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Document 61992CC0315

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 29 de Septembro de 1993.
Verband Sozialer Wettbewerb eV contra Clinique Laboratoires SNC e Estée Lauder Cosmetics GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Berlin - Alemanha.
Livre circulação de mercadorias - Denominação de um produto cosmético susceptível de induzir em erro o consumidor.
Processo C-315/92.

Colectânea de Jurisprudência 1994 I-00317

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:823

61992C0315

Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 29 de Septembro de 1993. - VERBAND SOZIALER WETTBEWERB EV CONTRA CLINIQUE LABORATOIRES SNC E ESTEE LAUDER COSMETICS GMBH. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: LANDGERICHT BERLIN - ALEMANHA. - LIVRE CIRCULACAO DE MERCADORIAS - DENOMINACAO DE UM PRODUTO COSMETICO SUSCEPTIVEL DE INDUZIR EM ERRO O CONSUMIDOR. - PROCESSO C-315/92.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-00317
Edição especial sueca página I-00013
Edição especial finlandesa página I-00013


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. O Landgericht Berlin submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 30. do Tratado CEE. A questão foi suscitada num processo em que são partes, por um lado, uma associação alemã, à qual é conferida legitimidade processual por se considerar que visa a defesa da lei alemã relativa à concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb, a seguir "UWG") e, por outro, as filiais alemã e francesa da empresa americana Estée Lauder.

2. Resulta do despacho de reenvio,

- que a Estée Lauder produz, designadamente, uma ampla gama de produtos cosméticos que são comercialilizados sob a denominação "Clinique",

- que a Estée Lauder, quando do lançamento dos produtos na Europa no início dos anos setenta, decidiu comercializar os produtos na Alemanha sob a denominação "Linique" e que esta decisão foi tomada "em razão da jurisprudência respeitante ao § 3 da UWG (proibição de indução do consumidor em erro)",

- que as sociedades filiais demandadas pretendem agora comercializar os produtos na Alemanha sob a denominação Clinique, uma vez que "devido à diversidade de denominações há dificuldades em fornecimento, quer para a Alemanha com origem noutros países, quer da Alemanha para outros países" e por que "os custos de embalagem e publicidade resultantes da diversidade de nomes são elevados",

- que a demandante, nos termos do § 3 da UWG e do § 27, n. 1 ponto 1, da lei alemã relativa aos produtos alimentares e bens de consumo (Lebensmittel- und Bedarfsgegenstaendegesetz (a seguir "LMBG"), que proíbe, designadamente, a indução dos consumidores em erro, pediu que as demandadas sejam proibidas de vender os produtos sob a denominação Clinique,

- que as demandadas alegaram que tal proibição tornaria impossível a importação de cosméticos sob a denominação Clinique, que são produzidos na Inglaterra ou na Bélgica, e que esta proibição viola o artigo 30. do Tratado,

- que o órgão jurisdicional de reenvio é da opinião de que "o pedido tem fundamento, pois não pode ser afastada a possibilidade de um parte significativa da clientela atribuir à linha de cosméticos Clinique efeitos medicinais sobre a pele, de natureza preventiva ou curativa",

- que o órgão jurisdicional de reenvio considera que neste caso "deveriam efectuar-se diligências de prova através de uma sondagem de opinião promovida pelo tribunal", pois "no caso de se confirmar a possibilidade de indução em erro de cerca de 10% a 20% dos consumidores deveria ser proibida a utilização da denominação Clinique",

- mas que a referida diligência para verificar se os produtos podem induzir em erro é supérflua no caso de uma eventual proibição, como sustentam as demandadas, violar o direito comunitário.

3. Foi com base nestas razões que o Landgericht Berlin colocou a seguinte questão:

Os artigos 30. e 36. do Tratado CEE devem ser interpretados no sentido de se oporem à aplicação de uma disposição nacional sobre concorrência desleal que permite a interdição da importação e comercialização de um produto cosmético legalmente produzido e/ou comercializado noutro Estado europeu, com fundamento em que o nome do produto - Clinique - induziria os consumidores em erro, por poder ser tomado por um medicamento, no caso de esse produto ser, com esse nome, comercializado legalmente e sem contestação em outros países da Comunidade Europeia?

4. O § 3 da UWG dispõe que "aquele que na actividade comercial com um objectivo concorrencial der informações susceptíveis de induzir em erro, nomeadamente relativas a... pode ser accionado judicialmente com vista a fazer cessar o uso das informações em questão".

O § 27 da LMBG dispõe: "É proibido vender produtos cosméticos sob uma denominação ou com informações susceptíveis de induzir em erro... Considera-se designadamente que existe a possibilidade de indução em erro: 1) no caso de aos produtos cosméticos serem atribuídas propriedades que... não estão suficientemente comprovadas...".

5. Vem alegado pela demandante no processo principal que a comercialização de produtos sob a denominação Clinique viola as duas disposições, porque o nome "Clinique" pode induzir os consumidores no erro de que os produtos têm propriedades medicinais. Refere que em alemão existe uma identidade fonética entre as palavras "Clinique" e "Klinik", e que a palavra "Klinik" em alemão designa indubitavelmente um hospital (1).

6. Convém salientar que a demandante no processo principal alegou que a disposição é uma cláusula geral, o que implica que o conteúdo concreto da disposição deve ser estabelecido na jurisprudência. Com base na UWG, que remonta a 1919, revela-se na Alemanha "no enquadramento das cláusulas gerais dos §§ 1 e 3, numa interacção entre jurisprudência e doutrina, uma intrincada rede de situações casuísticas interdependentes, que em qualquer caso garantem aos consumidores, empresas e comunidades no seu conjunto a segurança jurídica e lhes abrem a possibilidade de calcular as condições de concorrência" (2).

7. É indubitavelmente certa a afirmação de que na Alemanha - em comparação com a situação jurídica na maioria dos outros Estados-membros - foi estabelecido através da jurisprudência um critério relativamente rigoroso sobre o que se considera indução em erro e que, desta forma, se pode dizer que se criou um nível relativamente alto de protecção dos consumidores e dos demais interesses que a lei tem em vista proteger. Isto não é menos verdade relativamente às informações que podem ser entendidas no sentido de que aos produtos são atribuídas propriedades medicinais que estes não possuem (3).

8. A questão prejudicial incide sobre a interpretação do artigo 30. do Tratado - isto é, sobre a proibição de restrições ao comércio entre os Estados-membros - e sobre o significado desta disposição quanto à aplicação da proibição de indução do consumidor em erro prevista na legislação alemã num litígio concreto.

9. O Tribunal de Justiça, num processo prejudicial, não pode tomar posição sobre a forma como o caso pendente deve ser decidido em concreto pelo direito nacional, mas pode esclarecer o tribunal nacional sobre todas as situações que implicam uma interpretação do direito comunitário, de forma a que o tribunal nacional ao decidir o processo em questão possa analisar se as disposições nacionais são compatíveis com o direito comunitário.

Nesta conformidade, para dar ao tribunal nacional a resposta mais adequada, o Tribunal de Justiça pode ligar estreitamente a interpretação do artigo 30. do Tratado às circunstâncias concretas do processo pendente.

Convém contudo chamar a atenção para o facto de no presente processo não se tratar de uma questão sobre uma compatibilidade genérica da legislação nacional com o artigo 30. , mas sim sobre a aplicação de normas nacionais a uma situação jurídica pontual, aplicação que implica uma apreciação concreta da questão de saber se os consumidores são induzidos em erro nas circunstâncias do caso. Em minha opinião, seria errado que o Tribunal de Justiça em processos como o presente ligasse estreitamente a sua interpretação do artigo 30. às circunstâncias concretas dos casos. Em tal situação o Tribunal de Justiça podia correr o risco de interpretar o artigo 30. em função dos dados de um caso concreto, que não se lhe apresenta suficientemente claro, ou tomar posição sobre circunstâncias concretas dos casos, o que não é incumbência sua, mas sim do tribunal nacional. Daqui resulta que também do ponto de vista das competências é de excluir que o Tribunal de Justiça, através da sua interpretação do artigo 30. , tome a seu cargo a incumbência de assegurar uma aplicação uniforme do direito comunitário em ligação com a aplicação concreta de cláusulas gerais como as presentes. Esta tarefa, de acordo com o sistema do Tratado, incumbe aos tribunais nacionais, que são obrigados a garantir lealmente uma correcta aplicação do direito comunitário.

10. É importante para a decisão da causa o facto de o Conselho ter adoptado directivas que obrigam os Estados-membros a estabelecerem normas que proíbam a publicidade enganosa.

Trata-se da Directiva 84/450/CEE do Conselho relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (4). O artigo 2. da directiva contém uma disposição sobre o que se deve entender por publicidade enganosa, a qual se liga ao artigo 3. que dispõe que para determinar se uma publicidade é enganosa se devem ter em conta todos os seus elementos. O artigo 4. impõe aos Estados-membros o dever de velarem "para que existam meios adequados e eficazes para controlar a publicidade enganosa no interesse dos consumidores bem como dos concorrentes e do público em geral". Finalmente, o artigo 7. dispõe que a directiva "não obsta à manutenção ou à adopção pelos Estados-membros de disposições que visem assegurar uma protecção mais ampla dos consumidores".

Deve ainda referir-se a Directiva 76/768/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos produtos cosméticos (5), que com o objectivo, nomeadamente, de assegurar a liberdade de trocas destes produtos contém regras relativas à composição, rotulagem e embalagem e, com interesse para o caso presente, dispõe no artigo 6. , n. 2, e no artigo 7. , n. 1:

- que "os Estados-membros tomarão todas as disposições necessárias para que na rotulagem, na apresentação para venda e na publicidade relativa aos produtos cosméticos, o texto, as denominações, marcas, imagens ou outros sinais, figurativos ou não, não sejam utilizados para atribuir a estes produtos características que não possuem", e

- que "os Estados-membros não podem, por razões relacionadas com as exigências contidas na presente directiva e seus anexos, recusar, proibir ou restringir a colocação no mercado dos produtos cosméticos que obedecem às prescrições da presente directiva e seus anexos".

11. O Governo alemão refere que as disposições destas duas directivas são aplicadas no direito alemão - designadamente através das acima referidas normas relativas à indução do consumidor em erro - e que uma eventual proibição com fundamento nas normas alemãs estará em conformidade com as directivas. Nesta conformidade alega que a questão submetida deve ser respondida com base nas directivas, uma vez que disposições conformes com as directivas não podem a priori violar o artigo 30. do Tratado, a menos que as próprias normas comunitárias em questão violem o artigo 30.

12. Em minha opinião, este ponto de vista não é correcto. Simplifica demasiadamente a colocação do problema. Não toma suficientemente em consideração a natureza das obrigações comunitárias que as duas directivas impõem aos Estados-membros. Trata-se de obrigações formuladas de forma muito genérica, a partir das quais as ordens jurídicas nacionais, num âmbito mais concretamente determinado, devem proteger os consumidores designadamente contra o risco de serem induzidos em erro. A directiva relativa à publicidade enganosa estabelece desta forma apenas critérios relativamente vagos para determinar o que é publicidade enganosa. Daqui resulta, além disso, que a directiva não obsta a que os Estados-membros estabeleçam disposições mais rigorosas. É também essencial que as obrigações da directiva sejam interpretadas em conformidade com as exigências que resultam das normas do Tratado relativas à livre circulação das mercadorias.

13. Em minha opinião, o tribunal de reenvio teve razão ao solicitar ao Tribunal de Justiça a interpretação do artigo 30. do Tratado (6).

14. A resposta à questão submetida deve, assim, basear-se na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa a esta disposição, segundo a qual

- em primeiro lugar, a proibição abrange "qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário" e

- em segundo lugar, "os obstáculos ao comércio intracomunitário que resultam da disparidade de disposições nacionais devem ser aceites na medida em que essas disposições, indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados, possam ser justificadas como necessárias para satisfazer exigências imperativas ligadas, designadamente, à protecção dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais. Mas, para que possam ser admitidas, é necessário que essas disposições sejam proporcionadas ao objectivo prosseguido e que esse objectivo não possa ser atingido por medidas que restrinjam em menor grau as trocas intracomunitárias (7)".

15. Foi afirmado no despacho de reenvio e, aliás, não contestado, que uma eventual proibição da comercialização na Alemanha dos produtos cosméticos em questão sob a denominação Clinique significará uma efectiva restrição ao comércio entre os Estados-membros.

16. Deve ainda acrescentar-se que se a proibição for mantida se está perante um entrave ao comércio intracomunitário, que deriva da aplicação de normas nacionais, aplicáveis indistintamente aos produtos nacionais e aos produtos importados.

17. Como se sabe, também resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a possibilidade de justificar tais entraves ao comércio prevista no artigo 36. do Tratado ou admitida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça apenas se verifica se no plano comunitário não estiverem fixadas normas relativas à matéria em questão (8).

Como já foi dito, subsistem normas comuns que são relevantes para a questão aqui suscitada mas, em minha opinião, não são normas que afastem a possibilidade de justificar, com base na denominada "rule of reason", as medidas restritivas do comércio aqui consideradas.

18. É certo que pode ser alegado que a directiva relativa aos cosméticos, cujo artigo 6. , n. 2 obriga todos os Estados-membros a impedirem que os consumidores sejam induzidos em erro e cujo artigo 7. , n. 1, proíbe os Estados-membros que proíbam ou limitem o lançamento no mercado de produtos conformes com as disposições da directiva, tem precisamente como finalidade harmonizar os requisitos normativos nacionais relativos aos cosméticos e por isso contêm tais disposições comuns, que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça impedem que se considerem justificadas medidas restritivas do comércio. Tal argumentação não foi contudo desenvolvida em nenhum dos articulados apresentados no Tribunal de Justiça. Em minha opinião, não se pode validamente sustentar que o facto de os produtos serem legalmente comercializados noutros Estados-membros sob a denominação "Clinique" signifique que também na Alemanha devam ser considerados como cumprindo a exigência do artigo 6. , n. 2, da directiva, de não atribuir aos produtos características que os mesmos não possuem. Isto resulta logo do facto de na matéria em apreciação poderem existir entre os Estados-membros diferenças linguísticas, culturais e sociais susceptíveis de tornar enganosa num Estado-membro uma indicação que não o é noutro Estado-membro.

19. Desta forma, as normas comunitárias em apreciação, em minha opinião, não têm como consequência que não subsista uma possibilidade de justificação. As normas comunitárias invocadas têm mais propriamente o significado - e isto é o verdadeiro cerne da acima referida argumentação do Governo alemão - de mostrar que deve ser atribuída grande importância à preocupação de proteger os consumidores contra a indução em erro no que se refere à comercialização de bens e às prestações de serviços, e que esta preocupação não é menos válida no caso de serem atribuídos aos produtos propriedades medicinais que não possuem (9).

20. Na jurisprudência do Tribunal de Justiça nunca existiram dúvidas de que a preocupação de proteger os consumidores e os operadores económicos contra comportamentos desleais ou enganosos das empresas que comercializam produtos seja uma razão imperativa que possa justificar limitações ao comércio (10).

Também não há dúvidas de que este objectivo de protecção tem um peso especial quando a sua necessidade parece ligada à aplicação da proibição de induzir em erro os consumidores, proibição que comporta também um aspecto relativo à protecção da saúde, nomeadamente ao impedir que os consumidores atribuam aos produtos propriedades medicinais que os mesmos não possuem.

21. Contudo, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça também pressupõe que a aplicação das normas nacionais correspondentes seja absolutamente necessária com vista, designadamente, à protecção do consumidor, que seja proporcionada ao objectivo prosseguido e que o referido objectivo não possa ser conseguido através de medidas menos restritivas do comércio.

22. A Comissão alegou que do ponto de vista da protecção do consumidor e da lealdade das transacções comerciais não é necessário proibir o uso de denominação "Clinique". Em apoio desta posição alega o seguinte:

- os produtos em causa são vendidos exclusivamente nas perfumarias e nas secções de perfumaria dos grandes espaços comerciais e, como não são vendidos nas farmácias, não é de considerar que possam ser associados a medicamentos,

- a denominação "Clinique" é entendida como uma denominação comercial do produto. Da mesma forma são vendidos cosméticos como baton, rimel, creme para a cara, etc., e o rótulo indica ao consumidor que se trata de um cosmético e

- a apresentação e o conteúdo são características dos produtos cosméticos, assim como a indicação de que os produtos foram objecto de análise dermatológica ou alergológica.

23. Em minha opinião, é ponderosa a argumentação da Comissão, a qual, com base no que acima se referiu, conclui que analisando em concreto o conjunto das circunstâncias não se constatou um risco real de o consumidor ser induzido em erro, donde deduz que não é absolutamente necessário proibir a comercialização dos produtos sob a denominação "Clinique".

24. Não obstante, em minha opinião, seria errado responder à questão prejudicial como é sugerido pela Comissão, isto é, que o artigo 30. deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação da proibição da pretendida comercialização com base no § 3 da UWG.

25. Em primeiro lugar, isto seria, em minha opinião, responder à questão prejudicial de forma a não fazer distinção entre o que num processo como o presente é da competência do Tribunal de Justiça e o que é da competência dos tribunais nacionais no que se refere à aplicação concreta do direito comunitário (v. n. 9 supra).

Em segundo lugar, pode sustentar-se que a Comissão não tomou suficientemente em conta o facto de, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se dever partir do princípio de que compete a cada um dos Estados-membros fixar o nível de protecção que considerem adequado, para o que os Estados-membros estão legitimados pelo artigo 36. do Tratado e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça - mesmo quando as normas deles emanadas possam comportar limitações ao comércio (11).

Neste contexto, é oportuno referir o ponto de vista alegado no Tribunal de Justiça pela demandada no processo principal. A demandada alega que não há qualquer razão para considerar que o consumidor alemão deva, como é sustentado, necessitar de um grau de protecção mais elevado que o dos consumidores nos outros Estados-membros (12). É de observar a este propósito que, como já foi dito, nos termos do direito comunitário, a fixação do nível de protecção prosseguido em cada Estado-membro incumbe à partida ao legislador nacional. Neste aspecto, como já se disse, podem subsistir diferenças concretas do ponto de vista linguístico, social e cultura, que têm como consequência que uma coisa que num país não induz em erro os consumidores pode resultar enganosa num outro país.

26. Nesta base, em minha opinião, não se pode afirmar a priori que a proibição da pretendida comercialização dos bens seja inútil, nos termos do artigo 30. , para obter o nível de protecção prosseguido pela regulamentação alemã, se da sondagem de opinião prevista pelo tribunal resultasse que a já referida percentagem de consumidores alemães seria induzida em erro quanto às propriedades do produto.

27. Uma proibição concreta, em minha opinião, não será contrária à directiva relativa à publicidade enganosa. Isto baseia-se desde logo no facto de a directiva não impedir que os Estados-membros fixem um nível mínimo de protecção mais elevado que o que nela vem previsto. Acresce que, em minha opinião, o mesmo o resultado não seria em princípio contrário a alguns dos requisitos mínimos específicos estabelecidos na legislação interna dos Estados-membros, que a directiva enuncia (13).

28. Isto não exclui contudo que da regulamentação comunitária se possam deduzir exigências no que se refere à aplicação pelos tribunais alemães das proibições contidas nas duas disposições nacionais relativas às indicações enganosas.

É importante que os tribunais nacionais, quando da aplicação concreta do direito, tomem em consideração a importância fundamental que tem a livre circulação de mercadorias no âmbito do direito comunitário e que estejam conscientes - mesmo nos processos que incidem sobre normas de carácter geral como as que estão aqui em apreciação - de que as medidas que comportem limitações ao comércio apenas são legítimas se forem absolutamente necessárias e proporcionadas ao objectivo prosseguido e se o mesmo objectivo não puder ser conseguido com medidas menos restritivas do comércio intracomunitário.

Além disso, pode ter importância para o presente processo realçar que deve resultar de uma correcta aplicação do direito comunitário - considerando aqui a directiva relativa à publicidade enganosa - que no momento da apreciação seja ponderada uma análise global na qual confluam todos os aspectos relevantes, entre estes as circunstâncias em que os produtos são vendidos, e o risco de o consumidor ser induzido em erro tendo em consideração o grupo de consumidores em que se insere.

Em minha opinião, isto significa, designadamente, que o tribunal a quo, na altura de decidir definitivamente se há efectivamente um motivo para proceder a uma sondagem de opinião, deve, em caso afirmativo, incluir na elaboração da referida sondagem as circunstâncias a que a Comissão, como já foi dito, faz referência.

Conclusão

29. Com base no que antecede, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial da forma seguinte:

"O artigo 30. do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe em princípio à aplicação de uma disposição nacional relativa à concorrência desleal que prevê a proibição da comercialização de um produto cosmético com fundamento em que os consumidores são induzidos pela denominação do produto a crer erradamente que o mesmo tem propriedades medicinais, mesmo que o referido produto seja legalmente comercializado noutro Estado-membro com a mesma denominação.

Contudo, compete ao tribunal nacional garantir, quando aplica as disposições nacionais, que a sua aplicação não implique restrições ao comércio intracomunitário, a menos que tal aplicação seja absolutamente necessária para proteger os consumidores e a lealdade das trocas comerciais e desde que as medidas adoptadas sejam proporcionadas ao objectivo prosseguido e que o referido objectivo não possa ser obtido através de medidas menos restritivas do comércio intracomunitário.

Segundo o direito comunitário, incumbe igualmente ao tribunal nacional, no momento de apreciar se a regulamentação nacional deve ser aplicada, tomar como base uma aplicação global na qual confluam todos os aspectos relevantes, entre eles as circunstâncias em que os produtos são vendidos e o risco de o consumidor ser induzido em erro tendo em consideração o grupo de consumidores em que se insere."

(*) Língua original: dinamarquês.

(1) - A demandante no processo principal remete na sua petição inicial para a definição da palavra Klinik da Brockhaus Enzyklopaedie 17.ª edição, e alega que em alemão considera-se Klinik um hospital público ou privado, sendo a palavra Krankenhaus utilizada em regra para designar um hospital geral, ao passo que Klinik significa normalmente um hospital universitário, isto é, um hospital de nível particularmente elevado .

(2) - V. Dr. H. Piper, Vorsitzender Richter am Bundesgerichtshof, Zu den Auswirkungen des EG-Binnenmarktes auf das deutsche Recht gegen den unlauteren Wettbewerb , Wettbewerb in Recht und Praxis, 11/92, p. 685.

(3) - O Governo alemão remeteu nas suas alegações para esta jurisprudência, v. ponto III das alegações.

(4) - JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55.

(5) - JO L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 206.

(6) - O Tribunal de Justiça, aliás, rejeitou uma argumentação pelo menos parcialmente análoga do Governo alemão no seu acórdão de 13 de Dezembro de 1990, Pall Corp. (C-238/89, Colect., p. I-4827), que dizia respeito à legalidade de uma proibição, com base no § 3 da UWG, de comercializar produtos cuja marca era seguida da letra (R). O Tribunal de Justiça rejeitou a argumentação alemã que se baseava na directiva relativa à publicidade enganosa, referindo que quando se verifique que a proibição em causa não se justifica por exigências imperativas ligadas à protecção dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais, a mesma já não pode encontrar justificação na directiva atrás citada. Essa directiva limita-se a uma harmonização parcial das legislações nacionais em matéria de publicidade enganosa, fixando, por um lado, critérios mínimos e objectivos com base nos quais é possível determinar que uma publicidade é enganosa e, por outro lado, exigências mínimas no que respeita às modalidades de protecção contra essa publicidade .

O acórdão de 16 de Janeiro de 1992, X (C-373/90, Colect., p. I-131), dizia respeito à legalidade da publicidade de automóveis importados paralelamente em França, pode conduzir a justificar a posição do Governo alemão, uma vez que o Tribunal de Justiça concentrou a sua resposta à questão prejudicial em redor de uma interpretação da directiva relativa à publicidade enganosa. O Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que a questão que visava saber se a prática de venda controvertida era conforme às normas comunitárias vigentes, deveria ser entendida como uma questão relativa à interpretação da directiva sobre a publicidade enganosa.

(7) - Acórdão de 13 de Dezembro de 1990, Pall Corp., n.os 11 e 12 (C-238/89, Colect., p. I-4827).

(8) - V. acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe (120/78, Recueil, p. 649) e, em último lugar, o acórdão de 18 de Maio de 1993, Yves Rocher, n. 12 (C-126/91, Colect., p. I-2361), referente às disposições da UWG relativas à publicidade comparativa.

(9) - É oportuno neste contexto referir o artigo 2. da Directiva 79/112/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO L 33, p. 1; EE 13 F9 p. 162), segundo o qual os produtos que não são medicinais não devem, nos termos do direito comunitário, dar a impressão de o serem. Os termos do artigo 2. , n. 1, alínea b), desta directiva, a rotulagem e as modalidades em que é realizada não devem atribuir a um género alimentício propriedades de prevenção, tratamento e cura de doenças humanas, nem mencionar tais propriedades. Partilho a opinião do Governo alemão quando este alega que o artigo 6. , n. 2, da directiva relativa aos cosméticos deve ser interpretado como contendo uma norma semelhante.

(10) - V., em último lugar, o acórdão referido na nota 8 (C-126/91, Yves Rocher, n. 12).

(11) - V., por exemplo, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França,n. 15 (188/84, Colect., p. 419).

(12) - V. alegações escritas da demandada, p. 9, parte II, 3 b).

(13) - Como foi referido na nota 6, o Tribunal de Justiça interpretou a directiva no acórdão proferido no processo C-373/90, X. A interpretação que resulta deste acórdão, ao que me parece, apenas reveste um limitado significado para o presente processo.

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