EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61992CJ0036

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 19 de Maio de 1994.
Samenwerkende Elektriciteits-Produktiebedrijven (SEP) NV contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Processo administrativo - Decisão de pedido de informações a uma empresa - Informações necessárias - Princípio da proporcionalidade e obrigação de os Estados-membros respeitarem o segredo profissional.
Processo C-36/92 P.

Colectânea de Jurisprudência 1994 I-01911

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1994:205

61992J0036

ACORDAO DO TRIBUNAL (QUINTA SECCAO) DE 19 DE MAIO DE 1994. - SAMENWERKENDE ELEKTRICITEITS-PRODUKTIEBEDRIJVEN (SEP) NV CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - DECISAO DE PEDIDO DE INFORMACOES A UMA EMPRESA - INFORMACOES NECESSARIAS - PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE E OBRIGACAO DE OS ESTADOS-MEMBROS RESPEITAREM O SEGREDO PROFISSIONAL. - PROCESSO C-36/92 P.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-01911
Edição especial sueca página I-00155
Edição especial finlandesa página I-00191


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Concorrência ° Processo administrativo ° Informações obtidas pela Comissão em aplicação do Regulamento n. 17 ° Transmissão às autoridades competentes dos Estados-membros ° Respeito do segredo profissional ° Obrigação de as autoridades dos Estados-membros respeitarem a confidencialidade das informações transmitidas pela Comissão ° Alcance ° Limites

(Regulamento. 17 do Conselho, artigos 10. e 20. )

2. Recurso ° Fundamentos ° Fundamentos de um acórdão que enfermam de uma violação do direito comunitário ° Parte decisória fundada por diferentes razões jurídicas ° Não provimento

3. Concorrência ° Processo administrativo ° Protecção dos segredos comerciais ° Oponibilidade às autoridades nacionais ° Poder de apreciação da Comissão ° Direitos da empresa em questão ° Direito a uma protecção jurisdicional efectiva ° Possibilidade de invocação da protecção dos segredos comerciais relativamente a uma decisão que ordena a comunicação de um documento à Comissão ° Ausência

(Tratado CEE, artigo 214. ; Regulamento n. 17 do Conselho, artigos 10. , 11. e 20. )

Sumário


1. Se, no âmbito do processo de aplicação das normas da concorrência, a Comissão é, nos termos do artigo 10. do Regulamento n. 17, obrigada a transmitir às autoridades competentes dos Estados-membros cópias dos documentos mais importantes que lhe sejam dirigidos, estas autoridades são obrigadas, nos termos do artigo 20. do referido regulamento, a não divulgar as informações obtidas em aplicação desse regulamento e que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional. Esta proibição de divulgação não é, todavia, de natureza a garantir que as informações em questão não serão tomadas em consideração pelas autoridades suas destinatárias ou pelos seus funcionários que delas tenham conhecimento no exercício das suas funções. Com efeito, a garantia processual que para as empresas constitui o facto de as autoridades não poderem utilizar as informações recolhidas para fins diferentes daqueles para os quais foram obtidas não pode ser levada ao ponto de exigir a efectiva ignorância pelas autoridades nacionais das informações transmitidas.

Numa situação em que a Comissão ordenou a comunicação de um contrato celebrado entre empresas e em que um Estado-membro ao qual será transmitido é a autoridade de tutela de uma empresa terceira, concorrente de uma das empresas que são partes no contrato, a restrição imposta pelo artigo 20. do regulamento à utilização das informações recebidas não pode impedir os efeitos irreversíveis que se prendem com o simples conhecimento das condições comerciais definidas por esse contrato. Com efeito, as autoridades nacionais que legitimamente venham a consultar esse contrato não podem ser eficazmente obrigadas a não ter de modo algum em conta essas condições quando eventualmente venham a definir a política comercial da empresa concorrente de que assumem a tutela. Portanto, o artigo 20. não constitui uma protecção eficaz para a empresa em questão.

2. Embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância mostrem uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada, por diferentes razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto.

3. Apesar de, no âmbito do processo de aplicação das normas da concorrência, a Comissão ser, nos termos do artigo 10. do Regulamento n. 17, obrigada a transmitir às autoridades competentes dos Estados-membros cópias dos documentos que, dentre os que lhe foram dirigidos, considere serem os mais importantes, esta obrigação pode ser limitada pelo princípio geral do direito das empresas à protecção dos seus segredos comerciais, de que o artigo 214. do Tratado e várias disposições do referido regulamento constituem a expressão. Assim pode acontecer numa situação em que uma empresa invoca perante a Comissão a natureza confidencial, relativamente às autoridades nacionais competentes, de determinado documento, e em que essa invocação não é desprovida de toda a pertinência.

Por conseguinte, incumbe à Comissão apreciar se determinado documento contém ou não segredos comerciais. Depois de ter dado à empresa a possibilidade de apresentar a sua opinião, cabe-lhe tomar, a esse propósito, uma decisão devidamente fundamentada que deve ser dada a conhecer à empresa. Considerando o prejuízo extremamente grave que poderia resultar da comunicação irregular de documentos, a Comissão, caso deseje transmitir um documento às autoridades nacionais, apesar da invocação de que o documento terá carácter confidencial relativamente a essas autoridades, deve, antes de executar a sua decisão, dar à empresa a possibilidade de recorrer ao Tribunal de Justiça, com vista a controlar as apreciações feitas e a impedir que se proceda à comunicação litigiosa.

Portanto, é no âmbito de um recurso de anulação dirigido contra essa decisão, e não no de um recurso contra a decisão tomada nos termos do artigo 11. do regulamento e que ordena a comunicação do documento à Comissão, que a empresa poderá eventualmente invocar o seu direito à protecção dos seus segredos comerciais, não implicando necessariamente a obrigação de comunicar o documento que ele possa ser transmitido às autoridades nacionais competentes.

Partes


No processo C-36/92 P,

Samenwerkende Elektriciteits-produktiebedrijven NV (SEP), sociedade de direito neerlandês com sede em Arnhem (Países Baixos), representada por M. van Empel e O. W. Brouwer, advogados no foro de Amesterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado M. Loesch, 11, rue Goethe,

recorrente,

que tem por objecto um recurso do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 12 de Dezembro de 1991, SEP/Comissão (T-39/90, Colect., p. II-1497),

sendo recorrida:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. J. Drijber, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, centre Wagner, Kirchberg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, R. Joliet, G. C. Rodríguez Iglesias (relator), F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: R. Grass

visto o relatório para audiência,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Dezembro de 1993,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Fevereiro de 1992, a SEP interpôs, ao abrigo do artigo 49. do Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, SEP/Comissão (T-39/90, Colect., p. II-1497), na medida em que este acórdão negou provimento ao seu recurso e condenou-a nas despesas.

2 Resulta do apuramento da matéria de facto a que o Tribunal de Primeira Instância procedeu no seu acórdão (n.os 2 a 9) que:

° A SEP é uma sociedade anónima que agrupa os quatro produtores neerlandeses de electricidade de utilidade pública. Cerca de 50% da electricidade é produzida nos Países Baixos a partir de gás natural.

° A sociedade Nederlandse Gasunie NV ( a seguir "Gasunie") beneficia nos Países Baixos de um monopólio de facto relativamente ao fornecimento de gás natural. Esta sociedade é detida em 50%, directa ou indirectamente, pelo Estado neerlandês. As decisões essenciais em matéria de política de vendas da Gasunie estão sujeitas à aprovação do ministro dos Assuntos Económicos.

° Em 16 de Junho de 1989, a SEP celebrou, pela primeira vez, um contrato de fornecimento de gás com outro fornecedor que não a Gasunie, ou seja, a empresa norueguesa Statoil (a seguir "contrato Statoil").

° Na sequência da celebração do contrato Statoil, a Gasunie celebrou, em 9 de Abril de 1990, um código de colaboração com a SEP, no intuito de se precaver, no futuro, relativamente a qualquer efeito de surpresa decorrente de um eventual futuro contrato de fornecimento de gás entre a SEP e terceiros.

° Informada da celebração do contrato Statoil e das negociações entre a SEP e a Gasunie no que respeita ao código de colaboração anteriormente referido, a Comissão instaurou um inquérito, com base no artigo 11. do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85. e 86. do Tratado CEE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1, p. 22; a seguir "Regulamento n. 17"), para analisar a compatibilidade dos acordos ou práticas concertadas entre a SEP e a Gasunie, no que se refere ao fornecimento de gás natural, com as normas de concorrência do Tratado CEE e, designadamente, com o seu artigo 85.

° Por carta de 6 de Março de 1990, a Comissão solicitou à SEP que lhe comunicasse, designadamente, o código de colaboração celebrado com a Gasunie e o contrato Statoil. A SEP comunicou o primeiro documento, mas não o contrato Statoil.

° A Comissão adoptou então a decisão de 2 de Agosto de 1990 relativa a um processo nos termos do artigo 11. , n. 5, do Regulamento n. 17 do Conselho (IV/33.539 ° SEP/Gasunie), a seguir "decisão impugnada". Esta decisão intimava a SEP a fornecer à Comissão, no prazo de dez dias, o contrato Statoil e a correspondência a ele relativa.

° A SEP invocou o carácter confidencial do contrato Statoil. Ao argumento da Comissão de que o carácter confidencial do referido contrato não era susceptível de justificar a recusa da sua comunicação pela SEP, em virtude do segredo profissional que vincula a Comissão nos termos do artigo 20. do Regulamento n. 17, a SEP respondeu que a sua preocupação visava sobretudo o Estado neerlandês, na medida em que o artigo 10. do Regulamento n. 17 prevê que a Comissão transmitirá imediatamente às autoridades competentes dos Estados-membros cópia dos documentos mais importantes que lhe sejam dirigidos.

3 Não tendo resultado as tentativas para uma solução amigável do litígio, a SEP interpôs, em 26 de Setembro de 1990, recurso da decisão de 2 de Agosto de 1990, já referida, que conduziu ao acórdão recorrido.

4 Paralelamente ao recurso de anulação, a SEP apresentou um pedido de medidas provisórias. Esse pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Novembro de 1990, SEP/Comissão (T-39/90 R, Colect., p. II-649). Desse despacho introduziu a SEP vários recursos. Todavia, desistiu dessas instâncias, tendo-se a Comissão comprometido a não comunicar, por qualquer forma, o contéudo do contrato Statoil às autoridades dos Estados-membros antes de o Tribunal de Primeira Instância ter decido no recurso de anulação interposto pela SEP (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1991, C-372/90 P, C-372/90 P-R e C-22/91 P, Colect., p. I-2043, n. 7).

5 Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca oito fundamentos.

6 O primeiro fundamento é o da violação do artigo 11. , n. 1, do Regulamento n. 17, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância interpretou o conceito de "informações necessárias", que podem ser pedidas pela Comissão, como implicando simplesmente "uma correlação entre o pedido de informações e a infracção presumida".

7 O segundo fundamento é o da falta de uma fundamentação correcta e suficiente para a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que o artigo 11. do Regulamento n. 17 não foi violado pela Comissão.

8 O terceiro fundamento é o da violação do artigo 12. do Regulamento n. 17, disposição relativa aos inquéritos por sectores económicos, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não reconheceu que o inquérito da Comissão deveria ter por base este artigo, tendo a Comissão admitido expressamente que o seu inquérito tinha por objecto o mercado neerlandês do gás.

9 O quarto fundamento é o da violação do artigo 190. do Tratado CEE, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância declarou que a decisão da Comissão de 2 de Agosto de 1990 está suficientemente fundamentada.

10 O quinto fundamento é o da falta de uma fundamentação correcta e suficiente para a rejeição pelo Tribunal de Primeira Instância do argumento da SEP de que a decisão em litígio não está suficientemente fundamentada.

11 O sexto fundamento é o da violação ou da interpretação errada do artigo 20. do Regulamento n. 17.

12 A SEP considera que este artigo não implica, contrariamente ao decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, a proibição, para os serviços destinatários de uma comunicação da Comissão, da transmição dessa informação a outros serviços. A protecção que o Tribunal teve em consideração para concluir que o princípio da proporcionalidade não foi violado pela Comissão é inexistente. O Tribunal de Primeira Instância, prossegue a SEP, privou-se assim de qualquer possibilidade de proceder a uma justa aplicação do princípio da proporcionalidade.

13 A SEP acrescenta, sem ser contradita pela Comissão, que a Direcção-Geral da Energia do Ministério dos Assuntos Económicos, que se ocupa da Gasunie, faz parte, para os assuntos que, como o presente, respeitam ao sector da energia, das "autoridades competentes" dos Países Baixos, que o referido Ministério dos Assuntos Económicos procede a rotações de pessoal, o que tem como consequência verem os funcionários encarregados dos processos da concorrência subitamente transferidos para outras direcções, e que o nível superior da hierarquia coordena a política da concorrência e a política da energia.

14 O sétimo fundamento é o da violação da artigo 20. , n. 1, do Regulamento n. 17.

15 A SEP invoca que o Tribunal cometeu um erro de direito, ao interpretar essa disposição no sentido de que implica uma proibição geral de utilizar as informações recolhidas nos termos do Regulamento n. 17 para outros fins que não os da aplicação dos artigos 85. e 86. do Tratado. Segundo a SEP, esta proibição não está formulada de forma tão extensiva e tem como única destinatária a Comissão. A SEP acrescenta que o simples facto de a autoridade competente em questão poder tirar benefício da informação recebida da Comissão, sem intentar uma acção contra o particular, extravasa do conceito de "utilização" como é referido nessa disposição.

16 O oitavo fundamento é o da insuficiência de fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância quanto à declaração de que, ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade.

17 Em primeiro lugar, a SEP critica uma contradição, que entende se verifica no acórdão recorrido, entre a interpretação que o Tribunal deu ao artigo 20. , no sentido de que o serviço considerado como autoridade competente, na acepção do Regulamento n. 17, não pode comunicar as informações recebidas a outro serviço, por um lado, e o argumento do Tribunal de que as informações podem circular sem inconveniente, uma vez que o destinatário não pode delas fazer qualquer outra utilização, por outro.

18 Em segundo lugar, a SEP não concorda com a afirmação constante do acórdão recorrido de que o problema suscitado pelo presente caso se repetirá sempre que um inquérito da Comissão ponha em causa as relações comerciais entre uma empresa privada e uma empresa pública. Segundo a SEP, a situação é antes a de que o problema se virá a repetir sempre que a autoridade competente, na acepção do Regulamento n. 17, for a mesma que determina a política da empresa pública em questão. Portanto, critica o facto de o Tribunal ter considerado que as obrigações dos Estados-membros, enunciadas em termos gerais e absolutos no artigo 20. , não admitem qualquer derrogação.

19 Em terceiro lugar, a SEP critica a falta de resposta do Tribunal de Primeira Instância ao argumento de que o princípio da proporcionalidade foi violado pela Comissão ao ter exigido imediatamente a transmissão do contracto Statoil em vez de ter começado por colocar questões.

20 Em quarto lugar, a SEP considera que o Tribunal de Primeira Instância concluiu incorretamente que ela teria fundado a sua argumentação no risco da violação do segredo profissional pelas autoridades neerlandesas. A SEP afirma ter sempre sustentado, pelo contrário, não exister qualquer norma jurídica que impeça, uma vez transmitido o contrato Statoil à Comissão, que este termine entre as mãos das pessoas que definem a política da Gasunie.

Quanto aos cinco primeiros fundamentos

21 Pelas razões indicadas nos pontos 21 a 42 das conclusões apresentadas pelo advogado-geral, não devem ser atendidos os primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos.

Quanto aos sexto, sétimo e oitavo fundamentos

22 Com estes fundamentos, que convém analisar em conjunto, a SEP critica a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância de que o artigo 20. do Regulamento n. 17 lhe confere uma protecção eficaz contra o prejuízo desproporcionado que lhe causaria a decisão impugnada.

23 Com efeito, a SEP sustentou no Tribunal de Primeira Instância (n. 41 do acórdão recorrido) que o contrato Statoil se revestia de natureza especialmente confidencial e que, uma vez que o artigo 10. , n. 1, do Regulamento n. 17 prevê a transmissão, pela Comissão, às autoridades competentes dos Estados-membros, incluindo o Estado neerlandês, dos "documentos mais importantes que lhe sejam dirigidos", sofreria um prejuízo pelo facto de as pessoas que controlam a política comercial da Gasunie, seu principal fornecedor de gás, poderem, através do contrato Statoil, tomar conhecimento das condições comerciais que lhe foram acordadas pela Statoil.

24 Em resposta a este argumento da SEP, o Tribunal de Primeira Instância considerou que "os limites impostos aos Estados-membros pelo artigo 20. do Regulamento n. 17, tanto no que se refere à divulgação como à utilização das informações que lhes sejam transmitidas nos termos do n. 1 do artigo 10. do citado regulamento, constituem garantia suficiente para a (SEP). Daqui se conclui que a decisão impugnada, através da qual a Comissão solicitou à recorrente a comunicação do contrato Statoil, não implica o risco excessivo alegado pela (SEP) e, em consequência, não viola o princípio da proporcionalidade" (n. 60 do acórdão recorrido).

25 Para chegar à conclusão de que o artigo 20. constitui uma garantia suficiente, o Tribunal de Primeira Instância considerou (n. 55 do acórdão recorrido) que

"A protecção prevista no artigo 20. manifesta-se sob duas formas. Por um lado, esse artigo proíbe, no n. 2, a divulgação das informações obtidas nos termos do Regulamento n. 17 que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional. Por outro lado, o artigo 20. proíbe, no n. 1, a utilização das informações obtidas nos termos do Regulamento n. 17 para finalidade diversa daquela para que foram pedidas. Estas duas garantias, de natureza complementar, destinam-se a garantir o respeito da confidencialidade das informações transmitidas aos Estados-membros, nos termos do artigo 10. , n. 1, do Regulamento n. 17".

26 Assim, no n. 56 do seu acórdão, o Tribunal de Primeira Instância referiu que esta dupla protecção conferida pelo artigo 20. impede aos funcionários nacionais não apenas a divulgação do conteúdo do contrato Statoil, mas também a utilização de "informações nele contidas para definir a política comercial adoptada por determinadas empresas públicas".

27 Há que recordar que, nos termos do n. 2 do artigo 20. , as autoridades competentes dos Estados-membros, bem como os seus funcionários e outros agentes, são obrigados a não divulgar as informações obtidas nos termos do Regulamento n. 17 e que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional (acórdão de 16 de Julho de 1992, Asociación Española de Banca Privada e o., C-67/91, Colect., p. I-4785, n. 21). Esta proibição de divulgação não é, todavia, de natureza a garantir que as informações em questão não serão tomadas em consideração pelas autoridades suas destinatárias ou pelos funcionários que delas tenham conhecimento no exercício das suas funções.

28 No que respeita ao n. 1 do mesmo artigo, segundo o qual "as informações obtidas nos termos dos artigos 11. , 12. , 13. e 14. (do Regulamento n. 17) só podem ser utilizadas para os fins para que tenham sido pedidas", o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Asociación Española de Banca Privada e o., já referido, n. 37, que o segredo profissional implica a impossibilidade de as autoridades legalmente possuidoras das informações as utilizarem para fins diferentes daqueles para os quais foram obtidas. Daí concluiu o Tribunal de Justiça (n. 42 desse acórdão) que essas informações não podem ser invocadas pelas autoridades dos Estados-membros, nem durante um processo de inquérito prévio, nem para justificar uma decisão adoptada com base em disposições do direito da concorrência.

29 A garantia processual desse modo dada às empresas não pode, todavia, ser levada ao ponto de exigir a efectiva ignorância pelas autoridades nacionais das informações transmitidas. Assim, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça também declarou que os Estados-membros não são obrigados a ignorar as informações comunicadas e a sofrer, assim, de "amnésia aguda", constituindo essas informações indícios que podem eventualmente ser tidos em conta para justificar a abertura de um processo nacional (n. 39).

30 No âmbito do presente caso, a restrição, imposta pelo n. 1 do artigo 20. , à utilização das informações recebidas não pode impedir os efeitos irreversíveis que se prendem com o simples conhecimento, por um fornecedor ° ou pela sua autoridade de tutela °, das condições comerciais acordadas ao seu cliente por um fornecedor concorrente. Assim, no caso em apreço, as autoridades e os funcionários neerlandeses, que legitimamente venham a consultar o contrato Statoil transmitido pela Comissão, não podem ser eficazmente obrigados a não ter de modo algum em conta as condições acordadas pela Statoil à SEP quando eventualmente venham a definir a política comercial da Gasunie.

31 O artigo 20. , seja qual for dos seus números o considerado, não impede, portanto, contrariamente ao que declarou o Tribunal de Primeira Instância, que essas informações sejam utilizadas no âmbito da definição da política comercial da Gasunie, o que é susceptível de causar um prejuízo à SEP. Portanto, este artigo não constitui uma protecção eficaz para essa empresa.

32 Ao interpretar o artigo 20. do modo como o fez, o Tribunal de Primeira Instância violou, portanto, o direito comunitário.

33 Contudo, daí não se retira que o recurso merece provimento. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão (C-30/91 P, Colect., p. I-3755, n. 28), embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância mostrem uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada, por diferentes razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto.

34 Ora, no seu recurso, o recorrente parte, incorrectamente, do pressuposto de que o artigo 10. do Regulamento n. 17, nos termos do qual "a Comissão transmitirá imediatamente às autoridade competentes dos Estados-membros cópia... dos documentos mais importantes que lhe sejam dirigidos...", obriga a Comissão a transmitir automaticamente o contrato Statoil às autoridades neerlandesas.

35 Há, em primeiro lugar, que referir que o próprio teor do artigo 10. atribui à Comissão o poder de decidir quais são os documentos mais importantes com vista à sua transmissão às autoridades dos Estados-membros.

36 Seguidamente, o n. 1 do artigo 10. deve ser interpretado à luz do princípio geral do direito das empresas à protecção dos seus segredos comerciais, de que o artigo 214. do Tratado e várias disposições do Regulamento n. 17, como os artigos 19. , n. 3, 20. , n. 2, e 21. , n. 2, constituem a expressão (v. o acórdão de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão, 53/85, Colect., p. 1965, n. 28).

37 Nos casos, como o presente, em que uma empresa invocou expressamente perante a Comissão a natureza confidencial, relativamente às autoridades nacionais competentes, de determinado documento, por conter segredos comerciais e em que essa invocação não é desprovida de toda a pertinência, o princípio geral da protecção dos segredos comerciais anteriormente referido pode limitar a obrigação da Comissão, nos termos do n. 1 do artigo 10. , de transmitir o documento em questão às autoridades nacionais competentes.

38 Há que recordar que a propósito de um litígio entre a Comissão e uma empresa sobre a transmissão pela Comissão a um terceiro denunciante de documentos cujo carácter confidencial era invocado pela referida empresa, o Tribunal de Justiça considerou que incumbia à Comissão apreciar se determinado documento continha ou não segredos comerciais. Depois de ter dado à empresa a possibilidade de apresentar a sua opinião, cabe à Comissão tomar, a esse propósito, uma decisão devidamente fundamentada que deve ser dada a conhecer à empresa. Considerando o prejuízo extremamente grave que poderia resultar da comunicação irregular de documentos a um concorrente, a Comissão, antes de executar a sua decisão, deve dar à empresa a possibilidade de recorrer ao Tribunal com vista a controlar as apreciações feitas e impedir que se proceda à comunicação (acórdão AKZO Chemie/Comissão, já referido, n. 29).

39 No presente caso, considerações análogas impõem à Comissão, caso deseje transmitir um documento às autoridades nacionais competentes apesar da invocação de que o documento terá, nas circunstâncias específicas do caso concreto carácter confidencial relativamente a essas autoridades, tomar uma decisão devidamente fundamentada que seja susceptível de fiscalização jurisdicional pela via do recurso de anulação.

40 É no âmbito do recurso de anulação dessa decisão que a SEP poderá eventualmente invocar o seu direito à protecção dos seus segredos comerciais.

41 De onde resulta que a obrigação de transmitir o contrato Statoil, que a decisão impugnada impunha à SEP, não implica necessariamente que esse contrato possa ser transmitido às autoridades neerlandesas.

42 Portanto, foi acertadamente que, apesar de uma incorrecta fundamentação jurídica, o acórdão recorrido decidiu não acolher o fundamento de violação do princípio da proporcionalidade.

43 Resulta das anteriores considerações que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

44 Por força do n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que é negado provimento ao recurso, a recorrente deveria suportar a totalidade das despesas. Todavia, tendo a análise do acórdão recorrido revelado a existência de um erro jurídico que a recorrente invocou no seu recurso, convém, por aplicação do n. 3 do artigo 69. , que cada uma das partes suporte as despesas que efectuou na presente instância.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) Cada uma das partes suportará as suas despesas.

Top