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Document 61991CC0156

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 25 de Junho de 1992.
Hansa Fleisch Ernst Mundt GmbH & Co. KG contra Landrat des Kreises Schleswig-Flensburg.
Pedido de decisão prejudicial: Schleswig-Holsteinisches Verwaltungsgericht - Alemanha.
Controlo sanitário - Taxa - Directiva 85/73/CEE - Decisão 88/408/CEE - Efeito directo.
Processo C-156/91.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-05567

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:279

61991C0156

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 25 de Junho de 1992. - HANSA FLEISCH ERNST MUNDT GMBH & CO KG CONTRA LANDRAT DES KREISES SCHLESWIG-FLENSBURG. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: SCHLESWIG-HOLSTEINISCHES VERWALTUNGSGERICHT - ALEMANHA. - CONTROLO SANITARIO - TAXA - DIRECTIVA 85/73/CEE - DECISAO 88/405/CEE - EFEITO DIRECTO. - PROCESSO C-156/91.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-05567


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. No presente processo, o Schleswig-Holsteinische Verwaltungsgericht submeteu três questões prejudiciais relativas à interpretação de determinadas regras comunitárias que harmonizam as taxas a cobrar a título de inspecções sanitárias nos matadouros. O Verwaltungsgericht pretende especialmente saber se determinadas disposições contidas nessas regras têm efeito directo e se uma disposição comunitária pode ter efeito directo antes do fim do prazo previsto para a sua aplicação. As disposições em questão estão contidas na Decisão 88/408/CEE do Conselho, de 15 de Junho de 1988, relativa aos níveis da taxa a cobrar a título das inspecções e controlos sanitários da carne fresca (JO L 194, p. 24), que foi adoptada nos termos do artigo 2. , n. 1, da Directiva 85/73/CEE do Conselho, de 29 de Janeiro de 1985, relativa ao financiamento das inspecções e controlos sanitários da carne fresca e da carne de aves de capoeira (JO L 32, p. 14; EE 03 F33 p. 152).

2. A recorrente no processo principal, a sociedade alemã Hansa Fleisch Ernst Mundt GmbH & Co. KG, explora um matadouro, um estabelecimento de corte de carne e um entreposto frigorífico no Schleswig-Holstein. O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no quadro do recurso interposto pela recorrente de um determinado número de decisões do Landrat des Kreises Schleswig-Flensburg (a seguir "Landrat"), que indeferiu as reclamações apresentadas pela recorrente contra o montante das taxas cobradas pela inspecção das suas instalações. Nos termos do direito alemão, essas taxas são liquidadas e cobradas nos termos da legislação dos diversos Laender, e não da lei federal alemã. Deste modo, as taxas em causa foram cobradas ao abrigo de um regulamento do Land do Schleswig-Holstein, embora este regulamento, adoptado em 3 de Abril de 1987, se baseie no § 24 da Fleischhygienegesetz (lei relativa à higiene da carne), nela inserido pela lei de 13 de Abril de 1986.

3. As taxas em questão foram cobradas diariamente entre 23 de Maio de 1989 e 27 de Junho de 1990, e as decisões do Landrat das quais a recorrente interpôs recurso foram tomadas entre 31 de Outubro de 1989 e 9 de Julho de 1990. Designarei as taxas que foram objecto de reclamação da recorrente por "taxas impugnadas".

As disposições comunitárias

4. A harmonização comunitária das taxas de inspecção foi efectuada em duas fases. O artigo 1. , n. 1, da Directiva 85/73 estabelece:

"Os Estados-membros assegurarão que, a contar do dia 1 de Janeiro de 1986:

- seja cobrada uma taxa aquando do abate dos animais referido no n. 2 para cobrir os encargos ocasionados pelas inspecções e controlos sanitários;

...

- seja proibida qualquer restituição directa ou indirecta das taxas."

O artigo 2. , n. 1, prevê que o Conselho fixará, antes de 1 de Janeiro de 1986, o nível ou níveis fixos destas taxas, bem como "as modalidades e princípios de aplicação da presente directiva e os casos excepcionais". O artigo 2. , n. 2, dispõe:

"Os Estados-membros ficam autorizados a cobrar um montante superior aos níveis referidos no n. 1, desde que a importância total cobrada pelo Estado-membro seja inferior ou igual ao custo real dos encargos de inspecção."

Embora, como já vimos, o Conselho tivesse a obrigação de estabelecer antes de 1 de Janeiro de 1986 os níveis fixos das taxas, tal só foi feito com a adopção, em 15 de Junho de 1988, da Decisão 88/408. O artigo 2. , n. 1, da decisão estabelece os níveis fixos das taxas a cobrar a título das inspecções para determinadas espécies animais. Nos termos do artigo 2. , n. 2:

"... os Estados-membros cujos custos salariais, estrutura de estabelecimentos e relação existente entre veterinários e inspectores se afastem dos da média comunitária adoptada para o cálculo dos montantes forfetários estabelecidos no n. 1 podem estabelecer derrogações, para mais ou para menos, até atingir os custos reais de inspecção.

Para recorrer às derrogações previstas no primeiro parágrafo, os Estados-membros devem utilizar como fundamento os princípios enunciados no anexo.

Em caso algum a aplicação das derrogações previstas no primeiro parágrafo poderá conduzir a baixas superiores a 55% até 31 de Dezembro de 1992 e, a contar de 1 de Janeiro de 1993, a 50% dos níveis médios referidos no n. 1".

O anexo da decisão esclarece que os Estados-membros podem reduzir os níveis fixos de uma forma geral, quando o custo de vida e os custos salariais apresentem diferenças particularmente importantes, ou em relação a um determinado estabelecimento, sob determinadas condições. O anexo enumera igualmente alguns exemplos de circunstâncias em que os Estados-membros podem aumentar os níveis para cobrir os custos. Nos termos do artigo 11. da decisão:

"Os Estados-membros porão em execução o disposto na presente decisão o mais tardar até 31 de Dezembro de 1990."

As questões submetidas

5. De acordo com o acórdão de reenvio, a recorrente alega no processo principal que as taxas em causa ultrapassavam os níveis autorizados pelo Decisão 88/408 e que esta decisão tinha já, de facto, sido transposta para o direito alemão através do § 24 da lei relativa à higiene da carne. Convém no entanto salientar que o § 24 apenas se refere à Directiva 85/73, e não à decisão de aplicação do Conselho, a qual não tinha ainda sido adoptada no momento em que o § 24 foi inserido na lei relativa à higiene da carne, em 13 de Abril de 1986. O Landrat, pelo contrário, não aceitou que a Decisão 88/408 tivesse já sido transposta para o direito alemão na altura em que foram cobradas as taxas em causa, nem que a decisão pudesse ser invocada pela recorrente antes de terminado o prazo de execução previsto no seu artigo 11.

6. Em consequência, o Verwaltungsgericht submeteu ao Tribunal de Justiça as três questões seguintes:

"1) A Directiva 85/73/CEE do Conselho, em conjugação com a Decisão 88/408/CEE do Conselho, é susceptível de produzir efeitos directos, no sentido de que um cidadão comunitário pode alegar utilmente perante um Tribunal da República Federal da Alemanha que, a partir da entrada em vigor da Decisão 88/408/CEE do Conselho, aquele Estado deixou de poder cobrar taxas, na acepção do artigo 1. desta decisão, cujo montante exceda os níveis fixos determinados no n. 1 do artigo 2. ?

2) O facto de ter expirado o prazo fixado no artigo 11. da Decisão 88/408/CEE do Conselho tem relevância para a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça à primeira questão?

3) A interpretação do n. 2 do artigo 2. da Decisão 88/408/CEE do Conselho no sentido de que esta regra derrogatória pode ser invocada por um Estado-membro enquanto tal, mas não por partes integrantes dos Estados-membros, como os Laender da República Federal da Alemanha, tem relevância para a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça à primeira questão?"

Primeira questão

7. Ressalta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma decisão, especialmente se dirigida aos Estados-membros, constitui uma medida susceptível em princípio, tal como uma directiva, de produzir efeito directo: isto é, pode, em determinadas circunstâncias, ser invocada pelos particulares perante os tribunais nacionais na falta de medidas nacionais de execução. Como o Tribunal de Justiça observou no n. 5 do acórdão Grad (9/70, Recueil 1970, p. 825):

"É incompatível com o efeito obrigatório que o artigo 189. atribui à Decisão excluir em princípio que a obrigação por ela imposta possa ser invocada pelas pessoas interessadas."

Para que produzam efeito directo, as disposições de direito comunitário devem, no entanto, ser incondicionais e suficientemente precisas. Como declarou o Tribunal de Justiça no n. 16 do acórdão Foster (C-188/89, Colect. 1990, p. I-3313), se estas condições forem preenchidas, as disposições de uma directiva podem ser invocadas,

"na falta de medidas de aplicação tomadas nos prazos previstos, contra qualquer disposição nacional que não seja conforme à directiva, ou ainda por essas disposições serem de natureza a definir direitos que os particulares podem invocar contra o Estado".

8. Como já vimos, é a Decisão 88/408 que estabelece os níveis fixos das taxas a cobrar pelas inspecções. Na primeira questão, o Verwaltungsgericht não pergunta se a Decisão 88/408 produz efeito directo, e sim se a Directiva 85/73 "conjugada" com a Decisão 88/408 produz tais efeitos. Não me parece, no entanto, que a Directiva 85/73 imponha aos Estados-membros obrigações que sejam directamente relevantes para o caso em apreço. Deve notar-se que o artigo 1. da directiva impõe aos Estados-membros a obrigação de cobrarem taxas pelos encargos ocasionados pelas inspecções e controlos sanitários nos matadouros, proibindo qualquer restituição directa ou indirecta destas taxas. Não se nega, no entanto, que elas podiam aplicar-se à recorrente, dado que a questão é antes a de saber se o nível das taxas cobradas ultrapassa o máximo autorizado nos termos da Decisão 88/408.

9. O artigo 2. , n. 1, da Directiva 85/73 não impõe, aliás, obrigações de qualquer tipo aos Estados-membros, antes exigindo que o Conselho fixe os níveis das taxas bem como outras modalidades de aplicação da directiva. E, parece-me, o artigo 2. , n. 2, da directiva não visa igualmente impor obrigações aos Estados-membros. Esta disposição pressupõe que o Conselho fixou os níveis da taxa em conformidade com o artigo 2. , n. 1, da directiva, e reconhece aos Estados-membros a faculdade de se afastarem desses níveis sob determinadas condições. Contudo, até à aplicação desses níveis fixos da taxa, os limites estabelecidos ao poder dos Estados-membros de se afastarem desses níveis, referido no artigo 2. , n. 2, da directiva, não são aplicáveis. Como já vimos, esses limites encontram-se de qualquer forma especificados mais detalhadamente no artigo 2. , n. 2, da Decisão 88/408, que aplica o artigo 2. , n. 2, da directiva. A primeira questão submetida pelo Verwaltungsgericht deve, pois, ser entendida como perguntando simplesmente se a Decisão 88/408 produz efeito directo, embora seja evidente que uma decisão de aplicação deve ser sempre interpretada à luz das disposições que executa.

10. Nas observações escritas que apresentou ao Tribunal de Justiça, o Landrat sugere que os níveis da taxa fixados pelo artigo 2. , n. 1, da Decisão 88/408 não podem ter efeito directo, dado que o artigo 2. , n. 2, da decisão dá aos Estados-membros a liberdade de se afastarem desses níveis em determinadas circunstâncias, continuamente sujeitas, aliás, a alterações. Em consequência, segundo o Landrat, as disposições do artigo 2. não são suficientemente precisas e incondicionais para produzir efeito directo, não podendo assim ser invocadas pela recorrente.

11. Contudo, nas suas próprias observações escritas, o Governo alemão admite que existem circunstâncias em que um particular pode invocar o efeito directo dos níveis fixos das taxas estabelecidas pelo artigo 2. , n. 1, da decisão. O Governo alemão cita a hipótese em que a liberdade de se afastar dos níveis fixos da taxa não pode ser legitimamente exercida, pelo facto de esses níveis corresponderem já aos custos reais de inspecção. De uma forma mais geral, parece-me que o artigo 2. , n. 1, pode ter efeito directo sempre que o Estado-membro em questão não tenha exercido correctamente o seu poder de estabelecer derrogações aos níveis fixos. Deste modo, quando os Estados-membros disponham de uma margem discricionária que lhes permita estabelecer derrogações a uma obrigação imposta pelo direito comunitário, pode ainda ser necessário que o tribunal nacional determine se as medidas adoptadas se enquadram na margem discricionária autorizada. Porque, se as medidas se situarem fora da margem autorizada, o Estado-membro não poderá invocar a sua discricionaridade para se furtar ao efeito directo de disposições que são, fora disso, incondicionais e suficientemente precisas: ver os acórdãos Van Duyn, n. 7 (41/74, Recueil 1974, p. 1337), e Verbond van Nederlandse Ondernemingen, n. 29 (51/76, Recueil 1977, p. 113). De resto, contrariamente ao ponto de vista defendido pelo Landrat, não me parece que tal efeito directo seja excluído pelo facto de as condições materiais relativas ao exercício do poder de apreciação dos Estados-membros poderem estar sujeitas a alterações contínuas: trata-se apenas de um dos factores a tomar em consideração a fim de decidir se as autoridades nacionais tinham, em todos os casos, exercido correctamente o respectivo poder de apreciação.

12. O Governo alemão dá a entender que, no caso em apreço, não foi feita qualquer prova que permita pensar que a margem de apreciação autorizada pelo artigo 2. , n. 2, da Decisão 88/408 foi excedida. A recorrente, em contrapartida, defende que o poder de apreciação de que dispõe a República Federal da Alemanha, nos termos do artigo 2. , n. 2, foi exercido ilegalmente em dois aspectos: em primeiro lugar, os níveis das taxas fixadas excedem os limites do que é necessário para cobrir os custos reais de inspecção, contrariamente ao que prevê o primeiro parágrafo do artigo 2. , n. 2; e, em segundo lugar, o artigo 2. , n. 2, não autoriza que sejam fixadas taxas pelas autoridades dos diversos Laender, em vez de o serem numa base uniforme para toda a República Federal da Alemanha. O primeiro destes pontos abrange questões de facto que apenas podem ser julgadas pelo tribunal nacional. O segundo, ao invés, é claramente da competência do Tribunal de Justiça. No entanto, dado tratar-se fundamentalmente do ponto suscitado na terceira das questões submetidas, analisá-lo-ei adiante: v. os n.os 28 a 31, infra.

13. Para responder à primeira questão, basta observar que o artigo 2. , n. 1, da Decisão 88/408 apenas pode ser invocado por um particular perante um tribunal nacional no caso de o Estado-membro em questão não ter exercido adequadamente o poder de apreciação que lhe confere o artigo 2. , n. 2, quer por não ter adoptado medidas de execução quer por ter exercido esse poder de forma incorrecta. Em contrapartida, é para mim indiscutível que o disposto no artigo 2. , n. 1, é, em si, suficientemente preciso e incondicional para ter efeito directo, pelo que pode ser invocado contra um Estado-membro que não tenha exercido correctamente o poder conferido pelo artigo 2. , n. 2.

Segunda questão

14. Através da segunda questão, o Verwaltungsgericht pergunta na verdade se o efeito directo da Decisão 88/408 depende da questão de saber se o prazo estabelecido pelo artigo 11. da decisão para execução das suas disposições já expirou. Deve notar-se que o prazo fixado apenas expirou em 31 de Dezembro de 1990, ao passo que as taxas em causa foram todas liquidadas entre 23 de Maio de 1989 e 27 de Junho de 1990. Como já vimos, a Directiva 85/73 não impõe, por si só, obrigações aos Estados-membros no que respeita aos níveis máximos das taxas cobradas, sendo, assim, irrelevante que o prazo de transposição da directiva tenha expirado em 1 de Janeiro de 1986.

15. Nas suas observações escritas, a recorrente continua a defender que a inclusão, em 13 de Abril de 1986, do novo § 24 na lei relativa à higiene da carne teve por efeito a transposição da Decisão 88/408 para o direito alemão, a partir da sua adopção pelo Conselho. Segundo a recorrente, resulta daí que os níveis fixos das taxas estabelecidas pelo artigo 2. , n. 1, da decisão foram transpostos para o direito alemão em 15 de Junho de 1988. Nas observações escritas, o Governo alemão confirma que o § 24 visa transpor para o direito nacional não apenas a Directiva 85/73, mas igualmente qualquer decisão de execução adoptada pelo Conselho nos termos do artigo 2. da directiva; referiu, no entanto, na audiência que a transposição não se destinava a vigorar antes do fim do prazo fixado no artigo 11. da decisão.

16. Não me parece que o § 24 da lei relativa à higiene da carne possa ser considerado um meio suficiente para a transposição da Decisão 88/408 para o direito alemão. No mínimo, tal método de execução careceria da transparência necessária, sobretudo se se tiver em conta que o § 24 não indica o momento em que se presume a entrada em vigor da transposição. Cabe no entanto ao tribunal nacional decidir a questão de saber se a recorrente pode invocar alguns direitos ao abrigo do direito alemão. Na medida em que a recorrente possa invocar tais direitos, será naturalmente desnecessário basear-se no efeito directo das disposições comunitárias. Para efeitos destas conclusões, partirei da suposição de que, no momento da cobrança das taxas em causa, a Decisão 88/408 não fora completamente transposta para o direito alemão.

17. Nos n.os 46 e 47 do acórdão Marshall (152/84, Colect. 1986, p. 723), o Tribunal de Justiça definiu da seguinte forma os princípios em que se baseia a doutrina do efeito directo:

"Deve ainda lembra-se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal... em todos os casos em que as disposições de uma directiva aparecem - do ponto de vista do seu conteúdo - como incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá-las contra o Estado, quer quando este se abstém de transpor no prazo previsto a directiva para o direito nacional, quer quando faz uma transposição incorrecta.

Esta jurisprudência baseia-se na consideração de que seria incompatível com o carácter vinculativo que o artigo 189. reconhece às directivas excluir, em princípio, que a obrigação que ela impõe possa ser invocada pelas pessoas a que diz respeito. Daqui retirou o Tribunal a consequência de que o Estado-membro que não tenha tomado, no prazo previsto, as medidas de execução impostas pela directiva, não pode opor aos particulares o não cumprimento por si próprio das obrigações que ela comporta" (sublinhado meu).

Esta declaração aplica-se igualmente, mutatis mutandis, às decisões dirigidas aos Estados-membros que devam ser transpostas para o direito nacional até ao fim de um determinado prazo.

18. É claramente evidente que, quando um Estado-membro se absteve de actuar, uma directiva ou uma decisão não podem produzir efeito directo antes do fim do prazo fixado para a sua aplicação: v. o acórdão Ratti, n.os 24 e 43 (148/78, Recueil 1979, p. 1629). Interpretado literalmente, o excerto do acórdão Marshall que acabo de citar poderia no entanto não excluir a possibilidade de uma directiva (ou uma decisão) produzir efeito directo contra um Estado-membro, mesmo antes do decurso do prazo fixado para a sua aplicação, quando esse Estado tivesse procedido à transposição da directiva antes do decurso do prazo estabelecido, fazendo-o porém de forma incorrecta. O argumento seria o de que, embora um Estado-membro não seja obrigado a proceder à aplicação antes do decurso do prazo, se o fizer deverá no entanto respeitar os termos da directiva (v. Hartley, T. C.: The Foundations of European Community Law, 2.ª edição, Oxford, 1988, p. 205). Far-se-ia então uma distinção entre os casos em que o Estado-membro se absteve de agir durante o prazo fixado e aqueles em que actuou, mas de forma incorrecta. Como já vimos, a recorrente defende no caso em apreço que o § 24 da lei relativa à higiene da carne, juntamente talvez com o regulamento de execução do Land do Schleswig-Holstein, se destinava a transpor a Decisão 88/408 para o direito alemão a partir de 15 de Junho de 1988, data em que esta última foi adoptada. Pode assim alegar-se que, na medida em que a aplicação efectuada foi incorrecta, a decisão podia produzir efeito directo a partir dessa data.

19. Em meu entender, contudo, nenhuma distinção deve ser feita, para efeitos da doutrina do efeito directo, entre a situação do Estado-membro que se absteve de dar cumprimento à legislação comunitária no prazo estabelecido e a do Estado-membro que actuou nesse sentido, efectuando no entanto uma transposição incorrecta. Parece-me que em ambos os casos a legislação só pode produzir efeito directo após o decurso do prazo de transposição. Qualquer outra conclusão levaria a distinções arbitrárias entre casos diferentes, não se justificando pelos princípios em que assenta a doutrina do efeito directo.

20. Para estabelecer uma distinção entre a falta de transposição e a transposição incorrecta, torna-se antes de mais necessário distinguir os dois tipos de casos. Em determinadas circunstâncias, contudo, pode tratar-se de uma distinção ténue, que exige uma averiguação das intenções do legislador, para apurar se as medidas nacionais se destinavam efectivamente a transpor a directiva. A questão do efeito directo das disposições comunitárias deve, em meu entender, depender da questão de saber se o Estado-membro em causa não cumpriu as suas obrigações, e não da sua intenção de transpor essas disposições; ainda que, como veremos, a questão de saber se as medidas nacionais se destinam a aplicar disposições comunitárias possa de facto ser relevante para o âmbito da obrigação que incumbe aos tribunais nacionais de interpretarem o direito nacional à luz das referidas disposições: v. os n.os 23 a 26 infra.

21. Por outro lado, mesmo dispondo de meios satisfatórios para distinguir a falta de transposição da transposição incorrecta, chegar-se-ia a um resultado tão arbitrário quanto injusto. Um Estado-membro que tivesse tentado conscienciosamente aplicar uma directiva antes do fim do prazo fixado, mas que não o tivesse feito de forma inteiramente correcta, encontrar-se-ia, durante o período restante, em pior situação que um Estado-membro que nada tivesse feito. De facto, um Estado-membro podia até ter agido antes da data fixada para que quaisquer insuficiências da legislação nacional pudessem ser supridas antes de o prazo de transposição terminar efectivamente. Deste modo, o Estado-membro que tivesse sido especialmente diligente na aplicação do direito comunitário ficaria em desvantagem: v. as observações feitas pelo advogado-geral Roemer nas conclusões que apresentou no processo Grad, já citado no n. 7, a pp. 853.

22. Por último, tal distinção não é compatível, em meu entender, com os princípios em que assenta a doutrina do efeito directo. Como o Tribunal deixou claro no excerto do acórdão Marshall citado no n. 17 supra, esta doutrina baseia-se no princípio de que um Estado-membro não pode opor a um particular o incumprimento, por ele próprio, de uma obrigação comunitária. Contudo, a obrigação de aplicar a legislação comunitária apenas produz efeitos após o fim do prazo estabelecido para a transposição. Ao invocar o não decurso do prazo, o Estado-membro não se prevalece pois do seu próprio incumprimento, mas nega, correctamente, a existência de uma obrigação, nada mais pretendendo, de facto, que um tratamento igual em relação a outros Estados-membros.

23. A posição em relação ao efeito directo deve no entanto distinguir-se, em meu entender, da posição sobre a interpretação de normas de execução. Mesmo que um Estado-membro não tenha ainda violado a obrigação de transpor correctamente uma directiva (ou outra legislação comunitária) por não ter ainda expirado o prazo estabelecido para a sua transposição, os tribunais nacionais continuam obrigados, em meu entender, a interpretar em conformidade com a directiva quaisquer disposições nacionais já em vigor que se destinem a garantir a sua execução. Em tal caso, a obrigação de interpretar desta forma normas de execução resulta não do decurso do prazo de transposição fixado, mas do dever do tribunal nacional de cooperar com as outras autoridades nacionais para aplicação da directiva. Porque, uma vez que um Estado-membro tenha decidido aplicar disposições comunitárias, parece-me que todas as autoridades do referido Estado se encontram vinculadas, nos termos do artigo 5. do Tratado, pelo dever geral de facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão garantindo o êxito dessa aplicação. A existência de tal dever escapa às objecções formuladas nos n.os 21 e 22 supra contra o efeito directo antecipado; tal obrigação contribui para evitar os riscos de transposição incorrecta que se verificariam se as disposições de execução fossem interpretadas diferentemente antes e depois do decurso do prazo de transposição. Deve entender-se, por outro lado, que um Estado-membro pretende que as disposições de execução sejam interpretadas à luz da legislação que se destinam a executar.

24. Considero no entanto que, quando o prazo fixado não tenha ainda decorrido, a obrigação que incumbe ao tribunal nacional de interpretar as medidas nacionais à luz das disposições comunitárias apenas existe em relação às medidas destinadas a dar cumprimento às disposições em questão. Porque, de outro modo, o tribunal nacional ficaria sujeito à obrigação de se antecipar à decisão do legislador nacional, aplicando a directiva antes de este último ter escolhido o momento e o método da sua aplicação; esta situação seria, em meu entender, absurda. Até expirar o prazo estabelecido, o dever do triubunal nacional é assim mais restrito que o que surge depois da data-limite para a transposição. Após esta data, o dever do tribunal nacional, mais amplo, é o de interpretar todas as disposições pertinentes do direito nacional à luz das normas comunitárias: v., relativamente a este último dever, o acórdão Marleasing (C-106/89, Colect. 1990, p. I-4135), no qual o Tribunal declarou no n. 8 que

"... a obrigação dos Estados-membros, decorrente de uma directiva, de atingir o resultado por ela prosseguido, bem como o seu dever, por força do artigo 5. do Tratado, de tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar a execução dessa obrigação impõem-se a todas as autoridades dos Estados-membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais".

Esta passagem prova, em meu entender, que o dever mais amplo de interpretação se baseia na obrigação de aplicar a directiva, obrigação essa que naturalmente só passa a existir após o decurso do prazo para transposição.

25. Em consequência, para determinar o alcance da obrigação de interpretação do tribunal nacional, pode ser necessário verificar se as disposições nacionais em causa se destinam a dar cumprimento à directiva em questão. Esta apreciação da vontade do legislador faz, no entanto, normalmente parte da interpretação de qualquer legislação. Não me parece assim inaceitável que a obrigação de interpretar as disposições nacionais à luz do direito comunitário seja afectada pelo resultado de tal apreciação. Como vimos, daí resulta que, a menos que se descortine a intenção de transpor a directiva, a obrigação de interpretar as disposições nacionais à luz da directiva apenas surge findo o prazo para transposição.

26. É certo que, no n. 15 do acórdão Kolpinghuis Nijmegen (80/86, Colect. 1987, p. 3969), o Tribunal declarou:

"Quanto à terceira questão (submetida pelo tribunal nacional nesse processo) relativa aos limites que poderiam ser impostos pelo direito comunitário à obrigação ou à faculdade para o juiz nacional de interpretar as normas do seu direito nacional à luz da directiva, esse problema não se coloca de maneira diferente conforme o prazo de transposição tenha ou não decorrido."

Deve no entanto salientar-se que o Tribunal de Justiça tinha respondido a essa terceira questão declarando que, embora o tribunal nacional devesse interpretar a legislação de forma a atingir o resultado pretendido pela directiva, uma directiva não pode, por si só, ter o efeito de determinar a responsabilidade penal dos particulares: v. o n. 14 do acórdão. É claro que esta limitação do dever de interpretação do tribunal nacional é aplicável independentemente de ter ou não decorrido o prazo de transposição. Em contrapartida, não me parece que o Tribunal de Justiça pretendesse declarar que o fim do prazo para transposição nunca podia afectar o âmbito da obrigação do tribunal nacional de interpretar disposições nacionais à luz de uma directiva.

27. Concluo, assim, que a Decisão 88/408 apenas pode ter efeito directo após o decurso do prazo estabelecido no artigo 11. da decisão, independentemente de terem ou não sido adoptadas medidas para transposição da decisão para o direito nacional antes do fim desse prazo; no entanto, mesmo antes de ter expirado o prazo estabelecido, qualquer legislação nacional destinada a dar cumprimento à decisão deve ser interpretada, na medida do possível, de forma a alcançar o resultado visado pela decisão.

Terceira questão

28. Deve notar-se que as taxas em causa foram cobradas nos termos de um regulamento adoptado pelo Land do Schleswig-Holstein, que estabelece taxas que excedem os montantes fixos previstos no artigo 2. , n. 1, da Decisão 88/408. Segundo a recorrente, só o Governo federal, e não as autoridades dos diversos Laender, goza da faculdade de estabelecer derrogações aos níveis fixos das taxas estabelecidas no artigo 2. , n. 2, da decisão. O Governo alemão entende, pelo contrário, que a fixação das taxas ao nível dos diversos Laender constitui o meio mais adequado para garantir, nos termos do artigo 2. , n. 2, que as taxas correspondam aos custos reais da inspecção. O Governo alemão entende, assim, que a República Federal da Alemanha tem o direito de delegar nas autoridades do Schleswig-Holstein a faculdade de estabelecer derrogações aos níveis fixos das taxas.

29. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ao aplicar a legislação comunitária, um Estado-membro pode, em princípio, delegar os seus poderes às autoridades internas. Em consequência, um Estado-membro pode aplicar a legislação comunitária através de medidas adoptadas pelas autoridades regionais ou locais, desde que esta repartição de poderes seja compatível com a aplicação correcta das normas em causa: v. os acórdãos Comissão/Países Baixos, n. 12 (96/81, Recueil 1982, p. 1791), e Comissão/Bélgica, n. 9 (227/85 a 230/85, Colect. 1988, p. 1).

30. Em meu entender, não existe nada no artigo 2. , n. 2, da decisão que sugira que os Estados-membros não podem delegar nas autoridades locais ou regionais o poder de estabelecer derrogações aos níveis fixos das taxas estabelecidos pelo artigo 2. , n. 1. Resulta, por outro lado, claramente das orientações constantes do anexo da decisão que os Estados-membros podem reduzir os níveis fixos das taxas "de um modo geral" e "para um dado estabelecimento": v. o n. 1, alíneas a) e b), do anexo. Isto sugere que os Estados-membros podem adaptar os níveis da taxa às condições existentes num determinado estabelecimento, ou fixar os níveis correspondentes aos custos médios de um determinado número de estabelecimentos, como, por exemplo, os de uma dada localidade ou região. Embora o n. 2 do anexo, relativo aos aumentos dos níveis fixos das taxas, não refira expressamente a hipótese de um aumento "geral", não vejo razão para que os aumentos e as reduções sejam regidos por princípios diferentes. Em ambos os casos o princípio é o de que qualquer desvio dos níveis fixos deve justificar-se com base nos custos reais de inspecção, quer para um determinado estabelecimento, quer como média em relação a um grupo de estabelecimentos que funcionam em condições semelhantes. A intenção é claramente a de que esta média possa ser calculada em relação tanto a uma dada localidade ou região como a um Estado-membro no seu todo.

31. Considero, assim, que o poder de estabelecer derrogações aos níveis fixos da taxa estabelecidos no artigo 2. , n. 1, pode ser exercido tanto a nível local ou regional, como nacional. Esta interpretação é corroborada pelo artigo 5. , n. 1, da decisão, nos termos do qual

"O montante referido no artigo 2. substitui qualquer outra imposição ou taxa sanitária cobrada pelas autoridades nacionais, regionais ou comunais dos Estados-membros..."

O poder pode assim ser exercido por uma autoridade local ou regional, que fixa as taxas para matadouros individuais ou categorias de estabelecimentos, ou que estabelece uma taxa fixa para todos os estabelecimentos da localidade ou região em causa.

Conclusão

32. Em consequência, sou de opinião de que deve responder-se da seguinte forma às questões submetidas pelo Verwaltungsgericht:

"1) O artigo 2. , n. 1, da Decisão 88/408/CEE do Conselho pode ser invocado por um particular perante um tribunal nacional contra um Estado-membro que não tenha utilizado correctamente a faculdade conferida pelo artigo 2. , n. 2, da decisão, mas apenas em relação ao período posterior à data fixada no artigo 11. da decisão.

2) Um Estado-membro pode delegar o exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 2. , n. 2, da decisão nas autoridades regionais ou locais."

(*) Língua original: inglês.

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