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Document 61992CC0063

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 30 de Junho de 1993.
Lubbock Fine & Co. contra Commissioners of Customs and Excise.
Pedido de decisão prejudicial: Value Added Tax Tribunal, London - Reino Unido.
Imposto sobre o valor acrescentado - Compensação paga por revogação de um contrato de arrendamento.
Processo C-63/92.

Colectânea de Jurisprudência 1993 I-06665

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:274

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MARCO DARMON

apresentadas em 30 de Junho de 1993 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

A compensação paga pelo locador ao locatário devido à revogação («surrender») antecipada do arrendamento pode ser sujeita ao IVA, sendo assim excluída da isenção relativa ao arrendamento de bens imóveis prevista no artigo 13.°, parte B, alínea b), da Sexta Directiva IVA ( 1 ) ? É este, em substância, o problema suscitado pelo Value Added Tax Tribunal, London Tribunal Centre.

2. 

Por contrato de 14 de Abril de 1971, a Esso Pension Trust Ltd arrendou à sociedade de revisores oficiais de contas Lubbock Fine and Company (a seguir «Lubbock») escritórios sitos em Londres por um período de 25 anos e três meses, a partir de 29 de Setembro de 1970, sendo a renda inicial dc 35 300 UKL por ano ( 2 ).

3. 

Em 14 de Fevereiro de 1990, a Guildhall Properties Ltd, nova proprietária, celebrou com a locatária um acordo designado «agreement to surrender» ( 3 ) através do quai a Lubbock renunciou, em benefício da proprietária, ao prazo remanescente do arrendamento e aceitou restituir o arrendado («the tenant agrees that on 1st June 1990 it will surrender all its estate interests and rights in the Premises to the Landlord»), mediante uma compensação de 850 000 UKL, incluindo IVA no montante de 110 869,56 UKL.

4. 

O acordo é executado, tendo a proprietária efectuado o pagamento devido. Por acto de 1 de Junho de 1990, esta libera a Lubbock de todos os compromissos e pretensões relativas ao arrendamento.

5. 

A título do IVA, as autoridades fiscais do Reino Unido exigem à Lubbock o montante mencionado de 110 869,56 UKL, que esta alega não ter de pagar perante o Value Added Tax Tribunal, invocando para tal o artigo 13.° da Sexta Directiva.

6. 

Este artigo, com o título «Isenções no território do país», prevê, nomeadamente:

«...

B. Outras isenções

Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

...

b)

a locação de bens imóveis, com excepção:

1.

das operações de alojamento, tal como são definidas na legislação dos Estados-membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

2.

da locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

3.

da locação de equipamento e maquinaria de instalação fixa;

4.

da locação de cofres-fortes.

Os Estados-membros podem prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção;

...

g)

as entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, com excepção dos indicados no n.° 3, alínea a), do artigo 4.°;

...

C. Opções

Os Estados-membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação:

a)

da locação de bens imóveis;

b)

das operações referidas em B... g)...

Os Estados-membros podem restringir o âmbito do direito de opção e fixarão as regras do seu exercício».

7. 

Antes de 1989, as operações isentas de IVA constavam do n.° 1 do grupo 1 do anexo 6 do Value Added Tax Act de 1983 que, salvo excepções, isentava nomeadamente «a cessão, transmissão ou renúncia de qualquer direito de propriedade ou de qualquer outro direito real bem como de qualquer autorização de ocupação de um bem imóvel». Até essa data, a compensação paga por revogação de um arrendamento não estava, portanto, sujeita a IVA.

8. 

Na sequência do acórdão deste Tribunal de 21 de Junho de 1988, Comissão/Reino Unido ( 4 ), que declarou o incumprimento deste Estado por ter mantido em vigor a aplicação da taxa zero de IVA sobre determinados fornecimentos de bens e serviços, a legislação britânica foi alterada pelo Finance Act 1989.

9. 

O juiz a quo precisa que esta alteração pretendeu sujeitar ao IVA a revogação de um arrendamento em benefício do proprietário, operação que está aqui em causa, o que não é contestado pela Lubbock. Coloca-se, no entanto, o problema de saber se esta nova legislação é, neste ponto, compatível com as disposições comunitárias referidas. Foram assim apresentadas ao Tribunal três questões ( 5 ) que podem ser resumidas da seguinte forma:

1)

A noção de «locação de bens imóveis» que consta do artigo 13.°, parte B, alínea b), da Sexta Directiva inclui a revogação antecipada de um arrendamento mediante pagamento de uma compensação ao locatário?

2)

Em caso afirmativo, pode um Estado-membro excluir da isenção tal revogação, e portanto tributá-la, ao abrigo da formulação final do artigo 13.°, parte B, alínea b)?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, a revogação de um arrendamento mediante compensação é uma entrega na acepção do artigo 13.°, parte B, alínea g)?

10. 

Creio que devem ser feitas três observações preliminares.

11. 

Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Directiva, estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado «as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

12. 

Segundo o artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva, entende-se, em princípio, por sujeito passivo, qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma actividade económica independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

13. 

A Sexta Directiva atribui pois um âmbito de aplicação muito vasto ao IVA, uma vez que inclui todas as actividades económicas de produção, de comercialização ou de prestação de serviços ( 6 ). O quinto considerando da primeira directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ( 7 ), salientava já que:

«um sistema de imposto sobre o valor acrescentado consegue a maior simplicidade e a maior neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação abranger todas as fases da produção e da distribuição, bem como o sector das prestações de serviços...» ( 8 ).

14. 

O IVA é portanto aplicável a todas as entregas de bens ou prestações de serviços efectuadas a título oneroso, sob reserva das excepções previstas pela própria Sexta Directiva. Estas são, aliás, limitadas «para poder aplicar o sistema de modo simples e neutro e manter a taxa normal do imposto dentro de limites razoáveis» ( 9 ).

15. 

Estas isenções f oram interpretadas pelo Tribunal de forma restritiva. Por exemplo, a propósito das funções públicas exercidas contra remuneração pelos notarios e oficiais de justiça, o Tribunal sublinhou:

«As isenções de IVA que o artigo 13.° da Sexta Directiva prevê expressamente a favor, nomeadamente, de actividades de interesse geral, e a faculdade dada aos Estados pelo artigo 28.°, n.° 3, alínea b), em conjugação com o anexo F... põem em evidência que todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso pelos titulares de profissões liberais e equiparadas estão, em princípio, sujeitas a IVA» ( 10 ).

16. 

O Tribunal recusa-se a atribuir um alcance extensivo às isenções previstas pela directiva quando não está demonstrada a existência de elementos de interpretação que permitam ir para além do que resulta do texto das disposições que as prevêem, em especial o artigo 13.° ( 11 ).

17. 

A propósito da isenção em benefício dos organismos de direito público, prevista no artigo 4.°, n.° 5, o Tribunal decidiu que:

«... a Sexta Directiva caracteriza-se pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas» ( 12 ).

18. 

No acórdão Stichting Uitvoering Financiele Acties ( 13 ), o Tribunal salientou que:

«... os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.o da Sexta Directiva devem ser interpretados restritivamente, dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo» ( 14 ).

19. 

Foi portanto logicamente que, a propósito de uma excepção à isenção prevista no artigo 13.°, parte B, alínea b), da directiva para a locação de bens imóveis — que tinha assim por efeito sujeitar as operações que visava ao regime geral da directiva —, o Tribunal considerou que a referida excepção não podia ser interpretada de forma restritiva ( 15 ).

20. 

As isenções devem ser entendidas tanto mais restritivamente quanto podem quebrar a cadeia de deduções entre sujeitos passivos e criar um encargo fiscal devido à impossibilidade daí resultante de deduzir um imposto pago a montante ( 16 ). Estes impostos remanescentes podem, deste modo, criar distorções no circuito económico, excepto se os sujeitos passivos beneficiarem de um direito de opção.

21. 

Uma segunda observação preliminar. Nos termos do décimo primeiro considerando da Sexta Directiva, «é conveniente estabelecer uma lista comum de isenções, a fim de que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados-membros» ( 17 ). Deste modo, apesar de o artigo 13.°, parte B, da Sexta Directiva remeter para as condições fixadas pelos Estados-membros («os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas»), as isenções que constam deste artigo devem corresponder a noções autónomas de direito comunitário ( 18 ), para se poder «determinar de maneira uniforme e segundo regras comunitárias a base de tributação do imposto sobre o valor acrescentado» ( 19 ).

22. 

Por fim, uma terceira observação.

23. 

Os bens imóveis levantam, relativamente ao IVA, um certo número de problemas específicos ( 20 ). São abordados em dois níveis pela Sexta Directiva ( 21 ):

1)

enquanto produto acabado entregue, no final de um ciclo económico de produção, a um consumidor final;

2)

como meio que contribui para a produção, cujo custo é repercutido no preço dos bens e serviços.

24. 

Quanto ao primeiro ponto, o ciclo de produção de um imóvel, da sua compra à primeira venda, passando pelas operações de construção, é normalmente equiparado ao ciclo de produção de uma mercadoria, estando, portanto, sujeito ao IVA.

25. 

Mais especificamente, pode mesmo sê-lo tratando-se de uma operação isolada. Deste modo, o artigo 4.°, n.° 3, da Sexta Directiva prevê que: «os Estados-membros podem também considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional...

a)

a entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efectuada anteriormente à primeira ocupação...

b)

a entrega de um terreno para construção».

26. 

Neste caso, o IVA incide sobre o preço final do imóvel, quaisquer que sejam as componentes desse preço. E é a noção de «primeira ocupação» que permite determinar o momento em que o imóvel deixa o processo de produção para se tornar um objecto de consumo, ocupado pelo seu proprietário ou por um locatário.

27. 

Quando ao segundo ponto, tratando-se de edifícios após a sua primeira entrega, deve fazer-se uma distinção.

28. 

Um imóvel para habitação está excluído do âmbito de aplicação do IVA, uma vez que já foi, se se pode assim dizer, «consumido» com a sua primeira ocupação. As operações de que é objecto estão, em princípio, isentas.

29. 

Se for vendido ou posto à disposição de um sujeito passivo que desenvolva uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, um bem imóvel volta ao circuito económico e deve poder dar lugar a operações tributáveis. Com efeito, como já foi recordado, em caso de isenção relativamente a uma dada operação, o sujeito passivo não tem que pagar o imposto sobre a operação em causa, mas não pode deduzir o imposto que lhe foi facturado a montante, nem repercutir qualquer encargo a jusante ( 22 ). Uma isenção de IVA pode portanto implicar um aumento da sua carga fiscal. O sujeito passivo pode, consequentemente, ter interesse em estar sujeito ao IVA.

30. 

Qual é a situação em matéria de arrendamento? Esta operação é fiscalmente «neutra»?

31. 

A sujeição ao IVA pode ter profundas incidências tanto na situação do locatário como no do locador.

32. 

O IVA pago sobre as rendas é deduzível se a locação contribuir para operações tributáveis ( 23 ), como uma actividade comercial.

33. 

Este IVA deduzível poderá, em certos casos, substituir impostos não recuperáveis, como o imposto de registo ( 24 ).

34. 

O locador pode, eventualmente, deduzir o IVA pago sobre despesas relativas à locação, como obras de recuperação efectuadas tendo em vista a locação ( 25 ). De igual modo, em certos casos, o IVA relativo aos custos de aquisição do imóvel arrendado será deduzível do imposto devido sobre as rendas.

35. 

Inspirada nestes princípios, a Sexta Directiva previu que: 1) estava isenta a locação de bens imóveis [artigo 13.°, parte B, alínea b)]; 2) para estas operações os Estados-membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação (artigo 13.°, parte C), motivo pelo qual algumas rendas de imóveis são tributáveis e outras não.

36. 

Que se passa quando o locador e o locatário acordam em revogar antecipadamente o contrato de arrendamento?

37. 

A revogação de um contrato de arrendamento mediante compensação constitui uma «locação de bens imóveis», na acepção do artigo 13.°, parte B, alínea b)?

38. 

Como já se viu, as noções utilizadas nas directivas comunitárias relativas ao IVA devem ter uma definição comunitária ( 26 ).

39. 

Não se contesta que a locação é o contrato pelo qual o proprietário cede, mediante uma renda, certos direitos sobre o seu bem, como o direito de gozo, quaisquer que sejam as diferenças dos direitos nacionais quanto a este ponto ( 27 ).

40. 

E igualmente claro que a revogação visa pôr fim ao contrato, liberar cada uma das partes das suas obrigações, restituindo, portanto, ao proprietário a integralidade dos seus direitos sobre o bem.

41. 

O locador não recebe do locatário um direito de gozar o bem: os seus direitos são-lhe simplesmente restituídos. Aliás, a compensação paga não é de modo algum equiparável a uma renda.

42. 

No entanto, não posso concordar com o Governo do Reino Unido quando este defende que a revogação «não cria nem concede nada» ( 28 ). Efectivamente, o proprietário pagaria uma compensação — que pode aliás ser considerável — se a operação nada lhe rendesse?

43. 

Para determinar se a revogação antes do final do prazo de um contrato de arrendamento está incluída na noção de «locação de bens imóveis», é preciso interpretá-la recorrendo «ao contexto em que a mesma se insere, tendo em conta os objectivos e o sistema da Sexta Directiva» ( 29 ).

44. 

É preciso, aqui, proceder a uma abordagem finalista e avaliar os efeitos do IVA numa revogação de contrato de arrendamento à luz do sistema comum que visa a introdução,

«em bases comuns a todos os Estados-membros, de um imposto geral sobre o consumo incidindo sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços e as importações de bens com taxas proporcionais ao respectivo preço, independentemente do número de transacções efectuadas até ao consumidor final, incidindo o imposto, em cada fase, apenas sobre o valor acrescentado e sendo, em definitivo, suportado pelo consumidor final» ( 30 ).

45. 

Em matéria de arrendamento, as pessoas singulares ou colectivas não sujeitos passivos que não podem ser relacionadas com nenhum caso de tributação em IVA estão normalmente isentas deste imposto no que se refere às rendas. Ao invés, os Estados-membros devem poder oferecer aos sujeitos passivos a possibilidade de optarem pelo IVA, sem o que estes poderiam ter de suportar um acréscimo de carga fiscal, uma vez que a isenção impede a dedução dos impostos pagos a montante ( 31 ).

46. 

Quando um imóvel é arrendado, a renda é a contrapartida da colocação do bem à disposição do locatário que dele goza.

47. 

Quando as partes revogam o contrato de arrendamento antes do prazo, o locatário renuncia ao gozo do bem para o período remanescente do arrendamento e dá ao proprietário a possibilidade de ocupar o imóvel, de o arrendar a outro locatário ou de dele dispor de outra forma. A compensação paga nessa altura pelo locador é a contrapartida dessa colocação à disposição, e o seu montante será função do tempo remanescente do contrato.

48. 

Sem dúvida que o locatário presta um serviço — economicamente mensurável — ao locador, e aquilo que ele restituì tem exactamente a mesma natureza que o que ele poderia subarrendar a um terceiro: o gozo do local pelo período remanescente, apesar de o locador ter, por outro lado, o poder, que nunca deixou de ter, de vender o bem.

49. 

Pode, assim, a própria operação de revogação ser sujeita a um regime fiscal distinto do da locação?

50. 

Vejam-se dois exemplos.

51. 

Imagine-se um proprietário sujeito passivo que faz um arrendamento comercial. Em aplicação do artigo 13.°, parte C, alínea a), o arrendamento poderá ser sujeito a IVA e as rendas serão então tributáveis.

52. 

A revogação poderá ser isentada 1) quando tenha efeitos simétricos aos da locação inicial: colocar o bem arrendado à disposição de uma das partes e 2) quando essa isenção quebre a cadeia das deduções e introduza distorções no circuito económico?

53. 

De facto, como poderia o locatário recuperar o IVA que lhe foi cobrado relativamente a obras para grandes reparações ou para beneficiação que mandou efectuar durante o arrendamento se a compensação pela revogação não estivesse sujeita a esse imposto? Além disso, como conciliar essa isenção com o facto de, na ausência de revogação, se o locatário subarrendar o bem ao proprietário, esta operação estar sujeita a IVA ( 32 )?

54. 

Inversamente, imagine-se um proprietário sujeito passivo que arrenda um imóvel a um locatário igualmente sujeito passivo, mas sem direito à dedução: o artigo 13.°, parte B, alínea b), isenta de IVA a locação. Se a revogação do contrato de arrendamento na sua pendência — que permite que o proprietário disponha livremente do arrendamento durante o período remanescente — está sujeita ao IVA, este nem sempre será recuperável pelo locador. Além disso, saliente-se que uma sublocação feita pelo locatário ao proprietário — que teria o mesmo efeito — não seria tributável.

55. 

Considero, portanto, que o regime fiscal da revogação deve ser equiparado ao do arrendamento: assim o exigem a coerência na aplicação da Sexta Directiva e o respeito pelo princípio da neutralidade do IVA.

56. 

Por esta razão, emendo que a operação de revogação do arrendamento está abrangida pelo artigo 13.°, parte B, alínea b) ou, sendo o caso, pelo artigo 13.°, parte C, alínea a).

57. 

Acrescento que, contrariamente à Comissão, não penso que o acórdão Henriksen ( 33 ) possa aqui ser utilmente invocado.

58. 

Convidado a interpretar a excepção à isenção prevista pelo artigo 13.°, parte B, alínea b), n.° 2, o Tribunal teve em consideração o objecto material do arrendamento e considerou que, quanto ao regime fiscal aplicável, o arrendamento de uma garagem pertencente a uma casa não era separável do arrendamento da própria casa, constituindo os dois arrendamentos uma «única operação económica» ( 34 ).

59. 

A locação de um imóvel e a renúncia aos seus direitos pelo locatário são duas operações económica e juridicamente distintas. Não vejo, portanto, como é que o princípio do «accessorium sequitur principale», aplicado pelo acórdão Henriksen ao objecto do arrendamento, poderia ser alargado às operações sucessivas que têm a sua origem no arrendamento.

60. 

A solução que proponho parece-me reforçada por duas considerações.

61. 

Em primeiro lugar, é de notar que o direito de vários Estados-membros estabelece um nexo entre a tributação da locação e a da compensação paga pelo locador. É o caso do direito italiano, que sujeita expressamente a revogação de um arrendamento ao mesmo tratamento fiscal que o próprio arrendamento, e do direito francês, que prevê a tributação da compensação quando esta seja recebida por um sujeito passivo do IVA, quando se relacione com a actividade exercida e, sobretudo, quando seja recebida no âmbito dos riscos e contingências normais da profissão.

62. 

Em segundo lugar, considero que incluir a revogação antecipada do arrendamento no conceito de locação de imóveis coincide com o objectivo da Sexta Directiva: fixar regras simples ( 35 ).

63. 

Examine-se, então, a segunda questão.

64. 

Já se viu que o artigo 13.°, parte B, alínea b), isenta de IVA a locação de bens imóveis, sob reserva de quatro excepções, e precisa, no seu último parágrafo, que «os Estados-membros podem prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção» ( 36 ).

65. 

Pode um Estado-membro excluir da isenção prevista no artigo 13.°, parte B, alínea b), a revogação antecipada do arrendamento mediante compensação, sujeitando-a, portanto, ao IVA?

66. 

As excepções à isenção do artigo 13.°, parte B, alínea b), são muito limitadas. A primeira explica-se pelo facto de o alojamento num hotel não ser qualificado como locação pela legislação de vários direitos nacionais, aproximando-se mais de uma simples autorização. A segunda refere-se à locação de um bem imóvel para uma afectação específica (estacionamento de um veículo). As duas últimas são relativas à locação de bens imóveis por destino.

67. 

Não creio que, como sustenta a Comissão, o princípio de interpretação «ejusdem generis» limite a faculdade de os Estados-membros preverem excepções suplementares à isenção prevista pelo artigo 13.°, parte B, alínea b), relativamente a alguns casos próximos ou semelhantes às quatro excepções enumeradas neste artigo ( 37 ). Aliás, como foi sublinhado na audiência, qual seria o «genus»?

68. 

No âmbito do artigo 13.°, deixa-se toda a liberdade aos Estados-membros que fixam as condições de isenção, que podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação da locação dos bens imóveis e que podem restringir o alcance desse direito de opção (artigo 13.°, parte C).

69. 

Penso, no entanto, que, considerada isoladamente, a revogação antecipada do arrendamento não deve poder ser objecto de uma excepção à isenção.

70. 

Como já salientei, esta operação e a própria locação produzem efeitos simétricos. As locações de bens imóveis estão sujeitas em princípio, e salvo exercício de um direito de opção, a um regime de isenção. Assim, será de considerar que os Estados-membros podem sujeitar a revogação a um regime de tributação, sendo que 1) o locador que pagar o imposto, se não for sujeito passivo, não poderá em caso algum recuperar o IVA e 2) uma sublocação feita pelo locatário está, em princípio, isenta?

71. 

A distinção que existe em matéria de arrendamento (isenção/direito de opção) deve igualmente operar em matéria de revogação.

72. 

Por este motivo, sugiro que o Tribunal responda negativamente à segunda questão.

73. 

Tendo em conta as respostas que proponho para as duas primeiras questões, a terceira fica, em meu entender, sem objecto. Examino-a, portanto, apenas para esgotar a questão.

74. 

A revogação antecipada de um contrato de arrendamento pode ser incluída no conceito de «entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, com excepção dos indicados no n.° 3, alínea a) do artigo 4.°»?

75. 

Não há dúvida de que este último artigo — que se refere à entrega de um edifício antes da sua primeira ocupação — é alheio ao nosso processo.

76. 

O artigo 13.°, parte B, alínea g), prevê uma excepção ao princípio geral enunciado pelo artigo 2.° da Sexta Directiva, segundo o qual as entregas de bens estão sujeitas a IVA.

77. 

Consequentemente, uma operação só pode ser abrangida pela isenção do artigo 13.°, parte B, alínea g), se se traduzir numa entrega de bens na acepção genérica do artigo 2.°

78. 

Nos termos do artigo 5.° da directiva, «por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».

79. 

No acórdão de 8 de Fevereiro de 1990, Staatssecretaris van Financiën/SAFE ( 38 ), o Tribunal considerou que este conceito devia ter uma definição comunitária, tendo declarado que:

«Resulta do teor dessa disposição (artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva) que a noção de entrega de um bem não se refere à transferência da propriedade nas formas previstas no direito interno aplicável, mas inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o sen proprietário» ( 39 ).

80. 

Ora, mesmo através da revogação, um locatário não pode transferir para o proprietário o poder de dispor que o primeiro nunca teve e que o segundo nunca perdeu ( 40 ).

81. 

Assim, a revogação de um contrato de arrendamento não pode ser entendida como uma «entrega de um bem», na acepção do artigo 2.° Não pode também ser abrangida pela definição do artigo 13.°, parte B, alínea g).

82. 

A definição comunitária de «entrega de um bem» não deve, com efeito, variar em função dos artigos da Sexta Directiva.

83. 

Será preciso realçar que uma revogação de um contrato de arrendamento não é equiparável a «entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação»?

84. 

Como muito bem salienta o Governo do Reino Unido, as expressões «terreno» ou «bens imóveis não construídos» referem-se às noções «físicas» correspondentes e não aos direitos sobre o terreno ou sobre os bens imóveis não construídos ( 41 ).

85. 

Concluo daí que a revogação antecipada de um contrato de arrendamento não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 13.°, parte B, alínea g).

86. 

Proponho, por conseguinte, que o Tribunal declare que:

«1)

A revogação antecipada de um contrato de arrendamento contra compensação paga ao locatário é abrangida pelo conceito de ‘locação de bens imóveis’ do artigo 13.°, parte B, alínea b), da Sexta Directiva.

2)

O último parágrafo desta disposição não atribui aos Estados-membros a possibilidade de excluírem esta operação da isenção prevista no primeiro parágrafo do mesmo texto, sob reserva, no entanto, do direito de opção previsto no artigo 13.°, parte C, alínea a), da mesma directiva.»


( *1 ) Língua original: francês.

( 1 ) Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectivei uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).

( 2 ) V. observações da recorrente, anexo C.

( 3 ) Ibidem.

( 4 ) 416/85, Colect., p. 3127.

( 5 ) O respectivo enunciado consta do ponto C-4 do relatório para audiência.

( 6 ) Artigo 4.°, n.°2. V. acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiele Acties (348/87, Colect., p. 1737, n.° 10).

( 7 ) Directiva 67/227/CEE (JO 1967, p. 1301; EE 09 Fl p. 3).

( 8 ) Sublinhado meu.

( 9 ) Quarto considerando da segunda directiva (Directiva 67/228/CEE do Conselho, de U de Abril de 1967; JO 1967, p. 1003; EE 09 F1 p.6).

( 10 ) Acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos (235/85, Colect, p. 1471, n.° 11).

( 11 ) Acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655, n.° 20).

( 12 ) Acórdão de 26 de Março de 1987, já referido, n.° 19.

( 13 ) V. referências supra, nota 6.

( 14 ) N.° 13. V. igualmente o acórdão de 15 de Março de 1989, Hamann (51/88, Colect., p. 767, n.° 19), o acórdão de 21 de Fevereiro de 1989, Comissão/Itália (203/87, Colect., p. 371, n.° 9), o acórdão de 26 de Junho de 1990, Velker International Oil Company (C-185/89, Colect., p. I-2561, n.° 19), e o acórdão de 25 de Maio de 1993, Mohsche (C-193/91, Colect., p. I-2615, n.os 13 e 14).

( 15 ) Acórdão de 13 de Julho de 1989, Skatteministeriet (173/88, Colect., p. 2763, n.° 12).

( 16 ) V. infra, pontos 29 e segs.

( 17 ) Sublinhado meu.

( 18 ) V. n.° 11 do acórdão Stichting Uitvoering Financiele Acties, já referido.

( 19 ) Acórdão de 14 de Maio de 1985, Van Dijk's (139/81, Recueil, p. 1405, n.° 19). V. também, no mesmo sentido, as conclusões do advogado-geral Cruz Vilaça no acórdão de 24 de Maio de 1988, Comissão/Itiiia (122/87, Colect., p. 2685).

( 20 ) Como, por exemplo, o da cumulação dos impostos.

( 21 ) V., quanto a isto, o anexo 1 das observações da Comissão: memorando explicativo anexo a proposta para urna sexta directiva do Conselho relativa à harmonizaçāo da legislação dos Estados-membros.

( 22 ) Acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53, n.° 44), e de 14 de Julho de 1988, Weissgerber (207/87, Colect., p. 4433, n.° 13).

( 23 ) V. artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

( 24 ) V. E. Bours, Rapport sur l'application de la TVA aux opérations immobilières all sein ae la Communauté, «Études de la Commission des Communautés européennes», série concurrence, 1971, p. 138.

( 25 ) Ibidem, p. 135.

( 26 ) V. supra, ponto 21.

( 27 ) Em meu entender, são rendas na acepção do direito comunitário, um «lease», uma «licença», ou uma «convenção de ocupação precária».

( 28 ) Observações do Governo do Reino Unido, n.°21.

( 29 ) N.° 17 do acórdão de 26 de Junho de 1990, Vclkcr International Oil Company, já referido.

( 30 ) Acórdão de 3 de Março de 1988, Bergand! (252/86, Colect., p. 1343, n.° 8), sublinhado meu.

( 31 ) V. supra, pontos 30 c segs.

( 32 ) Não há, de facto, dúvidas de que a sublocação deve ter o mesmo regime fiscal que a locação.

( 33 ) V. referências supra, nota 15.

( 34 ) N.° 15, sublinhado meu.

( 35 ) V. a este respeito o artigo 13.°, parte A, n.° 1.

( 36 ) Sublinhado meu.

( 37 ) V. observações da Comissão, ponto 6.6.

( 38 ) Acórdão C-320/88, Colcct., p. I-285.

( 39 ) N.° 7, sublinhado meu.

( 40 ) Um proprietário pode vender um bem mesmo que este esteja arrendado.

( 41 ) Observações do Governo do Reino Unido, n.° 37.

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