévia com os representantes dos funcionários reformados, foi com razão que a Comissão recordou que, segundo jurisprudência assente, este artigo não se refere à defesa dos funcionários reformados, pelas instituições comunitárias, contra actos da sua autoria e cujo controlo é regulado por outros preceitos do Estatuto (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1982, Munk/Comissão, 98/81, Recueil, p. 1155, n. 21; acórdãos Plug/Comissão, já referido, n. 21; e Bellardi-Ricci e o./Comissão, já referido, n. 23). Consequentemente, este ponto do terceiro fundamento não pode ser acolhido.

92 Na medida em que o recorrente invoca uma violação do dever de solicitude, em razão de, aquando da modificação da regulamentação de cobertura, não terem sido considerados os interesses dos funcionários reformados cujas despesas com auxiliares médicos e enfermagem constituem uma parcela de despesas mais importante do que a dos funcionários em actividade, há que recordar que o dever de solicitude da administração em relação aos seus próprios agentes reflecte o equilíbrio dos direitos e das obrigações recíprocos que o Estatuto fixou nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. É verdade que este dever implica, nomeadamente, que, ao decidir sobre a situação de um funcionário, a autoridade atenda ao conjunto dos elementos que são susceptíveis de determinar a sua decisão e que, desta forma, tenha em conta não só o interesse do serviço mas também o interesse do funcionário em causa (v., como síntese da jurisprudência assente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Março de 1993, Blackman/Parlamento, T-33/89 e T-74/89, Colect., p. II-249, n. 96).

93 Todavia, como a Comissão salientou com razão, a acusação formulada pelo recorrente no caso vertente limita-se, na realidade, a afirmar que, ao ser adoptada a nova regulamentação de cobertura, deveria ter sido elaborado um regime especial que beneficiasse exclusivamente os funcionários reformados, o que pressupõe que estes se encontram numa situação especial que exige um regime diferente. Assim, este elemento do terceiro fundamento coincide, no essencial, com o quarto fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação, pelo que será apreciado no quadro deste fundamento.

Quanto ao quarto fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação

Quanto à admissibilidade

94 A Comissão pede que este fundamento seja julgado inadmissível na medida em que o recorrente a acusa de, no essencial, ter aplicado a mesma redução de reembolsos aos funcionários em actividade e aos funcionários reformados, apesar de estes últimos disporem de recursos financeiros bastante inferiores aos dos primeiros (discriminação material). Com efeito, esta acusação não foi mencionada na reclamação do recorrente.

95 O recorrente responde que a sua reclamação de 30 de Setembro de 1991 remete expressamente para as reclamações que tinha apresentado antes de 30 de Março e de 12 de Junho de 1991. Ora, esta última refere a existência de uma discriminação material. Assim, a Comissão teve possibilidade de conhecer com suficiente precisão esta acusação do recorrente, que, de resto, examinou na sua decisão de 12 de Março de 1992 que indeferiu a reclamação atrás referida de 30 de Setembro de 1991.

96 A este propósito, cabe recordar que a concordância exigida por uma jurisprudência constante entre os fundamentos formulados na reclamação e os invocados no recurso destina-se a permitir e a favorecer uma resolução amigável do diferendo surgido entre os funcionários e a administração e que, para satisfazer este imperativo, importa que a administração tenha a possibilidade de conhecer com suficiente precisão as acusações ou as pretensões do interessado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1986, Rihoux e o./Comissão, 52/85, Colect., p. 1555, n. 12, e do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1992, Della Pietra/Comissão, T-1/91, Colect., p. II-2145, n. 24). No caso vertente, há que concluir que a reclamação de 30 de Setembro de 1991 não contém qualquer fundamento explícito, mas que remete, por duas vezes, para as reclamações de 30 de Março e de 12 de Junho de 1991, na sequência das quais foi interposto o recurso no processo T-6/92. Ora, a reclamação complementar de 12 de Junho de 1991 assenta, nomeadamente, numa acusação baseada em discriminação material. A Comissão tomou conhecimento desta reclamação complementar no presente contexto, como resulta da sua decisão de 12 de Março de 1992 que indefere a reclamação de 30 de Setembro de 1991, onde expressamente a aprecia e rejeita. Afigura-se, portanto, que a Comissão teve conhecimento, com suficiente precisão, das acusações e pretensões do recorrente na matéria. Consequentemente, na medida em que se refere a uma alegada discriminação material, o fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação é admissível.

Quanto ao mérito

° Argumentos das partes

97 O recorrente alega que, uma vez que a situação dos funcionários reformados e a dos funcionários em actividade é nitidamente diferente do ponto de vista das suas possibilidades financeiras, é discriminatório tratar estas duas categorias da mesma forma no que respeita à diminuição dos reembolsos das despesas de doença. Assim, é precisamente por terem sido decididas de forma idêntica para os funcionários no activo e para os reformados que as reduções em causa constituem uma violação do princípio da não discriminação, uma vez que não têm em conta a diferente situação dos interessados.

98 O recorrente acrescenta que esta discriminação é agravada pelo facto de, à primeira vista, se afigurar plausível que o caso específico das despesas relativas a tratamentos de longa duração com auxiliares médicos e enfermagem, em caso de doenças graves, se refere mais a pessoas de um grupo etário mais avançado, e, portanto, a funcionários reformados, do que àqueles que estão em actividade, o que cria uma presunção de discriminação dissimulada. Com efeito, é evidente que o risco de doença aumenta com a idade, com a consequência de que o recurso a auxiliares médicos e a enfermeiros, sobretudo em caso de doenças graves e de longa duração, diz mais frequentemente respeito, em termos proporcionais, aos funcionários não activos do que aos activos.

99 Seguidamente, o recorrente salienta que a maior parte dos regimes jurídicos atende aos rendimentos para efeitos do montante dos impostos e das cotizações sociais. Por outro lado, a própria Comissão fornece um exemplo desta atitude ao afirmar (p. 14 da resposta) que, quando decidiu manter, no que respeita ao reembolso de determinadas despesas, a regra do dobro de um montante máximo, fê-lo partindo do princípio de que certas despesas representam um encargo pesado para os funcionários em geral e que o seu reembolso deve ser superior ao das despesas que normalmente representam um encargo menor. Assim, a Comissão reconhece que a repartição do encargo das medidas de economia deve ter em conta o encargo financeiro que resulta das prestações médicas em causa.

100 Quanto à presunção de discriminação dissimulada que invoca, o recorrente lamenta não ter possibilidade de apresentar outras provas numéricas em apoio da sua análise, que, em sua opinião, assenta no bom senso, sendo certo que a Comissão podia, com as técnicas de cálculo electrónico disponíveis, fornecer facilmente uma resposta a esta questão. A afirmação da Comissão (p. 12 da resposta) segundo a qual o défice do seguro de doença não é unicamente causado pelos funcionários em actividade mas também pelos reformados, confirma que a administração competente tem possibilidade de fornecer outros dados. Consequentemente, o recorrente considera que, segundo uma aplicação analógica do acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1989, Danfoss (109/88, Colect., p. 3199), cabe à Comissão ilidir esta presunção.

101 A Comissão responde que, embora existam diferenças importantes entre os funcionários em actividade e os funcionários reformados, nomeadamente do ponto de vista dos seus recursos económicos, não significa que se torne discriminatório um regime geral aplicável em determinadas ocasiões, como seja em caso de doença, relativamente às quais estas categorias em nada se distinguem. A tese defendida pelo recorrente significa, de resto, que qualquer regime geral de segurança social que preveja o reembolso de despesas médicas deve ser considerado incompatível com o princípio da não discriminação sempre que faça abstracção das diferenças de rendimentos entre determinadas categorias de segurados. Levando este raciocínio até ao limite, observa a Comissão, o regime deve ter igualmente em conta a diferença de recursos entre categorias de funcionários em razão da diferença de remunerações.

102 A Comissão acrescenta que, ainda que o recorrente conseguisse demonstrar que as pessoas mais idosas, e, portanto, os reformados, são mais frequentemente atingidos pelas despesas em causa, daí não se pode, no entanto, deduzir uma presunção de discriminação dissimulada. Não cabe esquecer, neste contexto, que os reformados não constituem uma categoria à parte, mas que são funcionários que atingiram uma certa idade e que deixaram de trabalhar. Por outras palavras, todos os funcionários correriam o risco de ser confrontados, numa idade mais avançada, com despesas mais elevadas provocadas por uma doença de longa duração.

° Apreciação do Tribunal

103 Antes de examinar se a liquidação impugnada e as disposições do ponto X, n. 2, alínea c), do anexo I, com base nas quais essa liquidação foi feita, comportam um carácter discriminatório em relação ao recorrente, na sua qualidade de funcionário reformado, deve recordar-se que, segundo jurisprudência bem assente, o princípio da não discriminação não permite o tratamento idêntico de situações diferentes ou o tratamento diferente de situações idênticas (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1982, Buyl e o./Comissão, 817/79, Recueil, p. 245, n. 29, e Battaglia/Comissão, 1253/79, Recueil, p. 297, n. 37).

104 Quanto à acusação baseada na existência de uma discriminação material em relação aos funcionários reformados, cabe sublinhar que o termo de comparação relevante para a análise desta acusação não é a remuneração individual dos interessados, que depende da sua classificação, a qual pode variar do grau D 4, primeiro escalão, ao grau A 1, sexto escalão, mas o montante previsto para o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem. Ora, é pacífico que as disposições da nova regulamentação de cobertura não distinguem, a este propósito, entre os funcionários em actividade e os funcionários reformados. Além disso, como ilustra o caso do recorrente, cuja pensão se eleva a cerca de 300 000 BFR, não se pode afirmar de um modo geral que os funcionários reformados dispõem, em todos os casos e de maneira estrutural, de possibilidades financeiras mais reduzidas do que os funcionários em actividade.

105 Quanto à existência de uma discriminação dissimulada que resulta, segundo o recorrente, do facto de as pessoas idosas, isto é, os funcionários reformados, serem mais frequentemente atingidas por doenças de longa duração e deverem, em especial, efectuar mais despesas com auxiliares médicos e enfermagem, deve recordar-se que os funcionários reformados não podem ser considerados uma categoria de segurados à parte que, pelo simples facto de ser constituída por antigos funcionários, está particularmente exposta ao risco de ser confrontada com despesas com auxiliares médicos e enfermagem. Trata-se, antes, de um risco geral da vida que pode afectar qualquer funcionário, em actividade ou reformado, e em qualquer momento, por exemplo, devido a um acidente de trânsito ou de desporto.

106 Neste contexto, foi com razão que a Comissão sublinhou que os funcionários reformados devem ser considerados funcionários que atingiram uma certa idade e que deixaram de trabalhar. Embora seja verdade que os funcionários correm o risco de ser confrontados, numa idade mais avançada, com despesas mais elevadas originadas por uma doença de longa duração, pode legitimamente confiar-se que, em tempo útil, isto é, durante o seu período de actividade, tenham tomado as precauções adequadas, como, por exemplo, a constituição de um fundo de poupança ou de valores imobiliários ou a subscrição de um seguro de doença privado complementar, a fim de fazer face, se for necessário, às despesas de doença mais especialmente ligadas à velhice. Atendendo à redacção do artigo 72. , n. 1, do Estatuto, que prevê apenas percentagens de reembolso máximas, a adopção de tais medidas preventivas era e continua a ser aconselhada, uma vez que a redução da percentagem de reembolso pode verificar-se em qualquer momento. O facto de não ter tomado medidas desta natureza não pode, nestas condições, ser imputado, a pretexto de uma discriminação, nem aos autores do Estatuto nem aos da regulamentação de cobertura.

107 O fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação, com o qual se confunde a segunda parte do fundamento baseado na violação do dever geral de solicitude, deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

108 O recorrente sustenta que, uma vez que o limite dos reembolsos ao abrigo do regime comum se inspirou na preocupação de reduzir e de colmatar um eventual défice do regime de seguro de doença, as instituições comunitárias deviam ter respeitado o princípio da proporcionalidade. Este princípio implica a necessidade de manter um equilíbrio entre os objectivos legítimos de uma medida, por um lado, e os encargos que daí resultam para o conjunto dos sujeitos de direito ou para uma parte deles, por outro. Na escolha entre os diferentes meios possíveis, era, portanto, necessário dar preferência aos menos gravosos, o que teria obrigado, no mínimo, a analisar se o défice não podia ser limitado de outra forma (por exemplo, através da adopção de medidas de controlo adequadas a fim de reduzir as fraudes, através de um aumento das contribuições dos segurados ou através de uma contribuição suplementar dos Estados-membros) e não apenas através de uma redução discriminatória que incide sobre um único grupo de prestações. Além disso, o respeito do princípio da proporcionalidade obrigava a ter em conta o interesse médico das despesas em causa, em comparação, por exemplo, com o das despesas de tratamentos termais.

109 A Comissão considera que este fundamento é irrelevante. Com efeito, o recorrente impugna a totalidade da regulamentação de cobertura. No entanto, não é nem poderia ser este o objecto do recurso de anulação, uma vez que não é admissível um recurso baseado na pretensa ilegalidade das disposições alteradas da regulamentação de cobertura.

110 Na audiência, o recorrente pediu ao Tribunal que ordenasse à Comissão a apresentação da acta das reuniões do comité de gestão anteriores à adopção, por este último, do parecer n. 3/89, ou, no caso de ° como a Comissão afirmou ° esta acta não existir, o inventário das propostas feitas pelo comité de gestão neste contexto. Finalmente, declarou que, se o artigo 72. , n. 1, do Estatuto deve ser interpretado no sentido de que as percentagens de reembolso aí previstas não são percentagens fixas, não compete aos funcionários apreciar se é necessário, e em que medida, subscrever um seguro privado complementar. No entanto, admitiu ter subscrito este seguro complementar no Canadá.

Apreciação do Tribunal

111 Segundo jurisprudência assente, o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias, sobretudo quando impõem encargos financeiros, não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização do objectivo prosseguido, entendendo-se que, quando há possibilidade de escolher entre várias medidas adequadas, convém recorrer à menos gravosa (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n. 25, e de 11 de Julho de 1989, Schraeder, 265/87, Colect., p. 2237, n. 21).

112 A este propósito, deve concluir-se, em primeiro lugar, que, em matéria de fixação das percentagens e modalidades de reembolso das despesas de doença e, especialmente, das despesas com auxiliares médicos e enfermagem, as instituições comunitárias dispõem de um largo poder de apreciação aquando da adopção, de comum acordo, da regulamentação prevista no artigo 72. , n. 1, do Estatuto. Com efeito, este domínio, cujo carácter complexo, atendendo ao necessário equilíbrio financeiro do regime comum, já foi salientado, obriga a uma constante adaptação em função das variações da situação financeira (v. n. 75, supra). Apenas o carácter manifestamente inadequado de novas medidas de redução dos reembolsos pode, portanto, afectar a sua legalidade. Ora, é pacífico que, com a adopção da nova regulamentação de cobertura, o reembolso de determinadas despesas de doença, entre as quais as despesas com auxiliares médicos e enfermagem, foi reduzido com o objectivo de realizar economias e de controlar, desta forma, o défice do regime comum, e não se pode contestar que a redução do reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem é, na sua essência, um meio adequado ao objectivo prosseguido, isto é, à redução do défice.

113 Há que salientar, seguidamente, que, como resulta da própria redacção do artigo 72. , n. 1, do Estatuto e, nomeadamente, das segunda e terceira frases do seu primeiro parágrafo, esta disposição permite que as instituições comunitárias, agindo de comum acordo, distingam, no que respeita às condições e ao montante do reembolso das despesas de doença, entre as diferentes categorias de doenças, o que pode dar igualmente origem a uma distinção entre várias categorias de custos e, por conseguinte, percentagens e limites de reembolso diferentes. Uma vez que o recorrente pretende comparar o reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem com o reembolso de outras despesas de doença, a sua argumentação é, consequentemente, desprovida de pertinência.

114 Finalmente, o Tribunal considera que, numa situação como a que se apresenta no caso vertente, em que as disposições regulamentares relevantes permitiram um reembolso de 92% das despesas com auxiliares médicos e enfermagem efectuadas e em que a retenção efectuada a cargo do recorrente se elevou apenas a 6 300 BFR, não está de modo algum em causa uma violação do princípio da proporcionalidade. De qualquer forma, as circunstâncias do presente litígio não revelaram elementos susceptíveis de demonstrar tal violação.

115 Na medida em que o recorrente alega ainda que os autores da regulamentação deveriam ter optado, com vista a reduzir o défice do regime comum, por outras medidas, menos gravosas, do que a fixação de limites ao reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem, deve concluir-se que tal raciocínio implica um exame da totalidade do regime de reembolso das despesas de todas as doenças previsto na nova regulamentação de cobertura. Ora, tal apreciação transcende os limites do controlo jurisdicional das disposições relevantes, cuja aplicação permitiu, no caso vertente, um resultado particularmente favorável ao recorrente.

116 Uma vez que não há que apreciar globalmente a nova regulamentação de cobertura, o pedido do recorrente destinado a ordenar a apresentação de determinados documentos internos do comité de gestão do regime comum, relativos às várias propostas de alteração da referida regulamentação, deve ser indeferido por irrelevante.

117 Consequentemente, também o fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade deve ser afastado.

118 Deve, assim, concluir-se que, uma vez que o exame dos cinco fundamentos invocados pelo recorrente não revelou elementos susceptíveis de afectar a legalidade das disposições relevantes da nova regulamentação de cobertura, a excepção de ilegalidade, suscitada pelo recorrente ao abrigo do artigo 184. do Tratado, deve igualmente ser julgada improcedente.

119 Do exposto resulta que, no processo T-52/92, o recorrente não provou que o seu direito ao reembolso das despesas com auxiliares médicos e enfermagem era superior ao montante que lhe fora concedido pela decisão impugnada. Em consequência, o recurso deve ser julgado improcedente no seu conjunto por falta de fundamento. Assim, por razões de economia processual, não é necessário conhecer da sua admissibilidade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

120 O recorrente solicitou, a título subsidiário, que se procedesse à aplicação do artigo 87. , n. 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo, pelo facto de, no processo T-6/92, a Comissão se ter limitado, na decisão que indeferiu a sua reclamação, a contestar a sua admissibilidade e de, no processo T-52/92, o conteúdo da decisão de indeferimento ter sido extremamente resumido. Por estas razões, não lhe foi possível examinar com conhecimento de causa uma eventual defesa quanto ao mérito.

121 A Comissão deixa ao Tribunal o cuidado de apreciar se o seu comportamento deu origem às despesas de um processo. De qualquer forma, o recorrente de modo algum demonstrou que este comportamento foi vexatório.

122 Nos termos do artigo 87. , n. 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, nos termos do artigo 88. do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. O Tribunal entende que, nas circunstâncias do caso vertente, há que proceder à aplicação destas disposições. A tramitação administrativa e judicial dos dois processos apensos não revelou qualquer elemento susceptível de provar que a Comissão obrigou o recorrente a efectuar despesas inúteis ou vexatórias, na acepção do artigo 87. , n. 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo. Em consequência, cabe ordenar que cada parte suporte as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1) O recurso no processo T-6/92 é julgado inadmissível.

2) O recurso no processo T-52/92 é julgado improcedente.

3) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

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