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Document 61990CJ0213

Acórdão do Tribunal de 4 de Julho de 1991.
Association de soutien aux travailleurs immigres (ASTI) contra Chambre des employés privés.
Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - Grão-Ducado do Luxemburgo.
Livre circulação dos trabalhadores - Igualdade de tratamento - Participação na gestão de organismos de direito público e exercício de uma função de direito público.
Processo C-213/90.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03507

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:291

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-213/90 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

1.

A chambre des employés privés foi criada, ao mesmo tempo que outras câmaras profissionais (câmaras da agricultura, dos artesãos, do comércio, etc), pela lei luxemburguesa de 4 de Abril de 1924, que criou as câmaras profissionais de base electiva.

Esta lei atribui, como missão geral, às câmaras profissionais «a protecção e a defesa dos interesses dos seus membros».

O artigo 38.° da lei determina:

«A chambre des employés privés tem como atribuições criar e subvencionar, se for caso disso, todos os estabelecimentos, instituições, obras ou serviços devotados essencialmente à melhoria das condições de vida daqueles empregados, aumentar a produtividade destes, dar pareceres, formular reclamações, solicitar informações e elaborar dados estatísticos.

A câmara tem o direito de fazer propostas ao Governo, que este deve examinar e submeter à Câmara dos Deputados sempre que o seu objecto seja da competência desta.

Deve ser pedido o parecer da chambre des employés prives para todas as leis e decretos ministeriais e grão-ducais que interessem principalmente aos empregados privados.

São, nomeadamente, da competência da chambre des employés privés:

a)

a protecção e a defesa dos interesses dos empregados privados. Ela vela, nomeadamente, pelo cumprimento da legislação e dos regulamentos aplicáveis a esses empregados;

b)

a vigilância e o controlo do cumprimento dos contratos de trabalho individuais e colectivos;

c)

o seu parecer deve ser solicitado antes do voto definitivo, pela Câmara dos Deputados, das leis que interessem aos empregados privados;

d)

apresenta as suas observações à Câmara dos Deputados sobre a utilização dos créditos do orçamento do Estado concedidos, quanto aos exercícios findos, no interesse dos empregados privados, e dá o seu parecer sobre as novas dotações a propor para o exercício seguinte;

e)

faz propostas relativas à fiscalização do ensino profissional dos empregados privados.

A enumeração precedente não tem carácter limitativo».

O artigo 6.° da lei de 1924 apenas confere a qualidade de eleitor dos membros das câmaras às pessoas que possuam a nacionalidade luxemburguesa.

Para fazer face às suas despesas, a chambre des employés pode, de acordo com o artigo 3.° da lei de 1924, com a redacção que lhe foi dada pela lei de 3 de Junho de 1926, cobrar dos seus representados uma quota, por meio de retenção nos vencimentos ou salários. Esta retenção é assimilada à retenção de imposto, com os mesmos privilégios, no caso de não pagamento, de que gozam os impostos directos. Antes da alteração da lei, a quota só podia ser cobrada dos eleitores.

2.

Por carta dirigida em 17 de Março de 1987 à chambre des employés prives, a Association de soutien aux travailleurs immigrés (a seguir «ASTI») informou-a de que, em acordo com os seus três trabalhadores estrangeiros, nacionais de outros Estados-membros, tinha decidido não pagar as referidas quotizações à dita câmara, por lhe parecer ilógico pagar quotizações a um organismo por conta de trabalhadores que dele estavam excluídos.

A chambre des employés prives submeteu a questão ao tribunal de paix do Luxemburgo. Em oposição ao pedido, a ASTI defendeu que a recusa de conceder aos estrangeiros, nacionais de outros Estados-membros, a qualidade de eleitor para as eleições da chambre des employés prives era contrária aos artigos 7.°, 48.°, 117.°, 118.°, 118.°-A e 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e 7.° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77). Por sentença de 13 de Outubro de 1989, o tribunal de paix rejeitou estes fundamentos e condenou a ASTI a pagar as quotizações em causa, com o fundamento:

1)

de que não compete à entidade patronal decidir não fazer as retenções que está «legalmente» obrigada a fazer;

2)

de que não compete à entidade patronal substituir-se ao empregado («nul ne plaide par procureur») ;

3)

que a questão da recusa da qualidade de eleitor deveria ser decidida no âmbito do processo de interesse e ordem pública instituído pela lei de 1924, e que o juge de paix não tinha competência para se pronunciar acessoriamente sobre esta questão.

Desta sentença interpôs a ASTI recurso para a Cour de cassation, que considerou que, no caso vertente, a regra «nul ne plaide par procureur» não era aplicável e, em consequência, considerou que este fundamento era procedente. Quanto ao mais, suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça se pronunciasse a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«Os artigos 7.°, 48.°, 117.°, 118.°, 118.°-A e 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e os artigos 7.° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, ou alguns deles, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Es-tado-membro imponha o pagamento de urna quotização a um trabalhador estrangeiro, nacional de um Estado-membro, obrigatoriamente inscrito numa câmara profissional, recusando-lhe simultaneamente o direito a participar na eleição dos membros da câmara, direito esse reservado apenas aos nacionais?».

3.

O acórdão de reenvio foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de Julho de 1990.

4.

De acordo com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas :

pela recorrente no recurso de cassação, a ASTI, patrocinada por G. Thomas, avocat-avoué, em 10 de Outubro de 1990,

pela recorrida no recurso de cassação, a chambre des employés privés, patrocinada por A. T. Ries, avocat-avoué, em 3 de Outubro de 1990,

pelo Governo luxemburguês, representado por J. Zahlen, consultor do Governo no Ministério do Trabalho, na qualidade de agente, em 9 de Outubro de 1990,

pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Gouloussis, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente.

5.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

6.

A ASTI propõe que à questão colocada pela Cour de cassation seja dada a seguinte resposta :

«1)

Uma legislação de um Estado-membro, tal como a lei luxemburguesa de 4 de Abril de 1924, corn a sua actual redacção, relativa à criação das câmaras profissionais de base electiva para as diversas profissões (agricultura, artesanato, comércio e indústria, empregados, operários),

que têm como inscritos (chamados “representados” pela lei) todas as pessoas que exercem no território nacional uma das profissões abrangidas e

cujas atribuições são, nomeadamente,

defender os interesses das profissões respectivas;

velar pela regular aplicação da legislação profissional e pela boa execução dos contratos individuais e das convenções colectivas de trabalho;

criar todos os estabelecimentos, obras e serviços destinados ao bem-estar dos membros das profissões respectivas, nomeadamente em matéria de formação profissional;

esclarecer, com os seus pareceres, as autoridades legislativas e executivas, e dirigir ao Governo propostas que, se for caso disso, este deve transmitir à Câmara dos Deputados;

investidas no direito de cobrar de todos os “representados”, nacionais e estrangeiros, uma quotização destinada a assegurar o seu funcionamento, da qual elas próprias estabelecem as bases de cobrança,

é incompatível com o artigo 7° do Tratado CEE, nos termos do qual é proibida qualquer discriminação de nacionalidade “no âmbito de aplicação do presente tratado”,

na medida em que tal legislação exclui do corpo eleitoral, activo e passivo, todos os cidadãos estrangeiros e, entre eles, os cidadãos dos outros Estados-membros da Comunidade, de modo a privar estas pessoas de qualquer participação nas instituições profissionais em causa, para cujo funcionamento são obrigadas a contribuir.

2)

A participação na eleição das câmaras profissionais e na gestão delas faz parte, para os trabalhadores, das “vantagens sociais” visadas no artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, e do exercício dos “direitos sindicais” visados no artigo 8.° do mesmo regulamento.

3) a)

A disposição do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, nos termos da qual o trabalhador de um Estado-membro empregado no território de outro Estado-membro pode ser excluído da “gestão de organismos de direito público” e do exercício de uma “função de direito público” é incompatível com o artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CEE.

3) b)

Na hipótese de a referida disposição do artigo 8.° ser julgada compatível com o artigo 48.°, n.° 4, do Tratado CEE, as câmaras profissionais como as organizadas pela lei luxemburguesa — caracterizadas pela natureza não vinculativa das suas intervenções, salvo quanto à cobrança das quotizações — não podem ser qualificadas como“organismos de direito público” na acepção da disposição citada. O direito de voto e a atribuição de um mandato electivo não podem ser qualificados como “participação na gestão” de um tal organismo. Um mandato electivo conferido no âmbito de um tal organismo não pode ser qualificado como “função de direito público” na acepção da mesma disposição.»

A ASTI começa por argumentar que uma das bases institucionais das câmaras profissionais reside no facto de elas constituírem uma instância exclusivamente profissional, subtraída à influência política. Considera, por esta razão, que o seu papel é muito aparentado com o dos sindicatos tradicionais, o que se confirma pelo conjunto das atribuições conferidas às câmaras dos empregados privados pelo artigo 38.° da lei de 1924.

Rejeita a argumentação segundo a qual as câmaras estariam associadas ao exercício do poder público por motivo das suas funções consultivas, pois que esta função não é senão uma das atribuições confiadas a estas câmaras e, de qualquer modo, os seus pareceres têm um carácter puramente consultivo, que não implica o exercício de uma «função pública», no sentido de participação directa no exercício do poder público.

Além disso, os trabalhadores imigrantes têm um legítimo interesse em participar nessa função consultiva, mas, pela exclusão do direito de voto, são privados dessa possibilidade e sofrem, assim, uma discriminação face aos trabalhadores nacionais.

Essa discriminação, tornada ainda mais flagrante pelo facto de tais trabalhadores pagarem uma contribuição, é proibida pelo artigo 7° do Tratado e pelo Regulamento n.° 1612/68.

A ASTI sublinha que a participação na gestão das câmaras e na eleição dos seus membros é uma das «vantagens sociais» consideradas pelo artigo 7° do Regulamento n.° 1612/68, já que cumpre o papel integrador definido pelo Tribunal de Justiça como característica de tais vantagens (acórdão de 11 de Julho de 1985, Mutsch, 137/84, Recueil, p. 2681).

Finalmente, os membros das câmaras profissionais são eleitos em listas apresentadas pelas organizações sindicais de que são mandatários. O facto de os trabalhadores migrantes não poderem ser eleitos nessas listas na sua qualidade de representantes sindicais constitui uma discriminação face à situação dos representantes sindicais de nacionalidade luxemburguesa, e, portanto, uma violação do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68.

No que respeita à disposição do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, nos termos da qual o trabalhador nacional de um Es-tado-membro empregado no território de outro Estado-membro pode ser excluído da «gestão de organismos de direito público» e do exercício de uma «função de direito público», a ASTI sustenta:

a)

a título principal, que a disposição não é compatível com o artigo 48.°, n.° 4, do Tratado, já que a posição dos trabalhadores por conta de outrem sujeitos, a esse título, à aplicação do Regulamento n.° 1612/68 seria mais desfavorável na matéria que a posição de outros grupos cuja situação fosse regulada unicamente pelo artigo 7.° do Tratado;

b)

a título subsidiário, que os conceitos de «gestão de organismo de direito público» e de «exercício de uma função de direito público», referidos no artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, se não aplicam ao voto dos trabalhadores numa instituição social, na medida em que o Tribunal de Justiça já entendeu que o n.° 4 do artigo 48.° do Tratado só permite que se reservem para os nacionais os empregos que implicam uma participação no exercício do poder público e as funções que têm por objecto a protecção dos interesses gerais do Estado ou das outras colectividades públicas (acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, 149/79, Recueil, p. 3881).

7.

A chambre des employés prives começa por argumentar que é um organismo de direito público criado por lei.

Sublinha, seguidamente, que o Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, já referido, interpretou o artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68 no sentido de que permite excluir os nacionais de outros Estados-membros da participação na gestão de organismos de direito público, na medida em que as actividades desses organismos impliquem a participação no exercício do poder público. Tal é o caso da chambre des employés prives, associada por lei ao exercício do poder legislativo e regulamentar, através dos seus pareceres consultivos obrigatórios.

8.

O Governo luxemburguês começa por sublinhar que, sobre a questão mais geral do direito de voto e da elegibilidade dos nacionais não luxemburgueses quanto às eleições para as câmaras profissionais, a Comissão, por carta de 27 de Novembro de 1989, abriu a via pré-contenciosa da acção por incumprimento, de acordo com o artigo 169.° do Tratado. Por essa razão e tendo em conta que, por um lado, a questão prejudicial só respeita a um dos aspectos do problema geral a resolver e, por outro, que espera ainda o parecer do Conseil d'État para responder à Comissão, o Governo luxemburguês solicita ao Tribunal de Justiça que suspenda a instância enquanto espera a resposta ou que, sendo caso disso, o Tribunal de Justiça profira o seu acórdão no âmbito do processo por incumprimento.

A título subsidiário, o Governo luxemburguês sustenta que a questão prejudicial é inadmissível, dado que, na medida em que a situação dos nacionais comunitários é idêntica à dos luxemburgueses que não têm direito a voto, ela não tem nada de especificamente comunitário, e dado que tem um alcance geral, já que diz respeito a todos os nacionais de uma câmara profissional, independentemente da sua nacionalidade.

No caso de o Tribunal de Justiça entender responder à questão colocada, o Governo luxemburguês conclui que:

«Os artigos 7.°, 48.°, 117.°, 118.° e 118.°-A do Tratado CEE e os artigos 7° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 não devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Es-tado-membro imponha o pagamento de uma quotização a um trabalhador estrangeiro nacional de um Estado-membro, obrigatoriamente inscrito numa câmara profissional, recusando-lhe simultaneamente o direito a participar na eleição das pessoas que compõem a câmara, por tal direito ser reservado apenas aos seus nacionais.»

No que respeita à natureza e ao papel das câmaras profissionais, o Governo luxemburguês considera que estas vieram completar a organização legal prevista pela Constituição, graças à instituição, pela lei de 1924, da sua função consultiva, e do seu direito de emenda e de iniciativa quanto às leis e decretos que digam respeito ao seu objecto ou aos seus representados.

Estas funções, pelas quais as câmaras intervêm junto dos poderes públicos, participando de modo institucional no exercício do poder legislativo e do poder executivo, são, portanto, para elas, as mais importantes.

As câmaras não podem ser confundidas com os sindicatos, que são associações de direito privado, aos quais a adesão é livre, enquanto as câmaras profissionais agrupam obrigatoriamente os membros da profissão que representam, cuja opinião exprimem.

O Governo luxemburguês considera que a questão colocada se destina a saber se o direito de voto é a contrapartida directa e necessária da quotização paga.

A este propósito, realça que, de acordo com a lei, a quotização é a contrapartida directa de uma despesa, no caso, a dos serviços materiais prestados pela câmara, os quais não têm qualquer relação com a sua função consultiva.

A quotização pode, por consequência, ser comparada a um imposto que, do mesmo modo que os impostos comunais ou nacionais no que diz respeito às eleições comunais ou legislativas, não confere o direito a participar na eleição dos membros das câmaras profissionais. Além disso, o Governo luxemburguês realça que, para além do direito de voto, o interesse dos trabalhadores estrangeiros é tomado em consideração por meio da defesa do interesse superior da profissão, considerada no seu conjunto, sem que haja a distinguir as diferentes componentes da câmara profissional.

No que respeita às diferentes disposições visadas pela questão, o Governo luxemburguês argumenta que:

a)

segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 9 de Junho de 1977, Van Ameyde, 90/76, Recueil, p. 1091; de 14 de Julho de 1977, Sagulo, 8/77, Recueil, p. 1495; e de 28 de Março de 1979, Saunders, 175/78, Recueil, p. 1129), o artigo 7.° do Tratado só pode aplicar-se sob reserva das disposições especiais visadas no Tratado, e quando uma regulamentação é compatível com essas disposições especiais ela é-o também com o artigo 7.° do Tratado;

b)

o problema do direito de voto não pode ser abordado através do conceito de vantagem social, que apenas compreende as vantagens reconhecidas aos trabalhadores nacionais por motivo da sua qualidade objectiva de trabalhador ou pelo simples facto da sua residência e cuja extensão aos trabalhadores de outros Estados-membros pode facilitar a sua mobilidade no interior da Comunidade.

Os acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos sobre o artigo 7.° do Regukmento n. ° 1612/68 esclarecem que este texto é relativo à abolição das barreiras materiais concretas à livre circulação dos trabalhadores. Trata-se de vantagens materiais de que beneficiam directa, pessoal e individualmente os trabalhadores, mas apenas os trabalhadores e não as pessoas candidatas a um emprego (acórdãos de 30 de Setembro de 1975, Cristini, 32/75, Recueil, p. 1085; de 14 de Janeiro de 1982, Reina, 65/81, Recueil, p. 33; de 12 de Julho de 1984, Castelli, 261/83, Recueil, p. 3199; de 27 de Março de 1985, Hoeckx, 249/83, Recueil, p. 973).

Pelo contrário, o direito de voto é um direito institucional que não tem qualquer relação com o conceito de vantagem directa em geral e ainda menos com o conceito, mais especial, de vantagem social e que não é susceptível de constituir uma barreira material à livre circulação dos trabalhadores.

Finalmente, o direito de voto em causa resulta da integração numa categoria profissional e não da qualidade de «trabalhador».

c)

No que respeita ao artigo 48° do Tratado e, sobretudo, ao artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, o Governo luxemburguês lembra que as câmaras constituem um meio de representação institucional das entidades patronais e dos trabalhadores, organizado pela lei, distinto das estruturas sindicais livres e sem qualquer ligação com a liberdade sindical. Além disso, elas encontram-se, por meio da sua função consultiva, directamente associadas ao exercício do poder público e investidas, por esse facto, de uma responsabilidade específica na protecção dos interesses gerais.

O facto de as organizações sindicais apresentarem listas para a eleição dos membros da câmara é uma simples prática que não pode justificar a reivindicação da abertura da instituição aos trabalhadores que beneficiam do princípio da livre circulação, do mesmo modo que uma eventual presença de facto, massiva, de sindicalistas na câmara dos deputados não justificaria que os estrangeiros para ela pudessem ser eleitos.

Finalmente, a vontade de encarar o debate sob o ângulo dos direitos sindicais é contrariada pela dupla excepção do artigo 8.° do Regulamento 1612/68, na medida em que as câmaras participam no exercício do poder público e são instituições de representação de direito público destinadas a associar as categorias profissionais à gestão pública.

9.

A Comissão sugere que se responda à questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional do seguinte modo:

«O artigo 48.° do Tratado CEE e o artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Estado-membro exclua o direito dos trabalhadores estrangeiros, nacionais de um outro Estado-membro, obrigatoriamente inscritos numa câmara profissional e sujeitos à obrigação legal de pagar uma quotização, a participar na eleição das pessoas que compõem a referida câmara.»

A Comissão considera que a legislação luxemburguesa introduz uma discriminação, pelo facto de privar os nacionais de outros Estados-membros, obrigatoriamente inscritos numa câmara, do direito de participar na eleição dos membros da câmara e de para ela serem eles próprios eleitos. Esta discriminação existiria mesmo que os trabalhadores comunitários estivessem isentos do pagamento das quotizações.

Ora, tal discriminação é contrária ao artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1612/68, que consagra a igualdade de tratamento no domínio dos direitos sindicais, na medida em que tal direito compreende o de eleger e ser eleito para as instâncias que têm por atribuição principal a defesa dos interesses dos trabalhadores por todos os meios legais. No caso vertente, todas as atribuições da chambre des employés prives se destinam à. protecção dos interesses dos empregados privados, pouco importando que se trate de um organismo análogo aos organismos sindicais de tipo clássico, que também entram no campo de aplicação do referido artigo.

No que respeita às isenções visadas pelo n.° 4 do artigo 48.° do Tratado e pelo segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, a Comissão contesta que as câmaras participem no exercício do poder público por motivo da sua função consultiva, já que tal função se situa no contexto da protecção dos interesses dos membros das câmaras e que os seus pareceres não vinculam o Parlamento e não constituem, pois, uma forma de participação na elaboração das leis.

Mesmo que tal função devesse ser considerada uma função pública, dever-se-ia aplicar a jurisprudência que decorre do acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, já referido, e, por consequência, reconhecer o direito de voto aos trabalhadores comunitários, excluindo-os simultaneamente das tarefas concretas que impliquem participação no exercício do poder público.

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

4 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-213/90,

que tem por objecto um pedido submetido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela Cour de cassation do Luxemburgo, destinado a obter, no litígio pendente perante este órgão jurisdicional entre

Association de soutien aux travailleurs immigrés (ASTI)

e

Chambre des employés privés,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7°, 48.°, 117.°, 118.°, 118.°-A e 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e 7° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, exercendo funções de presidente, T. F. O'Higgins e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, R. Joliét, F. A. Schockweiler e F. Grévisse, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs

secretário: D. Louterman, administradora principal

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da ASTI, por G. Thomas, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação da chambre des employés privés, por A. T. Ries, avocat-avoué no foro do Luxemburgo,

em representação do Governo luxemburguês, por J. Zahlen, consultor do Governo no Ministério do Trabalho, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Gouloussis, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo luxemburguês, representado por L. Schütz, advogado no foro do Luxemburgo, da ASTI, da chambre des employés prives e da Comissão, na audiência de 14 de Março de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 8 de Maio de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por acórdão de 12 de Julho de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de Julho seguinte, a Cour de cassation do Luxemburgo colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 7.°, 48.°, 117.°, 118.°, 118.°-A e 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e 7.° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 312/76 do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976 (JO L 39, p. 2; EE 05 F2 p. 69).

2

Esta questão foi suscitada no àmbito de um litígio que opõe a Association de soutien aux travailleurs immigrés (a seguir «ASTI») à chambre des employés privés.

3

A chambre des employés prives foi criada pela lei luxemburguesa de 4 de Abril de 1924, que criou as câmaras profissionais de base electiva. Esta lei instituiu também as chambres d'agriculture, des artisans, de commerce et de travail. A lei de 12 de Fevereiro de 1964 criou a chambre des fonctionnaires et employés publics, assim permitindo que fosse coberto o conjunto das actividades profissionais, com excepção das profissões liberais. A lei confere, como atribuição geral, às câmaras profissionais, a protecção e a defesa dos interesses dos seus representados, isto é, dos seus inscritos.

4

As câmaras profissionais têm o direito de fazer ao Governo propostas que este é obrigado a examinar e a submeter à Câmara dos Deputados. O legislador tem a obrigação de solicitar o parecer das câmaras profissionais quanto a todas as leis, decretos e regulamentos que lhes dizem respeito.

5

O artigo 6.° da lei de 1924 só concede a qualidade de eleitor dos membros das câmaras às pessoas que possuem a nacionalidade luxemburguesa. Para fazer face às suas despesas, as câmaras podem, de acordo com o artigo 3.°, com a redacção que lhe foi dada pela lei de 3 de Junho de 1926, cobrar aos seus representados uma quotização, por meio de retenção efectuada pela entidade patronal nos vencimentos. Antes desta alteração da lei, a quotização só podia ser cobrada dos eleitores.

6

Por carta dirigida em 17 de Março de 1987 à chambre des employés prives, a ASTI informou-a de que, na sua qualidade de entidade patronal e de acordo com os seus três trabalhadores estrangeiros, nacionais de outros Estados-membros, tinha decidido não pagar as quotizações à referida câmara, com o fundamento de que lhe parecia ilógico pagar quotizações a um organismo por conta de trabalhadores que dele estavam excluídos.

7

A chambre des employés prives demandou o tribunal de paix do Luxemburgo, o qual, por sentença de 13 de Outubro de 1989, condenou a ASTI a pagar as quotizações que não pagara. Desta sentença interpôs a ASTI recurso para a Cour de cassation do Luxemburgo, a qual, por acórdão de 12 de Julho de 1990, suspendeu a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre a seguinte questão:

«Os artigos 7°, 48.°, 117.°, 118.°, 118.°-A e 189.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, e os artigos 7.° e 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, ou alguns deles, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a legislação de um Estado-membro imponha o pagamento de uma quotização a um trabalhador estrangeiro, nacional de um Estado-membro, obrigatoriamente inscrito numa câmara profissional, recusando-lhe simultaneamente o direito a participar na eleição dos membros da câmara, direito esse reservado apenas aos nacionais?».

8

Para mais ampla exposição dos factos do litígio principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

9

A luz da fundamentação do acórdão de reenvio e dos debates havidos perante o Tribunal de Justiça, a questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional deve ser entendida no sentido de que se pretende saber se o direito comunitário se opõe a que uma legislação nacional recuse aos trabalhadores estrangeiros o direito de voto para as eleições dos membros de uma câmara profissional em que estão obrigatoriamente inscritos, para a qual devem pagar quotizações, que está encarregada da defesa dos interesses dos trabalhadores inscritos e que exerce uma função consultiva no domínio legislativo.

10

Resulta do processo que as pessoas inscritas na chambre des employés prives têm o estatuto de trabalhador. Por consequência, a compatibilidade com o direito comunitário da diferença de tratamento entre nacionais e estrangeiros, acima referida, deve ser apreciada face às disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores e não face ao artigo 7° do Tratado, já que este último apenas se aplica de modo autónomo nas situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não determina regras específicas de não discriminação (ver, em último lugar, o acórdão de 7 de Março de 1991, Masgio, C-10/90, Colect., p. I-1119).

11

No domínio da livre circulação dos trabalhadores, o princípio fundamental da não discriminação por motivo da nacionalidade está enunciado no n.° 2 do artigo 48.° do Tratado. Este princípio é recordado nos quinto e sexto considerandos do Regulamento n.° 1612/68 e em várias disposições particulares desse regulamento, nomeadamente nos artigos 7° e 8.°, visados na questão do órgão jurisdicional nacional.

12

Deve começar por se examinar esta última disposição, que é a mais específica.

13

Nos termos do primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 8.°,

«o trabalhador nacional de um Estado-membro empregado no território de outro Estado-membro beneficia da igualdade de tratamento em matéria de filiação em organizações sindicais e de exercício dos direitos sindicais, incluindo o direito de voto e o acesso aos lugares de administração ou de direcção de uma organização sindical; pode ser excluído da participação na gestão de organismos de direito público e do exercício de uma função de direito público. Beneficia, além disso, do direito de elegibilidade para os órgãos de representação dos trabalhadores na empresa».

14

Contrariamente à Comissão e à ASTI, o Governo luxemburguês contesta a aplicabilidade desta disposição a um caso como o que está em causa no processo principal, com o fundamento de que a câmara profissional em causa constitui um meio de representação institucional organizado pela lei, que a inscrição é obrigatória e que, assim, ela se distingue das estruturas sindicais livres.

15

Deve realçar-se que o alcance do n.° 1 do artigo 8.°, acima citado, que constitui uma expressão particular do princípio da não discriminação no domínio específico da participação dos trabalhadores nas organizações e actividades sindicais, não pode ser limitado em função de considerações relativas à forma jurídica do organismo em causa.

16

Pelo contrário, o exercício dos direitos sindicais visados por esta disposição ultrapassa o âmbito das organizações sindicais propriamente ditas e inclui, nomeadamente, a participação dos trabalhadores em organismos que, embora não tendo a natureza jurídica de organizações sindicais, exercem análogas funções de defesa e representação dos interesses dos trabalhadores.

17

Resulta daqui que o direito a participar na eleição de um organismo como a chambre professionnelle des employés prives, da qual tanto a função geral de proteger os interesses dos trabalhadores que nela estão inscritos, como a maior parte das suas outras funções, são características de uma organização sindical, deve ser considerado um direito sindical na acepção da referida disposição, sem que seja mesmo necessário tomar posição sobre a questão de saber se tal câmara profissional deve ser qualificada como organização sindical.

18

A título subsidiário, o Governo luxemburguês argumenta que tal câmara profissional se inclui, de qualquer modo, na excepção prevista no n.° 1 do artigo 8.°, já citado, em razão da sua natureza de organismo de direito público e da sua associação ao exercício do poder público por via da sua função consultiva.

19

A este respeito deve lembrar-se que, como já decorre do acórdão de 17 de Dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, n.° 15 (149/79, Recueil, p. 3881), a exclusão «da participação na gestão de organismos de direito público e do exercício de uma função de direito público», prevista no n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68, corresponde à excepção prevista no n.° 4 do artigo 48.° do Tratado e apenas permite a eventual exclusão dos trabalhadores de outros Estados-membros de certas actividades que impliquem a participação no poder público.

20

Por consequência, a exclusão, quanto aos trabalhadores dos outros Estados-membros, do direito de voto para as eleições das câmaras profissionais não pode justificar-se, por força do n.° 1 do artigo 8.°, pela natureza jurídica, segundo o direito nacional, da câmara em causa, nem pela circunstância de algumas das suas funções poderem comportar uma participação no exercício do poder público.

21

Deve, pois, responder-se à questão colocada que o n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento n.° 1612/68 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação nacional recuse aos trabalhadores estrangeiros o direito de voto para a eleição dos membros de uma câmara profissional na qual estão obrigatoriamente inscritos, para a qual devem pagar quotas, que está encarregada da defesa dos interesses dos trabalhadores inscritos e que exerce uma função consultiva no domínio legislativo.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelo Governo luxemburguês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela Cour de cassation do Luxemburgo, por acórdão de 12 de Julho de 1990, declara:

 

O n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação nacional recuse aos trabalhadores estrangeiros o direito de voto para as eleições dos membros de uma câmara profissional na qual estão obrigatoriamente inscritos, para a qual devem pagar quotas, que está encarregada da defesa dos interesses dos trabalhadores inscritos e que exerce uma função consultiva no domínio legislativo.

 

Mancini

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Slynn

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente em exercício

G. F. Mancini

presidente de secção


( *1 ) Língua do processo: francés.

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