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Document 61991CC0146

    Conclusões do advogado-geral Van Gerven apresentadas em 15 de Septembro de 1993.
    Koinopraxia Enóséon Georgikon Synetairismon Diacheiríséos Enchorion Proïonton Syn. PE (KYDEP) contra Conselho da União Europeia e Comissão das Comunidades Europeias.
    Organização comum de mercado no sector de cereais - Responsabilidade extracontratual.
    Processo C-146/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1994 I-04199

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:356

    61991C0146

    Conclusões do advogado-geral Van Gerven apresentadas em 15 de Septembro de 1993. - KOINOPRAXIA ENOSEON GEORGIKON SYNETAIRISMON DIACHEIRISEOS ENCHORION PROIONTON SYN. PE (KYDEP) CONTRA CONSELHO DA UNIAO EUROPEIA E COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - ORGANIZACAO COMUM DE MERCADO NO SECTOR DOS CEREAIS - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. - PROCESSO C-146/91.

    Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-04199


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. Os presentes autos resultam de uma acção intentada pela Koinopraxia Enóséon Georgikon Synetairismon Diacheiríséos Enchorion Proïonton Syn. PE (a seguir "KYDEP") contra o Conselho e a Comissão das Comunidades Europeias ao abrigo do disposto no artigo 215. , segundo parágrafo, do Tratado CEE. A KYDEP pede a reparação dos danos que terá sofrido em razão dos actos e omissões ilícitos das instituições anteriormente referidas que se verificaram no âmbito da actividade regulamentar por elas empreendida na sequência do acidente nuclear ocorrido em Chernobil em 26 de Abril de 1986. Na sequência desse acidente, uma nuvem radioactiva cobriu grande parte da superfície da Europa, originando a contaminação de uma grande quantidade de produtos agrícolas.

    2. A KYDEP é uma cooperativa de direito grego, com sede em Atenas e que agrupa 93 uniões de cooperativas agrícolas. Compra aos produtores gregos, designadamente, cereais e legumes que armazena e vende. Da colheita de 1986, comprou 634 162,152 toneladas de trigo duro e 335 202,676 toneladas de trigo mole tanto para venda a países terceiros como para entrega à intervenção.

    A KYDEP sustenta que ° devido à sua acção ou, mais precisamente, à sua omissão, como seguidamente exporei mais detalhadamente ° o Conselho e a Comissão agiram ilicitamente e que ela, a KYDEP, não pôde ou não pôde integralmente, por essa razão, vender ou entregar à intervenção as quantidades de trigo que tinha comprado ou, pelo menos, não o pôde fazer nas condições esperadas. Reclama, portanto, à Comunidade a reparação dos danos sofridos.

    Os actos normativos do Conselho e da Comissão impugnados pela demandante

    3. Antes de proceder a um resumo cronológico da actuação do Conselho e da Comissão, criticada pela demandante, devo observar que os actos normativos tomados pelas instituições na sequência do acidente nuclear de Chernobil, diziam (evidentemente) sobretudo respeito às importações de produtos agrícolas provenientes de determinados países da Europa Central e Oriental, por outras palavras, de países terceiros. Ora, as acusações da demandante relacionam-se com produtos que comprou na Grécia e que apresentou à intervenção ou vendeu nesse país ou a cuja exportação procedeu. O elemento central (mas que nunca foi claramente referido) das acusações da KYDEP parece, portanto, ser o de que as instituições comunitárias não se concentraram com a mesma intensidade sobre a regulamentação e o auxílio financeiro a favor dos produtos originários dos Estados-membros, mais especificamente da Grécia, ou que o fizeram demasiado tarde ou incorrectamente.

    Relativamente a este último ponto ° o auxílio financeiro a favor dos produtos gregos ° as acusações da KYDEP dizem respeito às medidas que foram tomadas ou que (incorrectamente, segundo a KYDEP) não foram tomadas ou foram tomadas de forma insuficiente e que se relacionam com a compra e/ou a concessão de restituições à exportação pelo organismo de intervenção competente para o trigo originário da Grécia.

    Na exposição que se segue, distinguirei estas duas categorias de actos regulamentares. Tratarei primeiro as medidas tomadas pelas instituições relativamente, sobretudo, à importação e à venda dos produtos em questão quando provenientes dos países terceiros em causa, e especificamente das medidas relativas aos níveis máximos admissíveis de contaminação, como foram fixados (pontos 4 e seguintes). Seguidamente, analisarei as medidas relativas à compra e à concessão das restituições à exportação no que concerne os produtos originários da Grécia (pontos 10 e seguintes).

    Medidas relativas às tolerâncias máximas admissíveis

    4. As primeiras medidas tomadas ° de carácter preparatório ° eram de ordem geral. Foi assim que, numa primeira reacção ao acidente de Chernobil, mais especificamente num comunicado à imprensa de 29 de Abril de 1986, a Comissão informou, designadamente, que, em aplicação dos artigos 35. e 36. do Tratado CEEA, tinha pedido aos Estados-membros que lhe transmitissem dados sobre a radioactividade atmosférica e que tinha a intenção de inscrever esse problema na ordem do dia para a próxima reunião do Comité Científico e Técnico instituído pelo artigo 31. do Tratado CEEA (1).

    Uma semana mais tarde, em 6 de Maio de 1986, a Comissão dirigiu ° no quadro da competência geral que lhe foi atribuída pelos artigos 155. do Tratado CEE e 124. do Tratado CEEA ° uma recomendação aos Estados-membros relativa à coordenação das medidas que os Estados-membros já tinham adoptado ou tinham a intenção de adoptar com vista à proibição da comercialização de produtos agrícolas contaminados pela radioactividade (2). Esta recomendação fixava as tolerâncias máximas de radioactividade para o leite e os produtos lácteos e para os frutos e legumes (mas não para os cereais) e enunciava como princípio que os Estados-membros deviam respeitar as mesmas normas nos seus próprios mercados e nas suas exportações e deviam reconhecer os controlos efectuados pelos outros Estados-membros.

    5. No dia seguinte, ou seja, em 7 de Maio de 1986, a Comissão tomou uma primeira medida relativamente às importações provenientes dos países da Europa Central e Oriental. Trata-se mais especificamente de uma decisão que suspende as importações provenientes da Bulgária, da Hungria, da ex-Jugoslávia, da Polónia, da Roménia, da ex-Checoslováquia e da ex-União Soviética (3).

    Alguns dias mais tarde, o Conselho adoptou, sob proposta da Comissão, o Regulamento (CEE) n. 1388/86, de 12 de Maio de 1986, relativo à suspensão das importações de certos produtos agrícolas originários de certos países terceiros (4). Este regulamento previa uma proibição temporária (até 31 de Maio de 1986), mas total, das importações de onze categorias de produtos agrícolas (principalmente, carne, leite e produtos lácteos, bem como frutos e legumes) originários dos países da Europa Central e Oriental referidos no parágrafo anterior (5). O trigo e os outros cereais ou produtos cerealíferos, ou seja, os produtos em questão no caso em apreço, não foram abrangidos.

    6. Em 30 de Maio de 1986, o Conselho adoptou um novo regulamento, ou seja, o Regulamento (CEE) n. 1707/86, que uma vez mais dizia respeito às importações de produtos agrícolas originários de países terceiros (6). Este regulamento previa ainda medidas urgentes de natureza temporária. Todavia, contrariamente ao regulamento anterior, abrangia todos os produtos agrícolas e transformados destinados à alimentação humana e, portanto, também o trigo e, ao invés de impor uma proibição total das importações provenientes dos sete países anteriormente referidos, fixava tolerâncias máximas, no respeito das quais as importações eram autorizadas. Concretamente, o seu artigo 3. dispunha que a radioactividade máxima acumulada de césio 134 e 137 não podia ultrapassar 370 Bq/Kg para o leite e 600 Bq/Kg para todos os outros produtos em causa (7). O segundo considerando do regulamento indicava que, "contudo, pode ser necessário reexaminar essas tolerâncias aplicáveis a países terceiros à luz das decisões comunitárias em matéria de tolerâncias de contaminação internas".

    7. O Regulamento n. 1707/86 dizia, portanto, respeito às importações provenientes de (determinados) países terceiros. Durante a reunião do Conselho de 30 de Maio de 1986, no decurso da qual este regulamento foi adoptado (8), os Estados-membros acordaram, todavia, no que respeita aos produtos originários de outros Estados-membros que são visados pelo regulamento, que não aplicariam tolerâncias máximas mais restritivas do que as fixadas pelo regulamento para as importações provenientes de países terceiros. Recordaram, também, uma declaração anterior, de 12 de Maio de 1986, na qual se tinham comprometido a não aplicar aos produtos originários de outros Estados-membros tolerâncias máximas mais restritivas do que as que aplicam aos produtos nacionais.

    Durante essa mesma reunião, o Conselho solicitou à Comissão que lhe apresentasse logo que possível propostas, com base nas disposições apropriadas do Tratado CEEA, com vista a completar as normas existentes para a protecção da população e instituir um processo que lhe permitisse futuramente fazer face a situações urgentes.

    8. A vigência do Regulamento n. 1707/86, que inicialmente devia expirar em 30 de Setembro de 1986, foi prorrogada por duas vezes. Em 22 de Dezembro de 1987, o Conselho adoptou dois novos regulamentos. O primeiro destes regulamentos, ou seja, o Regulamento (CEE) n. 3955/87, diz uma vez mais respeito às importações de produtos agrícolas originários de países terceiros (9). Este regulamento retoma, no essencial e sem introduzir alterações substanciais importantes, as disposições do Regulamento n. 1707/86: as mesmas tolerâncias máximas foram mantidas para vigorarem por dois anos relativamente aos mesmos produtos originários dos mesmos países (10).

    O segundo regulamento, isto é, o Regulamento (Euratom) n. 3954/87 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1987 (11), tem um prazo de vigência ilimitado. Nos termos do seu primeiro artigo, estabelece "o processo para a determinação dos níveis máximos tolerados de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais que podem ser comercializados na sequência de um acidente nuclear ou de qualquer outro caso de emergência radiológica que possa provocar ou tenha provocado uma contaminação radioactiva significativa de géneros alimentícios e de alimentos para animais". Por outras palavras, este regulamento concretizou o desejo do Conselho de instituir um processo que futuramente lhe permitisse fazer face às situações urgentes (v. supra, ponto 7).

    9. Segundo o processo previsto pelo regulamento referido em último lugar, logo que a Comissão receba informações oficiais sobre acidentes ou sobre qualquer outro caso de emergência radiológica, "que comprovem que os limites máximos tolerados referidos no anexo podem vir a ser ou foram atingidos" (v. infra), adoptará imediatamente um regulamento que torne aplicáveis esses níveis máximos tolerados (artigo 2. , n. 1). Após consultas a peritos, a Comissão apresentará ao Conselho uma proposta de regulamento no prazo de um mês a contar da adopção do seu regulamento e o Conselho pode adaptar ou confirmar esta proposta dentro de um prazo determinado (artigo 3. , n.os 1 a 3). Caso contrário, os níveis fixados no anexo continuarão a ser aplicados até que o Conselho tome uma decisão ou a Comissão retire a sua proposta (artigo 3. , n. 4).

    Os níveis fixados no anexo, para os quais remete a parte da frase já referida do artigo 2. , n. 1, do regulamento, são de 1 000 Bq/Kg para os produtos lácteos e de 1 250 Bq/Kg para os outros géneros alimentícios no que respeita ao césio 134 e 137, sendo fixados outros níveis para o estrôncio 90, o iodo 131, o plutónio 239 e o amerício 241. Quanto ao césio, os níveis fixados são, portanto, relativamente aos outros géneros alimentícios que não os produtos lácteos (como o trigo), muito mais elevados do que os previstos pelo Regulamento n. 1707/86 para as importações provenientes dos países terceiros em causa (v. supra, ponto 6).

    Medidas referentes à compra e à concessão de restituições à exportação pelos organismos de intervenção

    10. A este respeito, gostaria em primeiro lugar de citar uma comunicação que a Comissão dirigiu em 24 de Julho de 1986 por telex aos representantes permanentes dos doze Estados-membros. Esta comunicação foi assinada por G. Legras, director-geral da Agricultura, e dizia respeito à compra pelos organismos de intervenção de produtos contaminados pelo acidente de Chernobil e à concessão de restituições à exportação para esses produtos. Esta comunicação desempenha um papel importante na argumentação da KYDEP (v. infra, ponto 19). Cito-a por extenso:

    "Chama-se a atenção dos Estados-membros sobre o facto de que as regras comunitárias em matéria de compra à intervenção prevêem que, em regra geral, os produtos oferecidos devem ser de qualidade sã, leal e comercial, ou não conter substâncias susceptíveis de prejudicar a saúde humana. Além disso, qualquer produto agrícola que não é comercializável em razão das suas características não pode ser objecto de um contrato de compra.

    Por outro lado, no que diz respeito aos produtos para os quais é pedida uma restituição à exportação, recorda-se que, nos termos do artigo 15. do Regulamento (CEE) n. 2730/79 (JO L 317 de 12.12.1979), a restituição é concedida para os produtos de qualidade sã, íntegra e comercial e que não podem ser excluídos da alimentação humana em razão das suas características ou do seu estado.

    Tendo em conta o referido anteriormente e à luz do Regulamento (CEE) n. 1707/86 do Conselho (JO L 146 de 31.5.1986), é necessário considerar que os produtos que não respeitam as tolerâncias máximas de radioactividade fixadas no artigo 3. do citado regulamento não podem ser tomados em consideração em termos de preenchimento, quer das condições exigidas para a compra à intervenção, quer das exigidas para beneficiar das restituição à exportação. Em consequência, os respectivos custos financeiros não serão tomados a cargo pelo FEOGA" (12).

    11. A Comissão não se limitou a tomar esta medida. Através do seu Regulamento (CEE) n. 2751/88, de 2 de Setembro de 1988 (13), adoptou também uma medida especial de intervenção para o trigo duro na Grécia, especificamente o trigo da colheita de 1986. Esta medida foi tomada com fundamento no artigo 8. do Regulamento (CEE) n. 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975 (14), que prevê que poderão ser tomadas medidas especiais de intervenção quando a situação do mercado de determinadas regiões da Comunidade o exija. A medida especial de intervenção que foi desse modo tomada para o trigo duro na Grécia consistiu na concessão de uma restituição à exportação para 300 000 toneladas de trigo duro, exportado a partir da Grécia, 40% das quais deviam provir da colheita grega de 1986.

    Princípios essenciais da responsabilidade extracontratual

    12. Pode ser útil começar a apreciação dos fundamentos invocados pela demandante em apoio do seu pedido de indemnização recordando os princípios essenciais da responsabilidade extracontratual da Comunidade. Para esse efeito, cito os n.os 12 e 13 dos fundamentos do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1992 nos processos apensos C-104/89 e C-37/90:

    "O artigo 215. , segundo parágrafo, do Tratado dispõe que, em matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros, os danos causados pelas suas instituições no exercício das suas funções. O alcance desta disposição foi delimitado no sentido de que, tratando-se de actos normativos que impliquem opções de política económica, só pode haver responsabilidade da Comunidade em presença de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito que protege os particulares (v. nomeadamente acórdão de 25 de Maio de 1978, Bayerische HNL/Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209, n.os 4 a 6). Mais especificamente, num contexto normativo como o do caso em apreço, caracterizado pelo exercício de um amplo poder de apreciação, indispensável à implementação da política agrícola comum, só pode haver responsabilidade da Comunidade se a instituição em causa tiver ignorado, de modo manifesto e grave, os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes (v., nomeadamente, acórdão de 25 de Maio de 1978, já referido, n. 6).

    Além disso, é jurisprudência constante que a responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que o dano invocado exceda os limites dos riscos económicos normais inerentes às actividades no sector em causa (v. acórdãos de 4 de Outubro de 1979, Ireks-Arkady/Conselho e Comissão, 238/78, Recueil, p. 2955, n. 11; DGV/Conselho e Comissão, 241/78, 242/78, 245/78 a 250/78, Recueil, p. 3017, n. 11; Interquell Staerke-Chemie/Conselho e Comissão, 261/78 e 262/78, Recueil, p. 3045, n. 14; e Dumortier frères/Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n. 11)" (15).

    13. Para os autos que hoje nos ocupam é, portanto, necessário verificar, em primeiro lugar, se no caso em apreço se verifica uma violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito que protege os particulares. A KYDEP refere cinco violações deste tipo, referentes, respectivamente, ao artigo 39. , n. 1, alíneas b) e c), do Tratado CEE, ao princípio da não discriminação, ao princípio da proporcionalidade, à apreciação manifestamente errada dos factos e ao princípio da livre circulação de mercadorias e da livre exportação. A Comissão e o Conselho contestam pontualmente a existência dessas violações e concluem pela improcedência da acção da KYDEP, sem haver necessidade de analisar os outros requisitos da responsabilidade, especificamente, a existência do dano e o nexo de causalidade.

    A alegada violação do artigo 39. , n. 1, alíneas b) e c), do Tratado CEE

    As críticas da demandante contra o Conselho

    14. O artigo 39. , n. 1, do Tratado CEE enumera os objectivos da política agrícola comum. Fundando-se nos considerandos do Regulamento (CEE) n. 2727/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais (16), a KYDEP sustenta ° sem que esse elemento seja contestado pelo Conselho ou Comissão ° que, para o sector dos cereais, os principais objectivos são, mais especificamente, o de assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola e o de estabilizar os mercados. Em seu entender, o Conselho terá violado estes objectivos ao não adoptar, à época do acidente de Chernobil, uma decisão comunitária quanto à intervenção, exportação e ao comércio intracomunitário no que toca aos cereais. Esta omissão terá sido tanto mais grave quanto o Conselho terá suscitado certas expectativas ao anunciar, no segundo considerando do Regulamento n. 1707/86, uma decisão comunitária em matéria de tolerâncias de contaminação internas (17). O Conselho estaria mesmo obrigado a tomar estas medidas e isto por força do disposto no artigo 8. do Regulamento n. 2727/75, já referido (v. supra, ponto 11).

    Na sua réplica à contestação do Conselho, a KYDEP precisou que, caso o Conselho tivesse tomado medidas especiais de intervenção em aplicação do referido artigo 8. , teria podido tomar a esse respeito medidas directamente adaptadas aos problemas dos produtores e dos comerciantes. Se bem entendi, a KYDEP terá, portanto, pretendido que o Conselho lhe concedesse, a si ou, pelo menos, ao sector grego dos cereais, um auxílio financeiro especial que neutralizasse as consequências do acidente de Chernobil.

    15. Para se defender desta crítica, o Conselho avança os seguintes argumentos. Em primeiro lugar, invoca que, à época do acidente de Chernobil, as instituições não estavam devidamente habilitadas a actuar nos termos do direito comunitário e, mais especificamente, que não existiam processos que permitissem fixar os níveis máximos admissíveis de contaminação radioactiva em caso de extrema urgência (18). É certo que o artigo 2. , alínea b), do Tratado CEEA prevê que a Comunidade Europeia da Energia Atómica deve estabelecer normas de segurança uniformes destinadas à protecção sanitária da população e velar pela sua aplicação. A esta disposição deram execução várias directivas de 1959, que foram posteriormente substituídas pela directiva do Conselho de 15 de Julho de 1980 que altera as directivas que fixam as normas de base relativas à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes (19). Todavia, estas directivas não contêm normas que fixem níveis máximos de contaminação radioactiva para os géneros alimentícios na sequência de um acidente nuclear. É certo que o n. 4 do artigo 45. da directiva, já referida, de 15 e Julho de 1980 dispõe que "em caso de acidente, cada Estado-membro estabelecerá: a) os níveis de intervenção, bem como as medidas a tomar pelas autoridades competentes...". De resto, foi em conformidade com esta disposição que, imediatamente após o acidente de Chernobil, os Estados-membros fixaram tolerâncias máximas válidas a nível nacional. Além disso, aquando da adopção do Regulamento n. 1707/86, comprometeram-se a não aplicar para as importações originárias de outros Estados-membros tolerâncias máximas mais restritivas do que as aplicadas aos produtos nacionais (v. ponto 7) e, na realidade, retomaram as tolerâncias máximas que tinham sido fixadas para as importações provenientes dos países terceiros (v. ponto 28).

    A este respeito, o Conselho observa ainda que o quadro legal, em vigor à época do acidente de Chernobil e que posteriormente se revelou ser insuficiente, correspondia às exigências e aos conhecimentos científicos da época. Antes do acidente de Chernobil, era geralmente admitido nos meios científicos que os efeitos de um acidente nuclear apenas se faziam sentir numa zona limitada. Os dois principais acidentes nucleares ocorridos anteriormente, ou seja, o de Three Mile Island nos Estados Unidos e o de Windscale no Reino Unido, tinham apenas, efectivamente, produzido efeitos locais. De igual modo, apenas se tinham tido em conta não apenas na Comunidade, mas também no âmbito das organizações internacionais competentes, os níveis de radioactividade admissíveis relativamente a um organismo humano a eles directamente exposto em caso de acidente. Mais especificamente, não existiam normas, reconhecidas a nível internacional, relativamente aos níveis admissíveis de radioactividade para os géneros alimentícios. Apenas a US Food and Drug Administration tinha adoptado normas a partir de 1982.

    16. Quanto à possibilidade de tomar medidas especiais de intervenção, prevista pelo artigo 8. do Regulamento n. 2727/75, o Conselho observa que esta possibilidade foi efectivamente utilizada, especificamente, através do Regulamento (CEE) n. 2751/88 da Comissão, de 2 de Setembro de 1988, relativo a uma medida especial de intervenção para o trigo duro na Grécia (v. supra, ponto 11). O Conselho observa ainda que não está obrigado nem pelo Tratado nem pelo Regulamento n. 2727/75 a tomar medidas para directamente reparar financeiramente as perdas sofridas pelos produtores em virtude de calamidades naturais ou de outros acontecimentos extraordinários. Em contrapartida, o artigo 92. , n. 2, alínea b), do Tratado CEE dispõe que os Estados-membros podem conceder auxílios nestes casos.

    Finalmente, o Conselho interroga-se sobre a questão de saber se o artigo 39. do Tratado CEE constitui realmente uma regra superior de direito que protege os particulares e cuja violação pode determinar a responsabilidade da Comunidade em razão dos actos normativos adoptados. Remete a este respeito para uma observação feita nesse sentido pelo advogado-geral Capotorti: "Os interesses dos destinatários da política agrícola comum retiram (dessa disposição) uma protecção, mas não sob a forma de uma atribuição de direitos subjectivos" (20).

    17. Posso, sem hesitação, concordar com os argumentos do Conselho. A KYDEP não demonstrou de modo algum a existência de uma "violação suficientemente caracterizada de uma regra superior de direito que protege os particulares" e também não fez prova de que o Conselho tenha "ignorado, de modo manifesto e grave, os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes" (v. supra, ponto 12). Independentemente da questão de saber se o artigo 39. constitui uma regra superior de direito que protege os particulares, penso que, no mínimo, não estamos perante um acto ilícito ou uma omissão ilícita ou, por maioria de razão, uma falta suficientemente caracterizada. Como o Conselho observa com razão, não há qualquer disposição de direito comunitário que o obrigasse a tomar medidas de reparação financeira das perdas sofridas pelos produtores gregos de cereais em virtude do acidente nuclear de Chernobil. Mais especificamente, semelhante obrigação não poderia resultar da disposição geral do artigo 39. do Tratado CEE, que cita como objectivos da política agrícola comum a garantia de um nível de vida equitativo para a população agrícola e a estabilização dos mercados. O artigo 8. do Regulamento n. 2727/75, já referido, torna a adopção de medidas especiais de intervenção possível, mas não obrigatória. De resto, a Comissão tomou efectivamente, através do Regulamento n. 2751/88, já referido, uma medida especial de intervenção a favor do trigo duro da colheita de 1986 originário da Grécia.

    Penso também que é com razão que o Conselho afirma ° sem que a KYDEP refute esta afirmação através de argumentos concretos ° que, no estado do direito comunitário à época do acidente de Chernobil, incumbia aos Estados-membros fixar níveis máximos de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios em caso de um acidente nuclear. A falta de normas comunitárias preexistentes ou de um processo que permitisse adoptá-las com urgência pode dificilmente ser criticada às instituições ° de resto, se bem o entendi, a KYDEP não o faz °, pois que o acidente de Chernobil e as suas consequências, que se fizeram sentir a grande distância, foram, em si mesmos, algo de totalmente inédito.

    As críticas da demandante contra a Comissão

    18. Em paralelo à crítica já referida feita ao Conselho, a KYDEP considera que a Comissão tardou muito a apresentar uma proposta de regulamentação definitiva relativa à contaminação radioactiva dos géneros alimentícios. Durante a sua reunião de 30 de Maio de 1986, no decurso da qual o Regulamento n. 1707/86 foi adoptado, o Conselho tinha convidado a Comissão a apresentar "sem tardar" propostas para uma regulamentação relativa, designadamente, à contaminação radioactiva dos géneros alimentícios (v. supra, ponto 7). Foi apenas treze meses mais tarde, ou seja, em 2 de Julho de 1987, que a Comissão apresentou a proposta que conduziu à adopção do Regulamento n. 3954/87 (v. supra, ponto 7).

    A Comissão não nega estes factos, mas sustenta que um período de treze meses constitui, no caso em apreço, um lapso de tempo razoável e que este não resultou da sua inércia, mas sim da complexidade da matéria e das divergências de opiniões dos peritos. Como a KYDEP também referiu na sua réplica ao Conselho, a Comissão, durante esses treze meses, organizou, designadamente, um simpósio internacional que reuniu 100 peritos de 27 países e os representantes das organizações internacionais competentes.

    Necessário é verificar que a KYDEP se limita a afirmar, sem mais, que um período de treze meses constitui um lapso de tempo demasiado longo e que de modo algum refuta os argumentos, em sentido contrário, da Comissão. De resto, não me parece que um período de treze meses constitua, por si só, um lapso de tempo particularmente longo, pelo menos no âmbito de uma matéria técnica complexa e tendo-se em conta as circunstâncias totalmente inéditas. Portanto, este argumento da KYDEP não deve ser acolhido.

    19. A KYDEP critica também à Comissão ter agravado o problema do sector dos cereais na Grécia ao dirigir em 24 de Julho de 1986, por telex, uma comunicação aos Estados-membros (v. supra, ponto 10). Esta comunicação era, em seu entender, perfeitamente ilegal e causou um prejuízo grave. Conduziu, em substância, à proibição da apresentação à intervenção de produtos agrícolas cuja radioactividade excedesse as tolerâncias que refere ou a concessão das restituições à exportação para esses produtos.

    Segundo a Comissão, esta comunicação de modo algum era ilegal. Deve juridicamente ser considerada como uma comunicação declarativa ou interpretativa, que a Comissão dirigiu aos Estados-membros no âmbito da colaboração administrativa mútua e na qual recorda aos Estados-membros as normas para o financiamento das despesas agrícolas a cargo do FEOGA. Estas normas teriam sido aplicáveis também sem essa chamada de atenção.

    20. Posso concordar com os argumentos da Comissão. É perfeitamente normal que, enquanto guardiã do direito comunitário e a autoridade de gestão do FEOGA, a Comissão recorde aos Estados-membros as normas comunitárias que esses Estados devem, também eles, aplicar. Também é normal que, no âmbito da colaboração administrativa com os Estados-membros, a Comissão comunique, a esse título, a sua interpretação no que toca à aplicação das normas para o financiamento das despesas agrícolas a cargo do FEOGA ° pois que seguidamente terá de aplicar essas normas no âmbito do apuramento anual das contas do FEOGA (21).

    De resto, creio que o telex criticado (para o texto integral, v. supra, ponto 10) procede a uma interpretação válida das disposições que refere ou das disposições em causa. O Regulamento (CEE) n. 1569/77 da Comissão, de 11 de Julho de 1977, que fixa os procedimentos e condições da tomada a cargo dos cereais pelos organismos de intervenção (22), dispõe no seu artigo 2. , n. 1, o seguinte:

    "Para serem aceites à intervenção, os cereais devem ser sãos, íntegros e comercializáveis."

    O artigo 15. do Regulamento (CEE) n. 2730/79 da Comissão, de 29 de Novembro de 1979, que estabelece regras comuns de aplicação do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (23), está redigido em termos análogos:

    "Nenhuma restituição é concedida sempre que os produtos não sejam de qualidade sã, íntegra e comercial e se esses produtos forem destinados à alimentação humana, sempre que a sua utilização para esse fim esteja excluída ou consideravelmente diminuída em razão das suas características ou do seu estado."

    A Comissão afirma no telex litigioso, em conformidade absoluta com esta disposição, que os produtos agrícolas que não respeitem as tolerâncias máximas de radioactividade fixadas no Regulamento n. 1707/86 (v. supra, ponto 6) não podem ser considerados como sãos, íntegros e comercializáveis e próprios para o consumo humano na acepção das duas disposições referidas. Na medida em que essas tolerâncias possam ser admitidas (v. a este respeito os pontos 27 e 28), creio que esta interpretação das disposições é razoável.

    21. A KYDEP contesta esta interpretação com uma remissão para o n. 2 do artigo 2. , já referido, do Regulamento n. 1569/77:

    "São considerados como sãos, íntegros e comercializáveis, quando de cor própria do cereal em causa, isentos de cheiros, de depredadores vivos (incluindo os ácaros) em todos os seus estádios de desenvolvimento e quando satisfazem os critérios de qualidade mínima que constam em anexo."

    Uma vez que o anexo não refere a radioactividade, daí seria necessário deduzir, a contrario, que os cereais contaminados pela radioactividade devem ser considerados como sãos, íntegros e comercializáveis. Esta argumentação não pode ser seriamente tida em consideração.

    A alegada violação do princípio da não discriminação

    22. O artigo 40. , n. 3, segundo parágrafo, in fine, do Tratado CEE dispõe que uma organização comum de mercado "deve excluir toda e qualquer discriminação entre produtores ou consumidores da Comunidade". Segundo a KYDEP, as instituições comunitárias violaram este princípio de não discriminação ao não tomarem medidas especiais a favor do sector dos cereais na Grécia. O território grego foi muito mais atingido pelas consequências do acidente de Chernobil que o resto da Comunidade. Portanto, a falta de medidas especiais a favor da Grécia constitui uma discriminação.

    Segundo a KYDEP, existência de uma discriminação também resulta de uma análise comparativa dos dois regulamentos que o Conselho adoptou em 22 de Dezembro de 1987 (v. ponto 8). O Regulamento n. 3955/87, adoptado nessa data, confirmou as medidas tomadas anteriormente relativamente aos produtos agrícolas importados de países terceiros, incluindo os níveis máximos admissíveis de contaminação radioactiva de 370 Bq/Kg para o leite e de 600 Bq/Kg para todos os outros produtos em questão (v. ponto 6). Em contrapartida, o Regulamento n. 3954/87, da mesma data, fixou níveis máximos admissíveis mais elevados para os acidentes futuros, ou seja, 1 000 Bq/Kg para os produtos lácteos e 1 250 Bq/Kg para os outros géneros alimentícios. Esta diferença não terá uma justificação objectiva.

    Finalmente, a KYDEP sustenta que o tratamento discriminatório do sector dos cereais da Grécia após o acidente de Chernobil foi ainda agravado devido ao facto de, apesar de os cereais não poderem ser comercializados, a Comissão ter, ainda assim, cobrado uma taxa de co-responsabilidade sobre as 2 367 000 toneladas de cereais gregos em questão.

    23. Esta argumentação da KYDEP não pode, em meu entender, ser acolhida e isto tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça: "Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a discriminação consiste em tratar de modo diferente situações idênticas e de modo idêntico situações diferentes (acórdão de 23 de Fevereiro de 1983, Wagner, Recueil, p. 371)" (24). O que a KYDEP aqui afirma é que o sector dos cereais da Grécia se encontrava numa situação diferente mas foi tratado de modo idêntico ao resto da Comunidade. Quanto à igualdade de tratamento, o Conselho observa que medidas especiais foram efectivamente tomadas a favor da Grécia, especificamente através do Regulamento n. 2751/88 (v. ponto 11). Quanto à situação diferente, o Conselho e a Comissão observam que a Grécia não foi a única região da Comunidade a ser gravemente atingida pelo acidente de Chernobil. Resulta dos dados que a Comissão apresentou ao Tribunal que duas regiões da Comunidade, ou seja, o sul da Alemanha e o norte da Itália, sofreram uma contaminação radioactiva mais importante do que a Grécia. A KYDEP retorque que esses dados respeitam à contaminação do solo e não correspondem necessária e linearmente ao grau de contaminação dos produtos agrícolas. Todavia, a KYDEP não apresenta qualquer dado ou qualquer outra indicação de que resulte que o grau de contaminação dos produtos agrícolas, especificamente do trigo, tenha sido mais elevado na Grécia do que no resto da Comunidade (25). Pelo que concluo que a KYDEP não fez prova de que o sector dos cereais da Grécia foi vítima de discriminação: na medida em que se verificou ser a situação grega diferente da das outras regiões da Comunidade, isso foi tido em conta com a adopção de medidas especiais a favor da Grécia.

    24. O argumento da KYDEP, baseado numa análise comparativa dos dois regulamentos de 22 de Dezembro de 1987, também não é de natureza a me convencer. Como o Conselho e a Comissão observam com razão, estes dois regulamentos têm conteúdos e objectivos diferentes. O Regulamento (CEE) n. 3955/87 diz especificamente respeito às consequência do acidente de Chernobil. Os níveis máximos de contaminação radioactiva, que confirmava, eram razoáveis e justificados face às circunstâncias materiais concretas e aos dados científicos disponíveis à época (v. infra, pontos 27 e 28). Em contrapartida, o Regulamento (Euratom) n. 3954/87 não estabelece medidas concretas tomadas na sequência de uma ocorrência concreta, mas estabelece o processo de fixação dos níveis máximos de contaminação radioactiva em caso de um acidente nuclear futuro. Resulta dos artigos 2. , n. 1, e 3. , n. 4, desse regulamento (v. supra, ponto 9) que os níveis constantes do anexo desse regulamento se aplicam na falta ou enquanto não for tomada uma decisão que fixe, em função das circunstâncias do caso concreto, níveis máximos de contaminação radioactiva. Dado que estes níveis máximos têm aqui uma natureza subsidiária e são aplicáveis a título provisório, enquanto se aguarda que estejam disponíveis dados concretos, creio que é normal que se situem a um nível elevado. Em todo o caso, não se pode deduzir de uma comparação entre esses máximos subsidiários e os máximos específicos do Regulamento n. 3955/87 a existência de uma discriminação, dado que estes dois máximos se fundam em hipóteses diferentes, mais específica e respectivamente, a situação concreta de Chernobil e a situação hipotética e de ordem geral de acidentes futuros.

    25. Finalmente, também entendo que a KYDEP não fez prova de que se tenha verificado uma violação do princípio da não discriminação pelo facto de ter sido cobrada uma taxa de co-responsabilidade sobre os cereais que não foram tomados em consideração para a intervenção. O artigo 4. , n. 5, do Regulamento (CEE) n. 2727/75, que estabelece a organização comum de mercado no sector dos cereais, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n. 1579/86 do Conselho, de 23 de Maio de 1986 (26), prevê que a taxa de co-responsabilidade será aplicada aos cereais que sejam objecto de uma das seguintes operações: uma primeira transformação, uma compra à intervenção ou a exportação sob a forma de sementes. Ora, segundo a Comissão, toda a produção grega de cereais de 1986 e 1987 (anos durante os quais se levantou o problema da radioactividade) ou foi transformada ou foi exportada. Isto foi possível sem perigo devido à sua baixa taxa de radioactividade em caso de transformação ou devido ao facto de os cereais contaminados terem sido misturados com outros cereais, o que fez com que a taxa de radioactividade final fosse suficientemente baixa (27).

    A KYDEP de modo algum refutou ou sequer contestou estas alegações factuais da Comissão.

    A alegada violação do princípio da proporcionalidade

    26. Segundo a KYDEP, as instituições comunitárias violaram o princípio da proporcionalidade ao adoptarem as medidas previstas pelo Regulamento n. 1707/86 (v. supra, ponto 6). Segundo uma jurisprudência constante do Tribunal, este princípio requer "que as medidas impostas pelos actos das instituições comunitárias sejam adequadas para a realização do objectivo prosseguido e não ultrapassem os limites do que for necessário para este efeito" (28).

    Nos termos do seu terceiro considerando, o Regulamento n. 1707/86 tinha por objectivo zelar por que "produtos agrícolas e transformados destinados à alimentação humana e susceptíveis de serem contaminados só sejam introduzidos na Comunidade segundo modalidades comuns que, salvaguardando a saúde dos consumidores, preservem, sem prejudicarem indevidamente as trocas comerciais entre a Comunidade e países terceiros, a unicidade do mercado e evitem desvios de tráfego".

    Se bem entendi os seus argumentos, a KYDEP sustenta que as medidas tomadas terão ultrapassado o que era necessário para atingir esses objectivos, mais especificamente, que os níveis máximos admissíveis de contaminação radioactiva que foram fixados (370 Bq/Kg para o leite e 600 Bq/Kg para todos os outros produtos em causa, incluindo os cereais: v. ponto 6) eram mais restritivos do que o necessário para garantir a saúde dos consumidores.

    27. Não vejo muito bem com base em que fundamento a KYDEP considera estar autorizada a invocar esta violação do princípio da proporcionalidade. Noutras passagens das suas alegações, encontro o argumento de que os níveis máximos admissíveis não se justificavam cientificamente. O Conselho admitiu no quarto considerando do Regulamento n. 1707/86 que "a reflexão científica em matéria de níveis de referência mínimos (requer) ainda um aprofundamento", mas acrescentou que "é conveniente, não obstante, fixar, por motivos e segundo procedimentos de urgência, tolerâncias máximas provisórias". Como o agente da Comissão alegou na audiência ° sem que a KYDEP tenha minimamente refutado essas alegações °, continua hoje a não ser ainda possível afirmar quais sejam os níveis cientificamente correctos ou incontestáveis. Essa possibilidade era ainda mais aleatória imediatamente após o acidente de Chernobil que, como já referi por várias vezes, foi absolutamente inédito e era imprevisível quanto à natureza das suas consequências. A Comissão alegou ° de novo sem que a KYDEP tenha refutado estas alegações ° que fundou as suas propostas em todas as informações científicas disponíveis e tendo em conta as reacções da opinião pública e dos poderes públicos nos diferentes Estados-membros e nos países terceiros. Com efeito, vários Estados-membros e países terceiros tinham já tomado medidas ou estavam a ponto de as tomar, dependendo a natureza restritiva das tolerâncias máximas de contaminação radioactiva fixadas da sensibilidade da opinião pública às questões do ambiente nos vários países.

    28. Penso que as instituições comunitárias tinham o direito de fixar tolerâncias máximas uniformes vistas estas diferenças, e isto a fim de atingir uma média aceitável por todos os Estados-membros. Esse objectivo foi, pois, atingido através da adopção do Regulamento n. 1707/86 e das outras medidas tomadas pela Comunidade e pelos Estados-membros quer no que se refere às importações provenientes dos países terceiros quer no que respeita ao comércio intracomunitário: como a Comissão observou ° de novo sem que a KYDEP tivesse refutado essas observações °, todos os Estados-membros retomaram, para o comércio intracomunitário, as tolerâncias máximas que foram fixadas pelo regulamento para as importações provenientes dos países da Europa Central e Oriental (v. supra, pontos 6 e 7) e 20 países terceiros adoptaram também as mesmas tolerâncias. Em meu entender, é possível retirar dessa convergência uma indicação de que as tolerâncias máximas fixadas pelo Regulamento n. 1707/86 não eram aberrantes, tendo-se em conta os dados factuais e científicos disponíveis, que eram pouco numerosos à época. Dado que seguidamente não surgiu qualquer elemento novo do qual se pudesse deduzir não serem apropriadas, também creio que se justifica terem as tolerâncias máximas que o Regulamento n. 1707/86 tinha fixado como tolerâncias provisórias sido seguidamente confirmadas através do Regulamento n. 3955/87. Para além do argumento referente à análise comparativa com o Regulamento n. 3954/87, que já refutei (ponto 24), a KYDEP não avança qualquer outro argumento susceptível de demonstrar que os níveis máximos eram mais restritivos do que o necessário. Portanto, nada há que prove a existência de uma violação do princípio da proporcionalidade.

    A alegada apreciação manifestamente errada dos factos

    29. A KYDEP sustenta que as tolerâncias máximas, como foram fixadas pelo Regulamento n. 1707/86, correspondem a uma apreciação manifestamente errada dos factos. Como já referi anteriormente (ponto 6), o artigo 3. deste regulamento dispunha o seguinte:

    "a radioactividade máxima acumulada de césio 134 e 137 não deve ultrapassar:

    ° 370 Bq/Kg para o leite das posições 04.01 e 04.02 da pauta aduaneira comum, bem como para os géneros alimentícios destinados à alimentação especial dos lactentes durante os quatro a seis primeiros meses de vida, respondendo por si só às necessidades nutricionais dessa categoria de pessoas e acondicionados para venda a retalho em embalagens claramente identificadas e rotuladas como 'preparados para lactentes' ,

    ° 600 Bq/Kg para todos os outros produtos em causa."

    Segundo a KYDEP, esta disposição enferma de dois vícios importantes: em primeiro lugar, apenas fixa a taxa máxima de radioactividade para a fase do comércio a retalho do leite e não para os cereais e os outros produtos; em segundo lugar, a radioatividade é medida sobre o trigo, apesar do trigo não se destinar directamente ao consumo humano, mas ser sempre previamente transformado em farinha de trigo. Ora, o trigo apresenta uma taxa de radioactividade que, normalmente, é apenas de metade dessa taxa quando a medição se faz sobre o pericarpo (a parte do fruto que envolve o grão) do trigo. De onde se concluiria que a farinha beneficia de um tratamento manifestamente muito mais favorável do que o trigo.

    30. Na sua contestação, o Conselho sublinha de novo (v. ponto 15) que à época do acidente de Chernobil não existiam normas reconhecidas a nível internacional para a matéria dos níveis máximos admissíveis de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios. As normas, fixadas pelo Conselho no Regulamento n. 1707/86, tiverem por base todas as informações disponíveis à época: os pareceres dos peritos nacionais no que respeita à radioactividade e aos géneros alimentícios, as recomendações da Comissão Internacional de Protecção contra as Radiações (CIPR) e as instruções da US Food and Drug Administration. De resto, os níveis que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) propôs posteriormente, em Janeiro de 1987, foram mais ou menos idênticos aos fixados no Regulamento n. 1707/86.

    Na sua contestação, a Comissão analisou separadamente as duas questões controvertidas referidas pela KYDEP. Quanto ao tratamento diferente do leite, por um lado, e de todos os outros produtos, por outro, a Comissão referiu que apenas foi possível fixar uma norma relativa à fase do produto transformado para o leite porque, para os outros produtos, especificamente o trigo, existem tantos métodos de transformação e destinos finais diferentes que é praticamente impossível fixar normas para os produtos transformados. Na sua réplica, a KYDEP retorquiu, sem mais, não estar de acordo com esta alegação factual. Ainda quanto ao tratamento diferente do leite, a Comissão observa que a disposição é mais restritiva no que toca ao leite do que aos outros produtos, como o trigo, e, portanto, não compreende que interesse pode ter a KYDEP em contestar essa distinção.

    Quanto ao alegado tratamento mais vantajoso da farinha relativamente ao trigo, a Comissão confirma que a taxa de radioactividade baixa efectivamente de forma considerável quando o trigo sofre um tratamento. Como já foi anteriormente referido (ponto 25), isto explica igualmente a razão pela qual foi finalmente possível comercializar o trigo grego das colheitas de 1986 e 1987. Todavia, a Comissão não compreende então como pode a KYDEP considerar ter sofrido um prejuízo.

    31. Tendo em conta o carácter geral dos argumentos da KYDEP, que não apresenta qualquer elemento, de natureza científica ou outra, que seja convincente, e os argumentos de sentido contrário avançados pelo Conselho e a Comissão, considero que a acção da KYDEP também não colhe neste domínio. Com efeito, não se fez minimamente prova de que o Conselho tenha "ignorado, de modo manifesto e grave, os limites dos (seus) poderes". De resto, partilho do cepticismo da Comissão quanto ao interesse que a KYDEP pretende retirar dos próprios argumentos que avança.

    A alegada violação dos princípios da livre circulação das mercadorias e da livre exportação

    32. A KYDEP sustenta que os actos e omissões do Conselho e da Comissão, especificamente a não adopção de uma decisão comunitária relativa às intervenções, às exportações e ao comércio intracomunitário dos cereais (v. supra, ponto 14) e o envio do telex de 24 de Julho de 1986 pela Comissão (v. ponto 19), tiveram por efeito colocar um entrave à livre circulação das mercadorias e à livre exportação, especificamente no que se refere ao trigo com uma taxa de radioactividade superior a 600 Bq/Kg.

    33. Como o advogado da KYDEP também alegou na audiência, este fundamento não constitui verdadeiramente um fundamento distinto, mas sim um corolário ou uma explicitação dos outros fundamentos. O Conselho e a Comissão remetem, portanto, às contestações que apresentaram relativamente a esses outros fundamentos, especificamente, o referente à alegada violação do artigo 39. do Tratado CEE: a Comunidade não era competente para tomar medidas para além das tomadas (v. supra, ponto 15), o telex litigioso era perfeitamente legal (ponto 18) e o conjunto das medidas tomadas pelas instituições comunitárias e os Estados-membros serviu, na medida do possível, para assegurar a unicidade do mercado e do comércio com os países terceiros (pontos 27 e 28). Uma vez que a KYDEP não avança outros argumentos, posso também remeter para as minhas considerações anteriores e daí concluir que o pedido da KYDEP também não merece provimento a este respeito.

    O pretenso prejuízo e o nexo de causalidade

    34. Resulta do que precede que a KYDEP não conseguiu, em meu entender, demonstrar que o Conselho e/ou a Comissão tenham cometido uma falta de natureza a determinar a sua responsabilidade nos termos do artigo 215. , segundo parágrafo, do Tratado CEE. Por conseguinte, não é necessário analisar os problemas referentes ao pretenso prejuízo e ao nexo de causalidade, devendo a acção da KYDEP ser, na sua integralidade, julgada improcedente. Dado que a sua argumentação no que toca ao prejuízo e ao nexo de causalidade não é particularmente clara ° e não foi elucidada após a apresentação pela KYDEP, a pedido do Tribunal, de informações complementares °, o Conselho e a Comissão não puderam ainda verdadeiramente responder aos argumentos da KYDEP sobre essas questões. Se, contrariamente ao que proponho, o Tribunal vier a considerar que a KYDEP fez prova suficiente da existência de um falta cometida pelo Conselho e/ou a Comissão, deve, em todo o caso, dar a estas instituições a possibilidade de apresentarem os seus argumentos relativamente a estas questões.

    Conclusão

    35. Tendo em conta tudo o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue a acção da KYDEP improcedente e a condene nas despesas.

    (*) Língua original: neerlandês.

    (1) ° A Comissão juntou o texto desse comunicado à imprensa à sua contestação.

    (2) ° Recomendação da Comissão de 6 de Maio de 1986 dirigida aos Estados-membros, relativa à coordenação das medidas nacionais tomadas a respeito dos produtos agrícolas na sequência das precipitações radioactivas provenientes da União Soviética (86/156/CEE); JO L 118, p. 28.

    (3) ° Decisão da Comissão de 7 de Maio de 1986 que suspende, para determinados países, a inscrição na lista dos países terceiros em proveniência dos quais os Estados-membros autorizam a importação de animais das espécies ovina e suína e de carnes frescas (86/157/CEE); JO L 120, p. 66.

    (4) ° JO L 127, p. 1.

    (5) ° Em aplicação deste regulamento do Conselho, a Comissão adoptou dois outros regulamentos, ou seja, o Regulamento (CEE) n. 1505/86, de 16 de Maio de 1986 (JO L 131, p. 45), e o Regulamento (CEE) n. 1603/86, de 26 de Maio de 1986 (JO L 140, p. 24).

    (6) ° JO L 146, p. 88.

    (7) ° Em aplicação do Regulamento (CEE) n. 1707/86 do Conselho, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n. 1762/86, de 5 de Junho de 1986 (JO L 152, p. 41).

    (8) ° Documento do Conselho, 7357/86, p. 2; apresentado pelo Conselho em anexo à sua contestação.

    (9) ° JO L 371, p. 14.

    (10) ° A vigência deste regulamento foi prorrogada ulteriormente pelo Regulamento (CEE) n. 4003/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 (JO L 382, p. 4). Seguidamente, este foi substituído pelo Regulamento (CEE) n. 737/90 do Conselho, de 22 de Março de 1990 (JO L 82, p. 1). Este último regulamento, aplicável até 31 de Março de 1995, adopta as mesmas tolerâncias máximas, mas prevê um processo que permite excluir do seu âmbito de aplicação os produtos cuja radioactividade tenha descido abaixo do nível existente antes do acidente de Chernobil.

    (11) ° JO L 371, p. 11. Segundo o seu título, fixa os níveis máximos tolerados de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios e alimentos para animais na sequência de um acidente nuclear ou de qualquer outro caso de emergência radiológica.

    (12) ° Telex com a referência VS-S-1/1187/86/D1/GG/G8.

    (13) ° JO L 245, p. 13.

    (14) ° Na redacção decorrente da sua substituição pelo Regulamento (CEE) n. 1579/86 do Conselho, de 23 de Maio de 1986 (JO L 139, p. 29), e das alterações nele introduzidas pelo Regulamento (CEE) n. 1097/88 do Conselho, de 25 de Abril de 1988 (JO L 110, p. 7).

    (15) ° Acórdão de 19 de Maio de 1992, Mulder e o. (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n.os 12 e 13).

    (16) ° JO L 281, p. 1; subsequentemente alterado por diversas vezes.

    (17) ° V. ponto 6 supra.

    (18) ° Como observei anteriormente, este processo só veio a ser instituído pelo Regulamento n. 3954/87 (v. ponto 8 supra).

    (19) ° Directiva 80/836/Euratom (JO L 246, p. 1; EE 12 F3 p. 214).

    (20) ° Conclusões apresentadas pelo advogado-geral Capotorti em 1 de Março de 1978 nos processos apensos 83/76, 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, HNL, Recueil 1978, p. 1231.

    (21) ° V. o artigo 5. , n. 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n. 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220).

    (22) ° JO L 174, p. 15; EE 03 F12 p. 234.

    (23) ° JO L 317, p. 1; EE 03 F17 p. 3.

    (24) ° Acórdão de 26 de Março de 1987, Coopérative agricole d' approvisionnement des Avirons (58/86, Colect., p. 1525, n. 15).

    (25) ° O único facto que a KYDEP refere é que só o Governo grego solicitou, no seio do Conselho e do Comité dos Representantes Permanentes, medidas especiais para compensar as consequências do acidente de Chernobil. Em apoio da sua alegação, a KYDEP cita um determinado número de documentos do Conselho. Segundo o Conselho, trata-se de documentos que, por força do artigo 18. do regulamento interno do Conselho (JO 1979, L 268, p. 1), são confidenciais, não tendo a KYDEP pedido autorização para os apresentar ao Tribunal. Por conseguinte, o Tribunal não pode tê-los em consideração. Seja como for, a circunstância de apenas um governo ter solicitado que fossem tomadas medidas não constitui a prova de que determinado problema só é importante para esse Estado-membro.

    (26) ° JO L 139, p. 29.

    (27) ° A Comissão apresentou, em anexo à sua tréplica, um estudo científico explicando estes fenómenos.

    (28) ° Acórdão de 18 de Setembro de 1986 (Comissão/Alemanha, 116/82, Colect., p. 2519, n. 21).

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