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Document 61992CC0320

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 15 de Dezembro de 1993.
Società Finanziaria Siderurgica Finsider SpA (in liquidazione) contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso CECA - Quota de aço que pode ser produzido e entregue no mercado comum - Ultrapassagem.
Processo C-320/92 P.

Colectânea de Jurisprudência 1994 I-05697

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:934

61992C0320

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 15 de Dezembro de 1993. - SOCIETA FINANZIARIA SIDERURGICA FINSIDER SPA (IN LIQUIDAZIONE) CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - RECURSO CECA - QUOTA DE ACO QUE PODE SER PRODUZIDO E ENTREGUE NO MERCADO COMUM - ULTRAPASSAGEM. - PROCESSO C-320/92 P.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-05697


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. A Alta Autoridade extrai do artigo 58. , n. 1, do Tratado CECA, o poder de instituir um regime de quotas em matéria de produção de aço.

2. Instituído pela Decisão n. 2794/80/CECA da Comissão, de 31 de Outubro de 1980 (1), o regime de quotas de produção de certos produtos siderúrgicos foi prorrogado para os anos de 1986 e 1987 pela Decisão n. 3485/85/CECA da Comissão, de 27 de Novembro de 1985 (2), e para os seis primeiros meses de 1988 pela Decisão n. 194/88/CECA da Comissão, de 6 de Janeiro de 1988 (3), que dispõe, no artigo 11. , n. 3, alínea e), que:

"Caso uma empresa não pretenda realizar as suas quotas durante o trimestre a que as mesmas se referem, a Comissão pode... permitir à empresa uma antecipação sobre as quotas do trimestre seguinte que não exceda 20% das quotas do trimestre em curso."

3. Invocando este artigo, a Finsider pediu, em 9 de Junho de 1988, uma antecipação para o segundo trimestre de 1988 das quotas de produção do terceiro trimestre, até a um limite máximo de 20%.

4. Embora este pedido nunca tenha sido objecto duma resposta concreta, a produção da Finsider ultrapassou, durante o segundo trimestre de 1988, as quotas que lhe estavam atribuídas.

5. Baseando-se nos artigos 58. , n. 4, e 92. do Tratado CECA e no artigo 12. da Decisão n. 194/88, já referida (4), a Comissão declarou, por decisão de 21 de Março de 1990, que a Finsider tinha excedido, durante o segundo trimestre de 1988, as partes de quotas de produção que podiam ser entregues no mercado comum em 50 359 toneladas na categoria Ia e em 64 497 toneladas na categoria Ib e aplicou-lhe uma multa de 2 153 550 ecus.

6. Por acórdão de 5 de Junho de 1992, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso interposto desta decisão (5).

7. Por requerimento de 28 de Junho de 1992, a Finsider interpôs recurso desse acórdão do Tribunal de Primeira Instância, concluindo pela anulação da decisão da Comissão e, subsidiariamente, pela redução do montante da multa. Além disso, requereu que fosse ordenada a apresentação de uma nota a título de medida de instrução (6).

8. Esta apresentação tinha sido recusada pelo Tribunal de Primeira Instância (7). Ora, esta decisão não se inclui entre as de que se pode interpor recurso, nos termos do artigo 49. do Estatuto CECA do Tribunal de Justiça. Este pedido é portanto inadmissível.

9. A Finsider invoca quatro fundamentos em apoio do seu recurso.

10. O primeiro põe em causa a atitude da Comissão, na sequência do pedido de antecipação de quotas.

11. O segundo assenta na falta de base jurídica da decisão impugnada, tendo em consideração o acórdão Hoogovens Groep e o./Comissão, de 14 de Junho de 1989 (8), que, ao anular os artigos 5. e 17. da Decisão n. 194/88, fez desaparecer retroactivamente os critérios que permitiam determinar a existência de eventuais ultrapassagens de quotas.

12. O terceiro apoia-se no princípio dos direitos da defesa, tal como resulta do artigo 36. , primeiro parágrafo, do Tratado CECA.

13. De acordo com o quarto, a decisão do Tribunal não estava suficientemente fundamentada relativamente ao pedido de redução da multa.

14. O primeiro fundamento (v. n.os 67 a 103 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância) subdivide-se em três partes: i) a Comissão não respondeu formal e fundamentadamente ao pedido de antecipação das quotas, ii) se se devesse considerar que a decisão impugnada continha um indeferimento tácito do pedido de antecipação, havia violação do artigo 11. , n. 3, alínea e), da Decisão n. 194/88, iii) enfim, tendo em consideração a prática observada pela Comissão até esse momento, havia violação do princípio da confiança legítima.

15. O silêncio da Comissão pode, por força do Tratado CECA, equivaler a um deferimento tácito de um pedido de antecipação de quotas?

16. O Tribunal de Justiça já respondeu a este tipo de questão no seu acórdão Boel/Comissão (9). O Tribunal decidiu que

"... o regime de limitação da produção das empresas siderúrgicas só a título excepcional permite uma adaptação das quotas individuais atribuídas a certas empresas e exige necessariamente para esse efeito uma decisão positiva de atribuição de quotas suplementares. O silêncio da Comissão ° por mais lamentável que seja ° só pode, portanto, ser equiparado a uma decisão tácita de indeferimento e não a um deferimento tácito da sua parte" (10).

17. Mais recentemente, relativamente à regulamentação das quotas de aço em vigor para o segundo trimestre de 1983, o Tribunal considerou que um pedido de atribuição de produções de referência anuais suplementares, a que a Comissão não tinha respondido expressamente, devia considerar-se como tendo sido tacitamente indeferido pela primeira decisão que fixou as quotas de produção, tomada após o pedido e sem o ter em conta. E o Tribunal esclareceu que só esta última decisão era susceptível de causar prejuízo (11).

18. Daqui resulta, por um lado, que a modificação de uma quota deve ser objecto de uma decisão expressa e, por outro, que uma decisão que declare ter-se verificado uma ultrapassagem de quotas num dado período e que aplica uma multa à empresa siderúrgica em causa pode, eventualmente, implicar um indeferimento tácito de um pedido de aumento de quotas para esse período, apresentado anteriormente pela empresa considerada.

19. E é inutilmente que a recorrente vem sustentar (12) que o artigo 15. do Tratado CECA sobre a obrigação de fundamentação não deixa espaço para decisões "tácitas". Basta observar que o artigo 35. , terceiro parágrafo, deste Tratado, menciona expressamente estas decisões, cujo regime jurídico, de resto, organiza.

20. Para declarar que a fundamentação desta recusa tinha sido apresentada à Finsider, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância referiu-se, correctamente, aos considerandos da decisão impugnada (13), que põem em relevo, nomeadamente, que "o sistema de quotas é trimestral e obrigatório e não dá automaticamente direito às antecipações" e que, numa reunião realizada em 24 de Maio de 1989 entre os representantes das partes, se sublinhou que a antecipação de quotas já não era possível durante o último trimestre de aplicação do sistema de quotas. O acórdão tomou igualmente em conta o contexto em que a decisão foi tomada (14), nomeadamente, uma carta de 2 de Agosto de 1988 em que a Comissão explicava à Finsider as razões da sua recusa em conceder antecipações de quotas para o segundo trimestre do ano de 1988 e o telex pelo qual a Eurofer informava os seus membros, em 6 de Abril de 1988, de que não seriam concedidas antecipações de quotas do terceiro para o segundo trimestre do ano de 1988, pois o regime de quotas terminava em 30 de Junho de 1988.

21. Resulta inequivocamente destes documentos que a Finsider foi informada dos fundamentos da recusa da concessão das antecipações, de um modo tal que era possível a um órgão jurisdicional controlar a legalidade desta decisão e que a interessada dispunha de indicações suficientes para saber se a decisão estava bem fundamentada ou se, eventualmente, enfermava de um vício susceptível de permitir pôr em causa a sua validade (15).

22. No que respeita ao pretenso erro de interpretação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 11. , n. 3, alínea e), da Decisão n. 194/88, apraz-nos observar o seguinte.

23. Como o Tribunal de Primeira Instância bem demonstrou, a economia do artigo 11. pressupõe que "... a ultrapassagem de quotas realizada durante um trimestre possa ser compensada pela não utilização total da quota no decurso do trimestre seguinte" (16). Assim, a Finsider não podia pretender uma qualquer antecipação de quotas posteriores a 30 de Junho de 1988 pois, como foi recordado, havia sido posto um termo, a partir do terceiro trimestre desse ano, ao regime de quotas.

24. Apesar disso, a Finsider continua a sustentar no Tribunal que as condições de obtenção da antecipação se acham reunidas, desde que esta seja compensada por uma efectiva redução das quantidades de produção ou de fornecimento no decurso do trimestre subsequente àquele para o qual a antecipação foi concedida, mesmo que as quotas tenham sido suprimidas (17).

25. Esta argumentação conduz, em nossa opinião, a uma aporia. Como antecipar quotas que não existirão? Mais concretamente, como ter em conta quotas por referência a um período em que o mercado foi totalmente liberalizado e que a produção deixa de estar submetida ao poder de fiscalização e sancionatório da Comissão?

26. A Finsider sustenta igualmente que a interpretação, acolhida pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 11. , n. 3, alínea e), conduzia a tornar o sistema das antecipações inaplicável durante metade do período de vigência da Decisão n. 194/88 (18).

27. Recordamos aqui, por um lado, que a antecipação não é um direito automaticamente concedido às empresas e, por outro, que uma quota só pode ser "deslocada" de um trimestre para outro se ambos os períodos estiverem submetidos ao sistema de quotas. Assim, o reporte ° operação inversa à antecipação ° para o primeiro trimestre de 1988 das quotas do quarto trimestre de 1987 só foi possível porque as quotas existiam para este último período (v. o artigo 11. , n. 3, alínea b), da Decisão n. 194/88, e o artigo 18. , n. 2, da Decisão n. 3485/85, já referida).

28. Quanto à terceira parte do fundamento, a Finsider não pode invocar a violação do princípio da confiança legítima pois o fim do sistema das quotas já não permitia a concessão de antecipações, sendo este fim perfeitamente previsível tendo em conta a própria formulação da Decisão n. 194/88 (19), e o Tribunal de Primeira Instância considerou que não se encontrava de forma alguma provado que a Comissão tivesse tido uma prática anterior contrária.

29. Daqui resulta que o primeiro fundamento, consideradas as suas três partes, deve ser julgado improcedente.

30. O segundo fundamento baseia-se no acórdão Hoogovens de 14 de Junho de 1989, através do qual o Tribunal de Justiça anulou os artigos 5. e 17. da Decisão n. 194/88 (a seguir "artigo 5. " e "artigo 17. "). O primeiro atribuía à Comissão o poder de fixar trimestralmente para cada empresa as quotas de produção e a parte dessas quotas que podia ser entregue no mercado comum. O segundo autorizava as empresas a converter, para cada trimestre, em determinadas condições, numa relação de 1/0,85 ° denominada relação I:P ° (20), uma parte da diferença entre as suas quotas de produção e as suas quotas de fornecimento na Comunidade em quotas que podiam ser fornecidas dentro do mercado comum e lhes permitia, em consequência, aumentar os seus fornecimentos nesse mercado.

31. Este fundamento (v. n.os 42 a 66 do acórdão impugnado) divide-se em duas partes.

32. Através da primeira, a recorrente sustenta que o acórdão de 14 de Junho de 1989 fez retroactivamente desaparecer os critérios que permitem identificar e apreciar eventuais ultrapassagens de quotas. Qualquer ultrapassagem estaria, pois, "radicalmente excluída" (21). Como o artigo 5. foi anulado, não podia ser violado. A decisão da Comissão em litígio não tinha, por conseguinte, qualquer fundamento jurídico.

33. O único fundamento de anulação do artigo 5. , dado pelo acórdão de 14 de Junho de 1989, é o seguinte:

"O artigo 5. da Decisão n. 194/88/CECA retoma o teor do artigo 5. da Decisão n. 3485/85/CECA. Por consequência, deve ser anulado pelos mesmos fundamentos que determinaram a anulação desta disposição no acórdão de 14 de Julho de 1988" (22).

34. Segue-se que, tal como o Tribunal de Primeira Instância a justo título acentua (23), para determinar o alcance do acórdão de 14 de Junho de 1989, é necessário reportar-se aos fundamentos do acórdão Peine-Salzgitter e o./Comissão, de 14 de Julho de 1988 (24).

35. Ora, o Tribunal de Justiça decidiu que

"É anulado o artigo 5. da Decisão n. 3485/85/CECA... na medida em que não permite estabelecer quotas de fornecimento numa base que a Comissão considere equitativa para as empresas cuja relação entre a quota de produção e a quota de fornecimento é sensivelmente inferior à medida comunitária" (25).

36. Uma vez que o único fundamento de anulação do artigo 5. da Decisão n. 194/88 acolhido no acórdão de 14 de Junho de 1989 remete para os fundamentos do acórdão de 14 de Julho de 1988, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a anulação proferida em último lugar não podia ser mais ampla do que a anterior (26) e que "... o Tribunal de Justiça não anulou o artigo 5. na medida em que o mesmo constitui a base jurídica do poder de a Comissão fixar trimestralmente as quotas das empresas siderúrgicas, mas apenas na medida em que as referências que utiliza para fixar estas quotas não permitem estabelecer quotas de fornecimento numa base que a Comissão considere como sendo equitativa para as empresas cuja relação I:P seja sensivelmente inferior à média comunitária" (27).

37. Esta interpretação é, de resto, corroborada pelo facto de o artigo 6. da Decisão n. 194/88 não ter sido anulado. Ora, este artigo não pode ser autonomizado do artigo 5. , cujas condições de aplicação precisa. Este subsiste, pois, necessariamente "... como base jurídica que permite à Comissão fixar as quotas" (28).

38. Uma vez que a recorrente não pertence à categoria das empresas cujas relações I:P são sensivelmente inferiores à média comunitária (29), não pode prevalecer-se da anulação ° de alcance limitado, como se viu ° do artigo 5. e a Comissão não tem a obrigação, a seu respeito, "... nem de redefinir numa decisão geral parâmetros de fixação de quotas nem de adoptar novas decisões individuais" (30), por aplicação do artigo 34. do Tratado CECA.

39. As decisões individuais que fixavam as quotas da recorrente para o segundo trimestre de 1988 continuavam portanto válidas e podiam "... servir de referência aos cálculos da ultrapassagem de quotas de que a Comissão acusa a recorrente" (31).

40. Através da segunda parte do fundamento, a Finsider sustenta que foi vítima da aplicação do artigo 17. e que a ultrapassagem que lhe é censurada deve ser compensada para ser tomada em consideração a redução das suas quotas de fornecimento provocada pela aplicação deste artigo no decurso do período de 1 de Janeiro de 1987 a 30 de Junho de 1988 (32). Acrescenta que também se devem tirar todas as consequências da anulação do artigo 17. para outros produtos siderúrgicos diversos dos considerados pela decisão impugnada.

41. A aplicação do artigo 17. conduziu a que as quantidades que podiam ser fornecidas no mercado comunitário fossem aumentadas em detrimento das empresas cuja produção era, no essencial, aí escoada (33), e, nomeadamente, em detrimento da Finsider.

42. Através do acórdão Hoogovens já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a adaptação da relação I:P, tal como resultava do artigo 17. da Decisão n. 194/88 ° que se limita a retomar as disposições do artigo 1. da Decisão n. 1433/87/CECA ° não assegurava a repartição equitativa das quotas exigida pelo artigo 58. , n. 2, do Tratado CECA, e anulou o artigo 17.

43. A multa foi aplicada à Finsider por ultrapassagem de quotas no decurso do segundo trimestre de 1988. É pacífico que para este período e para a categoria de produtos visados pela decisão "... a Comissão tirou dessa anulação as consequências favoráveis à recorrente, diminuindo relativamente às duas categorias de produtos em questão as ultrapassagens inicialmente calculadas" (34).

44. Devia a Comissão ter em conta as consequências favoráveis para a recorrente da anulação do artigo 17. para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1987 e 31 de Março de 1988 e para categorias de produtos diversas das Ia e Ib?

45. Duas premissas se impõem: por um lado, como se trata de uma pura questão de facto, não se pode tornar a discutir perante o Tribunal o cálculo das quotas, como pretende a Finsider (35). Por outro, a recorrente procede a uma análise juridicamente incorrecta ao sustentar que o Tribunal de Primeira Instância teria decidido ultra petita (36), por se ter baseado numa "fundamentação completamente nova", isto é, não invocada pelas partes.

46. A argumentação da recorrente resume-se em três pontos:

° a compensação deve ser efectuada entre os efeitos da anulação do artigo 17. e a ultrapassagem de quotas verificada no segundo trimestre de 1988 (37);

° a ultrapassagem só podia ser constatada através de uma apreciação global das quotas durante todo o período de crise (38);

° o acórdão impugnado afirma, de modo inexacto, que os produtos afectados pela ultrapassagem de quotas eram diferentes daqueles relativamente aos quais foi anulado o artigo 17. (39).

47. Este último ponto pressupõe uma apreciação de facto que excede a competência do Tribunal. Limitemo-nos, pois, ao exame dos outros dois.

48. Quanto ao primeiro, não devem confundir-se os dois processos que estão no centro do debate.

49. A decisão de aplicação de uma multa refere-se a uma ultrapassagem de quotas durante o segundo trimestre de 1988 (40), tendo ficado esclarecido que o efeito da anulação do artigo 17. para este período (e, portanto, o restabelecimento de certas quotas a favor da Finsider) foi levado em conta pela Comissão (41).

50. De resto, por aplicação do artigo 34. , n. 1, do Tratado CECA, cabia exclusivamente à Comissão tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão de 14 de Junho de 1989 que anulou o artigo 17.

51. Com efeito, resulta do citado artigo 34. que o juiz comunitário não podia ditar à Comissão, de que emana o acto anulado, as medidas que esta deve adoptar.

52. Assim, no acórdão de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnem in Limburg/Alta Autoridade (42), após ter recordado os termos do artigo 34. do Tratado CECA, o Tribunal decidiu que

"... não competia ao Tribunal, caso julgasse procedente o recurso, ditar à Alta Autoridade as decisões que o acórdão de anulação deveria acarretar... antes se devendo limitar a remeter o processo à Alta Autoridade" (43).

53. É claro que se o Tribunal de Primeira Instância tivesse, como aliás lhe foi solicitado pela Finsider, operado a compensação da ultrapassagem da quota do segundo trimestre de 1988 com as quotas restabelecidas para trimestres anteriores em favor da Finsider, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça que anulou o artigo 17. da Decisão n. 194/88, teria exercido uma competência que o artigo 34. do Tratado CECA lhe nega.

54. Foi, pois, a justo título que se recusou a proceder a essa compensação (44).

55. Finalmente, quanto ao segundo ponto, carece de razão a Finsider quando sustenta que a Comissão deveria ter tido em conta as quotas "durante todo o período de crise" antes de constatar uma ultrapassagem. Com efeito, o regime das quotas impõe o seu respeito, trimestre por trimestre (45), salvo transferência, antecipação ou concessão excepcional de quotas suplementares.

56. Através do seu terceiro fundamento (v. n.os 104 a 111 do acórdão), a Finsider invoca a violação dos artigos 36. , primeiro parágrafo, e 34. , primeiro parágrafo, do Tratado CECA, e sustenta que não lhe foi dada a possibilidade de apresentar as suas observações sobre os cálculos a que a Comissão procedeu antes de decidir aplicar-lhe uma multa por ultrapassagem de quotas.

57. Resulta da jurisprudência constante do Tribunal que "... o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo susceptível de levar à aplicação de sanções, nomeadamente multas ou sanções pecuniárias compulsórias, constitui um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser observado, mesmo que se trate de um processo de natureza administrativa" (46).

58. No acórdão Bélgica/Comissão de 10 de Julho de 1986 (47), o Tribunal esclareceu que "(este princípio) exige que à pessoa contra a qual a Comissão desencadeou um processo administrativo seja dada a possibilidade de, no decurso deste, dar a conhecer, de forma útil, o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegados e sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio da sua alegação relativa à existência de uma violação do direito comunitário".

59. Através de uma apreciação da matéria de facto que não pode ser posta em causa perante o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância considerou que 1) a Comissão tinha dado a possibilidade à sociedade recorrente, através da sua carta de 23 de Fevereiro de 1989, de apresentar as suas observações sobre a alegada ultrapassagem, 2) esta última tinha, em diferentes ocasiões, tido efectivamente a possibilidade de apresentar as suas observações (48).

60. É seguramente pacífico que os últimos cálculos tidos em conta na avaliação da ultrapassagem de quotas foram evocados no decurso de uma reunião entre as partes, sem serem formalmente comunicados à recorrente (49).

61. Esta falta de comunicação podia constituir uma violação dos direitos da defesa, susceptível de acarretar a anulação do acto, se se provasse que, na ausência desta irregularidade, o processo podia ter tido um desfecho diferente (50).

62. Ora, a Finsider reconheceu na audiência perante o Tribunal de Primeira Instância que os cálculos, que permitiam determinar a importância das quotas de que foi privada por força do artigo 17. , eram exactos e não invocou nenhuma razão para duvidar da exactidão dos cálculos que permitiram determinar a sua ultrapassagem das quotas (51).

63. O Tribunal de Primeira Instância pôde, pois, validamente considerar que o artigo 36. , primeiro parágrafo, do Tratado CECA não tinha sido violado "... mesmo que fosse preferível comunicar formalmente à recorrente estes últimos cálculos..." (52).

64. Através de um último fundamento (v. os n.os 112 a 116 do acórdão), a Finsider sustenta que o acórdão está insuficientemente fundamentado na parte em que rejeita o pedido de redução do montante da multa.

65. Por acórdão de 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão (53), o Tribunal admitiu como fundamento de recurso o respeitante à violação pelo juiz de primeiro grau da obrigação de fundamentar as suas decisões (54).

66. Para recusar a redução do montante da multa, o Tribunal de Primeira Instância declarou, por um lado, que a recorrente não foi capaz de contestar as afirmações da Comissão, segundo as quais aquela tirou da ilegalidade do artigo 5. um benefício que "... é já contrário a uma repartição equitativa entre as empresas dos encargos de crise" (55), e, por outro, que o montante da multa aplicada era "largamente inferior" ao da norma estabelecida pelo artigo 12. da Decisão n. 194/88 (56).

67. Segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância devia ter tomado em consideração, na fundamentação da decisão, o princípio da confiança legítima e a prática anteriormente seguida (57).

68. Ora, para além de ter ficado suficientemente demonstrado pelo Tribunal de Primeira Instância (58) que não se tinha verificado nenhuma violação desse princípio, a recorrente não explica por que razão a referência a este princípio devia constar da fundamentação da decisão que recusou a redução do montante da multa.

69. Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância não tinha de modo algum que se explicar sobre este princípio. Forneceu à Finsider uma indicação suficiente para esta verificar se a sua decisão estava bem fundamentada ou se estava eventualmente afectada por um vício que permitia pôr em causa a sua validade e permitiu ao Tribunal de Justiça controlar a sua legalidade.

70. A título subsidiário, a Finsider solicita que o Tribunal de Justiça reduza o montante da multa.

71. Não compete ao Tribunal de Justiça, na ausência de um qualquer erro de direito cometido a este respeito em primeira instância, substituir-se ao Tribunal de Primeira Instância na apreciação desta matéria.

72. Concluímos, portanto, propondo que o Tribunal de Justiça julgue improcedente o recurso e condene a recorrente nas despesas.

(*) Língua original: francês.

(1) ° Decisão que instaura um regime de quotas de produção de aço para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 291, p. 1).

(2) ° Decisão que prorroga o sistema de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 340, p. 5; EE 08 F5 p. 35). V., nomeadamente, o artigo 18. , n. 2.

(3) ° Decisão que prorroga o sistema de vigilância e de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 25, p. 1) V., nomeadamente, o artigo 18. , n. 2.

(4) ° Artigo que atribui à Comissão o poder de aplicar multas no caso de ultrapassagem das quotas de produção.

(5) ° T-26/90 (Colect. p. II-1793).

(6) ° Recurso, p. 45 da tradução francesa.

(7) ° N. 103 do acórdão impugnado.

(8) ° 219/87, 223/87, 72/88 e 92/88, Colect., p. 1711.

(9) ° Acórdão de 16 de Fevereiro de 1984 (76/83, Recueil, p. 859) proferido sob o domínio do regime de quotas instituído pela Decisão n. 1831/81/CECA da Comissão, de 24 de Junho de 1981, que institui um regime de vigilância e um novo regime de quotas de produção de certos produtos para as empresas da indústria siderúrgica (JO L 180, p. 1).

(10) ° N. 11, sublinhado nosso.

(11) ° Acórdão de 10 de Junho de 1986, Usinor/Comissão (81/85 e 119/85, Colect., p. 1777, n. 21).

(12) ° P. 13 da tradução francesa do recurso.

(13) ° N. 71 do acórdão impugnado.

(14) ° N. 72 do acórdão impugnado.

(15) ° V., neste sentido, o acórdão de 4 de Junho de 1992, Consorgan/Comissão (C-181/90, Colect., p. I-3557, n. 14).

(16) ° N. 83 do acórdão impugnado.

(17) ° V. p. 17 da tradução francesa do recurso.

(18) ° Réplica, p. 9 da tradução francesa.

(19) ° V. considerando n. 1, e o artigo 18. , n. 2, assim como o n. 97 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

(20) ° Relação entre as quotas de produção e as quotas de fornecimento.

(21) ° Recurso, p. 29 da tradução francesa.

(22) ° N. 26, citado pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância no n. 53.

(23) ° N. 53 do acórdão impugnado.

(24) ° 33/86, 44/86, 110/86 e 285/86 (Colect., p. 4309).

(25) ° N. 1 da parte decisória, sublinhado nosso. V. igualmente o n. 28 dos fundamentos.

(26) ° N. 55 do acórdão impugnado.

(27) ° N. 57 do acórdão impugnado, sublinhado nosso.

(28) ° N. 56 do acórdão impugnado.

(29) ° N. 58 do acórdão impugnado.

(30) ° N. 59 do acórdão impugnado.

(31) ° N. 62 do acórdão impugnado.

(32) ° V. o n. 46 do acórdão impugnado.

(33) ° V., neste sentido, o n. 18 do acórdão Hoogovens, já referido na nota 8.

(34) ° N. 65 do acórdão impugnado.

(35) ° Recurso, p. 34 e 35 da tradução francesa.

(36) ° Ibidem, p. 36.

(37) ° Ibidem, p. 37.

(38) ° Ibidem p. 38.

(39) ° Ibidem p. 39.

(40) ° Artigo 1. da Decisão.

(41) ° V. supra, ponto 43, e ponto 45, penúltima frase, do acórdão impugnado, bem como o terceiro considerando da Decisão de 21 de Março de 1990.

(42) ° 30/59, Recueil, p. 1.

(43) ° P. 36. A jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 176. do Tratado CEE ° que é o preceito correspondente ao artigo 34. do Tratado CECA ° é constante neste sentido. V., por exemplo, o acórdão de 20 de Junho de 1985, De Compte/Parlamento (141/84, Recueil, p. 1951, n. 22), e o acórdão Hoogovens, já referido, n. 21.

(44) ° N. 65 do acórdão impugnado.

(45) ° Artigo 5. , n. 1, da Decisão n. 194/88.

(46) ° Acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461, n.os 9 e 14). V. igualmente o acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461).

(47) ° 234/84 (Colect., p. 2263, n. 27).

(48) ° N. 108 do acórdão impugnado.

(49) ° N. 109 do acórdão impugnado.

(50) ° V., neste sentido, o acórdão de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão (C-142/87, Colect., p. I-959, n. 48).

(51) ° N. 110 do acórdão impugnado.

(52) ° N. 109 do acórdão impugnado.

(53) ° C-283/90 P, Colect., p. I-4339.

(54) ° N. 29.

(55) ° N. 114 do acórdão impugnado.

(56) ° N. 115 do acórdão impugnado.

(57) ° V. p. 44, terceiro parágrafo, da tradução francesa do recurso.

(58) ° V. supra, n. 28.

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