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Document 61991TJ0036

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) de 29 de Junho de 1995.
    Imperial Chemical Industries plc contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Concorrência - Prática concertada - Presunção de inocência - Procedimento administrativo - Direitos da defesa - Igualdade de armas - Acesso ao processo.
    Processo T-36/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1995 II-01847

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1995:118

    61991A0036

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (PRIMEIRA SECCAO ALARGADA) DE 29 DE JUNHO DE 1995. - IMPERIAL CHEMICAL INDUSTRIES PLC CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - PRATICA CONCERTADA - PRESUNCAO DE INOCENCIA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - DIREITOS DA DEFESA - IGUALDADE DAS ARMAS - ACESSO AO PROCESSO. - PROCESSO T-36/91.

    Colectânea da Jurisprudência 1995 página II-01847


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Acesso ao processo ° Objecto ° Falta de divulgação de documentos detidos pela Comissão ° Apreciação pelo Tribunal à luz do respeito dos direitos da defesa no caso concreto

    2. Concorrência ° Acordos, decisões e práticas concertadas ° Prática concertada ° Conceito ° Paralelismo de comportamento ° Presunção de existência de concertação ° Limites

    (Tratado CEE, artigo 85. , n. 1)

    3. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Respeito dos direitos da defesa ° Documentos úteis à defesa ° Apreciação exclusiva pela Comissão ° Inadmissibilidade

    (Regulamento n. 17 do Conselho)

    4. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Segredo profissional ° Protecção dos segredos de negócios ° Necessária conciliação com o respeito dos direitos da defesa

    (Tratado CEE, artigo 214. ; Regulamento n. 17 do Conselho, artigos 19. , 20. n. 2, e 21. )

    5. Concorrência ° Procedimento administrativo ° Violação dos direitos da defesa ° Regularização no decurso do processo em Tribunal ° Exclusão

    Sumário


    1. O acesso ao processo em questões de concorrência tem por objectivo permitir ao destinatário de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam no processo da Comissão, para que possa pronunciar-se utilmente, com base nesses elementos, sobre as conclusões a que a Comissão chegou na sua comunicação de acusações.

    Este acesso faz parte das garantias processuais que se destinam a proteger os direitos da defesa, princípio geral cujo respeito exige que a empresa interessada tenha sido posta em condições, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão.

    Uma eventual violação dos direitos da defesa e as suas consequências devem ser examinadas pelo Tribunal em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto. Com efeito, é à luz das acusações efectivamente feitas pela Comissão à empresa em causa e da defesa oposta pela empresa que é possível avaliar a pertinência para essa defesa dos documentos que não foram comunicados, tanto dos que eventualmente desculpem a empresa como dos que demonstrem a existência da alegada infracção.

    2. Uma prática concertada caracteriza-se pela circunstância de que substitui os riscos da concorrência por uma cooperação entre as empresas, que reduz as incertezas de cada empresa quanto às atitudes que os seus concorrentes adoptarão.

    Um paralelismo no comportamento só pode ser considerado como fazendo a prova de uma concertação se a concertação constituir a única explicação possível para esse paralelismo. É conveniente, pois, verificar se o paralelismo de comportamento verificado não pode, tendo em conta a natureza dos produtos, a sua importância e o número de empresas e o volume de mercado em causa, explicar-se doutra forma que não seja a concertação, ou por outras palavras, se os elementos de comportamento paralelo constituem um conjunto de indícios sérios, precisos e concordantes de uma concertação prévia.

    3. No âmbito do processo contraditório organizado pelo Regulamento n. 17, não pode competir apenas à Comissão decidir quais são os documentos úteis à defesa. Com efeito, quando se devam fazer, como nesta matéria, apreciações económicas difíceis e complexas, a Comissão deve dar aos advogados da empresa em causa a possibilidade de procederem a um exame dos documentos susceptíveis de ser pertinentes para apreciar o seu valor probatório para a defesa.

    Isto é particularmente verdade em matéria de paralelismo de comportamento, caracterizado por um conjunto de actuações a priori neutras, em que os documentos são susceptíveis de ser interpretados num sentido tanto favorável como desfavorável às empresas em causa. Nestas circunstâncias, é preciso evitar que um eventual erro dos funcionários da Comissão, quando estes classificam um documentos como "neutro", o qual, como elemento inútil, não será divulgado às empresas, possa prejudicar a defesa dessas empresas. Um erro como esse, com efeito, não poderia ser descoberto a tempo, antes da decisão da Comissão, salvo no caso excepcional de uma cooperação espontânea das empresas em causa, o que apresenta riscos inaceitáveis para a boa administração da justiça, pois, estando a instrução correcta de um processo a cargo da Comissão, esta não pode delegá-la nas empresas, cujos interesses económicos e processuais são frequentemente opostos.

    Tendo em conta o princípio geral da igualdade de armas, que pressupõe, num processo de concorrência, que a empresa em causa tenha dos documentos utilizados no processo um conhecimento igual ao da Comissão, não se pode admitir que a Comissão, ao decidir quanto a uma infracção, seja a única a dispor de certos documentos e possa decidir sozinha utilizá-los ou não contra a empresa, quando esta não tem acesso a esses documentos e não pode por conseguinte tomar a decisão correspondente de os utilizar ou não na sua defesa. Num caso como este, os direitos da defesa de que beneficia a empresa durante o procedimento administrativo sofreriam uma restrição demasiado grande em relação aos poderes da Comissão, que acumularia a função da autoridade que formula as acusações com a de autoridade que decide, tendo um conhecimento mais profundo do processo que a defesa.

    Segue-se que há violação dos direitos da defesa de uma empresa quando a Comissão, desde a comunicação das acusações, exclui do processo documentos de que dispõe e que são eventualmente susceptíveis de ser úteis à defesa da empresa. Esta violação dos direitos da defesa tem um carácter objectivo e não depende da boa ou má fé dos funcionários da Comissão.

    4. Embora, segundo um princípio geral que se aplica no decurso do procedimento administrativo e de execução das regras comunitárias de concorrência e de que o artigo 214. do Tratado bem como diversas disposições do Regulamento n. 17 constituem a expressão, as empresas tenham direito à protecção dos seus segredos de negócios, este direito deve ser, todavia, equilibrado com a garantia dos direitos da defesa e não pode justificar a recusa total da Comissão de divulgar a uma empresa, ainda que apenas em versões não confidenciais ou sob a forma de transmissão de uma lista dos documentos recolhidos pela Comissão, elementos do processo que a empresa poderá utilizar na sua defesa.

    5. A violação dos direitos da defesa de uma empresa, ocorrida na fase do procedimento administrativo, não pode ser regularizada durante o processo no Tribunal, que se limita a um controlo jurisdicional apenas no âmbito dos fundamentos invocados e que não pode, por conseguinte, substituir uma instrução completa do processo no âmbito de um procedimento administrativo.

    Partes


    No processo T-36/91,

    Imperial Chemical Industries plc, sociedade de direito inglês, com sede em Londres, representada por David Vaughan, QC, Gerald Barling, QC, e David Andersen, barrister, no foro da Inglaterra e do País de Gales, mandatados por Victor O. White e Richard J. Coles, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Lambert H. Dupong, 14 A, rue des Bains,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Julian Curral, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Nicholas Forwood, QC, no foro da Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão 91/297/CEE da Comissão, de 19 de Dezembro de 1990, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE (IV/33.133-A: Carbonato de sódio ° Solvay, ICI, JO 1991, L 152, p. 1),

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

    DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada),

    composto por: J. L. Cruz Vilaça, presidente, D. P. M. Barrington, A. Saggio, H. Kirschner e A. Kalogeropoulos, juízes,

    secretário: H. Jung,

    vistos os autos e após a audiência de 6 e 7 de Dezembro de 1994,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    Matéria de facto e tramitação processual

    Contexto económico

    1 O produto que constitui o objecto do processo, o carbonato de sódio, é utilizado na fabricação do vidro (carbonato de sódio denso), bem como na indústria química e na metalurgia (carbonato de sódio leve). Há que distinguir o carbonato de sódio natural (denso), explorado essencialmente nos Estados Unidos da América, do carbonato de sódio sintético (denso e leve), fabricado na Europa através de um processo inventado pela empresa Solvay há mais de cem anos, sendo os custos de produção do carbonato de sódio natural muito mais baixos do que os do produto sintético.

    2 À época dos factos, os seis produtores comunitários de carbonato de sódio sintético eram os seguintes:

    ° Solvay e Cie SA (a seguir "Solvay"), primeiro produtor mundial e da Comunidade, com uma parte do mercado comunitário que se elevava a quase 60% (e mesmo a 70% na Comunidade sem o Reino Unido e a Irlanda);

    ° a recorrente, ""segundo produtor na Comunidade, que detinha mais de 90% do mercado do Reino Unido;

    ° os "pequenos" produtores Chemische Fabrik Kalk (a seguir "CFK") e Matthes & Weber (Alemanha), Akzo (Países Baixos) e Rhône-Poulenc (França) com cerca de 26% no seu conjunto.

    3 A Solvay explorava fábricas na Bélgica, França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal e Áustria e tinha organizações de venda nestes países, bem como na Suíça, Países Baixos e Luxemburgo. Era, além disso, o primeiro produtor de sal na Comunidade e encontrava-se, por conseguinte, numa posição muito favorável no que diz respeito ao fornecimento da principal matéria-prima para a fabricação do carbonato de sódio sintético. A recorrente possuía duas fábricas no Reino Unido, tendo uma terceira sido encerrada em 1985.

    4 Quanto à procura, os principais clientes na Comunidade eram os fabricantes de vidro. Assim, cerca de 70% da produção das empresas da Europa ocidental eram utilizados no fabrico de vidro plano e de vidro côncavo. A maior parte dos produtores de vidro exploravam fábricas em laboração contínua e tinham necessidade de um fornecimento seguro em carbonato de sódio; na maior parte dos casos, esses produtores tinham um contrato a termo bastante longo com um fornecedor importante para a parte essencial das suas necessidades e dirigiam-se, por precaução, a um outro fornecedor como "fonte secundária".

    5 À época dos factos, o mercado comunitário caracterizava-se por uma divisão consoante as fronteiras nacionais, tendo os produtores tendência em geral para concentrar as suas vendas nos Estados-Membros onde dispunham de capacidades de produção. Em especial, não havia concorrência entre a recorrente e a Solvay, limitando cada uma delas as suas vendas na Comunidade à sua "esfera de influência" tradicional (Europa Ocidental continental para a Solvay, o Reino Unido e a Irlanda para a recorrente). Esta partilha do mercado data de 1870, época em que a Solvay fez a sua primeira cessão de licença de patente à Brunner, Mond & Co., uma das empresas que posteriormente constituíram a recorrente. De resto, a Solvay foi um dos principais accionistas da Brunner, Mond & Co., e depois da recorrente, até à venda das suas acções na década de 1960. Os acordos de repartição do mercado posteriormente celebrados, em último lugar em 1945-1949, caducaram, segundo a recorrente e a Solvay, em 1962 e foram formalmente revogados em 1972.

    Procedimento administrativo

    6 No início do ano de 1989, a Comissão efectuou inspecções sem aviso aos principais produtores de carbonato de sódio da Comunidade. Na sequência destas inspecções, a recorrente, por carta de 13 de Abril de 1989, chamou a atenção da Comissão para o facto de todos os documentos obtidos por cópia nas suas instalações terem um carácter confidencial. Por carta de 24 de Abril de 1989, a Comissão respondeu que não desconhecia a confidencialidade dos documentos em causa e que os elementos relacionados com reais segredos de negócios não seriam divulgados. Estas inspecções foram completadas por pedidos de informação. A recorrente forneceu as informações solicitadas por carta de 14 de Setembro de 1989, na qual recordou o carácter confidencial dos documentos transmitidos. Por ocasião das mesmas inspecções e pedidos de informação, a Solvay, por cartas de 27 de Abril e de 18 de Setembro de 1989, sublinhou também o carácter confidencial dos seus próprios documentos.

    7 A Comissão enviou seguidamente à recorrente, por carta de 13 de Março de 1990, uma comunicação de acusações articulada em diversas partes:

    ° a primeira parte refere-se aos factos do processo;

    ° a segunda parte diz respeito a uma infracção ao artigo 85. do Tratado CEE, imputada à recorrente e à Solvay (às quais foram juntos os anexos correspondentes II.1 a II.42);

    ° uma terceira parte (acompanhada de anexos com a cota III), que se refere a uma infracção ao artigo 85. imputada à Solvay e à CFK, e uma quarta parte (acompanhada de anexos com a cota IV), que se refere a uma infracção ao artigo 86. do Tratado CEE, imputada à Solvay, não fazem parte da comunicação das acusações dirigida à recorrente; a este respeito, a carta de 13 de Março de 1990 contém apenas a indicação seguinte: "As partes III e IV da comunicação das acusações não dizem respeito à ICI";

    ° a quinta parte diz respeito a uma infracção ao artigo 86. imputada à recorrente, à qual foram juntos os anexos correspondentes V.1 a V.123;

    ° a sexta parte trata da questão das coimas serem eventualmente aplicadas.

    8 Após ter salientado a importância que atribuía à manutenção da confidencialidade dos documentos obtidos nos termos do Regulamento n. 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85. e 86. do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir "Regulamento n. 17") a Comissão indicou, nesta carta de 13 de Março de 1990, que os elementos de prova contidos nos anexos II.1 a II.42 eram enviados a cada uma das empresas em questão, "(tendo) os elementos que são susceptíveis de constituir segredos de negócios ou que são comercialmente sensíveis e que não dizem directamente respeito à infracção presumida sido suprimidos dos documentos". Finalmente, a Comissão revelou a cada uma das empresas as respostas dadas, nos termos do artigo 11. do Regulamento n. 17, pela outra, precisando que "as informações que podem constituir segredo de negócios (foram também) retiradas destas respostas".

    9 Em 14 de Maio de 1990, o advogado da recorrente pediu, telefonicamente, para lhe ser facultado o acesso ao processo da Comissão, na parte em que se referia às infracções imputadas à recorrente. Este pedido foi aparentemente rejeitado por J., funcionário da Direcção-Geral da Concorrência (DG IV) da Comissão.

    10 Por carta de 23 de Maio de 1990, o advogado da recorrente reiterou o seu pedido, referindo-se à reacção de J., que se tinha, segundo ele, recusado a permitir-lhe qualquer acesso ao processo, mesmo aos documentos que não eram confidenciais. Segundo o advogado, a comunicação de uma lista dos documentos contidos no processo tinha também sido recusada. A Comissão teria declarado que só estava pronta a aceitar pedidos de exame de documentos específicos. Esta atitude restritiva dos serviços da Comissão prejudicou, segundo o advogado, a preparação da defesa da recorrente.

    11 Por carta de 31 de Maio de 1990, assinada por R., director na DG IV, a Comissão recusou-se a conceder à recorrente acesso a todo o processo. Segundo a Comissão, a recorrente não tinha o direito de examinar, a título puramente especulativo, documentos comerciais internos, não apresentados como prova, emanados de outras empresas. A Comissão acrescentava que ela própria tinha reexaminado todos esses documentos para verificar se eles eram susceptíveis de desculpar a recorrente, mas que não tinha descoberto qualquer documento desse tipo; além disso, a Comissão propunha-se proceder a um novo exame dos processos, no caso da recorrente provar "que havia boas razões para o fazer" sobre um ponto específico de facto ou de direito.

    12 No mesmo dia 31 de Maio de 1990, a recorrente apresentou "observações de defesa" ("defence"). Nestas observações, protestava contra a recusa de acesso ao processo e juntava diversos documentos novos como meios de prova.

    13 Em 26 e 27 de Junho de 1990, a Comissão procedeu a uma audição relativa às infracções censuradas à recorrente e à Solvay. Apenas a recorrente participou nessa audição. Nesta ocasião, a recorrente apresentou novas observações, a "apresentação do seu caso" ("article 85 presentation"), à qual juntava outros documentos.

    14 Na audição, o serviço competente da Comissão apresentou determinados documentos (os documentos com a designação "X.1 a X.11"), todos provenientes da recorrente e que, segundo a Comissão, demonstravam ° como os documentos já apresentados ° o verdadeiro carácter das relações entre a recorrente e a Solvay e infirmavam a defesa da recorrente. O serviço em questão explicou que a Comissão não os tinha utilizado contra a Solvay devido ao seu carácter confidencial. Decidiu, no entanto, juntá-los ao processo não por incluírem elementos suplementares em relação aos documentos anexos à comunicação das acusações, mas para darem resposta ao argumento baseado pela recorrente na alegada pobreza dos elementos de prova documentais. Quanto ao acesso ao processo, o consultor-auditor declarou que se tratava de um problema difícil. Segundo ele, ninguém sabia o que a noção de "processo" abrange e competia ao juiz comunitário interpretá-lo oportunamente. O problema não deveria portanto ser discutido durante a audição.

    15 Resulta dos autos que, no termo do processo acima descrito, o colégio dos membros da Comissão, durante a sua reunião 1040.a, que decorreu em 17 e 19 de Dezembro de 1990, adoptou a Decisão 91/297/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE (IV/33.133-A: Carbonato de sódio ° Solvay, ICI, JO 1991, L 152, p. 1, a seguir "decisão"). Nesta decisão se declara, no essencial, que a recorrente e a Solvay participaram, desde 1 de Janeiro de 1973 até aos inícios de 1989, numa prática concertada de partilha do mercado do carbonato de sódio na Europa Ocidental, reservando a Europa Ocidental continental para a Solvay e o Reino Unido e a Irlanda para a recorrente; é aplicada, em consequência, uma coima de 7 milhões de ecus a cada uma das empresas.

    16 Durante a mesma reunião, a Comissão adoptou, além disso,

    ° a Decisão 91/299/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 86. do Tratado (IV/33.133-C: Carbonato de sódio ° Solvay, JO 1991, L 152, p. 21), na qual declarou, no essencial, que a Solvay tinha abusado da posição dominante que detinha no mercado da Europa Ocidental continental e lhe aplicou uma coima de 20 milhões de ecus. Os elementos essenciais de infracção declarada na decisão residem no facto de a Solvay ter aplicado a acordos de longa duração, em virtude dos quais os clientes lhe compravam a (quase) totalidade das suas necessidades em carbonato de sódio, sistemas de descontos de fidelidade sobre as toneladas marginais e descontos de grupo bem como cláusulas de concorrência ou "cláusulas inglesas", que previam um mecanismo pelo qual as propostas concorrentes recebidas por um cliente lhe deveriam ser notificadas por este a fim de permitir adaptar os seus preços em consequência. Neste contexto, a Decisão 21/299 salienta, no seu ponto 31, nomeadamente, que os três grandes fabricantes de vidro belgas tinham sempre, até 1978, comprado à Solvay a quase totalidade das suas necessidades e que, em Janeiro de 1978, o Governo belga interveio para impedir estes fabricantes de vidro de celebrarem um contrato com um produtor americano para aquisição de carbonato de sódio proveniente dos Estados Unidos da América;

    ° a Decisão 91/300/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 86. do Tratado (IV/33.133-D: Carbonato de sódio ° ICI, JO 1991, L 152, p. 40), na qual declarou, no essencial, que a recorrente abusou da posição dominante que detinha no Reino Unido e lhe aplicou uma coima de 10 milhões de ecus.

    17 O Tribunal tomou conhecimento, no âmbito do presente processo, das Decisões 91/299 e 91/300 de 19 de Dezembro de 1990. Juntou-as oficiosamente aos autos do presente processo.

    18 A decisão impugnada no presente recurso foi notificada à recorrente por carta registada com data de 1 de Março de 1991.

    19 É pacífico que o texto da decisão notificada não tinha sido objecto de uma autenticação anterior, através da aposição das assinaturas do presidente e do secretário executivo da Comissão, nas condições previstas no artigo 12. , primeiro parágrafo, do Regulamento interno 63/41/CEE da Comissão, de 9 de Janeiro de 1963 (JO 1963, 17, p. 181), mantido provisoriamente em vigor pelo artigo 1. da Decisão 67/426/CEE da Comissão, de 6 de Julho de 1967 (JO 1967, 147, p. 1), modificado em último lugar pela Decisão 86/61/CEE, Euratom, CECA da Comissão, de 8 de Janeiro de 1986 (JO L 72, p. 34), então em vigor (a seguir "regulamento interno").

    Processo contencioso

    20 Foi nestas condições que a recorrente interpôs o presente recurso, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 14 de Maio de 1991. A decisão foi igualmente objecto de recurso interposto pela Solvay (T-30/91).

    21 A fase escrita do processo no Tribunal seguiu um curso regular. Após a apresentação da sua réplica, em 23 de Dezembro de 1991, a recorrente apresentou, em 2 de Abril de 1992, um "suplemento à réplica", no qual invocou um fundamento novo no sentido de a decisão impugnada ser declarada inexistente. Remetendo para declarações feitas por representantes da Comissão durante a audiência, terminada em 10 de Dezembro de 1991, nos processos que deram lugar ao acórdão do Tribunal de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e o./Comissão (T-79/89, T-84/89, T-85/89, T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89, T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89, Colect., p. II-315, a seguir "acórdão PVC"), e referindo-se a dois artigos de imprensa publicados no Wall Street Journal de 28 de Fevereiro de 1992 e no Financial Times de 2 de Março de 1992, a recorrente alegou, nomeadamente, que a Comissão tinha publicamente indicado que a falta de autenticação dos actos adoptados pelo colégio dos seus membros era uma prática seguida desde há anos e que, desde há 25 anos, nenhuma decisão tinha sido objecto de autenticação. De acordo com o artigo 48. , n. 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Primeira Secção Alargada prorrogou o prazo para apresentação da tréplica. Na sua tréplica, a Comissão apresentou observações por escrito relativas a este "suplemento à réplica".

    22 Por despacho de 14 de Julho de 1993, o presidente da Primeira Secção apensou o presente processo e o processo T-30/91 para efeitos de audiência.

    23 No mês de Março de 1993, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu ° como medida de organização do processo ° fazer às partes diversas perguntas relativas, designadamente, ao acesso da recorrente ao processo da Comissão. As partes responderam a estas perguntas no mês de Maio de 1993. Tendo o Tribunal de Justiça proferido decisão no recurso interposto contra o acórdão PVC do Tribunal de Primeira Instância, por acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C-137/92 P, Colect., p. I-2555), o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) adoptou outras medidas de organização do processo, convidando nomeadamente a Comissão a apresentar, entre outras coisas, o texto da Decisão 91/297, tal como autenticada nessa época, nas línguas em que faz fé, pelas assinaturas do presidente e do secretário-geral e anexada à acta.

    24 A Comissão respondeu que lhe parecia indicado, enquanto o Tribunal não tivesse decidido da admissibilidade do fundamento assente na falta de autenticação da decisão impugnada, não se pronunciar sobre a procedência do fundamento deste modo invocado.

    25 Nestas circunstâncias, por despacho de 25 de Outubro de 1994, com base no artigo 65. do Regulamento de Processo, o Tribunal (Primeira Secção Alargada) determinou à Comissão que apresentasse o referido texto.

    26 Na sequência deste despacho, a Comissão apresentou, em 11 de Novembro de 1994, nomeadamente, o texto da Decisão 91/297 nas línguas francesa e inglesa, cuja primeira página contém uma fórmula de autenticação, sem data, assinada pelo presidente e pelo secretário executivo da Comissão. É pacífico que esta fórmula só foi aposta mais de seis meses após a interposição do presente recurso.

    27 Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo. As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 6 e 7 de Dezembro de 1994. No termo da audiência, o presidente declarou encerrada a fase oral do processo.

    Pedidos das partes

    28 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    ° declarar o recurso admissível;

    ° anular a decisão impugnada na parte que lhe diz respeito;

    ° anular a injunção para que seja posto termo à infracção, constante do artigo 2. da decisão, na parte que lhe diz respeito;

    ° anular ou reduzir a coima aplicada à recorrente pelo artigo 3. da decisão;

    ° subsidiariamente, determinar à Comissão, a título de medida de instrução, que permita aos advogados da recorrente que examinem os processos;

    ° mais subsidiariamente, usar os seus poderes como Tribunal para examinar os processos individuais, a fim de verificar se existem documentos suplementares que a isentem de culpa;

    ° condenar a Comissão nas despesas.

    29 No seu suplemento à réplica, a recorrente alega que a decisão impugnada deve ser anulada ou, se o Tribunal o considerar adequado, ser declarada inexistente.

    30 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    ° negar provimento ao recurso;

    ° declarar os fundamentos invocados no suplemento à réplica inadmissíveis e, em qualquer caso, rejeitá-los;

    ° condenar a recorrente nas despesas.

    31 Deve dizer-se que, na sequência da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1994, já referido, e em resposta a uma pergunta por escrito feita pelo Tribunal, a recorrente declarou que os seus pedidos não têm por objectivo obter a declaração de inexistência da decisão, mas apenas a anulação desta. A recorrente pediu também ao Tribunal para apenas examinar os fundamentos em que se apoiam os seus pedidos sob o ângulo da anulação.

    Quanto aos pedidos de anulação da decisão

    32 Em apoio dos seus pedidos de anulação, a recorrente invoca uma série de fundamentos, que se repartem em dois grupos distintos. No primeiro grupo de fundamentos, relativos à regularidade do procedimento administrativo, a recorrente alega, no seu suplemento à réplica, por um lado, diversas violações de formalidades essenciais, na medida em que, contrariamente ao artigo 12. do regulamento interno da Comissão, a decisão notificada não foi autenticada em tempo útil pelo presidente e pelo secretário-geral da Comissão e que foram introduzidas alterações à decisão entre a sua adopção e a sua notificação à recorrente.

    33 Na petição, a recorrente, remetendo para um fundamento invocado pela Solvay no processo T-30/91 já referido, censura a Comissão, por outro lado, por ter violado o princípio da colegialidade, uma vez que, contrariamente ao artigo 4. do seu regulamento interno, a discussão do projecto de decisão não foi adiada, embora pelo menos um dos seus membros tenha solicitado esse adiamento para poder examinar utilmente o processo que lhe foi transmitido tardiamente. Além disso, a recorrente acusa a Comissão de ter transmitido à Solvay documentos confidenciais, o que constitui violação da protecção dos segredos dos negócios. Finalmente, invoca três fundamentos assentes em violação dos direitos da defesa: a primeira violação é constituída pela recusa de lhe conceder acesso a todo o processo; a segunda por um preconceito, por falta de objectividade e por falta de respeito da Comissão pelos direitos da defesa, que se manifestaram por cortes discutíveis nos anexos com a cota II; a terceira resulta da violação do seu direito a ser ouvida, caracterizada pela existência na decisão de declarações que não são acompanhadas de provas que lhe tenham sido comunicadas.

    34 No segundo grupo, a recorrente apoia-se em diversos fundamentos dirigidos contra a verificação e a apreciação dos factos e contra a apreciação jurídica efectuadas pela Comissão na decisão impugnada. Finalmente, contesta a legalidade da injunção para que seja posto termo à infracção imputada, injunção que se aproxima de uma obrigação de exportar, e sublinha o carácter excessivo da coima aplicada.

    35 O Tribunal considera oportuno proceder, em primeiro lugar, ao exame do fundamento que a recorrente baseou na violação dos direitos da defesa, por lhe ter sido ilegalmente indeferido o seu pedido de consulta do processo da Comissão.

    Quanto ao fundamento assente em violação dos direitos da defesa devido à recusa de acesso ao processo da Comissão

    Argumentos das partes

    36 A recorrente censura a Comissão por ter indeferido, contrariamente às suas declarações contidas nos décimo segundo e décimo quarto relatório sobre a política de concorrência, que fixaram um procedimento de acesso ao processo nas questões de concorrência, o pedido que a recorrente formulou durante o procedimento administrativo, para consultar o processo da Comissão, a fim de verificar se ele incluía documentos susceptíveis de ser úteis à sua defesa. A Comissão nem sequer lhe comunicou a lista dos documentos constantes no processo, de modo que não teve qualquer meio de saber, nas suas grandes linhas, as categorias a que eles pertenciam.

    37 A recorrente salienta que não dispõe de provas directas nem quanto às razões por que a Solvay e outros produtores não exportaram carbonato de sódio para o Reino Unido, nem quanto aos preços e custos dos outros produtores na Europa Ocidental continental, quando esses elementos seriam manifestamente pertinentes para apreciar as suas estratégias. Afirma, portanto, que alguns documentos eram susceptíveis de ser relevantes para o exercício dos direitos da defesa, a saber

    ° documentos que mostrem os preços reais pedidos pela Solvay e por outros produtores aos seus principais clientes,

    ° documentos contendo pedidos de fornecimento de carbonato de sódio, provenientes de consumidores estabelecidos no Reino Unido e dirigidos a produtores continentais, bem como as respostas a estes pedidos,

    ° documentos em que a Solvay e outros produtores continentais estudassem a possibilidade de entrar no mercado do Reino Unido ou expusessem as suas razões de não entrar nele.

    Segundo a recorrente, o argumento da Comissão de que o processo não incluía documentos úteis à sua defesa não é credível. Os advogados da Solvay disseram-lhe o contrário. Do mesmo modo, muitos dos seus próprios documentos teriam sido úteis para a defesa da Solvay, por exemplo os relativos ao processo iniciado contra si nos termos do artigo 86. do Tratado. A recorrente deveria, portanto, ter tido acesso aos documentos susceptíveis de pôr em causa a tese avançada contra ela. Este direito foi violado.

    38 No âmbito de um fundamento dirigido contra a apreciação dos factos efectuada na decisão em litígio, a recorrente alega que, tomados no seu conjunto, os autos do presente processo dão um quadro diferente do que a Comissão considerou existir. A recorrente remete, nomeadamente, para os diversos documentos que a Comissão não invocou no âmbito do processo com base no artigo 85. , mas unicamente no do processo iniciado contra si nos termos do artigo 86. do Tratado. Segundo a recorrente, estes documentos mostram que, durante os anos de 1984 a 1989, avaliou, muitas vezes, as possibilidade de importação em proveniência do continente, que encarou a hipótese de represálias contra eventuais importações, mas considerou que, devido aos elevados custos do transporte e às margens reduzidas, a sua entrada no mercado continental não seria rentável e que a dos produtores continentais no mercado do Reino Unido era improvável, mantendo-se vigilante devido à sua vulnerabilidade face às taxas de câmbio e aos custos de produção da Europa Ocidental continental (pp. 75 a 77 da petição). Para a recorrente, não há dúvida de que a Comissão tem na sua posse muitos outros elementos que apoiam estas teses, provenientes quer da Solvay, quer de outros produtores da Europa Ocidental continental, que a recorrente não pôde utilizar.

    39 A divisão, na fase da comunicação das acusações, dos documentos em documentos relevantes para efeitos do artigo 85. e em documentos relevantes para efeitos do artigo 86. do Tratado teve por consequência que os documentos pertencentes à segunda categoria só foram comunicados aos produtores acusados de infringirem o artigo 86. , mesmo que eles fossem também relevantes para efeitos de aplicação, a outros produtores, do artigo 85. Deste modo, a recorrente não pôde utilizar qualquer dos documentos com a cota IV, juntos à quarta parte da comunicação das acusações, relativos a uma infracção imputada à Solvay nos termos do artigo 86. , quando alguns deles teriam sido úteis à sua defesa no âmbito da infracção que era imputada nos termos do artigo 85. O mesmo aconteceu com a Solvay no que diz respeito aos documentos com a cota V, juntos à quinta parte da comunicação das acusações.

    40 No âmbito de um fundamento que põe em causa o montante da coima que lhe foi aplicada, a recorrente afirma de novo que a violação do artigo 86. do Tratado que lhe foi imputada deveria ter sido tomada em consideração. Salienta, porém, que, a despeito de uma "sobreposição muito grande" das infracções imputadas, a Comissão as tratou como inteiramente distintas.

    41 Na sua réplica, a recorrente argumenta que, no processo em que é imputada a existência de uma prática concertada entre a Solvay e ela própria, um documento utilizado contra a Solvay ou susceptível de desculpar esta é manifestamente também relevante para si e lhe diz respeito tanto como à outra parte na alegada prática concertada. Além disso, os documentos utilizados pela Comissão para provar uma infracção ao artigo 86. são também relevantes para a verificação de um acordo nos termos do artigo 85.

    42 A recorrente não contesta que a Comissão tenha examinado todos os documentos recolhidos durante o inquérito para determinar se estes podiam ser considerados como desculpando a recorrente. No entanto, exercendo a Comissão já as funções de inspector, de autoridade competente para o exercício da acção penal, de juiz e de júri, não deveria poder intervir ainda na qualidade de advogado da recorrida. A oferta feita pela Comissão, na sua carta de 31 de Maio de 1990, de proceder a um novo exame não teve qualquer utilidade, dado que estava sujeita à condição de que a recorrente tivesse "bons fundamentos" sem todavia dispor dos documentos relevantes. Um sistema em que são os próprios funcionários da Comissão que decidem quais são os documentos susceptíveis de ajudar uma empresa acusada num processo de concorrência não pode satisfazer as exigências inerentes ao respeito dos direitos da defesa. É improvável que este exame tenha sido feito de modo tão aprofundado ou com o mesmo cuidado pelos interesses da recorrente que se tivesse sido feito por esta.

    43 Antes da adopção da decisão impugnada, a recorrente não teve portanto acesso às cinco categorias dos documentos seguintes:

    ° documentos com a cota IV, juntos à quarta parte da comunicação das acusações, que dizem respeito às alegações dirigidas contra a Solvay nos termos do artigo 86. do Tratado,

    ° texto definitivo da resposta da Solvay à comunicação das acusações, bem como os documentos invocados pela Solvay em apoio desta resposta,

    ° resposta do produtor alemão CFK à comunicação das acusações,

    ° respostas de outros produtores às cartas que lhes foram dirigidas nos termos do artigo 11. do Regulamento n. 17 (com excepção das anexadas à comunicação das acusações),

    ° documentos do processo, para além dos anexados à comunicação das acusações, recolhidos pela Comissão no âmbito do seu inquérito na Solvay e em quatro outros produtores de carbonato de sódio comunitários.

    44 A recorrente alega ainda que, antes da apresentação da sua petição, mas posteriormente à decisão impugnada, a Solvay a informou de que os processos da Comissão continham um certo número de documentos emanados da Solvay que lhe teriam sido muito úteis para responder à comunicação das acusações. A recorrente refere-se neste contexto a documentos provando, segundo ela, que a Solvay comunicou os seus preços muitas vezes a fim de obter encomendas de carbonato de sódio de empresas estabelecidas no Reino Unido e efectuou um estudo de preços na sequência de um pedido correspondente da Rockware, sociedade estabelecida no Reino Unido (anexos 12 e 13 à petição da Solvay no processo T-30/91, cuja cópia a Solvay enviou à recorrente). Além disso, a recorrente apresenta, no anexo 1 da sua réplica, documentos transmitidos numa base estritamente confidencial, após a apresentação da sua petição, pelo produtor alemão Matthes & Weber, que provam, segundo ela, que este produtor comunicou os seus preços para obter encomendas de carbonato de sódio de empresas estabelecidas no Reino Unido e que o custo do transporte foi a razão principal da recusa dessas ofertas pelos potenciais compradores.

    45 Segundo a recorrente, a jurisprudência recente não se opõe à posição que defende neste caso. Assim, o acórdão de 7 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Recueil, p. 19), que nega a existência de uma obrigação da Comissão de divulgar os seus processos às partes interessadas, ocorreu num processo em que a decisão em litígio da Comissão tinha sido tomada antes da adopção do Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência. O acórdão de 3 de Julho de 1991, Akzo/Comissão (C-62/86, Colect., p. I-3359, a seguir "Akzo II"), no qual o Tribunal confirmou a solução dada no acórdão VBVB e VBBB/Comissão, já referido, diz respeito, por seu lado, a uma questão totalmente diferente da que está em causa no presente processo, ou seja, a questão do acesso a um documento interno, protegido, por conseguinte, de qualquer divulgação mesmo nos termos do Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência. De resto, alguns acórdãos do Tribunal de Justiça são mais favoráveis aos direitos da defesa. A recorrente refere-se a este respeito ao acórdão de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125), que atribuiu à Comissão uma obrigação mais alargada consistente em fornecer os elementos necessários à defesa, ao acórdão de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151), ao acórdão de 27 de Junho de 1991, Al-Jubail Fertilizer e Saudi Arabian Fertilizer/Conselho (C-49/88, Colect., p. I-3187), bem como às conclusões do advogado-geral M. Darmon neste acórdão (Colect., p. I-3205), aos acórdãos de 17 de Outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão (85/87, Colect., p. 3137), e de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283), e Solvay/Comissão (27/88, Colect., p. 3555).

    46 Uma vez que a Comissão invoca a confidencialidade de determinados documentos, a recorrente recorda que a aplicação do princípio do tratamento confidencial das informações relativas às empresas não pode em caso algum prejudicar os direitos da defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Timex/Conselho e Comissão, 264/82, Recueil, p. 849, n.os 29 e 30). Em todo o caso, o facto de dar a advogados independentes acesso aos documentos sensíveis do processo não prejudica a regra do tratamento confidencial. Além disso, poderiam ter sido preparados resumos não confidenciais. As exigências relativas à protecção do segredo dos negócios não pode em caso algum justificar, segundo a recorrente, a recusa geral de acesso ao processo que foi decidida pela Comissão no presente caso. Essas exigências justificam quando muito a recusa de acesso a documentos autenticamente secretos, distintamente identificados e que sejam objecto de resumos não confidenciais.

    47 A este propósito, a recorrente reprova ainda a Comissão de ter suprimido, em documentos dela emanados e anexados à comunicação das acusações ° nomeadamente nos anexos II.25 e II.34 °, passagens que não podiam servir para apoiar o ponto de vista da Comissão. Uma análise das peças que a recorrente teve acesso mostra a perspectiva muito selectiva de documentos adoptada, de modo geral e sem qualquer dúvida também em relação aos documentos provenientes de outros produtores, pela Comissão. Segundo a recorrente, as passagens suprimidas nos documentos em causa não eram, na realidade, confidenciais.

    48 Uma vez que a Comissão considera que, por considerações práticas, teria bastado que a Solvay utilizasse os documentos favoráveis à recorrente na sua defesa e os transmitisse à recorrente para a defesa desta, a recorrente alega que essa cooperação poderia confrontar-se com rivalidades comerciais. Ao presumir que, em todos os casos, os concorrentes desejam adoptar uma atitude de cooperação face à Comissão, esta última formula, segundo a recorrente, uma hipótese perigosa que não é certamente susceptível de assegurar a protecção de direitos fundamentais. Assim, quando a recorrente estava presente no mercado do carbonato de sódio (o que já não acontece, pois cedeu a sua actividade nesse mercado), teria inevitavelmente algumas reticências em divulgar esses documentos comerciais. Antes da decisão, a Solvay não teria permitido à recorrente que tivesse acesso aos documentos anexos à sua petição no processo T-30/91, que mostram que comunicou os seus preços para obter encomendas por parte das empresas estabelecidas no Reino Unido.

    49 Em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, a recorrente afirma que o facto de a própria Comissão não lhe ter fornecido uma lista dos documentos que constituem o seu processo teve consequências extremamente graves na capacidade da recorrente para se defender e no seu direito a ser ouvida. Esta omissão impediu a recorrente de identificar, de entre os documentos que teriam sido mencionados na lista, os susceptíveis de ser úteis à sua defesa.

    50 A Comissão alega que comunicou à recorrente todos os documentos em que baseou as suas acusações bem como a sua decisão final. A afirmação em contrário da recorrente não tem qualquer fundamento. De resto, mesmo que a Comissão se tivesse realmente baseado num documento não comunicado à recorrente, isso não provocaria necessariamente a irregularidade de todo o processo, mas levaria apenas a afastar o documento em causa, o que teria por única consequência suscitar a questão de saber se os outros documentos invocados pela Comissão constituem provas suficientes das suas conclusões. Mesmo que a Comissão tivesse, efectivamente, seleccionado documentos, esta circunstância não pode constituir uma irregularidade processual, pois a recorrente não apresentou o mínimo indício susceptível de provar má fé dos serviços da Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n. 55).

    51 Uma vez que a recorrente critica o facto de não lhe ter sido permitido examinar documentos comerciais juntos aos autos para verificar se alguns de entre eles podiam desculpá-la, a Comissão ° referindo-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (acórdãos VBVB e VBBB/Comissão, Akzo II e Hercules/Comissão, já referidos) ° rejeita o próprio princípio da existência da obrigação de divulgar esses processos. Mesmo que essa obrigação pudesse resultar das regras que a própria Comissão formulou no seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência, a eventual falta de respeito desta obrigação ° de alcance inferior à do respeito dos direitos da defesa ° não pode constituir violação de formalidades "essenciais", na acepção do artigo 173. , primeiro parágrafo, do Tratado CEE e não justifica, por conseguinte, a anulação de toda a decisão impugnada. Além disso, tal como resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão (T-65/89, Colect., p. II-389, n. 35), a empresa em causa deve demonstrar, para ver a sua acusação "de acesso insuficiente ao processo" acolhida, que existem sérios indícios que permitam acreditar que um documento existe e que a Comissão, com efeito, ocultou deliberadamente esse documento.

    52 Por último, é necessário provar que o resultado final do procedimento administrativo teria podido ser diferente se a recorrente tivesse tido acesso ao processo (acórdão Hercules/Comissão, já referido, n. 56). No caso em apreço, os documentos de que a recorrente se queixa de não ter tido conhecimento não foram invocados pela Comissão contra qualquer uma das empresas em causa; neste ponto, o presente processo não suscita a questão de saber se os documentos utilizados contra uma parte num alegado acordo devem ser postos à disposição de todas as outras partes, de modo que cada uma delas tenha acesso aos documentos invocados contra cada uma das outras.

    53 A Comissão acrescenta que as categorias de documentos citados pela recorrente a título de exemplo não serviram de base às acusações formuladas contra ela, que eles não contêm elementos susceptíveis de a desculpar, e que se referem essencialmente a matérias que, pela sua própria natureza, se inserem tanto no segredo profissional como no segredo dos negócios. Estes documentos não poderiam portanto ter sido divulgados sem atentar contra os direitos de terceiros à protecção dos seus segredos comerciais legítimos. Ora, o Tribunal de Justiça já recordou por diversas vezes a importância do tratamento confidencial de toda e qualquer informação fornecida à Comissão nos termos do Regulamento n. 17 (acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Recueil, p. 461, n. 14, e de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539). No seu acórdão de 24 de Junho de 1986, Akzo/Comissão (53/85, Colect., p. 1965, n. 28, a seguir "Akzo I"), o Tribunal de Justiça recusou ao terceiro queixoso o direito de lhe serem transmitidos os documentos que continham segredos de negócios. Ora, a Comissão considera que o interesse da recorrente em consultar documentos que a Comissão não invocou contra ela é mesmo inferior ao que pode ter um queixoso em tomar conhecimento de documentos nos quais a Comissão se baseou efectivamente no decurso do processo. Uma vez que a recorrente invoca o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Al-Jubail Fertilizer e Saudi Arabian Fertilizer/Conselho, já referido, a Comissão responde que este processo dizia respeito a uma situação em que a instituição comunitária em causa, contrariamente ao que sucede no caso em apreço, se baseou efectivamente em elementos não comunicados à empresa interessada.

    54 O necessário compromisso entre os interesses em causa é obtido, segundo a Comissão, limitando a divulgação a terceiros do que é estritamente necessário à condução do inquérito. Este último critério não impõe a divulgação dos documentos em que a Comissão não se baseia. As empresas em causa não têm o direito de examinar, a título puramente especulativo, os documentos comerciais internos dos seus concorrentes que não são usados contra elas. A este propósito, a Comissão, referindo-se à sua carta de 31 de Maio de 1990 (p. 3, n. 5), sublinha que, ela própria, reexaminou cuidadosamente todos os documentos encontrados nas instalações doutros produtores.

    55 Uma vez que a recorrente faz referência a documentos provenientes da Solvay ou da Matthes & Weber, que supõe que teriam sido úteis na sua resposta à comunicação das acusações, a Comissão afirma que os documentos da Solvay que foram discutidos em detalhe no âmbito do processo T-30/91 não infirmam de modo algum a verificação de uma prática concertada entre a recorrente e a Solvay. Os documentos da Matthes & Weber não fornecem, segundo a Comissão, um começo de prova sequer em apoio do argumento da recorrente de que os custos elevados de transporte foram a razão principal da recusa, pelos clientes potenciais instalados no Reino Unido, das ofertas feitas pela Matthes & Weber.

    56 A elaboração de resumos não confidenciais, evocados pela recorrente a este propósito, não teria tido, segundo a Comissão, qualquer utilidade, dado que as informações cuja comunicação a recorrente pedia estavam precisamente abrangidas pela confidencialidade (preços e custos reais dos concorrentes, nomes dos seus clientes, explicações sobre a sua política comercial). De resto, a recorrente insistiu, numa carta de 14 de Setembro de 1989 dirigida à Comissão, no facto de informações análogas que ela própria havia fornecido serem estritamente confidenciais. Quanto à ideia de só comunicar as informações confidencialmente sensíveis a advogados, a Comissão declara ver mal como é que uma comunicação tão limitada possa contribuir para a defesa de uma empresa, dado que essas informações devem ser discutidas com os serviços comerciais para avaliar a sua importância.

    57 A Comissão alega finalmente que é preciso ter em conta considerações de ordem prática. Se os documentos provenientes da Solvay tivessem efectivamente revelado que a Solvay não era parte na prática concertada que lhe era imputada, bem como à recorrente, a Solvay não teria certamente deixado de o manifestar na sua resposta à comunicação das acusações; teria, além disso, tido grande interesse em transmitir esses documentos à recorrente. Em todo o caso, deve demonstrar-se que a falta de divulgação dos documentos teria podido revestir-se de uma real importância para a recorrente. A este respeito, a questão capital para a recorrente teria sido saber por que razão ela própria não vendia carbonato de sódio na Europa Ocidental continental. É difícil conceber porque é que outros produtores teriam estado melhor informados do que ela das verdadeiras razões da sua linha de conduta. Quanto às razões pelas quais outros produtores continentais (para além da Solvay) não vendiam no Reino Unido, a própria recorrente afirmou durante o processo que os documentos desse tipo não tinham interesse.

    58 Em resposta a diversas perguntas por escrito feitas pelo Tribunal, a Comissão declarou que a expressão "acesso ao processo", que não é utilizada na legislação pertinente, significa o direito de a empresa em causa ser ouvida quanto às acusações contra ela formuladas, tal como resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão (T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667, n. 38). A condição essencial deve portanto ser que esta empresa tenha tido conhecimento dos factos que lhe são imputados e dos elementos de prova utilizados pela Comissão para apoiar essas afirmações. Uma outra questão é a de saber se a empresa teve conhecimento de outros documentos que não serviram de elementos de prova. No seu acórdão Hercules/Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu que a Comissão podia ser obrigada a divulgar outros documentos, sob condição de confidencialidade, raciocínio que se baseia em declarações feitas pela Comissão no seu Décimo Segundo Relatório sobre a Política de Concorrência. Ora, tendo o presente processo sido iniciado em Março de 1990, cerca de um ano após a publicação do Décimo Oitavo Relatório sobre a Política de Concorrência, a regra auto-imposta aplicável neste caso seria não a resultante das declarações feitas no Décimo Segundo Relatório, mas a prevista para casos desta natureza no Décimo Oitavo Relatório. Nestas circunstâncias, ninguém poderia contar que a Comissão negligenciasse as suas declarações mais recentes, que se referiam especificamente aos problemas de divulgação de documentos em processos implicando diversas sociedades concorrentes.

    59 A Comissão afirmou que não podia partir da hipótese de que, em cada processo iniciado nos termos do artigo 85. ou do artigo 86. do Tratado, existe um processo individual concreto, agrupando todos os documentos recolhidos no âmbito do processo, e que o "acesso ao processo" signifique o direito de ler esse "processo individual" e de o copiar in extenso (com ressalva de excepções no que respeita aos documentos confidenciais). Há antes duas formas de encarar a questão da definição do termo "processo":

    ° A primeira, que a Comissão considera ser a boa, consiste em entender por "processo" o conjunto de documentos em que se baseia a decisão a adoptar. A questão crucial é então a de saber se a empresa teve acesso a todo o processo e, portanto, se a Comissão juntou ao processo todos os documentos que permitam à empresa exercer o seu direito de ser ouvida. Segundo esta concepção, o processo individual é constituído, no momento decisivo, pela comunicação das acusações, pelos documentos em que a Comissão se baseia para apoiar as suas afirmações contra a empresa na comunicação de acusações e por todo e qualquer elemento em que a Comissão não se baseie, mas que é manifestamente susceptível de desculpar a empresa posta em causa. Qualquer outro material que a Comissão tenha podido obter no âmbito das suas investigações, mas que não se insira numa destas categorias, não faz parte do processo, pelo que não é necessário saber se a empresa teve acesso a esse material.

    ° A segunda forma consiste em dizer que o "processo individual" é tudo aquilo que a Comissão obteve no âmbito das suas investigações, mesmo que não tenha sido utilizado para elaborar a comunicação de acusações. Todavia, em virtude do artigo 20. do Regulamento n. 17 e em aplicação da jurisprudência estabelecida no processo Hercules/Comissão, já referido, há documentos que a empresa em causa não poderá ver porque a Comissão é obrigada a não os divulgar. Daí resulta, no plano prático, que esta empresa terá acesso aos mesmos documentos que no âmbito da primeira concepção referida.

    60 A Comissão sublinhou, seguidamente, que há dois métodos alternativos para facultar o acesso ao processo:

    ° A Comissão pode enviar em primeiro lugar a comunicação das acusações e fixar seguidamente as datas em que a empresa poderá consultar os documentos que lhe são tornados acessíveis. Para este efeito, poderá efectivamente ser útil dispor, com a comunicação das acusações, de uma lista de documentos, a fim de que os interessados possam ter antecipadamente uma ideia do que poderão (e do que não poderão) consultar. No seu acórdão BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n. 29, o Tribunal de Primeira Instância referiu-se a este método, citando o Décimo Segundo Relatório da Comissão sobre a Política de Concorrência.

    ° É igualmente possível enviar os documentos com a comunicação das acusações. Neste caso, deixa de haver necessidade de que a empresa disponha de uma lista dos documentos. Ela está já em posse de tudo aquilo que vai poder consultar. O fornecimento de uma lista não é mais do que uma solução para substituir o envio de documentos com a comunicação das acusações.

    61 No que diz respeito mais especialmente ao presente processo, a Comissão indicou que a recorrente teve imediatamente conhecimento do material em que aquela se baseava, por ter escolhido o método consistente em enviar os documentos de prova pertinentes com a comunicação de acusações. Por conseguinte, a recorrente teve "acesso ao processo". O que não tiveram, nem a recorrente nem a Solvay, foi a possibilidade de examinar todos os elementos recolhidos pela Comissão, ou porque eles não eram pertinentes, ou porque eles continham informações confidenciais. De resto, a única base em que um documento diferente dos documentos enviados com a comunicação das acusações poderia ter sido divulgado à recorrente teria sido a prova por esta última de que esse documento era importante para um ponto do processo, dando assim à Comissão indicação do que esta devia procurar. Finalmente, a recorrente nunca pediu especificamente para ver os documentos recolhidos nas instalações da Solvay; em especial, não adiantou argumentos relativos às consequências de um abuso, pela Solvay, da sua eventual posição dominante no mercado continental para avaliação das provas escolhidas contra ela própria.

    62 A Comissão acrescentou que, neste caso, os documentos recolhidos nas instalações da recorrente e de outras empresas encheram várias dezenas de pastas, contendo cada uma cerca de 200 páginas. Estes documentos foram classificados de acordo com o lugar onde tinham sido encontrados e não consoante eles eram relevantes para efeitos do artigo 85. ou do artigo 86. Trata-se dos "processos" seguintes:

    i) processo 1: documentos internos, tais como projectos de decisão,

    ii) processos 2 a 14: Solvay, Bruxelas,

    iii) processos 15 a 19: Rhône-Poulenc,

    iv) processos 20 a 23: CFK,

    v) processos 24 a 27: Deutsche Solvay Werke,

    vi) processos 28 a 30: Matthes & Weber,

    vii) processos 31 a 38: Akzo,

    viii) processos 39 a 49: ICI,

    ix) processos 50 a 52: Solvay, Espanha,

    x) processos 53 a 58: "Akzo II" (nova visita),

    xi) processo 59: visita aos produtores espanhóis e nova visita à Solvay, Bruxelas,

    xii) existe uma dezena de outros processos que contêm a correspondência relativa ao artigo 11. do Regulamento n. 17.

    63 A Comissão admitiu não ter elaborado uma lista de todos os documentos relativos à recorrente. Considera, todavia, que daí não resulta qualquer inconveniente para esta última. Com efeito, essa lista teria sido supérflua no caso em apreço. Praticamente todos os documentos utilizados no processo nos termos do artigo 86. do Tratado emanavam da recorrente, a qual dispunha manifestamente de cópias para fazer face a qualquer eventualidade.

    64 A este propósito, a Comissão assinalou que as listas de documentos, quando são elaboradas, não são detalhadas. Se tivesse sido elaborada uma lista no caso em apreço, não teria tido, segundo a Comissão, qualquer utilidade para a recorrente: quando muito, teria contido um certo número de rubricas ou de número de páginas, com uma indicação muito concisa do tipo de documento correspondente. De resto, o conteúdo dos processos 39 a 49 era do conhecimento da recorrente, uma vez que se tratava dos seus próprios documentos. O conteúdo dos outros processos era igualmente do seu conhecimento, pelo menos na medida em que a Comissão se baseou em documentos que deles faziam parte para fundamentar os factos que imputa à recorrente, e em que ela os juntou, por isso mesmo, à comunicação das acusações. Os documentos restantes tinham um carácter confidencial, nos termos do artigo 20. do Regulamento n. 17, e foram objecto de um pedido expresso de tratamento confidencial, formulado por carta da recorrente de 13 de Abril de 1989 e por carta da Solvay de 27 de Abril de 1989. A recorrente não estava, portanto, em condições de os consultar, tivesse ou não recebido uma lista dos documentos. Finalmente, tendo a Comissão indicado à recorrente, na sua carta de 31 de Maio de 1990, as empresas que tinham sido visitadas, nada impedia a recorrente de se lhes dirigir directamente, se considerasse que dispunham de documentos que lhe poderiam ser úteis.

    Apreciação do Tribunal

    Quanto à admissibilidade e ao alcance do fundamento OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC : 691A0036.1

    65 Deve dizer-se, em primeiro lugar, que o fundamento assente em recusa de acesso ao processo deve ser subdividido em três partes. Com efeito, a recorrente afirma, por um lado, que não pôde consultar os documentos com a cota IV, anexos à quarta parte da comunicação das acusações dirigida à Solvay nos termos do artigo 86. do Tratado, embora as relações existentes entre as acusações articuladas pela Comissão nos termos do artigo 86. e as articuladas nos termos do artigo 85. tenham por consequência poderem os documentos referentes ao processo nos termos do artigo 86. ser relevantes para a sua defesa neste caso, uma vez que as duas infracções alegadas se sobrepõem muito amplamente quanto aos seus efeitos (v. nomeadamente os pontos 8.9, 8.10 e 14.3.7 da petição). Por outro lado, a recorrente alega que não teve acesso às partes do processo que contêm outros documentos provenientes da Solvay que poderiam ter sido úteis à sua defesa (v. os pontos 2.8.3 e 2.8.7 da petição).

    66 A recorrente alega, finalmente, que, tal como a Solvay, os outros produtores comunitários de carbonato de sódio nunca exportaram carbonato de sódio para o Reino Unido. Os documentos provenientes destes produtores podem revelar as razões, relativas aos preços ou aos custos, por que se abstiveram desse comércio. Estes documentos podiam portanto, segundo a recorrente, ser relevantes para a sua defesa contra a acusação que lhe era feita de ter participado com a Solvay numa prática concertada em consequência da qual se abstiveram de exportar os seus produtos respectivamente para a Europa continental e para o Reino Unido (v. nomeadamente os pontos 2.8.3 e 2.8.7 da petição).

    67 No âmbito de cada uma das partes do fundamento, a recorrente apresenta o argumento de que a Comissão nem sequer lhe comunicou a lista dos documentos de que se compunha o processo (v. ponto 2.8.2 da petição).

    68 O Tribunal considera que, contrariamente às dúvidas expressas pela Comissão, estas indicações ° que foram desenvolvidas e aprofundadas na réplica e na audiência ° satisfazem as exigências de uma exposição sumária dos fundamentos invocados, tal como deve figurar na petição inicial, nos termos dos artigos 19. , primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 38. , n. 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça aplicável no momento da interposição do recurso.

    Quanto ao mérito

    69 O Tribunal recorda que o acesso ao processo em questões de concorrência tem por objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomarem conhecimento dos elementos de prova que constam no processo da Comissão, para que possam pronunciar-se utilmente, com base nesses elementos, sobre as conclusões a que a Comissão chegou na sua comunicação de acusações. O acesso ao processo insere-se assim nas garantias processuais que têm por fim proteger os direitos da defesa (acórdãos Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n. 38, e BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n. 30). Ora, o respeito dos direitos da defesa em todos os processos susceptíveis de dar lugar à aplicação de sanções constitui um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, mesmo que se trate de um processo de carácter administrativo. O respeito efectivo deste princípio geral exige que a empresa interessada tenha sido posta em condições, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.os 9 e 11).

    70 O Tribunal considera que uma violação dos direitos da defesa deve portanto ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, uma vez que depende essencialmente das acusações consideradas pela Comissão para demonstrar a infracção imputada à empresa em causa. Para saber se o fundamento em questão, considerado nas suas três partes, é procedente, há, por conseguinte, que efectuar um exame sumário das acusações fundamentais que a Comissão fez na comunicação das acusações e na decisão impugnada.

    ° Quanto às acusações e aos meios de prova escolhidos pela Comissão

    71 A este respeito, deve dizer-se, em primeiro lugar, que a censura formulada na comunicação de acusações pode ser resumida da seguinte forma: desde, pelo menos, 1 de Janeiro de 1973, a recorrente e a Solvay participaram numa prática concertada, na medida em que continuaram, de forma combinada, a respeitar um acordo anterior que definia os seus territórios de venda respectivos no domínio do carbonato de sódio, abstendo-se de fazerem concorrência mútua. A Comissão reconheceu não dispor de provas directas da existência de um acordo expresso entre a recorrente e a Solvay, mas considera que existem amplas provas de colusão, de onde se pode inferir que o acordo original, ou seja, um acordo denominado "Page 1000", celebrado em 1949, continuou a ser aplicado sob a forma de uma prática concertada. Com efeito, as provas documentais demonstram que

    ° a recorrente e a Solvay continuaram a ter relações de total cooperação, mais próprias de parceria do que de concorrência, destinadas a coordenar a sua estratégia global no domínio do carbonato de sódio e evitar todo e qualquer conflito de interesses entre elas;

    ° a base destas relações contínuas foi a manutenção das políticas comerciais postas em prática na época da sociedade Brunner, Mond & Co., quer dizer, o reconhecimento recíproco de esferas de actividade exclusivas. Ainda que tenha sido formalmente posto fim ao acordo anterior, através de uma troca de cartas de 12 de Outubro de 1972, estas relações continuaram, não tendo nenhuma das partes alguma vez feito concorrência à outra no respectivo mercado dentro da Comunidade.

    72 Ainda na comunicação de acusações, a Comissão considerou como "um outro aspecto importante das relações comerciais estreitas" entre a recorrente e a Solvay a existência de acordos de "co-produtor" ou de "compra para revenda", com a finalidade de ajudar a recorrente a respeitar os seus compromissos de fornecimentos durante o período de 1983 a 1989. A Comissão considerou, todavia, que estes acordos não constituíam em si próprios infracções distintas.

    73 Deve acrescentar-se que a Comissão salientou, na comunicação das acusações, que o mercado do carbonato de sódio na Europa Ocidental continuava a ser, à época dos factos, caracterizado por uma divisão em função de considerações nacionais, tendo os produtores tendência para concentrar as suas vendas nos Estados-Membros onde possuíam capacidades de produção. Em especial, não houve importações da Solvay, nem de outro produtor da Comunidade, susceptíveis de fazer concorrência à recorrente no Reino Unido. Trata-se aqui do princípio denominado do "mercado interno" (home market). A comunicação das acusações refere-se, a este respeito, a documentos relativos a outros produtores, ou provenientes destes (pp. 11 e 12, documentos II.18 a II.24), dos quais resulta que, durante muitos anos, todos os produtores de carbonato de sódio na Comunidade aceitaram este princípio que, de resto, continuava em vigor em relação à recorrente e à Solvay em 1982. A Comissão acrescentou que, embora existam certos indícios tendentes a provar que a Solvay e a Akzo celebraram em 1982 um acordo relativo às actividades da Akzo no domínio do carbonato de sódio na Alemanha (anexo II.21 da comunicação de acusações), estes elementos não foram considerados suficientes para justificar a abertura do processo nos termos do artigo 85. do Tratado contra a Solvay e a Akzo.

    74 Para demonstrar estas acusações, a Comissão anexou à comunicação de acusações destinada à recorrente uma série de documentos com a cota II. Apenas três destes documentos (II.35, II.36 e II.38) são, pelo menos parcialmente, idênticos a documentos com cota IV utilizados no processo contra a Solvay nos termos do artigo 86. (V.28, V.29 e V.30). Todos os outros documentos com a cota IV não foram portanto comunicados à recorrente.

    75 No que concerne, em segundo lugar, às acusações feitas na decisão impugnada, deve recordar-se que, de acordo com o artigo 1. da decisão, a prática concertada durou de 1 de Janeiro de 1973 até pelo menos ao início do processo. Para provar esta prática concertada, a decisão baseia-se, no seu ponto 58, no essencial, na conjugação de sete factores. Tal como resulta da referida passagem da decisão e foi precisado pela própria Comissão na audiência no Tribunal, estes factores podem ser resumidos nos quatro elementos seguintes:

    ° inexistência de comércio de carbonato de sódio da recorrente e da Solvay através da Mancha durante todo o período considerado, ou seja, mais de dezasseis anos, o que é o resultado da política de cada um dos produtores,

    ° a coincidência exacta desta inexistência de concorrência com os termos dos acordos anteriormente celebrados entre a recorrente e a Solvay, em último lugar o acordo denominado "Page 1000" de 1949, cuja revogação formal não produziu qualquer alteração na prática de compartimentação dos mercados,

    ° a celebração e a aplicação de acordos de "compra para revenda" consistentes no fornecimento de carbonato de sódio pela Solvay à recorrente, durante o período de 1983 a 1989, que são elementos "reveladores" (v. nota de pé de página no ponto 58 da decisão),

    ° contactos frequentes entre a recorrente e a Solvay para coordenação da sua estratégia no sector do carbonato de sódio.

    ° Quanto à defesa da recorrente

    76 Para verificar se as possibilidades de defesa da recorrente contra estas acusações foram afectadas, deve recordar-se em primeiro lugar que uma prática concertada se caracteriza pela circunstância de que ela substitui os riscos da concorrência por uma cooperação entre as empresas, que reduz as incertezas de cada empresa quanto às atitudes que os seus concorrentes adoptarão. Se estas incertezas não diminuem, não existe prática concertada (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlstroem Osakeyhtioe e o./Comissão, C-89/85, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85, C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307, n.os 62 a 65).

    77 Quanto à defesa da recorrente, deve salientar-se que esta alega, no essencial, que o seu comportamento se explica por uma política comercial autónoma e que, por conseguinte, não se prova a existência de uma prática concertada. Esta defesa encontra-se já na resposta à comunicação das acusações (v. a "defence" de 31 de Maio de 1990, pp. 19 e segs., supra n. 12). Ela foi repetida nas observações apresentadas antes da audição ("article 85 presentation", pp. 3 e segs., supra n. 13) e na própria audição de 25 e 26 de Junho de 1990 (pp. 9 e segs. da acta). No Tribunal, esta defesa foi repetida no âmbito de um fundamento dirigido contra a apreciação das provas efectuada pela Comissão na decisão impugnada.

    78 Por conseguinte, deve-se analisar, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a noção de prática concertada, se esta defesa da recorrente foi afectada pela falta de divulgação dos documentos referidos na três partes do fundamento em causa. A este propósito, não compete ao Tribunal decidir definitivamente quanto ao valor probatório de todos os meios de prova utilizados pela Comissão em apoio da decisão impugnada. Para se verificar uma violação dos direitos da defesa, basta que se prove que a falta de divulgação dos documentos em questão tenha podido influenciar, em detrimento da recorrente, o decurso do processo e o conteúdo da decisão. A possibilidade dessa influência pode assim ser provada através de um exame provisório de determinados meios de prova que mostre que os documentos não divulgados tenham podido ter ° em relação a esses meios de prova ° uma importância não desprezável. Se os direitos da defesa tiverem sido violados, o procedimento administrativo e a apreciação dos factos na decisão encontram-se viciados.

    79 A este propósito, a Comissão afirmou, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, que era nomeadamente necessário remeter para os elementos de prova anexados à comunicação das acusações datando de períodos anteriores a 1973, ou seja, aos antigos acordos de partilha do mercado, em especial ao acordo denominado "Page 1000"; estas provas podem ser utilizadas para apoiar a alegação de uma infracção posterior. A Comissão explicou que não pôs em causa o período entre 1962 e 1973, principalmente porque o Reino Unido não era membro da Comunidade durante esse período e que qualquer verificação de uma infracção teria exigido uma análise diferente dos efeitos nas trocas intracomunitárias.

    80 Segue-se que, para avaliar sumariamente o valor probatório dos meios de prova utilizados pela Comissão para acusar a recorrente, devem distinguir-se três períodos distintos. Até à entrada em vigor do Tratado CEE e à do Regulamento n. 17 em 1962, o comportamento da recorrente e da Solvay deve ser considerado legal. Quanto ao período seguinte, que termina em 31 de Dezembro de 1972, os antigos acordos de partilha do mercado não foram formalmente postos em causa pela Comissão, através do processo contraditório previsto para esse efeito pelo Regulamento n. 17, nem em razão dos seus objectivos e efeitos, nem mesmo em razão do carácter duvidoso da sua revogação em 1972. Também não se pode presumir que essa censura tem fundamento, dado que teria sido necessário, segundo a afirmação da própria Comissão, uma análise económica específica complementar da que foi feita no caso em apreço. O terceiro período corresponde à duração da infracção dada como provada na decisão.

    81 Para justificar a utilização dos antigos acordos como meios de prova da existência de uma infracção posterior, a Comissão invoca o acórdão de 15 de Julho de 1976, EMI Records (51/75, Recueil, p. 811, n. 30), no qual o Tribunal decidiu que, no caso de práticas concertadas que cessaram de estar em vigor, basta, para que o artigo 85. do Tratado seja aplicável, que os seus efeitos prossigam. A Comissão acrescenta que, no processo EMI Records, se tratava de um acordo que era legal na altura da sua celebração, enquanto neste caso se trata de acordos ilegais desde a sua origem. Por conseguinte, tendo a recorrente e a Solvay continuado, após a cessação formal dos seus acordos de partilha de mercado, a agir em conformidade com esses acordos, já revogados, deve considerar-se que os mesmos continuaram a produzir os seus efeitos.

    82 A este respeito, convém todavia recordar que o processo EMI Records, que o Tribunal teve que decidir nos termos do artigo 177. do Tratado, não diz respeito a um litígio como o que é objecto do presente processo, que a Comissão iniciou em aplicação do Regulamento n. 17 e no termo do qual aplicou uma sanção pecuniária. Além disso, o processo EMI/CBS não se caracteriza pela existência de um período de dez anos durante o qual os comportamentos noutro contexto censurados não eram postos em causa e em relação ao qual a presunção de inocência milita por conseguinte a favor da empresa em causa. Tratava-se, pelo contrário, de um litígio pendente num órgão jurisdicional nacional entre dois titulares de marcas, que dizia respeito à extensão dos seus direitos à luz das regras de concorrência e que não dizia respeito à imposição de uma coima. Por conseguinte, o Tribunal entende que as considerações que estão na base do acórdão EMI Records invocadas pela Comissão não podem ter aplicação na solução do presente litígio.

    83 Neste caso, a presunção de inocência que milita em favor da recorrente exige que o Tribunal parta do ponto de vista de que, até 31 de Dezembro de 1972, nenhuma infracção pode ser imputada à recorrente. Nestas circunstâncias, elementos de prova anteriores a 1972, referentes a um comportamento legal nessa época, não podem provar que a partir de 1 de Janeiro de 1973 a recorrente e a Solvay se concertaram de forma ilegal. A tese oposta defendida pela Comissão ignora a possibilidade de as duas empresas terem querido respeitar o Tratado e terem renunciado à sua cooperação anterior, possibilidade que não está excluída se se tomar em consideração a revogação "formal", ocorrida em 1972, dos acordos anteriores. Na falta de outros meios de prova, a tese da Comissão teria como resultado presumir que, a partir de uma data fixada pela Comissão, a recorrente e a Solvay começaram a violar as disposições do Tratado dando início a uma prática concertada. Este modo de provar uma infracção é incompatível com o respeito da presunção de inocência.

    84 Quanto aos meios de prova directamente referentes aos anos durante os quais ° segundo a Comissão ° a prática concertada foi mantida, deve dizer-se que as compras para revenda da recorrente à Solvay se situam entre 1983 e 1989. No entanto, a recorrente negou que estes contratos demonstrem contactos ilícitos com a Solvay dado ter feito compras idênticas a outros produtores, como a Akzo, contactos que não foram postos em causa pela Comissão. Tratou-se, segundo a recorrente, de transacções comerciais perfeitamente normais. De resto, é conveniente recordar que a própria Comissão declarou que estas compras para revenda não constituem em si mesmas infracções distintas (nota de pé de página 1 do ponto 58 da decisão). Deve acrescentar-se que existem documentos que mostram a existência de reuniões entre a recorrente e a Solvay entre 1985 e 1988 (v. ponto 30 da decisão e os documentos com as cotas II.30 a II.42). Quanto ao período em que ° segundo a Comissão ° a infracção começou, não existem documentos relativos a reuniões. É no mínimo discutível que, numa situação como esta, documentos que datam de um período posterior permitam provar que a infracção tinha já começado quase dez anos mais cedo, e isto tanto mais que o documento II.5 de 10 de Setembro de 1982 mostra um novo equilíbrio nas relações ("new arms length relationship") entre a recorrente e a Solvay, o que pode enfraquecer a hipótese de uma prática concertada.

    85 Por conseguinte, mostra-se que ° como no processo Ahlstroem Osakeyhtioe e o./Comissão ° a prova de um comportamento paralelo e passivo da recorrente e da Solvay é de uma importância especial para a prova de uma eventual prática concertada. A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu que um paralelismo no comportamento só pode ser considerado como fazendo a prova de uma concertação se esta constituir a única explicação possível para esse paralelismo. Daí conclui o Tribunal de Justiça que é necessário verificar se o paralelismo de comportamento alegado pela Comissão não pode, tendo em conta a natureza dos produtos, a sua importância e o número de empresas e o volume de mercado em causa, explicar-se doutra forma que não seja a concertação, ou por outras palavras, se os elementos de comportamento paralelo constituem um conjunto de indícios sérios, precisos e concordantes de uma concertação prévia (v. o acórdão Ahlstroem Osakeyhtioe e o./Comissão, já referido, n.os 70 a 72).

    86 Dados os reduzidos meios de prova documental relativos, em especial, ao ano de 1973 e aos primeiros anos subsequentes, a Comissão, para provar de forma bastante a prática concertada imputada à recorrente, devia por conseguinte ter feito, desde a fase da comunicação das acusações, uma apreciação económica global e aprofundada, nomeadamente do mercado em causa, bem como da importância do comportamento das empresas que actuavam nesse mercado. Ora, o Tribunal considera que esta apreciação, para ser completa, objectiva e equilibrada, não podia deixar de ter em conta nem as fortes posições detidas pela recorrente e pela Solvay nos mercados geográficos respectivos, nem a prática de tornar fiéis os clientes que lhes foram imputadas no âmbito dos processos iniciados nos termos do artigo 86. do Tratado, nem o comportamento dos outros produtores comunitários de carbonato de sódio no mercado continental.

    ° Quanto à primeira parte do fundamento, assente na falta de comunicação à recorrente dos documentos com a cota IV

    87 O Tribunal considera, quanto à primeira parte do fundamento, que resulta do que precede que uma parte dos documentos com a cota IV que não foram comunicados à recorrente era susceptível de apoiar a sua defesa. Com efeito, os documentos referentes à alegada prática de tornar fiéis os clientes da Solvay podiam eventualmente contribuir para explicar o comportamento paralelo e passivo censurado à recorrente de forma diversa de uma concertação ilícita. No contexto de um mercado cujas estruturas, em particular a implantação dos locais de produção e dos locais vizinhos de consumo de carbonato de sódio pelos clientes, se desenvolveram desde o século passado e em que os custos de transporte tinham manifestamente um papel importante, os documentos testemunhando uma eventual prática de tornar fiéis os clientes da Solvay, através de um elaborado sistema de descontos, podiam ser utilizados pela recorrente para infirmar a tese de uma prática concertada. Com efeito, estes documentos podiam eventualmente explicar que o comportamento passivo censurado à recorrente se baseava em decisões autónomas suas, provocadas pela dificuldade de penetrar num mercado cujo acesso estava bloqueado por uma empresa em posição dominante. Esta análise é reforçada pela consideração de que alguns dos meios de prova em que se apoiou a Comissão não tinham eventualmente o valor probatório ou, pelo menos, tinham um valor menos forte do que aquele que a Comissão lhe atribuiu (v. acima n.os 79 e 81). Em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, portanto após o procedimento administrativo, a recorrente afirmou com efeito que a posição dominante da Solvay no mercado continental "desempenhou manifestamente um papel importante na decisão unilateral" da recorrente de não se entregar a "uma estratégia de comercialização activa" visando este mercado.

    88 É certo que a Comissão só censura a Solvay por ter abusado de uma posição dominante a partir de 1983. Todavia, a própria Comissão considera que esta posição dominante da Solvay era o prolongamento directo da forte posição que tinha sido estabelecida pelos acordos de partilha de mercado anteriores a 1973; além disso, a Decisão 91/299 refere-se explicitamente a factores reveladores da força económica da Solvay que datam do período anterior a 1983, como, por exemplo, relações contratuais da Solvay com os grandes produtores de vidro belgas "até 1978" ou a intervenção, em Janeiro de 1978, do Governo belga a favor da Solvay (v. supra n. 16).

    89 Uma vez que a Comissão afirma, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, que foi, pelo contrário, o facto de cada uma das duas empresas dominantes se ter mantido afastada do mercado da outra que garantiu a posição dominante de cada uma delas "no seu próprio mercado", deve dizer-se de novo que não se trata, no presente contexto, de dar uma resposta definitiva a esta questão de fundo, antes de verificar se as possibilidades de defesa da recorrente foram afectadas pelas condições em que a comunicação das acusações lhe foi feita e pelas condições em que a Comissão a seguir instruiu o processo.

    90 Deve acrescentar-se que, na verdade, a recorrente conhecia a forte posição que a Solvay detinha no mercado continental [v. a declaração na p. 10 da acta da audição: "Solvay (is) by far the largest (producer) in the EEC" ° A Solvay é de longe o maior produtor na Comunidade], e, por outro lado, da existência de um processo paralelo iniciado contra a Solvay nos termos do artigo 86. Com efeito, o n. 3 do resumo das acusações, que se encontra na parte inicial da comunicação das acusações, refere o início desse processo contra a Solvay e a acusação suscitada contra o sistema de descontos de fidelidade e de outros descontos praticados por esta. No entanto, esta circunstância não infirma a conclusão de que pelo menos alguns dos documentos com a cota IV eram susceptíveis de ser úteis à sua defesa.

    91 A este propósito, a Comissão, remetendo para a sua carta de 31 de Maio de 1990, observa que os seus próprios funcionários examinaram e reexaminaram todos os documentos na sua posse, sem no entanto terem descoberto qualquer elemento susceptível de isentar de culpa a recorrente, o que tornou inútil tanto a divulgação destes documentos como o fornecimento de uma lista. A este respeito, deve sublinhar-se que, no âmbito do processo contraditório organizado pelo Regulamento n. 17, não pode competir apenas à Comissão decidir quais são os documentos úteis à defesa. Com efeito, quando se devam fazer, como neste caso, apreciações económicas difíceis e complexas, a Comissão deve dar aos advogados da empresa em causa a possibilidade de procederem a um exame dos documentos susceptíveis de ser relevantes para apreciar o seu valor probatório para a defesa.

    92 Isto é particularmente verdade em matéria de paralelismo de comportamento, caracterizado por um conjunto de actuações a priori neutras, em que os documentos são susceptíveis de ser interpretados num sentido tanto favorável como desfavorável às empresas em causa. O Tribunal considera que, nestas circunstâncias, é preciso evitar que um eventual erro dos funcionários da Comissão, quando estes classificam um documento como "neutro", o qual, como elemento inútil, não será divulgado às empresas, possa prejudicar a defesa dessas empresas. A tese contrária defendida pela Comissão teria por consequência não poder esse erro ser descoberto a tempo, antes da decisão da Comissão, salvo no caso excepcional de uma cooperação espontânea das empresas em causa, o que apresenta riscos inaceitáveis para a boa administração da justiça (v. adiante n. 96).

    93 Tendo em conta o princípio geral da igualdade de armas que pressupõe, num processo de concorrência, que a empresa em causa tenha dos documentos utilizados no processo um conhecimento igual ao da Comissão, a tese desta não pode ser aceite. O Tribunal não pode admitir que a Comissão, ao decidir quanto à infracção, tenha sido a única a dispor dos documentos com a cota IV e tenha portanto podido decidir sozinha utilizá-los ou não contra a recorrente, quando esta não teve acesso a esses documentos e não pôde por conseguinte tomar a decisão correspondente de os utilizar ou não na sua defesa. Num caso como este, os direitos da defesa de que beneficia a recorrente durante o procedimento administrativo sofreram uma restrição demasiado grande em relação aos poderes da Comissão, que acumulou a função da autoridade que formula as acusações com a de autoridade que decide, tendo um conhecimento mais profundo do processo que a defesa.

    94 Por conseguinte, a Comissão não podia, neste caso, proceder a uma dissociação dos meios de prova ° por um lado, quanto à infracção imputada nos termos do artigo 85. e, por outro lado, quanto à imputada nos termos do artigo 86. ° na comunicação das acusações, dissociação que prosseguiu durante a instrução posterior e nas deliberações do colégio dos membros da Comissão, tendo por consequência a adopção de diversas decisões distintas. Esta maneira de proceder impediu a recorrente de examinar os documentos com a cota IV que só foram utilizados contra a Solvay. Segue-se que, desde a comunicação das acusações, a Comissão, sem prejuízo das objecções adiante examinadas, violou os direitos da defesa da recorrente, ao excluir do processo documentos de que dispunha e que eram eventualmente susceptíveis de ser úteis à defesa da recorrente. Deve acrescentar-se que esta violação dos direitos da defesa tem um carácter objectivo e não depende da boa ou má fé dos funcionários da Comissão.

    95 Para negar a existência duma violação dos direitos da defesa, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a Solvay teria podido comunicar à recorrente os documentos dela emanados e que eram úteis à sua própria defesa. Esta tese ignora no entanto que a defesa de uma empresa não pode depender da boa vontade de outra empresa que se presume ser sua concorrente e contra a qual foram feitas acusações semelhantes pela Comissão. Estando a instrução correcta de um processo de concorrência a cargo da Comissão, esta não pode delegá-la nas empresas, cujos interesses económicos e processuais são frequentemente opostos. Com efeito, a recorrente teria podido tentar, neste caso, demonstrar a existência de uma posição dominante da Solvay, enquanto esta tinha todo o interesse em negá-la.

    96 Por consequência, não tem relevância para a violação dos direitos da defesa que a recorrente e a Solvay tenham procedido a uma determinada troca de documentos, inicialmente durante o procedimento administrativo, quando a recorrente transmitiu documentos da Solvay, (v. n. 12 do acórdão de hoje, Solvay/Comissão, T-30/91, Colect., p. II-0000) e, sobretudo, a partir do momento em que as duas sociedades deixaram de ser concorrentes no mercado em causa, quer dizer, em fins de 1991. Esta cooperação entre as empresas, de resto aleatória, não pode em caso algum eliminar o dever da Comissão de garantir ela própria, durante a instrução de uma infracção ao direito da concorrência, o respeito dos direitos da defesa das empresas em causa.

    97 Além disso, a Comissão referiu-se à confidencialidade que ela própria devia respeitar para proteger o segredo dos negócios de empresas terceiras, em especial os da Solvay, que, nas suas cartas de 27 de Abril e de 18 de Setembro de 1989, tinha invocado o carácter confidencial da totalidade dos documentos dela emanados e em posse da Comissão. Acrescenta que, de resto, a recorrente tinha reclamado, por cartas de 13 de Abril e de 14 de Setembro de 1989, uma protecção semelhante.

    98 A este respeito, deve recordar-se em primeiro lugar que, segundo um princípio geral que se aplica no decurso do procedimento administrativo e de que o artigo 214. do Tratado bem como diversas disposições do Regulamento n. 17 constituem a expressão, as empresas têm direito à protecção dos seus segredos de negócios (v. o acórdão Akzo I, já referido, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1994, SEP/Comissão, C-36/92 P, Colect., p. I-1911, n. 36). O Tribunal considera, todavia, que este direito deve ser equilibrado com a garantia dos direitos da defesa.

    99 Tal como a Comissão afirmou em resposta a uma pergunta do Tribunal, ela dispõe, num caso destes, de duas possibilidades. Tanto pode anexar à comunicação das acusações todos os documentos que quer utilizar para demonstrar as acusações formuladas, incluindo os elementos podendo "claramente" ser considerados como susceptíveis de ilibar a empresa em causa, como enviar-lhe uma lista dos documentos relevantes e permitir-lhe o acesso ao "processo", quer dizer, deixá-la consultar os documentos nas instalações da Comissão (v. igualmente o Décimo Oitavo Relatório da Comissão sobre a Política de Concorrência, publicado em 1989, p. 53).

    100 No caso em apreço, a Comissão não pode justificar a sua recusa total de divulgação com a afirmação de que a recorrente e a Solvay, nas cartas já referidas, tinham elas próprias solicitado um tratamento confidencial dos respectivos documentos. Com efeito, estas cartas estão redigidas em termos muito gerais que podem ser interpretados no sentido de que apenas a confidencialidade de determinadas informações sensíveis constantes desses documentos deve ser salvaguardada, por exemplo, através da supressão das passagens correspondentes. De resto, a própria Comissão interpretou a carta da recorrente nesse sentido, dado que, na sua carta de resposta de 24 de Abril de 1989, declarou explicitamente que esses documentos, no caso de terem interesse para a prova de uma infracção, deveriam ser comunicados às empresas em causa e que apenas os elementos relativos a verdadeiros segredos de negócios seriam suprimidos.

    101 Deve acrescentar-se que a Comissão utilizou efectivamente documentos idênticos, tanto na sua versão integral como numa versão parcialmente cortada, no âmbito dos três processos distintos iniciados nos termos dos artigos 85. e 86. do Tratado contra a recorrente e a Solvay, nos anexos comuns com a cota II, por um lado, e os anexos dissociados com as cotas IV e V, por outro. É o que demonstra, por exemplo, a identidade parcial dos anexos IV.19 e V.23, IV.24 e V.34, IV.29 e V.41, IV.28 e II.35, V.40 e II.34 e ainda V.32 e II.33. Assim, a Comissão, quando o considerou necessário, não teve em qualquer conta a pretensa confidencialidade global dos documentos em causa.

    102 Por conseguinte, o facto de a Comissão ter excluído os documentos com a cota IV do processo dirigido contra a recorrente também não pode ser justificado pela necessidade de proteger os segredos de negócios da Solvay. A Comissão teria podido proteger estes segredos eliminando as passagens sensíveis nas cópias dos documentos transmitidos à recorrente, em conformidade com uma prática geral da DG IV neste domínio, que foi mesmo seguida em parte nos presentes processos.

    103 Se a protecção dos segredos de negócios da Solvay ou de outros dados sensíveis se tornasse difícil através da preparação de versões não confidenciais de todos os documentos, a Comissão poderia ter utilizado o segundo método, ou seja, transmitir à recorrente uma lista dos documentos com a cota IV. Neste caso, a recorrente teria podido pedir o acesso a documentos específicos contidos nos "processos" da Comissão. Antes de lhe conceder o acesso a documentos contendo eventualmente segredos de negócios, a Comissão teria podido contactar a Solvay para avaliar que passagens se referiam a dados sensíveis que devessem, portanto, ser ocultados à recorrente. Seguidamente, esta teria podido obter acesso aos documentos expurgados dos segredos comerciais da Solvay.

    104 A finalidade dessa lista impunha que as indicações dela constantes dessem à recorrente informações suficientemente precisas para lhe permitir determinar, com conhecimento de causa, se os documentos descritos eram susceptíveis de ser relevantes para a sua defesa. Quanto às questões de confidencialidade, a recorrente devia poder identificar o documento preciso alegadamente não acessível, proveniente da Solvay, a fim de estar em condições de discutir com esta se ela estaria disposta a renunciar à confidencialidade. Contrariamente às afirmações da Comissão, não bastava, portanto, que a recorrente tivesse sabido que a Solvay tinha sido objecto de um inquérito efectuado pela Comissão.

    105 Resulta das considerações que precedem que o tratamento confidencial a reservar eventualmente aos documentos e/ou à lista que deveriam ser fornecidos à recorrente não justificava de modo algum a recusa total da divulgação imposta pela Comissão. Portanto, deve-se dizer que, não tendo procedido, aquando do envio da comunicação das acusações, à divulgação dos documentos com cota IV, quer sob a forma de anexos à comunicação, quer sob a forma de uma lista, a Comissão violou os direitos da defesa de que a recorrente beneficiava.

    106 Convém analisar em seguida se essa violação dos direitos da defesa é independente da maneira como a empresa em causa se comportou durante o procedimento administrativo e se esta empresa era obrigada a pedir à Comissão que lhe desse acesso ao seu processo ou que lhe entregasse determinados documentos. A este propósito, deve dizer-se que nem o Regulamento n. 17 nem o Regulamento n. 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19. do Regulamento n. 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), prevêem a formulação prévia de um pedido nesse sentido, nem a preclusão dos direitos da defesa na sua ausência. No caso em apreço, é necessário dizer que, em todo o caso, a recorrente apresentou durante o procedimento administrativo, na sua carta de 23 de Maio de 1990, um pedido para obtenção de "acesso ao processo" e o fornecimento de uma lista. Na audição, este pedido não foi examinado, tendo o consultor auditor da Comissão remetido para decisão do Tribunal.

    107 A apreciação do Tribunal não é contrariada pelo acórdão AEG/Comissão, já referido. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que determinados documentos desfavoráveis utilizados contra uma empresa deviam ser juntos à comunicação das acusações e que o incumprimento desta obrigação tinha por consequência a eliminação dos documentos em causa. No processo AEG/Comissão, o fundamento assente em violação dos direitos da defesa não tinha no entanto, segundo esse acórdão, alcance geral e não implicava portanto irregularidade do processo no seu conjunto. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça verificou se, após a exclusão dos documentos em questão, as acusações podiam ainda ser consideradas como provadas (n. 30 do acórdão já referido). Diferentemente do processo AEG/Comissão, deve dizer-se que, neste caso, a defesa da recorrente foi afectada de modo geral pela ilícita falta de comunicação de determinados documentos que não eram precisamente documentos desfavoráveis, mas antes documentos susceptíveis de serem úteis à defesa.

    108 Deve salientar-se que a violação dos direitos da defesa ocorrida na fase do procedimento administrativo também não pode ser regularizada durante o processo no Tribunal, que se limita a um controlo jurisdicional apenas no âmbito dos fundamentos invocados e que não pode por conseguinte substituir uma instrução completa do processo no âmbito de um procedimento administrativo. Com efeito, se a recorrente tivesse podido invocar, durante o procedimento administrativo, documentos susceptíveis de a justificar, teria eventualmente podido influenciar as apreciações feitas pelo colégio dos membros da Comissão, pelo menos no que diz respeito ao valor probatório do comportamento paralelo e passivo que lhe era reprovado em relação ao início e portanto em relação à duração da infracção. O Tribunal não pode, portanto, excluir que a Comissão teria considerado uma infracção mais breve e menos grave e, por conseguinte, teria fixado uma coima menos elevada.

    109 Por consequência, deve acolher-se a primeira parte do fundamento e anular a decisão impugnada na medida em que ela diz respeito à recorrente (v. acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n. 47).

    ° Quanto à segunda parte do fundamento, assente na falta de comunicação à recorrente de outros documentos emanados da Solvay

    110 Diferentemente das condições de análise da primeira parte do fundamento, o Tribunal não conhece documentos da Solvay, para além dos que têm a cota IV, que, na sequência da recusa da Comissão, não foram tornados acessíveis à recorrente. No entanto, a recorrente tem razão em alegar que uma prática concertada de duas empresas não se prova se a Comissão tiver de concluir que uma das duas agiu de maneira autónoma, sem colusão com o seu alegado parceiro. Neste caso, se a Solvay tivesse podido justificar-se, a Comissão também não tinha podido acusar a recorrente de prática concertada. Por conseguinte, os documentos referentes aos comportamentos da Solvay eram, assim, susceptíveis de ser úteis à defesa da recorrente.

    111 Deve dizer-se mais uma vez que não competia à Comissão decidir sozinha se os documentos recolhidos no âmbito da instrução dos presentes processos eram susceptíveis de desculpabilizar as empresas em causa. O princípio da igualdade de armas e a sua aplicação nos processos de concorrência, a igualdade do nível de informação de que devem dispor a Comissão e a defesa exigiam que a recorrente pudesse apreciar o valor probatório dos documentos emanados da Solvay que a Comissão não tinha anexado à comunicação das acusações. O Tribunal não pode admitir que a Comissão, ao dar como provada a infracção, tenha disposto ela só dos documentos contidos nos "processos" 2 a 14 (Solvay, Bruxelas), 50 a 52 (Solvay, Espanha) e 59 e tenha portanto decidido sozinha utilizá-los ou não para provar a infracção, ao passo que a recorrente não teve acesso e, portanto, não pôde tomar a decisão correspondente de os utilizar ou não na sua defesa. Por conseguinte, a Comissão deveria, pelo menos, elaborar uma lista suficientemente detalhada que permitisse à recorrente avaliar a oportunidade de pedir para ter acesso a documentos específicos da Solvay, susceptíveis de serem úteis à defesa dos parceiros na alegada prática concertada. Dado que não se pode exigir que a recorrente demonstre o valor probatório dos documentos particulares que eventualmente justifiquem a Solvay ° os quais, por inexistência de uma lista, a recorrente ignora °, a possibilidade de que esses documentos existam deve bastar para declarar a existência de uma violação dos direitos da defesa. Do exposto resulta estar demonstrada uma segunda violação dos direitos da defesa.

    112 O Tribunal não ignora que a preparação de listas e a eventual protecção de segredos de negócios anteriores ao "acesso ao processo" exigem um trabalho administrativo considerável para os serviços da Comissão, tal como esta alegou na audiência. No entanto, o respeito dos direitos da defesa não pode ser afectado por dificuldades técnicas e jurídicas que uma administração eficiente pode e deve ultrapassar.

    113 Deve dizer-se, mais uma vez, que o vício que afecta o procedimento administrativo não pode ser regularizado no decurso do processo no Tribunal, que se limita a um controlo jurisdicional apenas no âmbito dos fundamentos invocados e que, portanto, não pode substituir uma instrução completa no âmbito de um procedimento administrativo. Com efeito, se a recorrente tivesse, através de uma lista adequada, descoberto documentos da Solvay desculpabilizando as duas empresas, teria eventualmente podido, durante o procedimento administrativo, influenciar as apreciações feitas pela Comissão. Por conseguinte, deve acolher-se a segunda parte do fundamento.

    ° Quanto à terceira parte do fundamento, assente na falta de comunicação à recorrente dos documentos de outros produtores comunitários de carbonato de sódio

    114 Quanto ao acesso aos "processos" contendo os documentos provenientes dos outros produtores continentais de carbonato de sódio (v. acima n. 62), o Tribunal recorda que é pacífico entre as partes que estes produtores, do mesmo modo que a Solvay, não se dedicaram ao comércio de carbonato de sódio do outro lado da Mancha, sem que a Comissão lhes tenha por esse facto censurado o terem participado numa prática concertada, e isto apesar da sua conclusão, tanto na comunicação das acusações como nos pontos 28 e 29 da decisão, da existência de um princípio denominado "mercado interno", que foi estritamente respeitado por todos os produtores até aos anos 70. A propósito, a Comissão referiu-se, na comunicação das acusações e na decisão, a documentos recolhidos nas instalações de "diversos" produtores.

    115 Não tendo as práticas dos produtores sido postas em causa, o Tribunal não pode excluir que estes produtores tenham limitado as suas vendas de carbonato de sódio à Europa Ocidental continental por razões económicas autónomas, objectivas e lícitas. O mesmo raciocínio permite ao Tribunal concluir que não se pode excluir que a estratégia comercial idêntica da Solvay tenha sido orientada por razões do mesmo tipo. Neste caso, o comportamento paralelo e passivo da Solvay pode, na acepção da jurisprudência Ahlstroem Osakeyhtioe e o./Comissão, já referida, explicar-se de outro modo que através de uma concertação prévia com a recorrente. Deste modo, a acusação de uma acção concertada também não pode ser mantida em relação à recorrente. Nesta óptica, documentos relativos ao comportamento dos outros produtores poderiam também ser úteis à defesa da recorrente.

    116 Resulta das considerações relativas às primeira e segunda partes do fundamento que a Comissão deveria, nas condições específicas do caso concreto, elaborar igualmente uma lista dos documentos constantes nos "processos" dos outros produtores mencionados no ponto 62. Mais uma vez, deve dizer-se que a Comissão dispunha desses documentos e que, embora tendo tomado a decisão de não os utilizar para provar a infracção, a igualdade de armas exigia no entanto que a recorrente tivesse a possibilidade de tomar a decisão correspondente de os utilizar ou não na sua defesa.

    117 Além disso, deve dizer-se que determinados documentos relativos a outros produtores ou provenientes destes foram utilizados como meios de prova pela Comissão. Nestas circunstâncias, a recorrente tinha o direito de pedir pelo menos uma lista dos outros documentos constantes dos processos individuais em questão, a fim de verificar eventualmente o seu conteúdo exacto e a sua utilidade para a sua defesa. Em especial, tinha direito a ter acesso aos processos 31 a 38 e 53 a 58 provenientes da Akzo, dado que as relações entre a Solvay e a Akzo foram examinadas no ponto 29 da decisão para demonstrar o respeito do princípio denominado do "mercado interno", que é um dos argumentos invocados pela Comissão para provar a infracção. Com a sua recusa de fornecimento de uma lista, a Comissão afectou portanto os direitos da defesa da recorrente. Dado que não se pode pedir à recorrente que demonstre, com base em documentos que, por inexistência de uma lista, lhes são desconhecidos, que empresas como a Akzo ou a Matthes & Weber tomaram, de modo autónomo, a decisão de não exportar para o Reino Unido e dado que o contexto económico dessa decisão autónoma é transponível para a Solvay, a possibilidade de tais documentos existirem deve bastar para declarar uma violação dos direitos da defesa. Segue-se que está provada uma terceira violação dos direitos da defesa.

    118 Em consequência, deve acolher-se o fundamento assente em violação dos direitos da defesa, nas suas três partes, e anular a decisão impugnada na medida em que diz respeito à recorrente, sem que seja necessário decidir quanto aos pedidos subsidiários da recorrente destinados a obter medidas de instrução que permitam o exame dos documentos pelos seus advogados e pelo próprio Tribunal. Também não é necessário examinar os outros fundamentos invocados em apoio dos pedidos de anulação, em especial o fundamento assente em falta de objectividade, atestada pelas supressões nos documentos anexos à segunda parte da comunicação das acusações, o fundamento assente no facto de as provas invocadas em apoio de algumas declarações da decisão não terem sido comunicadas à recorrente e o fundamento assente na autenticação irregular da decisão impugnada, que não diz respeito a todo o procedimento administrativo na Comissão (v., sobre este último ponto, o acórdão de hoje, Solvay/Comissão, T-32/91, Colect., p. II-0000).

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    119 Por força do disposto no artigo 87. , n. 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus pedidos, há que condená-la nas despesas do processo, sem que seja necessário tomar em consideração a desistência parcial da recorrente do seu pedido de declaração de inexistência da decisão.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada)

    decide:

    1) A Decisão 91/297/CEE da Comissão, de 19 de Dezembro de 1990, relativa a um processo de aplicação do artigo 85. do Tratado CEE (IV/33.133-A: Carbonato de Sódio ° Solvay, ICI), é anulada na parte que concerne à recorrente.

    2) A Comissão é condenada nas despesas.

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