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Document 61990CJ0373

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 16 de Janeiro de 1992.
Processo-crime contra X.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de grande instance de Bergerac - França.
Veículos automóveis - Publicidade enganosa.
Processo C-373/90.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-00131

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:17

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-373/90 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

A — Enquadramento jurídico do litígio

a) Direito comunitário

1.

A Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55), fixa, de acordo com o seu sétimo considerando, critérios mínimos e objectivos, com base nos quais seja possível determinar se uma publicidade é enganosa.

O artigo 2.°, n.° 2, dá a seguinte definição de «publicidade enganosa»:

«A publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induz em erro ou é susceptível de induzir em erro as pessoas a quem se dirige ou que afecta e cujo comportamento económico pode afectar, em virtude do seu carácter enganador ou que, por estas razões, prejudica ou pode prejudicar um concorrente.»

O artigo 3.° enumera determinado número de elementos a que é necessário atender para determinar se uma publicidade é enganosa.

O artigo 4.°, n.° 1, estipula:

«Os Estados-membros velarão para que existam meios adequados e eficazes para controlar a publicidade enganosa no interesse dos consumidores bem como dos concorrentes e do público em geral.»

De acordo com o artigo 6.° da directiva,

«os Estados-membros conferirão aos tribunais ou aos órgãos administrativos competências que os habilitem, aquando do processo judicial ou administrativo, referido no artigo 4.° :

a)

a exigir que o anunciador apresente provas respeitantes à exactidão material dos dados de facto contidos na publicidade se, atendendo aos interesses legítimos do anunciador e das outras partes do processo, uma tal exigência parecer pertinente dadas as circunstâncias do caso em questão

e

b)

a considerar os dados de facto como inexactos se as provas exigidas, de acordo com a alínea a), não forem apresentadas ou forem consideradas insuficientes pelo tribunal ou pelo órgão administrativo.»

Por último, o artigo 7.° determina que a directiva não obsta à manutenção ou à adopção pelos Estados-membros de disposições que visem assegurar uma protecção mais ampla dos consumidores.

b) Direito nacional

2.

O artigo 44.° da Lei francesa n.° 73-1193, de 27 de Dezembro de 1973, sobre a orientação do comércio e do artesanato, denominada lei «Royer», constitui a medida que o Governo francês comunicou como destinada a dar execução à citada directiva. A sua redacção é a seguinte:

«I.

É proibida toda e qualquer publicidade que contenha, seja sob que forma for, afirmações, referências ou apresentações falsas, susceptíveis de induzir em erro, sempre que se refiram a um dos seguintes elementos: existência, natureza, composição, qualidades essenciais, teor em princípios úteis, espécie, origem, quantidade, modo e data de fabrico, propriedades, preço e condições de venda dos bens ou serviços que são objecto da publicidade, condições da respectiva utilização, resultados que se podem esperar da respectiva utilização, razões ou processos da venda ou da prestação de serviços, alcance dos compromissos assumidos pelo anunciador, identidade, qualidades ou aptidões do fabricante, revendedores, promotores ou prestadores». A publicidade enganosa expõe o anunciador às sanções previstas no artigo 1.° da lei de 1 de Agosto 1905 relativa à repressão das fraudes, ou seja, a uma pena de prisão de três meses a dois anos e/ou a uma multa de 500 FF a 250000 FF (artigo 44.°-II, nono parágrafo, da Lei n.° 73-1193). A multa pode ser elevada para 50 % das despesas da publicidade que constitui a infracção se o orçamento publicitário for superior a 500000 FF (artigo 44.°-II, segundo parágrafo).

B — Antecedentes do litígio

3.

Em 20 de Fevereiro de 1990, Jean-Pierre Richard, presidente do conselho de administração da SA Richard-Nissan, apresentou ao doyen des juges d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac (França) uma queixa contra X, constituindo-se como parte civil, por publicidade enganosa e ilegal, de acordo com o artigo 44.° da Lei n.° 73-1193, de 27 de Dezembro de 1973, já referida.

A sociedade Richard-Nissan beneficia de um contrato de importação exclusiva no território francês dos veículos da marca Nissan. Esses veículos são distribuídos através de uma rede de concessionários.

A referida queixa põe em causa uma garagem de Bergerac, que publicou na imprensa anúncios dizendo «compre o seu veículo novo mais barato», seguidos da referência «garantia um ano construtor».

Essa publicidade referia-se a veículos matriculados para efeitos de importação, que jamais haviam circulado, e vendidos em França por preço menos elevado do que os preços praticados pelos concessionários locais, em virtude do menor número de acessórios que equipavam os modelos de base belgas, relativamente aos modelos de base vendidos em França.

C — Questão prejudicial

4.

Foi neste contexto que o juge d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac colocou ao Tribunal, por carta de 12 de Dezembro de 1990, a questão de saber «se. tal prática de venda é conforme às normas europeias actuais».

D — Tramitação processual perante o Tribunal

5.

A referida carta foi registada na Secretaria do Tribunal em 17 de Dezembro de 1990.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas em 2 de Abril de 1991, em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Xavier Lewis e Maria Condou-Durande, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal

6.

A Comissão afirma, a título liminar, que a Direttiva 84/450, já referida, tem uma dupla finalidade: por um lado, instaurar um quadro comunitário de protecção dos consumidores relativamente à publicidade enganosa e, por outro, evitar que os Estados-membros, ao aplicar legislações divergentes nessa matéria, possam entravar a livre circulação de mercadorias. Em sua opinião, essa dupla finalidade foi, aliás, reconhecida pelo advogado-geral O. Lenz nas conclusões que apresentou no processo 177/83, acórdão de 6 de Novembro de 1984, Kohl (Recueil, p. 3651).

Além disso, de acordo com uma jurisprudência recente (ver acórdão de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, Colect., p. I-4135), o órgão jurisdicional francês deve interpretar e aplicar a Lei n.° 73-1193, já referida, à luz desses dois objectivos da Directiva 84/450.

A Comissão sustenta que, apesar de não parecer estar-se, no caso vertente, em presença de uma campanha publicitária transfronteiras, a queixa apresentada tem por objecto veículos que atravessam uma fronteira entre dois Estados-membros. A publicidade feita pelo garagista de Bergerac representa o culminar de um ciclo comercial que beneficia de determinada protecção do direito comunitário. Entende, assim, ser necessário chamar a atenção para o perigo de aplicar o direito nacional, que dá execução à Directiva 84/450, de forma que comprometa os objectivos declarados desta directiva, a saber, a protecção do consumidor e do princípio da livre circulação de mercadorias.

A Comissão argumenta que a publicidade feita pela garagem em causa contém três elementos que o órgão jurisdicional nacional deve analisar, de acordo com os critérios interpretativos enumerados pela Directiva 84/450. Com efeito, a publicidade em causa afirma tratar-se de:

1)

veículos mais baratos;

2)

veículos novos;

3)

veículos que beneficiam da garantia do construtor.

Na opinião da Comissão, o órgão jurisdicional nacional deve, pois, verificar se essas três afirmações são falsas, de acordo com o artigo 44.° da Lei n.° 73-1193, já referida, interpretado à luz do texto e dos objectivos da Directiva 84/450.

No que se refere, em primeiro lugar, ao facto de os veículos serem mais baratos, a Comissão alega que, de acordo com o artigo 3.°, alínea a), da referida directiva, as especificações do veículo vendido são elementos que se devem tomar em consideração para determinar se a referida afirmação é falsa, nos termos da lei francesa, já referida, ou enganosa, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, da referida directiva. Compete pois ao órgão jurisdicional determinar in concreto se essa afirmação é falsa ou enganosa, em função dos modelos dos veículos postos à venda, respectivo equipamento, o preço desse equipamento, bem como dos conhecimentos, desejos e crenças da categoria de consumidores a que a publicidade se dirige.

No que se refere, em segundo lugar, ao facto de se tratar de veículos novos, a Comissão observa que o artigo 44.° da Lei francesa n.° 73-1193, já referida, proíbe qualquer publicidade que contenha informações falsas, designadamente sobre as «qualidades essenciais» da coisa posta à venda. De acordo com a Comissão, a chambre criminelle da Cour de cassation francesa declarou, em acórdão de 18 de Abril de 1989 (n.° 87-82. 313. P. F.), que o facto de se tratar de uma viatura nova constituía uma das qualidades essenciais, na acepção da lei francesa de 1 de Agosto de 1905 relativa à repressão das fraudes. A Comissão acrescenta que a Cour de cassation precisou que «para ser qualificado de novo, o veículo deve, não apenas não ter circulado, mas também não ter sido matriculado». Ainda que esta regra seja enunciada de forma geral e abstracta, o referido órgão jurisdicional salienta, no número seguinte do acórdão, que os clientes não tinham sido informados de que a viatura tinha sido matriculada.

Pelo contrário — prossegue a Comissão —, cabe salientar que o artigo 3.°, alínea a), da Directiva 84/450 não se refere à «qualidade essencial» do bem que é objecto da publicidade. Essa omissão não é contudo decisiva, visto que tais disposições contêm uma enumeração não limitativa das características a tomar em consideração para determinar se uma publicidade é enganosa.

Para a Comissão, não existe no direito comunitário, äe lege lata, qualquer definição da noção de «veículo novo». O artigo 32.° da Sexta Directiva77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl 54), menciona os bens em segunda mão, sem porém os definir. A Comissão refere ter apresentado ao Conselho, em 3 de Fevereiro de 1988, uma proposta de directiva destinada a completar o sistema do imposto sobre o valor acrescentado e a modificar os artigos 32.° e 28.° da Directiva 77/388, que visa instaurar um regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte, antiguidades e de colecção. Para efeitos dessa proposta os bens em segunda mão são sumariamente definidos como «os bens móveis usados e susceptíveis de voltarem a ser utilizados no estado em que se encontram ou após reparação, incluindo todos os meios de transporte».

A Comissão continua a sustentar que, face à ausência em direito comunitário positivo de uma definição de veículo novo, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se existe engano relativamente a uma característica do veículo posto à venda e se esse engano é susceptível de afectar o comportamento económico do consumidor, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 84/450.

A Comissão argumenta que o órgão jurisdicional nacional deve proceder a essa determinação atendendo ao duplo objectivo da referida directiva: protecção do consumidor e do princípio da livre circulação das mercadorias.

A Comissão observa que resulta dos autós que Michel Boussat, garagista e gerente da garagem Lilian-Boussat, autor da publicidade que é objecto do processo principal, declarou que os veículos provêm da Bélgica, onde foram matriculados para efeitos de importação em França e que jamais circularam na via pública.

Assim — continua a Comissão —, compete ao órgão jurisdicional nacional, para além de verificar a veracidade dessa declaração, determinar se o facto de o veículo jamais ter circulado e de ter sido matriculado para efeitos de importação constituem elementos relativamente aos quais o consumidor foi enganado. A questão relativa ao uso do veículo parece ser uma mera questão de facto. Pelo contrário, a questão relativa à matrícula do veículo na Bélgica antes da entrega ao consumidor final em França pode suscitar determinadas dificuldades.

A Comissão argumenta que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se os compradores desses veículos têm conhecimento de que o veículo foi matriculado na Bélgica e se essa matrícula não foi feita em seu nome, mas no de uma garagista ou intermediário. Caso não tenham conhecimento desse facto, o órgão jurisdicional nacional deverá proceder à qualificação dessa matrícula como elemento a tomar em consideração, de acordo com o artigo 3.°, alínea a), da Directiva 84/450, para determinar se a publicidade é ou não enganosa.

Na opinião da Comissão, seria, por exemplo, contrário à directiva qualificar de enganosa a afirmação de que o veículo é novo pelo simples facto de ter sido matriculado antes da entrega ao comprador para efeitos exclusivos da operação de importação, matrícula essa necessária para a conclusão dessa operação.

A Comissão sustenta que, embora seja um facto que o artigo 7° da directiva autoriza os Estados-membros a garantir uma protecção mais ampla dos consumidores do que a nela prevista, não é, contudo, legítimo sustentar que a qualificação de um veículo novo como aquele que jamais foi matriculado é uma medida de protecção dos consumidores. A aplicação desta norma francesa, abstraindo agora de qualquer outro elemento de facto, teria por efeito proibir a publicidade como veículo novo, logo atractivo, de um veículo matriculado para efeitos exclusivos de importação. Pela mesma razão, uma regra geral e abstracta desse tipo não se pode justificar como necessária para satisfazer uma exigência imperativa de defesa dos consumidores, na acepção da jurisprudência do Tribunal (ver acórdãos de 20 de Fevereiro de 1979, dito «Cassis de Dijon», Rewe-Zentral, 120/78, Recueil, p. 649; de 26 de Junho de 1980, Gilli e Andres, 788/79, Recueil, p. 2071, e de 7 de Março de 1990, GB-INNO-BM, C-362/88, Colect., p. I-667).

Na opinião da Comissão, o juiz a quo deve verificar se a matrícula na Bèlgica era necessaria para se poder efectuar uma operação de importação por um garagista do tipo daquele que é autor da publicidade controvertida. Na hipótese de tal garagista poder juridicamente proceder a essa operação, sem prèvia matrícula do veículo no nome de urna pessoa diferente do comprador final, o órgão jurisdicional nacional deve verificar se essa acto de matrícula não torna a operação mais simples no plano administrativo ou mais rentável.

A esse respeito — prossegue a Comissão —, basta salientar que o Regulamento (CEE) n.° 222/77 do Conselho, de 13 de Dezembro de 1977, relativo ao trânsito comunitário (TO L 38, p. 1; EE 02 F3 p. 91), não exige, nos artigos 39.° e seguintes, a matrícula do veículo para que possa beneficiar do processo de trànsito comunitário interno, mas a declaração designada «T 2».

Na realidade, de acordo com a Comissão, é legítimo pensar-se que, se o mero facto de um veículo novo importado de outro Estado-membro e anteriormente matriculado para efeitos de importação, impedisse o importador paralelo de anunciar, na publicidade, tratar-se de um veículo novo, esse importador ficaria privado da possibilidade de criar e desenvolver esse tipo de comércio. Para este efeito, o garagista deve poder fazer publicidade. Para que a publicidade seja atractiva, deve poder afirmar que o veículo é novo.

A Comissão insiste no facto de o direito comunitário conceder determinada protecção à venda «paralela» de veículos. Com efeito, a Comissão adoptou, em 12 de Dezembro de 1984, o Regulamento (CEE) n.° 123/85 relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviços de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150). Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, a Comissão pode retirar o benefício da aplicação desse regulamento «quando o construtor ou uma empresa da rede de distribuição impedirem de maneira contínua ou sistemática... os utilizadores finais... de adquirirem no mercado comum produtos contratuais ou produtos correspondentes e de obterem o serviço pós-venda para esses produtos».

Na comunicação relativa a esse regulamento (JO 1985, C 17, p. 4; EE 08 F2 p. 147), a Comissão forneceu alguns exemplos de impedimentos abusivos: a recusa, por parte dos construtores ou dos seus importadores, de colaborarem na matrícula de veículos que utilizadores finais europeus tenham importado de outros Estados-membros; prazos de entrega anormalmente longos.

Assim — acrescenta a Comissão —, o órgão jurisdicional, se entender que, no caso vertente, a aplicação da regra geral e abstracta de que um veículo novo é um veículo jamais matriculado conduz inelutavelmente à conclusão de que a publicidade em causa é enganosa e deve, em consequência, ser proibida, o que conduziria a entravar, directa ou indirectamente, a livre circulação das mercadorias, deve afastar a aplicação da norma nacional. Desnecessário é dizer que tal sucederá apenas na hipótese de inexistência de qualquer outro elemento do caso concreto que conduza o órgão jurisdicional a concluir tratar-se de uma publicidade enganosa, na acepção dos artigos 2.° e 3.° da Directiva 84/450.

No que se refere, em terceiro e último lugar, à questão de saber se o veículo vendido beneficia da garantia do construtor, a Comissão alega que um veículo importado deve beneficiar da garantia concedida pelo construtor no país de importação. A duração dessa garantia depende das disposições em vigor no país de importação. A comunicação da Comissão relativa ao Regulamento n.° 123/85, atrás referido, inclui, entre os exemplos de impedimentos abusivos, a recusa por parte dos distribuidores de executarem trabalhos de garantia em veículos que não tenham vendido e que foram importados de outros Estados-membros.

A Comissão propõe, assim, a seguinte resposta à questão colocada:

«1)

O órgão jurisdicional nacional a que compete decidir um litígio em matéria que cai sob a alçada da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa, deve aplicar o direito nacional à luz do texto é objectivos da directiva, por forma a proteger o consumidor relativamente à publicidade enganosa.

2)

Os artigos 2.° e 3.° da Directiva 84/450 devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve determinar, atendendo aos factos concretos, se a publicidade em causa é objectivamente susceptível de fazer cair em erro a categoria de consumidores a que se destina, bem como se é susceptível de afectar o respectivo comportamento ou de prejudicar um concorrente.

3)

Os artigos 2.° e 3.° da Directiva 84/450 devem também ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve afastar a aplicação de uma norma nacional, geral e abstracta, que conduza à supressão da publicidade de uma viatura nova anteriormente matriculada para efeitos exclusivos de importação, na ausência de qualquer outro elemento enganador, na acepção da directiva, sempre que tal supressão afecte de forma directa ou indirecta a livre circulação de mercadorias.»

III — Audiência

7.

Jean-Pierre Richard, parte civil no processo principal, que não apresentou observações escritas, argumentou, na audiência, no que se refere, em primeiro lugar, ao facto de se tratar de um veículo mais barato, apenas ser possível comparar preços quando os produtos são comparáveis, o que não sucede no caso vertente. Com efeito, os veículos comprados em França pelos consumidores franceses e importados pela sociedade Richard-Nissan incluem todos os equipamentos, ou seja, trata-se de veículos com todas as opções, enquanto os veículos importados pelo garagista de Bergerac e demais importadores paralelos são veículos desprovidos de opções. Em consequência, e na opinião de Jean-Pierre Richard, uma publicidade do tipo da que está em causa no presente processo, que se refere ao facto de o veículo ser mais barato, é enganadora no sentido de que os consumidores julgam, ao recorrer a um importador paralelo, ter comprado o veículo nas mesmas condições em que o comprariam a um concessionário.

No que se refere, em segundo lugar, ao facto de se tratar de um veículo novo, Jean-Pierre Richard, citando a referida jurisprudência da Cour de cassation francesa, argumenta que este órgão jurisdicional considera que esses veículos não são novos uma vez que em França os veículos importados por um importador paralelo não são matriculados como veículos novos e, em consequência, quando revendidos, não são, no plano administrativo, veículos do tipo que se costuma designar «em primeira mão», mas em «segunda mão».

No que se refere, em terceiro e último lugar, à garantia do construtor, Jean-Pierre Richard explicou na audiência que os importadores paralelos levam o comprador potencial a acreditar que são eles próprios a conceder essa garantia, enquanto, na realidade, não são eles que reparam os veículos quando há problemas. Neste caso, os compradores vêem-se obrigados a contactar a rede de concessionários oficiais. Jean-Pierre Richard acrescentou que o cliente perde a garantia se os importadores paralelos mexerem num veículo, não sendo concessionários.

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: francés.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de Janeiro de 1992 ( *1 )

No processo C-373/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo juge d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac (França), destinado a obter, no inquérito preliminar contra

X,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em materia de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: Sir Gordon Slynn, presidente de secção, exercendo funções de presidente, F. Grévisse, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretario: H. A. Rühl, administrador principal

vistas as observações escritas apresentadas em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Xavier Lewis e Maria Condou-Durande, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Jean-Pierre Richard, parte civil no processo principal, representado por J. M. Reynaud, advogado no foro de Versalhes, e da Comissão, na audiencia de 25 de Setembro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Outubro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por carta de 12 de Dezembro de 1990, que deu entrada no Tribunal em 17 de Dezembro seguinte, o juge d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac colocou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55).

2

Esta questão foi suscitada no ambito de uma queixa contra X apresentada por Jean-Pierre Richard, presidente do conselho de administração da sociedade anònima Richard-Nissan, que se constituiu parte civil, o qual é beneficiário de um contrato de importação exclusiva no territòrio francês dos veículos da marca Nissan. A referida queixa, fundada no artigo 44.o da Lei francesa n.o 73-1193, de 27 de Dezembro de 1973, relativa à orientação do comércio e do artesanato, denominada lei «Royer», tem por objecto actos de publicidade enganosa e ilegal.

3

De acordo com a comunicação feita pelo Governo francês à Comissão, a disposição em causa da lei francesa é a medida legislativa pela qual foi dada execução à directiva atrás referida.

4

A referida queixa põe em causa uma garagem de Bergerac, que publicou na imprensa anúncios publicitários com a menção «compre o seu veículo novo mais barato», seguida da referência «garantia um ano construtor». Resulta, além disso, da carta de reenvio que esta publicidade se refere a veículos importados da Bélgica e matriculados para efeitos de importação, que jamais circularam, sendo vendidos em França a preços inferiores aos praticados pelos concessionários locais, em virtude do menor número de acessórios que equipa os modelos de base belgas relativamente aos modelos de base vendidos em França.

5

Foi com base nestes elementos que o juge d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac, a quem foi submetido o litígio, decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre a questão de saber «se tal prática de venda é conforme às normas europeias actuais».

6

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

7

Cabe recordar a título liminar que, de acordo com uma jurisprudência constante, a obrigação dos Estados-membros, decorrente de uma directiva, de atingirem o resultado por ela prosseguido, bem como o seu dever, por força do artigo 5.o do Tratado, de tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas a assegurar a execução dessa obrigação impõem-se a todas as autoridades dos Estados-membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais e que, em consequência, ao aplicar o direito nacional, o órgão jurisdicional nacional deve interpretá-lo à luz do texto e da finalidade da directiva para atingir o resultado por ela prosseguido, e cumprir desta forma o artigo 189.o, terceiro parágrafo, do Tratado (acórdãos de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann, n.o 26, 14/83, Recueil, p. 1891, e de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, n.o 8, C-106/89, Colect., p. I-4135).

8

A questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional deve, pois, ser entendida como destinada a saber se a Directiva 84/450 do Conselho, já referida, impede ou não uma publicidade do tipo da que está em causa no processo principal.

9

Essa directiva, adoptada nos termos do artigo 100.o do Tratado, tem por objectivo, como resulta dos seus considerandos, melhorar a protecção dos consumidores, bem como pôr fim às distorções de concorrência e aos entraves à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços decorrentes das disparidades entre as legislações dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa. Para o efeito, a directiva estabelece critérios mínimos e objectivos com base nos quais é possível determinar se uma publicidade é enganosa.

10

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da directiva, entende-se por «publicidade enganosa» :

«a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induz em erro ou é susceptível de induzir em erro as pessoas a quem se dirige ou que afecta e cujo comportamento económico pode afectar, em virtude do seu carácter enganador ou que, por estas razões, prejudica ou pode prejudicar um concorrente.»

11

A interpretação desta disposição, face às características de uma publicidade como a que está em causa no processo principal, exige o exame sucessivo dos três elementos contidos na referida publicidade, a saber, que os veículos em causa são novos, mais baratos e que beneficiam da garantia do construtor.

12

Antes de proceder a essa análise, cabe sublinhar que estes elementos publicitários são de enorme importância prática para a actividade dos importadores paralelos de veículos e que, como foi salientado pelo advogado-geral nos pontos 5 e 6 das suas conclusões, as importações paralelas beneficiam de uma determinada protecção em direito comunitário na medida em que favorecem o desenvolvimento das trocas comerciais e o reforço da concorrência.

13

No que se refere, em primeiro lugar, à referência ao facto de os veículos em causa serem novos, cabe verificar que tal publicidade não pode ser considerada enganosa, na acepção do artigo 2.o, já referido, pelo simples motivo de esses veículos terem sido matriculados antes da importação.

14

Com efeito, é a colocação em circulação, e não a matrícula, que faz com que um veículo perca a qualidade de novo. Além disso, como a Comissão salientou, a matrícula prévia à importação facilita significativamente as operações de importações paralelas.

15

Compete, contudo, ao órgão jurisdicional nacional verificar, face às circunstâncias do caso concreto, e atendendo aos consumidores a que se dirige, se tal publicidade pode assumir uma natureza enganosa na medida em que, por um lado, tenha por objecto esconder o facto de tais veículos anunciados como novos terem sido matriculados antes da importação e em que, por outro, tal facto seja susceptível de levar um número significativo de consumidores a renunciar à sua decisão de compra.

16

No que se refere, em segundo lugar, à publicidade relativa ao preço menos elevado dos veículos, apenas se pode qualificá-la de enganosa no caso de se provar que a decisão de compra de um número significativo de consumidores a que a publicidade em causa se dirige é tomada na ignorância de que o preço reduzido desses veículos é acompanhado de menor número de acessórios que equipam os veículos vendidos pelo importador paralelo.

17

No que se refere, em terceiro e último lugar, à referência à garantia do construtor, cabe salientar que essa indicação não pode ser considerada publicidade enganosa desde que corresponda à realidade.

18

Cabe recordar a este respeito que, no acórdão de 10 de Dezembro de 1985, ETA/DK Investment, n.o 14 (31/85, Recueil, p. 3933), o Tribunal considerou que um sistema de garantia em que o fornecedor de bens limita a garantia unicamente aos clientes do seu concessionário exclusivo coloca este e os seus revendedores numa situação privilegiada relativamente aos importadores e distribuidores paralelos, devendo, consequentemente, ser considerada como tendo por objecto ou efeito restringir a concorrência, na acepção do artigo 85.o, n.o 1, do Tratado.

19

Em consequência, deve responder-se à questão prejudicial que a Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, deve ser interpretada no sentido de que a mesma não obsta a que a publicidade apresente determinados veículos como sendo novos, mais baratos e beneficiando da garantia do construtor, quando estes veículos são matriculados apenas por exigências de importação, nunca circularam e são vendidos num Estado-membro a preço inferior ao praticado pelos concessionários estabelecido no referido Estado-membro, em virtude de o número de acessórios com que estão equipados ser menor.

Quanto às despesas

20

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo juge d'instruction junto do tribunal de grande instance de Bergerac, por carta de 12 de Dezembro de 1990, declara:

 

A Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de publicidade enganosa, deve ser interpretada no sentido de que a mesma não obsta a que a publicidade apresente veículos como sendo novos, mais baratos e beneficiando da garantia do construtor, quando estes veículos são matriculados apenas por exigências de importação, nunca circularam e são vendidos num Estado-membro a um preço inferior ao praticado pelos concessionários estabelecidos no referido Estado-membro, em virtude de o número de acessórios com que estão equipados ser menor.

 

Slynn

Grévisse

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Janeiro de 1992.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente em exercício

da Quinta Secção

Gordon Slynn


( *1 ) Língua do processo: francês.

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