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Document 61991CC0074

    Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 15 de Septembro de 1992.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Sexta Directiva 77/388/CEE - Regime especial para a tributação em IVA das agências de viagens.
    Processo C-74/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 I-05437

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:340

    61991C0074

    Conclusões do advogado-geral Gulmann apresentadas em 15 de Septembro de 1992. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. - SEXTA DIRECTIVA IVA 77/388/CEE - REGIME ESPECIAL DE IMPOSICAO DO IVA AS AGENCIAS DE VIAGENS. - PROCESSO C-74/91.

    Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-05437


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. A Comissão propôs contra a República Federal da Alemanha uma acção que tem por objecto a declaração de que, ao aplicar um regime de impostos sobre o valor acrescentado incompatível com as disposições do artigo 26. da Sexta Directiva IVA do Conselho (1), a República Federal da Alemanha não cumpriu com as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

    2. O título XIV da Sexta Directiva IVA comporta um certo número de regimes especiais em relação às regras gerais que estabelece. O artigo 24. prevê um regime especial para as pequenas empresas. O artigo 25. fixa as normas relativas ao regime comum forfetário para produtores agrícolas e o artigo 26. prevê um regime especial para as agências de viagens.

    3. Por força do disposto no n. 1 do artigo 26. , os Estados-membros aplicarão o regime especial às operações das agências de viagens quando actuarem em nome próprio perante o viajante e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O n. 2 do artigo 26. dispõe:

    "As operações efectuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante. Esta prestação de serviços será tributada no Estado-membro em que agência de viagens tem a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efectuada a prestação de serviços. Considera-se matéria colectável e preço líquido de impostos desta prestação de serviços, na acepção do n. 3, alínea b), do artigo 22. , a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de imposto sobre o valor acrescentado pago pelo viajante e o custo efectivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas e às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efectuem em benefício directo do viajante."

    No que interessa ao caso vertente, o n. 2 do artigo 26. que, segundo os autos, foi transposto para direito alemão, prevê particularmente,

    - que as operações tributáveis são consideradas como uma única prestação de serviços, e

    - que a matéria colectável é a margem da agência de viagens, o que corresponde à diferença entre o preço pago pelo viajante à agência de viagens e o custo suportado pela agência de viagens aquando da compra a outros sujeitos passivos de prestações de alojamento, de transporte e outras em benefício do viajante.

    A margem assim definida constitui a matéria colectável autónoma das actividades em questão da agência de viagens. Está previsto no n. 4 do artigo 26. que as agências de viagens não podem nem proceder à dedução nem obter o reembolso do IVA que foi pago pelos sujeitos passivos aos quais a agência de viagens comprou as prestações de alojamento, de transporte, etc.

    4. O n. 3 do artigo 26. dispõe:

    "Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem efectuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma actividade de intermediário isenta por força do n. 14 do artigo 15. Se estas operações forem efectuadas tanto na Comunidade como fora dela, só deve ser considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens respeitante às operações efectuadas fora da Comunidade."

    É esta última disposição que, na opinião da Comissão, não foi correctamente transposta para direito alemão.

    Resulta da disposição que a matéria colectável da agência de viagens, isto é, a sua margem, é reduzida se as prestações de alojamento, de transporte e outras, que são incluídas na prestação da agência de viagens ao viajante, são efectuadas fora da Comunidade. Resulta igualmente da disposição que isso se aplica também ao caso em que só uma parte das prestações é efectuada fora da Comunidade. Resulta do n. 3 que a agência de viagens pagará, por exemplo, o IVA apenas sobre 50% da sua margem, caso 50% das prestações pagas a outros sujeitos passivos tenham sido fornecidas fora da Comunidade.

    A distinção estabelecida pelo n. 3 entre as prestações realizadas dentro e fora da Comunidade não coloca problemas especiais no que toca a prestações que, tais como as prestações de alojamento e de restaurante, são realizadas no lugar ou nos lugares de destino da viagem. Pelo contrário, a distinção coloca problemas no que toca a prestações de transporte. Pode ser difícil nestes casos fazer a repartição, tal como exige a segunda frase do n. 3, entre as prestações efectuadas na Comunidade e as prestações efectuadas fora da Comunidade (águas internacionais e países terceiros).

    5. A Sexta Directiva IVA foi transposta para direito alemão pela lei de 29 de Novembro de 1979 relativa ao imposto sobre o volume de negócios, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1980 (a seguir "lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1980"). As regras especiais relativas ao imposto sobre o valor acrescentado cobrado sobre as prestações de viagens foram fixadas no artigo 25. da lei, que não sofreu a seguir alterações que revistam importância para o presente caso. As normas do § 25 transpõem os princípios gerais do artigo 26. da Sexta Directiva IVA. Isto, porém, não é válido em relação ao n. 2 do § 25 que contém disposições relativas às isenções de imposto. São nomeadamente exoneradas por força do n. 2 do § 25, as prestações que consistem em "transportes internacionais por avião ou em paquete" e "transportes por avião ou paquete que digam exclusivamente respeito a território não abrangido no âmbito espacial de aplicação desta lei" (a seguir "transportes aéreos e marítimos internacionais").

    6. A Comissão alega que essas regras implicam que, no que toca às agências de viagens alemãs, se proceda a isenções de imposto em mais larga medida que a permitida pelo n. 3 do artigo 26. da directiva.

    A legislação alemã transpõe o n. 3 do artigo 26. da Sexta Directiva IVA no que toca às prestações de alojamento e às prestações relativas a transportes que tenham lugar por terra, por exemplo, por autocarro ou por comboio. Acontece, no entanto, de forma diferente quanto aos transportes por avião ou por navio. A legislação alemã isenta toda a forma de transporte aéreo ou marítimo desde o momento que seja "internacional", isto é, que não se limite a um transporte no território alemão. O artigo 26. da Sexta Directiva IVA autoriza a isenção apenas na medida em que as prestações de transporte sejam efectuadas fora da Comunidade. A Comissão sustenta que essa transposição incorrecta da directiva cria distorções da concorrência em relação às agências de viagens dos outros países e, de resto, tem uma incidência negativa sobre os recursos próprios da Comunidade provenientes do IVA.

    7. O Governo alemão não contesta que a disposição em questão da lei relativa ao volume de negócios de 1980 constitui uma transposição incompleta do n. 3 do artigo 26. da Sexta Directiva IVA. Alega, porém, que a transposição insuficiente se justifica por um dos dois motivos seguintes.

    O Governo alega a título principal que o artigo 26. não é transponível na prática - de qualquer forma em relação às viagens internacionais por avião - e deve, por conseguinte, ser considerado como nulo.

    O Governo alemão alega a título subsidiário que o regime alemão é legal, pois é coberto pelas disposições transitórias da alínea b) do n. 3 do artigo 28. da directiva, conjugadas com as disposições do ponto 27 do Anexo F.

    Quanto à nulidade do n. 3 do artigo 26. devido à impossibilidade, na prática, de transposição da disposição

    8. A Comissão conclui pela inadmissibilidade do argumento do Governo alemão relativa à invalidade da disposição. Alega que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não é possível controlar, no quadro de uma acção por incumprimento, a validade de uma disposição constante dum acto adoptado pelo Conselho, inclusive disposições de directivas.

    A Comissão referiu-se, entre outros, ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo 226/87, Comissão/Grécia (2), no qual o Tribunal de Justiça declarou, na linha de acórdãos anteriores:

    "... o sistema de vias processuais estabelecido pelo Tratado distingue as acções dos artigos 169. e 170. , que visam obter a declaração de que um Estado-membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, e os recursos dos artigos 173. e 175. , que visam controlar a legalidade dos actos ou omissões das instituições comunitárias. Estas vias processuais prosseguem objectivos distintos e estão submetidos a regras diferentes. Um Estado-membro não pode pois, com sucesso, na ausência de uma disposição que a tal expressamente o autorize, invocar a ilegalidade de uma decisão de que é destinatário como meio de defesa contra uma acção por incumprimento que se fundamenta num incumprimento dessa decisão." (n. 14)

    Como resulta do ponto já referido, foi tomada posição neste acórdão sobre uma situação em que a acção por incumprimento dizia respeito a uma decisão dirigida ao Estado-membro. O Tribunal de Justiça não se pronunciou ainda quanto a saber se a solução seria a mesma caso a excepção de ilegalidade fosse suscitada no quadro de um recurso por incumprimento respeitante à falta de transposição correcta de uma disposição de uma directiva.

    À primeira vista, não parece que se deva supor que as directivas devam ser tratadas diversamente das decisões neste contexto. Tal como as decisões sobre as quais incidia a jurisprudência do Tribunal de Justiça que acabamos de citar, as directivas são dirigidas aos Estados-membros que podem contestar a sua legalidade em conformidade com o disposto no artigo 173. do Tratado.

    Mas, em minha opinião, não poderá excluir-se totalmente que uma análise mais aprofundada, que tome também em consideração os verdadeiros motivos em que assenta a possibilidade de conseguir que a aplicabilidade ou a validade de actos de carácter geral seja controlada ao abrigo dos artigos 184. e 177. do Tratado, possa revelar que pode haver razões para tratar as directivas de forma diferente das decisões neste contexto (3).

    Ora, não há que se pronunciar sobre essa questão no caso em apreço. Isto é devido ao facto de o Governo alemão alegar que o n. 3 do artigo 26. da directiva é nulo e de resultar da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-membros podem igualmente suscitar excepções no quadro da acção por incumprimento quando a disposição contestada estiver afectada "por vícios particularmente graves e evidentes que fizessem com que fosse qualificado(a) como acto inexistente" (4).

    9. O Governo alemão alega que o n. 3 do artigo 26. é nulo, pois é impossível na prática aplicar a disposição às prestações que consistem em transportes aéreos internacionais. Sustenta nomeadamente que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os sujeitos passivos devem poder calcular antecipadamente a dívida fiscal (5) e que é impossível proceder a tal cálculo prévio no caso dos transportes aéreos internacionais. Refere em particular que não somente é muitas vezes extremamente difícil para as agências de viagens repartir as despesas relativas aos transportes aéreos que tiveram lugar por cima do território da Comunidade, das águas internacionais e do território de países terceiros, respectivamente, mas que pode mesmo ser impossível calcular antecipadamente as diferentes partes de uma viagem por determinado avião. As agências de viagens não conhecem sempre antecipadamente as rotas seguidas pelas companhias aéreas. Podem existir rotas aéreas alternativas e pode haver rotas para as quais é impossível saber antecipadamente se é o território de um Estado-membro ou as águas internacionais que serão sobrevoadas concretamente e não é raro que seja necessário em certos casos, por razões de carácter metereológico, por exemplo, alterar as rotas previstas.

    10. A Comissão contesta que os problemas invocados pelo Governo alemão tornem impossível na prática a aplicação do n. 3 do artigo 26. A Comissão indicou, nomeadamente, neste contexto, que os outros Estados-membros, que não fizeram uso das disposições derrogatórias da directiva, tinham conseguido, segundo as informações de que dispunha, aplicar a disposição na prática.

    11. É certo que o Governo alemão conseguiu demonstrar que a disposição que figura no n. 3 do artigo 26. podia ser difícil de aplicar para as agências de viagens em causa. É provavelmente também por isso que a Comissão está em vias de elaborar, segundo os autos, uma proposta de alteração dessa disposição.

    Ora, é em minha opinião também certo que essas dificuldades não implicam que haja que considerar a disposição como inexistente.

    Os vícios de um acto adoptado pelo Conselho devem ser particularmente graves e evidentes para que possa considerar-se esse acto como inexistente.

    Em minha apreciação da situação concreta, é importante notar que, segundo as informações fornecidas pela Comissão, o sistema é aplicado na prática nos Estados-membros que executaram a disposição e que o Governo alemão não aduziu a prova do contrário (6).

    Há que salientar igualmente que resulta dos autos que foi apenas em 1989, após a Comissão ter proposto a acção por incumprimento, que o Governo alemão levantou o problema no seio do comité consultivo do imposto sobre o valor acrescentado, constituído por força do disposto no artigo 29. da directiva (7).

    Importa igualmente notar que, procedendo a uma execução do n. 3 do artigo 26. , manifestamente contrária à directiva, as autoridades alemãs afastaram, de antemão, qualquer possibilidade de as dificuldades práticas invocadas hoje pelo governo poderem ser resolvidas na prática administrativa, por exemplo, graças a uma interpretação da directiva segundo a qual a matéria colectável seja calculada em função da rota aérea prevista e não da rota aérea seguida na prática.

    12. A isto acresce que a tese do Governo alemão de que a transposição efectuada é a que se aproxima mais das concepções jurídicas do n. 3 do artigo 26. não parece fundada. A legislação alemã isenta toda a forma de transporte aéreo (e marítimo) internacional e não pode certamente ser considerada como uma tentativa leal de transpor o n. 3 do artigo 26. da directiva, mesmo que se tenha tido em conta, aquando da transposição, as dificuldades práticas antes mencionadas (8).

    13. O Governo alemão sustentou que havia que isentar os transportes marítimos internacionais porque são quase exclusivamente efectuados fora da Comunidade. Essa situação de facto, que pode eventualmente ser utilizada como argumento para modificar o n. 3 do artigo 26. da directiva, não pode evidentemente constituir qualquer fundamento para a não transposição da norma em vigor.

    14. O Governo alemão alegou igualmente que a disposição em litígio da directiva era contrária ao princípio da segurança jurídica e, nomeadamente, ao imperativo da certeza e da previsibilidade das disposições do direito comunitário que são susceptíveis de implicar consequências financeiras (9). Em minha opinião, o Tribunal de Justiça pode rejeitar de imediato esse argumento. É difícil ver em que acrescenta alguma coisa à alegação do Governo alemão de impossibilidade de aplicar a disposição na prática.

    15. Não existe também qualquer razão para abordar a argumentação alemã no que toca a distorções da concorrência que resultariam de uma transposição correcta do n. 3 do artigo 26. Na verdade, no caso de uma transposição correcta da disposição, as agências de viagens alemãs seriam desfavorecidas em relação às suas concorrentes nos Países Baixos e na Dinamarca, onde ao n. 3 do artigo 26. não é dada execução. Mas essa divergência é devida ao facto de esses dois últimos países terem feito uso das disposições transitórias da directiva. Esse facto não pode portanto ser invocado para justificar a não transposição de disposições da directiva nos Estados-membros que não tenham feito uso das disposições transitórias.

    16. Por essas razões, o Tribunal de Justiça deveria rejeitar a argumentação alemã relativa à nulidade do n. 3 do artigo 26. A Alemanha estava e continua obrigada a transpor lealmente o n. 3 do artigo 26. , a menos que a falta de transposição seja baseada numa das disposições transitórias da directiva.

    Quanto à disposição transitória constante da alínea b) do n. 3 do artigo 28. da directiva

    17. Como o referimos, o Governo alemão alegou que, caso o n. 3 do artigo 26. da directiva seja de considerar válido, as disposições alemãs em litígio baseiam-se na norma transitória especial constante da alínea b) do n. 3 do artigo 28. da directiva lido em conjugação com o Anexo F, ponto 27 (10).

    A redacção da disposição em questão é a seguinte:

    "3. Durante o período transitório a que se refere o n. 4, os Estados-membros podem:

    ...

    b) continuar a isentar as operações enumeradas no Anexo F nas condições em vigor no Estado-membro" (11).

    A redacção do Anexo F, n. 27, é a seguinte:

    "prestações de serviços das agências de viagens referidas no artigo 26. , bem como das agências de viagens que actuem em nome e por conta do viajante, relativamente às viagens efectuadas na Comunidade".

    Esta disposição transitória, que continua ainda em vigor (12), foi utilizada, como referi, por três Estados-membros para fundamentar a manutenção dos regimes de isenção anteriormente aplicáveis às agências de viagens.

    18. Na opinião da Comissão, a disposição transitória não é aplicável ao caso vertente. A Comissão alega nomeadamente que a disposição transitória não permite derrogar parcialmente as disposições da directiva que é possível derrogar por força da disposição transitória. Assim, um Estado-membro não pode, como fez a República Federal, escolher transpor os princípios do artigo 26. da directiva e omitir unicamente transpor a disposição no que toca a uma parte do âmbito de aplicação do n. 3.

    A Comissão alega igualmente que a disposição transitória não pode ser utilizada, porque as normas especiais da lei relativa ao volume de negócios de 1980 que isentam os transportes aéreos e marítimos internacionais não constituem o prolongamento de uma isenção "nas condições em vigor num Estado-membro".

    19. Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, as partes forneceram informações detalhadas sobre o regime em vigor na República Federal antes da adopção da lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1980. Resulta dessas informações que a adopção da nova lei relativa ao volume de negócios se traduziu por modificações muito importantes na tributação de prestações das agências de viagens. A lei relativa ao IVA antes em vigor não previa regime especial para as agências de viagens, cujas transacções eram por conseguinte sujeitas em princípio às normas gerais da lei, isto é, as agências de viagens pagavam o IVA sobre cada prestação com dedução do IVA pago a montante. Foi igualmente indicado que as regras relativas ao regime fiscal dos transportes aéreos e marítimos internacionais, de que se trata no caso em apreço, eram diferentes, tanto na sua redacção como do ponto de vista da sua fonte, das normas da lei relativa ao IVA de 1980 (13). Finalmente, resulta do referido que podiamos partir da ideia de que, apesar dessas diferenças, a regulamentação anteriormente aplicável redundava, de facto, no mesmo resultado fiscal que as normas da lei relativa ao IVA de 1980.

    20. Nestas condições, não pode contestar-se, deste ponto de vista, que a Alemanha "continua a isentar as operações" que consistem em transportes aéreos e marítimos (14). Resta saber, por um lado, se é a justo título que a Comissão sustenta que um Estado-membro que pretende fazer uso da disposição transitória o poderá fazer, no que toca ao artigo 26. , apenas na sua integralidade e, por outro, se a isenção subsiste "nas condições em vigor num Estado-membro".

    21. É talvez de sublinhar, a título preliminar, que são de interpretar restritivamente as disposições transitórias que permitem derrogar as normas da directiva e, portanto, retardar a prossecução da harmonização das legislações dos Estados-membros, que a directiva tem em vista.

    Apesar disso, consideraria errado que o Tribunal de Justiça interpretasse o n. 3 do artigo 28. no sentido de que sempre estava excluído utilizar parcialmente a faculdade de derrogar a directiva.

    É para mim difícil ver que motivos reais justificariam exigir absolutamente que se faça uso do regime transitório apenas caso um Estado-membro se abstenha inteiramente de executar o sistema do artigo 26. É difícil ver em que é que o facto de um Estado-membro escolher executar os princípios do artigo 26. e se abster unicamente de executar as normas especiais do n. 3 do artigo 26. , no que toca a transacções bem determinadas e fáceis de identificar, poderá ter consequências nefastas para a aplicação uniforme do direito comunitário nos Estados-membros. Essa derrogação não afecta o princípio constante do n. 2 do artigo 26. segundo o qual as operações efectuadas pela agência de viagens são consideradas como uma única prestação de serviços da agência de viagens ao viajante. Por força do direito alemão, é a margem da agência de viagens que, em conformidade com o n. 2 do artigo 26. , é objecto de tributação. A derrogação especial traduz-se unicamente por uma diminuição do volume dessa margem em relação à que resulta das normas consagradas no n. 3 do artigo 26. É difícil ver em que é que a segurança jurídica seria reforçada se o Governo alemão só pudesse utilizar a disposição transitória para manter integralmente o regime anteriormente aplicável às agências de viagens.

    Pode mesmo sustentar-se que uma interpretação restritiva da disposição transitória pode ter efeitos nefastos para a aplicação uniforme da directiva nos Estados-membros. A interpretação restritiva permite aos Estados-membros a escolha entre "tudo ou nada". Essa escolha forçaria um Estado-membro, que entende necessário manter uma derrogação existente, a manter a totalidade do regime jurídico existente, mesmo que se entenda ao mesmo tempo possível, adequado e desejável, pôr em execução o regime previsto pela directiva nesse domínio.

    É inegável que é inconveniente, do ponto de vista da uniformidade da aplicação do direito na Comunidade, que continue possível os Estados-membros manterem regulamentações nacionais especiais a título da disposição transitória. Não me parece todavia judicioso nessa perspectiva interpretar a disposição transitória no sentido de que os Estados-membros que desejam fazer uso dela sejam impedidos de proceder a uma transposição parcial do regime especial do artigo 26. - uma transposição que, no fim de contas, seria no interesse da aplicação uniforme do artigo 26. nos Estados-membros e constituiria, de qualquer forma, um primeiro passo na via da transposição completa dessa disposição.

    22. Embora não haja, em meu entender, que rejeitar uma aplicação da disposição transitória que figura no artigo 28. , n. 3, alínea b), com base no primeiro dos fundamentos invocados pela Comissão, entendo que há que admitir, com a Comissão, que a manutenção da isenção dos transportes aéreos e marítimos internacionais não teve lugar, como o exige a disposição transitória, "nas condições em vigor no Estado-membro".

    Essa condição, que precisa a exigência de uma isenção "contínua", deve, em meu entender, ser interpretada no sentido de que, mesmo que se possa dificilmente exigir uma manutenção total da regulamentação em vigor, deve na verdade tratar-se de um regime jurídico idêntico. Deve poder reconhecer-se sem dificuldade que se trata de uma "isenção contínua", nomeadamente para velar por que a disposição transitória não seja utilizada para criar novas derrogações.

    Não pode razoavelmente sustentar-se, no caso em apreço, que as disposições pertinentes da lei relativa ao volume de negócios de 1980 preencham a condição que está em questão na ocorrência. As informações fornecidas pelas partes, antes invocadas, mostram que o enunciado das normas pertinentes na legislação anterior era bem mais complicada e menos transparente que o enunciado das normas do n. 2 do §25 da lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1980. A isto acresce que o regime jurídico anteriormente em vigor tinha sido fixado em certa medida por via administrativa sob a forma de um regime de dispensa e tinha por isso um valor absolutamente diferente, do ponto de vista da fonte de direito, das isenções de ora em diante previstas por disposições legislativas claras.

    23. É, por conseguinte, possível reconhecer que não poderá invocar-se a disposição transitória da alínea b) do n. 3 do artigo 28. como fundamento de uma transposição incompleta do artigo 26. da directiva.

    Entendemos, aliás, que a justeza dessa solução é em certa medida corroborada pelo facto de não ter sido referido, nos trabalhos preparatórios do n. 2 do § 25 da lei relativa ao volume de negócios de 1980, que as normas especiais aplicadas aos transportes aéreos e marítimos internacionais equivaliam à manutenção da regulamentação aplicável até aí, contrária à Sexta Directiva IVA, e que estavam fundadas numa das disposições transitórias da directiva. A isto acresce que o Governo alemão invocou esse argumento apenas numa fase avançada do processo por incumprimento, isto é, em resposta complementar, em 10 de Abril de 1990, ao parecer fundamentado da Comissão de 29 de Dezembro de 1989.

    Conclusões

    24. Propomos, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que condene a República Federal da Alemanha em conformidade com os pedidos da Comissão e que a condene nas despesas do processo.

    (*) Língua original: dinamarquês.

    (1) - Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 142, p. 1; EE 09 F1, p. 54).

    (2) - Acórdão de 30 de Junho de 1988 (Colect., p. 3611). Entre os outros acórdãos, pode mencionar-se o acórdão de 12 de Outubro de 1978, Comissão/Bélgica (156/77, Recueil, p. 1881).

    (3) - A questão não foi discutida pelas partes no processo. Do nosso conhecimento, a doutrina não se dedicou a uma análise aprofundada dessa questão particular. Para uma apresentação mais geral, do ponto de vista teórico e prático, das excepções de ilegalidade, v. Kovar - Contentieux de la legalité - L' exception d' illégalité , Jurisclasseur de droit international, 1981, fascículo 161-C, terceira parte, n.os 19 a 25.

    (4) - V. n. 16 do acórdão já referido na nota 2.

    (5) - V. o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1982, Schul, n. 14 (15/81, Recueil, p. 1409).

    (6) - Trata-se da Espanha, da França, da Itália, do Luxemburgo e da Grã-Bretanha. Resulta das informações fornecidas que os outros Estados-membros fizeram uso das disposições derrogatórias da directiva ou para isentar totalmente de IVA as prestações em questão, seja o transporte efectuado dentro da Comunidade ou no exterior (Dinamarca, Irlanda e Países Baixos), ou para tributar na sua integralidade as prestações, que sejam efectuadas dentro ou fora da Comunidade. Estas informações provêm de um quadro junto em anexo a um documento de trabalho elaborado pela Comissão, v. anexo 18 à petição (addendum II).

    (7) - Na vigésima quinta reunião do comité, que teve lugar em 10 e 11 de Abril de 1989, o problema foi debatido e uma maioria das delegações pronunciou-se a favor de uma determinação do carácter interior ou exterior à Comunidade de uma viagem em função do lugar de destino. As recomendações do comité não são vinculativas.

    (8) - Resulta dos trabalhos preparatórios da lei relativa ao volume de negócios de 1980 que as normas em litígio no caso em apreço foram motivadas pelo risco de distorções da concorrência e a preocupação de simplificação da cobrança do imposto, v. Schriftlicher Bericht des Finanzausschusses des Deutschen Bundestages de 8 de Maio de 1979 relativo ao § 25 (anexo 16 à resposta da Comissão às questões do Tribunal de Justiça).

    (9) - V., por exemplo, o acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Comissão/França e Reino Unido (92/87 e 93/87, Colect., p. 405), e o acórdão de 13 de Março de 1990, Comissão/França (C-30/89, Colect., p. I-691).

    (10) - Ao longo da fase pré-contenciosa, o governo referiu-se igualmente ao ponto 17 do Anexo F, mas este não foi invocado ao longo do processo perante o Tribunal.

    (11) - Nas versões alemã e inglesa a redacção da disposição é a seguinte:

    - b) die in Anhang F aufgefuerhrten Umsaetze unter den in den Mitgliedstaaten bestehenden Bedingungen weiterhin befreien;

    - b) continue to exempt the activities set out in Annex F under conditions existing in the Member State concerned .

    (12) - A Comissão propôs a supressão dessa disposição na sua proposta para uma décima oitava directiva IVA relativa à supressão de certas derrogações previstas no n. 3 do artigo 28. da Sexta Directiva IVA. Essa parte da proposta da Comissão não foi todavia adoptada pelos Estados-membros, v. décima oitava directiva IVA do Conselho, de 18 de Julho de 1989 (JO L 226, p. 21).

    (13) - Assim, os transportes marítimos internacionais não eram absolutamente visados pelo regime fiscal em vigor à época e não se tratava também de uma verdadeira isenção. Pelo contrário, os transportes aéreos internacionais eram em princípio tributáveis mas isentos por dispensa resultante de um decreto ministerial.

    (14) - Não se trata, portanto, no caso em apreço, de uma situação em que o Governo alemão, após ter transposto correctamente a directiva numa primeira fase, restabeleceu uma isenção antes existente. Os acórdãos do Tribunal de Justiça no processo C-35/90 Comissão/Espanha (acórdão de 17 de Outubro de 1991, Colect., p. I-5073), e no processo 73/85, Kerrutt (acórdão de 8 de Junho de 1986, Colect., p. 2219), que a Comissão invocou, não são portanto directamente pertinentes, pois diziam respeito a casos em que o Estado-membro tinha restabelecido isenções antes em vigor.

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