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Document 61990CJ0048

    Acórdão do Tribunal de 12 de Fevereiro de 1992.
    Reino dos Países Baixos, Koninklijke PTT Nederland NV e PTT Post BV contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Concorrência - Empresa pública - Correios e telecomunicações (PTT) - Serviços de correio acelerado.
    Processos apensos C-48/90 e C-66/90.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 I-00565

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:63

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado nos processos apensos C-48/90 e C-66/90 ( *1 )

    I — Matéria de facto

    1.

    Pela wet van 26 oktober 1988 houdende regels met betrekking tot de oprichting van de naamloze vennootschap PTT Nederland NV — Machtigingswet PTT Nederland NV (lei de 26 de Outubro de 1988 de constituição da sociedade anónima PTT Nederland NV — lei de habilitação PTT Nederland NV, Staatsblad, 1988, 521, a seguir «lei de habilitação»), a Staatsbedrijf der PTT foi substituída por uma sociedade de direito privado cuja totalidade do capital pertence ao Estado neerlandês, os PTT Nederland NV. Por sua vez, nos termos do artigo 2.o, n.o 4, da mesma lei, esta sociedade criou a empresa de direito privado PTT-Post BV, cujo capital detém na totalidade.

    2.

    Por força do artigo 2.o, n.o 1, da wet van 26 oktober 1988 houdende herziening van de postwetgeving met betrekking tot de uitvoering van de postdienst — Postwet (lei de 26 de Outubro de 1988, que altera a legislação relativa à execução do serviço postal — lei do serviço postal, Staatsblad, 1988, 522, a seguir «lei do serviço postal»), o monopolio legal do transporte de cartas até 500 g detido pela anterior Staatsbedrijf der PTT foi substituído por uma concessão exclusiva do transporte, contra remuneração, de correspondência até 500 g, nos Países Baixos, com origem e com destino nas Antilhas neerlandesas e em Aruba e com origem e com destino no estrangeiro, sem prejuízo das excepções estabelecidas no artigo 12.o, n.o 2.

    3.

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da lei do serviço postal, o titular desta concessão exclusiva tem a obrigação de assegurar a qualquer pessoa, em todo o país, contra remuneração, o transporte de cartas e outros objectos, até ao limite das dimensões e pesos fixados no regulamento sobre remessas postais.

    4.

    Por força do artigo 5.o da lei de habilitação, os PTT Nederland NV são considerados o titular da concessão exclusiva estabelecida no artigo 2.o, n.o 1, da lei do serviço postal.

    Nos termos da habilitação adoptada no artigo 4.o, n.o 1, da lei do serviço postal, os PTT Nederland NV atribuíram à sua filial PTT-Post BV a execução das obrigações que lhe incumbem por força da lei do serviço postal.

    5.

    O artigo 12.o, n.o 1, da lei do serviço postal proíbe, a qualquer pessoa ou entidade que não o concessionário, o transporte, contra remuneração, de correspondência até 500 g.

    6.

    Nos termos do artigo 12.o, n.0 2, alínea a), pontos 1 a 3, esta proibição não é aplicável ao transporte de cartas nos Países Baixos ou para o estrangeiro, desde que estejam preenchidas três condições cumulativas.

    Antes de mais, deve tratar-se de uma prestação de serviços de nível consideravelmente superior, no que diz respeito à rapidez oferecida, à garantia desta e à possibilidade de localização durante o transporte, ao das prestações de serviços em matéria de «normaal versneld vervoer» (transporte acelerado normal).

    Em seguida, é preciso que o transporte, nos Países Baixos ou para o estrangeiro, seja efectuado por preço superior ao fixado para essa prestação (ou seja, para o transporte acelerado normal) na regulamentação pública.

    O besluit van 19 december 1988 houdende vaststelling van de tarieven bedoeld in artikel 12, lid 2, sub a, punt 2, van de Postwet — Besluit minimumtarieven koeriersdiensten (decreto de 19 de Dezembro de 1988, relativo à fixação das tarifas referidas no artigo 12.o, n.o 2, alínea a), ponto 2, da lei do serviço postal — decreto das tarifas mínimas dos serviços postais, Staatsblad, 1988, 605, a seguir «decreto de aplicação»), fixa as tarifas em 11,90 HFL, por carta com destino nos Países Baixos ou na Comunidade, e em 17,50 HFL, por carta com outro destino. De acordo com a exposição de motivos do decreto de aplicação, a tarifa de 11,90 HFL foi estabelecida com base na aplicada ao «spoedbesteldienst» (serviço de entrega rápida) de cartas com peso de 250/500 g nos Países Baixos e no Benelux, ou seja, 9,50 HFL, acrescida de 25 %.

    Por último, é preciso que o transporte seja efectuado por um transportador registado.

    Por força do Regeling registratie koeriersdiensten (regulamento relativo ao registo dos serviços de correio acelerado, Staatscourant, 1989, 109), todas as empresas de correio acelerado devem registar-se, enquanto tal, no Ministerie van Verkeer en Waterstaat (Ministério dos Transportes e das Obras Públicas) e registar todos os anos os seus preços.

    7.

    Por força do artigo 12.o, n.o 2, alíneas b) e d), a proibição do n.o 1 também não é aplicável à correspondência transportada por conta do concessionário e/ou manifestamente destinada a ser transportada ou entregue, após transporte, pelo concessionário.

    8.

    O artigo 17.o, n.o 1, comina sanções penais para as infracções, entre outros, ao artigo 12.o, n.o 1, da lei do serviço postal.

    9.

    Desde os anos 70, os PTT oferecem o Express Mail Service (EMS), um «koeriersdienst» (serviço de correio acelerado) internacional. O serviço interno de «snelpost» (correio rápido), criado em 1978 nas regiões de Amsterdão, Haia, Roterdão e Utrecht, deixou de existir, enquanto serviço autónomo, em 1983; até 1 de Junho de 1990, além do «expressepost» (correio expresso) tradicional, por meio do qual o remetente entregava a sua correspondência na estação dos correios, existia o «afhaalservice» (serviço de recolha ao domicílio), pelo qual a correspondência era recolhida nas instalações do remetente e entregue na estação de correio onde era processada como correio expresso.

    10.

    Durante o Verão de 1990, por conseguinte, após a adopção da decisão impugnada, foram criados três serviços «rápidos» no âmbito do EMS: o EMS Express, serviço rápido, exclusivamente interno; o EMS Time Net, serviço mais rápido, interno e internacional; e o EMS Courier, o serviço mais rápido dos três, interno e internacional.

    11.

    No seguimento de contactos informais, em 5 de Outubro de 1988, a Comissão informou os PTT, por carta de 7 de Novembro de 1988, que o artigo 12.o do projecto de lei do serviço postal suscitava alguns problemas à luz das regras de concorrência, no que respeitava à margem de actividade deixada às empresas internacionais de correio acelerado.

    12.

    Por telex de 29 de Novembro de 1988, a Comissão informou o governo neerlandês que chegara à conclusão provisória de que os artigos 2.o e 12.o da lei do serviço postal eram incompatíveis com o artigo 90.o do Tratado CEE.

    A Comissão afirmou, nomeadamente, que a lei do serviço postal sujeitava as empresas de correio acelerado a condições restritivas que as prejudicavam consideravelmente em relação aos serviços de correio acelerado dos PTT e as impediam de continuar a oferecer alguns dos seus serviços, nomeadamente os prestados a preço inferior ao preço mínimo fixado por decreto real. O requisito estabelecido no artigo 12.o, n.o 2, alínea a), ponto 1, da lei do serviço postal não oferecia a menor segurança jurídica aos serviços de correio acelerado internacionais. O requisito estabelecido no ponto 2 impossibilitava, em numerosos casos, qualquer concorrência em matéria de preços e tinha o mesmo efeito que um acordo quanto aos preços. O artigo 90.o, n.o 2, do Tratado não era aplicável, atendendo a que os rendimentos obtidos pelos PTT com a correspondência encaminhada por serviço acelerado não eram indispensáveis para lhes permitirem cumprir a sua missão. Após convidar o governo neerlandês a dar a conhecer o seu ponto de vista, a Comissão indicou que, caso os elementos enunciados no telex fossem confirmados, poderia ter de tomar uma decisão com base no artigo 90.o, n.o 3, do Tratado.

    13.

    Por carta de 16 de Janeiro de 1989, o governo neerlandês justificou as normas criticadas, alegando ser o monopólio necessário para o cumprimento da obrigação de transporte postal; as possibilidades oferecidas às empresas de «koeriersdiensten» deveriam ser suficientemente limitadas para evitar que não só o transporte padrão normal, mas também o «normaal versneld vervoer» de correspondência sofressem qualquer prejuízo. O governo neerlandês afirmou ainda que os PTT estavam igualmente obrigados a observar o artigo 12.o da lei do serviço postal relativamente aos «koeriersdiensten».

    14.

    A Comissão manteve também contactos com as organizações das empresas de «koeriersdiensten» (a Nationale Organisatie voor het Beroepsgoederenvervoer e a Nederlandse Vereniging van Internationale Koeriersdiensten), que lhe fizeram chegar os seus comentários sobre a carta do governo neerlandês de 16 de Janeiro de 1989.

    15.

    Em 20 de Dezembro de 1989, a Comissão adoptou a Decisão 90/16/CEE, relativa à prestação do serviço de correio rápido nos Países Baixos («koeriersdiensten», na versão neerlandesa que faz fé; JO L 10, p. 47). Em 2 de Fevereiro de 1990, a Comissão publicou uma rectificação, em língua neerlandesa, da Decisão 90/16, já referida, relativamente à terminologia utilizada (JO L 31, p. 46).

    16.

    Nos considerandos da decisão, após recordar que, sob a anterior legislação, mau grado o monopólio teórico dos PTT, existia concorrência ao nível dos «koeriersdiensten» entre os PTT, no âmbito do serviço EMS, e as empresas privadas, a Comissão explica que a lei do serviço postal impõe as condições restritivas do artigo 12.o, n.o 1, apenas às empresas privadas.

    No âmbito da apreciação jurídica, a Comissão afirma que a empresa pública em causa, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, é a PTT-Post BV.

    Os mercados abrangidos pela lei do serviço postal são o do serviço postal de base de cartas até 500 g com origem no território neerlandês e o do «koeriersdienst», próximo, embora distinto do primeiro, de cartas até 500 g, que se caracteriza, para além das suas rapidez e segurança acrescidas, por prestações adicionais, tais como a recolha ao domicílio dos envios, a entrega em mão própria ao destinatário, a possibilidade de alteração do destino ou do destinatário durante o encaminhamento, a confirmação ao remetente da recepção da sua remessa, o controlo dos envios ou o tratamento personalizado dos clientes.

    No mercado do serviço postal de base, a empresa PTT-Post BV, com direitos exclusivos para recolher, transportar e distribuir toda a correspondência até 500 g com origem nos Países Baixos, dispõe de uma posição dominante.

    A lei do serviço postal leva a um abuso de posição dominante ao alargar esta mesma posição, pois permite a imposição de preços e de condições não equitativas e limita a oferta.

    Com efeito, ao reservar para os PTT-Post BV a parte de mercado dos «koeriersdiensten» (serviços de correio acelerado; correio rápido, na versão portuguesa da decisão) relativa aos envios efectuados por remuneração inferior a 11,90 HFL, a lei do serviço postal estende a posição dominante do mercado do serviço postal de base ao dos «koeriersdiensten».

    Para o correio acelerado até 500 g da categoria de preços até 11,90 HFL, a lei do serviço postal impõe aos operadores económicos o recurso ao «expressepost» (correio expresso; serviço de correio rápido na versão portuguesa da decisão) dos PTT-Post BV, nas condições por estes fixadas, e impõe-lhes, assim, preços e condições não equitativas.

    A lei do serviço postal limita a oferta no mercado; afecta negativamente o número de prestadores e a qualidade do serviço e impede os concorrentes do serviço postal em matéria de «koeriersdiensten» até 500 g de oferecer uma gama completa desses serviços.

    Ao reservar para uma única empresa o «expressepost» até 500 g, a preço inferior a 11,90 HFL, com destino a outros Estados-membros, a lei do serviço postal afecta negativamente os «koeriersdiensten» entre os Estados-membros.

    Por último, a Comissão afirma que as condições de aplicação do artigo 90.o, n.o 2, não estão reunidas.

    Nessas condições, adoptou a seguinte decisão:

    «Artigo 1.0

    As disposições dos artigos 2.o e 12.o da lei neerlandesa, de 26 de Outubro de 1988, relativa à execução do serviço postal, conjugadas com as disposições do decreto de aplicação de 19 de Dezembro de 1988, que estabelecem uma reserva do serviço rápido de recolha, transporte e distribuição de cartas até 500 gramas a um preço inferior a 11,9 florins para destinos CEE ea 17,5 florins para destinos fora da CEE, bem como a obrigação de registar previamente as tarifas, imposta pelo decreto de 12 de Maio de 1989, são incompatíveis com o n.o 1 do artigo 90.o do Tratado CEE, conjugado com o artigo 86.o do mesmo Tratado.

    Artigo 2.0

    O Reino dos Países Baixos informará a Comissão, num prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para dar cumprimento à presente decisão.

    Artigo 3. o

    ...»

    II — Tramitação processual escrita e pedidos das partes

    1.

    O recurso interposto pelo Reino dos Países Baixos deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Março de 1990.

    2.

    O recurso interposto pelos Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de Março de 1990.

    3.

    Por despacho de 5 de Dezembro de 1990, o Tribunal de Justiça autorizou a Nederlandse Vereniging van Internationale Koeriers- en Expresbedrijven, a Nationale Organisatie voor het Beroepsgoederenvervoer Wegtransport, a European Express Organisation e a Association of European Express Carriers a intervir em apoio dos pedidos da Comissão no processo C-66/90.

    4.

    Por despacho de 4 de Junho de 1991, o Tribunal de Justiça remeteu o processo C-66/90, Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV/Comissão, para o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Colect., p. I-2723).

    5.

    Por despacho de 21 de Junho de 1991, o Tribunal de Primeira Instância declinou a sua competência nesse processo, a fim de que o Tribunal de Justiça decidisse sobre o pedido de anulação (T-42/91, Colect., p. II-273).

    6.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

    7.

    Por despacho de 22 de Junho de 1991, o Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C-48/90 e C-66/90 para efeitos da audiência e do acórdão.

    8.

    O Reino dos Países Baixos, recorrente no processo C-48/90, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a Decisão C(89)1930 final da Comissão, de 20 de Dezembro de 1989, relativa à prestação do serviço de correio rápido nos Países Baixos, notificada ao governo neerlandês em 3 de Janeiro de 1990 e cujo texto foi publicado com a referência 90/16/CEE (JO L 10, p. 47);

    anular as «rectificações» introduzidas na decisão impugnada, (JO L 31, p. 46), com excepção da correcção referente ao termo «opgelegt» que figura na décima primeira linha do artigo 1.o, isoladamente ou em conjugação com a Decisão C(89)1930 final, de 20 de Dezembro de 1989; ou, caso as referidas «rectificações» se devam considerar uma decisão distinta, anular esta última;

    condenar a recorrida nas despesas.

    9.

    Os Koninklijke PTT Nederhnd NV e PTT-Post BV (a seguir «PTT»), recorrentes no processo C-66/90, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a decisão, bem como a rectificação (na medida em que constitua uma decisão distinta, na acepção do artigo 189.o do Tratado CEE);

    condenar a Comissão nas despesas.

    10.

    A Comissão, recorrida nos dois processos, conclui pedindo que o Tribunal se digne :

    negar provimento aos recursos;

    condenar os recorrentes nas despesas.

    11.

    As Nederlandse Vereniging van Internationale Koeriers- en Expresbedrijven (a seguir «NVIK») e Nationale Organisatie voor het Beroepsgoederenvervoer Wegtransport (a seguir «NOB»), European Express Organisation (a seguir «EEO») e Association of European Express Carriers (a seguir «AEEC»), intervenientes em apoio dos pedidos da Comissão no processo C-66/90, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso interposto pelos Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV;

    condenar os Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV nas despesas, incluindo as das intervenientes.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    Quanto à admissibilidade do recurso no processo C-66/90

    1.

    A Comissão não exclui que uma empresa, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, do Tratado CEE, possa interpor recurso de uma decisão da Comissão adoptada com base no artigo 90.o, n.o 3, tal como pode interpor recurso de uma decisão baseada no artigo 93.o, n.o 2. No presente caso, os PTT não negam, no entanto, deter, por força da lei do serviço postal, uma situação de privilégio, pelo que não podem sustentar ter a decisão impugnada alterado a sua situação jurídica e terem eles legitimidade para a impugnar. Ora, o recorrente que não seja destinatário de uma decisão tem que demonstrar que a sua situação jurídica é alterada. Por estes fundamentos, a Comissão remete-se à consideração do Tribunal no que diz respeito à admissibilidade do recurso.

    2.

    Os PTT replicam que nunca afirmaram ter a decisão alterado a sua situação jurídica. Para impugnar uma decisão basta que o terceiro demonstre que esta lhe diz directa e individualmente respeito. A afirmação da Comissão de que a lei do serviço postal confere aos recorrentes uma posição privilegiada, incompatível com o Tratado, e as conclusões que daí retira afectam directa e individualmente os interesses dos recorrentes.

    Quanto aos fundamentos de ilegalidade

    — Quanto ao fundamento baseado em abuso dos poderes conferidos pelo artigo 90. o, n o 3, do Tratado

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT sustentam que a Comissão abusou dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 90.o, n.o 3, os quais lhe não permitem exercer uma fiscalização repressiva. A eventual violação, por parte de um Estado, das suas obrigações deveria ter sido punida ao abrigo do artigo 169.o do Tratado, que, aliás, estabelece determinadas garantias processuais a favor do Estado demandado. O artigo 90.o, n.o 3, não faz parte dos processos, expressamente previstos no Tratado, que derrogam ao artigo 169.o, tais como os artigos 93.o, n.o 2, 100.o-A, n.o 4, e 225.o

    Conforme salientado pelo Tribunal no acórdão de 6 de Julho de 1982, França/Comissão (188/80 a 190/80, Recueil, p. 2545), a competência conferida à Comissão no artigo 90.o, n.o 3, limita-se às directivas e às decisões necessárias para exercer, de modo eficaz, o dever de fiscalização imposto nessa mesma norma. Neste acórdão, o Tribunal não dirimiu a questão de saber se a Comissão podia ter intervindo ao abrigo do artigo 90.o, n.o 3, caso tivesse havido violação do Tratado. Nas suas conclusões de 13 de Fevereiro de 1990, no processo França/Comissão (C-202/88, Colect., p. I-1239), o advo-gado-geral salientou, do mesmo modo, que o artigo 90.o, n.o 3, permite à Comissão adoptar decisões ou directivas com natureza administrativa ou técnica que a possam ajudar a exercer a sua fiscalização repressiva graças à base jurídica adequada, por exemplo, o artigo 169.o ou o artigo 93.o, n.o 2.

    Impor-se-ia tanto mais o processo normal em matéria de declaração de infracção, com as garantias para o Estado em causa, quanto a decisão diz respeito a uma lei.

    Reconhecer à Comissão competência para intervir, a título repressivo, com base no artigo 90.o, n.o 3, significa conferir-lhe o poder de anular, através de uma medida administrativa, normas do direito nacional.

    A Comissão não se pode arrogar competência em matéria de repressão com base no artigo 90.o, n.o 2, ou na necessidade de proteger o efeito útil do artigo 90.o

    De acordo com os PTT, mesmo que se aceite que o artigo 90.o, n.o 3, pode servir de base ao exercício de uma fiscalização repressiva por parte da Comissão, esta cometeu um abuso de poder ao não concretizar quais as obrigações que o Tratado impõe na matéria às autoridades nacionais em causa.

    2.

    A Comissão replica que o artigo 90.o, n.o 3, é uma norma que serve de base jurídica a actos que têm por objecto declarar e fazer cessar uma infracção ao artigo 90.o, n.o 1, ao contrário do artigo 169.o, que não serve de base jurídica a um acto normativo, sendo sim uma norma processual.

    A interveniente EEO esclarece que o processo do artigo 90.o, n.o 3, tem carácter administrativo, à semelhança dos processos ao abrigo dos artigos 87.o ou 93.o, n.o 2. Tendo em vista zelar pelo respeito do direito comunitário por parte dos Estados-membros, o processo do artigo 169.o tem, por seu lado, natureza constitutiva.

    De acordo com a Comissão, à semelhança do artigo 93.o, n.o 2, o artigo 90.o, n.o 3, distingue-se do artigo 169.o na medida em que permite à Comissão adoptar um acto vinculativo, no caso concreto, uma decisão. O artigo 169.o pode ser utilizado quando o Estado-membro em causa não respeite uma decisão baseada no artigo 90.o, n.o 3.

    No acórdão de 6 de Julho de 1982, França/Comissão, já referido, o Tribunal reconheceu a competência da Comissão para intervir a título preventivo, com base no artigo 90.o, n.o 3, através de uma directiva. Esta fundamentação também é válida, a fortiori, para a adopção, a título repressivo, de uma decisão.

    A aplicação pela Comissão do artigo 90.o, n.o 2, pressupõe a possibilidade de instaurar um processo ao abrigo do artigo 90.o, n.o 3.

    A tese defendida pelos recorrentes priva de qualquer efeito útil o artigo 90.o, uma vez que a Comissão não pode intervir no caso de uma medida de um Estado-membro que diga respeito a uma empresa dotada de direitos especiais ou exclusivos. Daqui resulta igualmente uma diferença entre as intervenções da Comissão com base nos artigos 87.o, 89.o ou 93.o, por um lado, e com base no artigo 90.o, por outro.

    O facto de os artigos 93.o, n.o 2, 100.o-A e 225.o derrogarem expressamente ao artigo 169.o não impede o artigo 90.o, n.o 3, de estabelecer uma solução jurídica que permite impor o respeito por um preceito legal.

    — Quanto ao fondamento baseado em violação de formalidades essenciais, em razão da inexistência de um debate contraditório e de um desvio de procedimento

    1.

    De acordo com o Reino dos Países Baixos e os PTT, a Comissão desrespeitou o direito fundamental a um debate contraditório.

    O Reino dos Países Baixos recorda que a troca de correspondência com a Comissão, de 29 de Novembro de 1988/16 de Janeiro de 1989, não foi seguida por qualquer concertação posterior, e que o telex de 29 de Novembro de 1988 não está suficientemente fundamentado no plano jurídico. Essa concertação seria tanto mais necessária quanto a Comissão permitiu às organizações profissionais das empresas de correio acelerado tomarem posição sobre a carta do governo neerlandês.

    O Reino dos Países Baixos reitera a sua afirmação de que a decisão, a supor que se possa basear no artigo 90.o, n.o 3, tem como efeito imediato retirar qualquer força vinculativa às medidas legais nacionais; nessas condições, havia forçosamente recurso a um processo contraditório, nos termos do modelo do artigo 169.o

    Os PTT recordam que o único contacto com a Comissão data de Outubro de 1988. Uma empresa pública criticada por ter violado o artigo 86.o deve beneficiar dos mesmos direitos de defesa que uma empresa directamente implicada num processo em matéria de concorrência. Nestas circunstâncias, a Comissão não se pode defender afirmando que os argumentos dos PTT são, em grandes linhas, idênticos aos avançados pelo governo neerlandês na sua carta de 16 de Janeiro de 1989. Aliás, a petição no processo C-66/90 menciona outros elementos de facto e, de qualquer modo, um debate contraditório deve incidir sobre as conclusões jurídicas. Em caso de violação de um direito fundamental, a vítima não tem que demonstrar que o resultado material do processo seria diferente se os seus direitos processuais tivessem sido respeitados.

    2.

    A Comissão, apoiada pela interveniente EEO, nega ter desrespeitado, no âmbito do processo ao abrigo do artigo 90.o, n.o 3, os direitos da defesa, que fazem parte dos princípios fundamentais do direito comunitário. O governo neerlandês foi ouvido a propósito de cada um dos argumentos avançados na decisão. O carácter não vinculativo das normas nacionais em causa é consequência da sua incompatibilidade com o artigo 90.o, n.o 1, que tem efeito directo, e não da decisão impugnada.

    A Comissão não pode ser censurada por ter ouvido as organizações de empresas privadas de correio acelerado, atendendo a que tinha de formar uma opinião quanto aos efeitos previsíveis da lei do serviço postal nas actividades dessas empresas.

    Dizendo o processo, ao abrigo do artigo 90.o, n.c 3, respeito à Comissão e ao Es-tado-membro em causa, a Comissão não era obrigada a ouvir igualmente, em separado, os PTT. Aliás, os PTT foram consultados e nada os impediu de apresentar observações à Comissão.

    — Quanto ao fundamento baseado em deficiência de fundamentação da decisão

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT avançam, no âmbito deste fundamento, diferentes argumentos baseados no facto de a decisão confundir conceitos essenciais, de se basear em factos incorrectos e numa má interpretação das regras em causa, e no facto de a sua parte decisória ser demasiado vaga e demasiado ampla.

    2.

    A Comissão contesta a totalidade da argumentação.

    — Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão confundiu noções

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT criticam a Comissão por confundir as noções essenciais de «expressepost», «spoedbestel-dienst» e «koeriersdienst», confusão que se repercute na determinação dos mercados em causa. Ainda que se tomem em consideração as rectificações, a decisão não faz uma distinção nítida entre o serviço postal de base, de que faz parte o «spoedbesteldienst», incluindo o «expressepost» normal e com recolha ao domicílio, e o «koeriersdienst».

    A Comissão tentou incorrectamente equiparar, durante a fase escrita do processo, o «expressepost» dos PTT com recolha ao domicílio a um «koeriersdienst». Na estrita acepção da palavra, os «koeriersdiensten» apenas dizem respeito ao transporte superacelerado de um objecto por um transportador, directamente do ponto A ao ponto B do território, sem transbordo; na acepção ampla do termo, pode igualmente incluir serviços de transporte acelerado que obedeçam aos critérios da lei do serviço postal.

    2.

    A Comissão, apoiada pelas intervenientes NVIK e NOB, afirma que as noções de «normaal versneld vervoer» (transporte acelerado normal), «expressepost» (correio expresso), «exprespost» (serviço expresso), bem como a noção de «koeriersdienst» (serviço de correio acelerado, serviço de correio rápido na versão portuguesa da decisão), não são definidas de forma alguma e, por seu lado, os recorrentes não utilizam a terminologia com coerência. Assim, o termo «expressepost» é simultaneamente utilizado para designar a correspondência acelerada normal e a correspondência com recolha ao domicílio. Os recorrentes adoptam uma concepção demasiado estrita da noção de «koeriersdienst», ao excluir qualquer correio com transbordo. De qualquer modo, estas especificidades terminológicas não impedem que a decisão diga essencialmente respeito às consequências da lei do serviço postal para os serviços privados de correio acelerado nos Países Baixos.

    A interveniente EEO afirma que deve distinguir-se entre os serviços postais obrigatórios, que têm por objecto a totalidade dos serviços de transporte que os PTT são legalmente obrigados a fornecer, os serviços postais normais, os «spoedbesteldiensten» e os «koeriersdiensten». A evolução histórica dos serviços postais demonstra que o serviço de entrega rápida, enquanto tipo de serviço de transporte acelerado, é profundamente diferente do serviço postal normal, estando em concorrência directa com os serviços rápidos prestados por empresas privadas.

    — Quanto ao argumento segundo o qual a decisão é factualmente incorrecta

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT sustentam que a decisão é factualmente incorrecta. A Comissão parte do pressuposto errado de que os PTT não estão obrigados a respeitar as condições do artigo 12.o da lei do serviço postal no que diz respeito aos seus «koeriersdiensten».

    Resulta dos antecedentes da lei do serviço postal e da exposição de motivos do seu decreto de aplicação que os PTT estão obrigados a respeitar as condições do artigo 12.o no que diz respeito aos seus «koeriersdiensten». Os PTT velaram por que o serviço internacional EMS estivesse em conformidade com as exigências qualitativas e as tarifas previstas na lei. Os PTT sujeitaram-se mesmo à obrigação de registo das tarifas. A referência da Comissão aos novos serviços rápidos instituídos pelos PTT em 1990 não é pertinente para a legalidade da decisão.

    O argumento da Comissão de que o serviço EMS está isento de IVA, além de extemporâneo, é incorrecto; a Sexta Directiva IVA isenta, de modo geral, as prestações de serviços efectuadas pelos serviços públicos postais; por outro lado, os serviços prestados pelos operadores privados que tenham por destino o estrangeiro beneficiam da taxa zero, ainda mais favorável do ponto de vista fiscal.

    Os argumentos baseados na modalidade de correio dita «Kilopak», que permite ao remetente enviar, até um quilograma, um determinado número de cartas a tarifa uniforme, não figuram na decisão; além disso, são incorrectos, atendendo a que o «Kilopak» é legitimamente considerado um objecto.

    As regalias de que os PTT-Post BV podem beneficiar são, em parte, inutilizáveis para a prestação dos serviços de correio acelerado e, em parte, inerentes ao exercício pelos PTT-Post BV da sua missão legal.

    A tarifa citada pela Comissão para o transporte obrigatório, incluindo o correio expresso, e para o correio expresso com recolha ao domicílio é deliberadamente subavaliada.

    A decisão não indica claramente se diz respeito ao mercado dos «koeriersdiensten» internacionais e nacionais.

    2.

    A Comissão, apoiada pelas intervenientes NVIK, NOB, AEEC e EEO, recorda que os PTT não estão obrigados a respeitar as condições restritivas da lei do serviço postal relativamente aos «koeriersdiensten».

    O artigo 12.o, n.o 1, tem por destinatário qualquer empresa que não o concessionário do seu serviço postal, e o n.0 2, alíneas b) e d), estabelece uma derrogação à proibição enunciada nesse texto, desde que o transporte por terceiros seja efectuado por conta do concessionário. Do mesmo modo, o artigo 17.o, n.o 1, da lei, que impõe sanções em caso de infracção ao artigo 12.o, não se aplica ao concessionário. A exposição de motivos do decreto de aplicação está em contradição com a letra e o espírito da lei do serviço postal, não sendo possível, de qualquer modo, invocar um decreto contra uma lei.

    De acordo com a Comissão, apoiada pelas intervenientes, o serviço de correio acelerado EMS não preenche as condições de qualidade exigidas no artigo 12.o, n.o 2, alínea a).

    Os PTT subtraem-se igualmente às normas da lei no que diz respeito à tarifa mínima. A isenção de IVA, a modalidade «Kilopak», as derrogações previstas em diversas leis neerlandesas a favor dos PTT, quer se trate da lei relativa aos transportes rodoviários de mercadorias, do decreto relativo ao tempo de condução, da lei relativa aos contratos de transporte rodoviário ou da lei relativa à prestação de trabalho, bem como as economias de escala, permitem aos PTT oferecer tarifas inferiores às estipuladas na lei. Embora a Comissão não tenha mencionado expressamente na decisão impugnada a modalidade «Kilopak», praticada no âmbito do serviço EMS, salientou no n.o 11 que o «expressepost» (correio expresso, correio rápido na versão portuguesa da decisão), mediante remuneração inferior a 11,90 HFL, está reservado aos PTT. A tarifa do «expressepost» com recolha ao domicílio é, aliás, igualmente inferior à tarifa mínima estipulada na lei.

    Os PTT escapam igualmente à obrigação de registo, que constitui um pesado encargo para as empresas de correio acelerado e lhes proíbe adoptar uma estrutura flexível de tarifas.

    A criação pelos PTT, em 1990, de novos serviços confirma a exactidão das afirmações que figuram na decisão.

    Não fazendo a legislação neerlandesa distinção entre os «koeriersdiensten» internos e internacionais, a decisão também a não faz.

    A interveniente AEEC salienta que as condições restritivas também se impõem às empresas estabelecidas nos outros Estados-membros que efectuam serviços com destino ou origem nos Países Baixos. Os Países Baixos exportam, assim, o seu regime postal, sem tomar em consideração as legislações em vigor nos outros Estados-membros. A propósito das condições qualitativas, a interveniente AEEC observa, nomeadamente, que os PTT neerlandeses não propõem um serviço «expressepost» com origem no estrangeiro e destino nos Países Baixos e apenas executam de modo defeituoso esse tipo de transporte dos Países Baixos para o estrangeiro, o que causa dificuldades em termos de comparação. No que diz respeito à tarifa mínima, a lei do serviço postal proíbe às empresas estrangeiras repercutirem nos seus utilizadores eventuais vantagens de preços e obriga-as a praticar uma tabela específica para os Países Baixos. As condições de registo obrigam essas empresas a manter uma administração distinta para todos os serviços propostos com origem ou destino nos Países Baixos.

    — Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão interpretou incorrectamente as regras em causa

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT sustentam ainda que a decisão ignora o nexo existente entre a concessão exclusiva e a obrigação legal de transporte. Autorizar as empresas privadas a oferecerem os seus serviços, sem terem de obedecer simultaneamente a condições de qualidade e de tarifa mínima, permitir-lhes-ia competir com os PTT nos destinos rentáveis e poria em causa a concessão exclusiva enquanto motor do sistema de obrigação legal de transporte com tarifas uniformes. Esta tarifa não suscita, aliás, qualquer problema para os «koeriersdiensten» propriamente ditos, cujo preço é muito superior. A tarifa mínima é, em contrapartida, necessária para evitar que as empresas privadas proponham serviços a preços mais competitivos, que possam substituir os que os PTT estão legalmente obrigados a prestar, entre os quais os «spoed-besteldiensten».

    2.

    A Comissão, após recordar as normas da lei do serviço postal, afirma que a decisão critica o facto de os «koeriersdiensten», tal como definidos na decisão, terem deixado de poder ser livremente prestados por empresas privadas, sendo os PTT os únicos a poder prestá-los, para cartas até 500 g, abaixo da tarifa mínima. A Comissão recorda que a exigência de qualidade está definida na lei em função da noção de «normaal versneld vervoer» (transporte acelerado normal), não definida em parte alguma. Para defender a tarifa mínima, os recorrentes baseiam-se na definição estrita de «koeriersdiensten». De resto, os PTT caem em contradição, na medida em que alegam que as tarifas reais dos «koeriersdiensten» são superiores à tarifa mínima legal, embora sustentem que esta tarifa mínima é indispensável para a protecção do serviço postal de base.

    A interveniente EEO insiste igualmente nas consequências da interpretação demasiado restritiva do conceito de «koeriersdienst». Os recorrentes baseiam-se incorrectamente no n.o 3 da decisão, em que a Comissão admite que o «spoedbesteldienst» (serviço de entrega rápida, serviço de correio expresso na versão portuguesa da decisão) pode ser considerado parte do serviço postal de base, para provar que o serviço de entrega rápida e qualquer outro serviço postal da mesma categoria de preços estão abrangidos pelo monopólio. Ora, uma leitura mais atenta da decisão demonstra que a Comissão critica essencialmente a aplicação do monopólio postal neerlandês no mercado dos serviços de transporte acelerado na categoria de preços do serviço de entrega rápida.

    — Quanto ao argumento segundo o qual o dispositivo da decisão é demasiado vago e demasiado amplo

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT sustentam que o dispositivo da decisão impugnada é simultaneamente demasiado amplo e demasiado vago. Ao condenar, em termos bastante gerais, um determinado número de normas legais neerlandesas, o artigo 1.o da decisão repercute-se em competências exclusivas dos PTT que não as relativas aos «koeriersdiensten». Por outro lado, a Comissão não estipula quais as medidas susceptíveis de pôr fim à infracção. Não indica se e, em caso afirmativo, em que medida a imposição de uma tarifa mínima e de um registo é admissível, nem se e, em caso afirmativo, em que medida a decisão diz igualmente respeito à condição de qualidade. Os considerandos da decisão não obstam a estas omissões.

    Não impondo o artigo 1.o medidas bem definidas aos Países Baixos, não se vê qual poderá ser o alcance do artigo 2.o, que impõe que os Países Baixos informem a Comissão, no prazo de dois meses, das medidas adoptadas. De qualquer modo, é impossível alterar a lei do serviço postal no prazo de dois meses.

    2.

    A Comissão, apoiada pela interveniente EEO, salienta que o dispositivo da decisão, à semelhança da parte decisória de um acórdão proferido ao abrigo do artigo 169.o do Tratado, declara verificada uma infracção, sem ter de indicar de que forma o Estado-membro a deve fazer cessar. No entanto, resulta claramente da decisão que esta critica o nível demasiado elevado da tarifa mínima, a qual excede o necessário para proteger o serviço postal de base, e entrava as actividades dos «koeriersdiensten» privados em relação ao «expressepost» com recolha ao domicílio e ao «koeriersdienst» dos PTT. Compete ao Estado provar que o artigo 90.o, n.o 2, é aplicável.

    O prazo de dois meses indicado no artigo 2.o diz respeito ao período durante o qual o governo neerlandês deve comunicar à Comissão as medidas que entenda adoptar para dar cumprimento à decisão.

    — Quanto ao fundamento baseado em abuso de poder ou, pelo menos, em violação de formalidades essenciais, na medida em que a Comissão introduziu «rectificações» na decisão

    1.

    De acordo com o Reino dos Países Baixos e os PTT, a técnica das rectificações apenas permite corrigir erros gramaticais notórios ou erros de ortografia manifestos, mas não efectuar uma alteração material da parte decisória ou uma rectificação de noções essenciais na fundamentação da decisão, como as de «expressepost», «koeriersdienst» e«spoedbesteldienst». A única técnica correcta teria consistido na adopção de urna nova decisão ou na alteração formal da decisão existente.

    O Reino dos Países Baixos contesta, por outro lado, ter pedido uma rectificação. Mesmo que se interprete como tal o pedido de esclarecimento do governo, a Comissão abusou da sua competência ao alterar a substância da decisão.

    2.

    A Comissão responde que foi o próprio governo neerlandês que lhe pediu as rectificações, a fim de evitar que terceiros pudessem interpretar a decisão como pondo em causa o monopólio postal noutros domínios que não os objecto da decisão. As rectificações em nada alteraram o teor da decisão e as correcções de ordem terminológica respeitam a distinção essencial entre serviço postal de base e «koeriersdienst» (serviço de correio acelerado).

    — Quanto ao fondamento baseado em violação dos artigos 86. o e 90. o, n.o 1, do Tratado, na medida em que não se trata do comportamento de uma empresa

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTTcon- sideram que apenas se pode aplicar o artigo 90.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 86.o, à actuação de uma empresa que, juntamente com uma medida estatal, viole as regras de concorrência (ver os acórdãos de 16 de Novembro de 1977, gB Inno, 13/77, Recueil, p. 2115; de 21 de Setembro de 1988, Van Eycke, 267/86, Colect., p. 4769; de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed, 66/86, Colect., p. 803). Este ponto de vista tem fundamento na jurisprudência relativa ao artigo 5.o, segundo parágrafo, conjugado com os artigos 3.o, alínea f), 85.o ou 86.o (ver, a propòsito do artigo 86.o, os acórdãos gB Inno, Van Eycke e Ahmed Saeed, já referidos; ver a propósito do artigo 85.o, o acórdão de 29 de Janeiro de 1985, Cullet, 231/83, Recueil, p. 305). A decisão diz exclusivamente respeito à lei do serviço postal, que de forma nenhuma deu origem a um comportamento abusivo por parte dos PTT. Nestas condições, é incorrecta a invocação pela Comissão do acórdão de 4 de Maio de 1988, Bodson (30/87, Colect., p. 2479), que diz respeito a comportamentos específicos de empresas.

    Mesmo que se aceite o pressuposto de que a lei do serviço postal teve por efeito aumentar os direitos exclusivos dos PTT, esta extensão não é, em si mesma, incompatível com as normas conjugadas dos artigos 86.o e 90.o (ver o acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi, 155/73, Recueil, p. 409).

    2.

    A Comissão, apoiada pela interveniente EEO, afirma que o artigo 90.o, n.o 1, permite actuar não só contra uma medida estatal que obrigue ou incite uma empresa pública a agir em violação dos artigos 85.o e seguintes do Tratado (ver o acórdão de 30 de Junho de 1988, Comissão/Grécia, 226/87, Colect., p. 3611), mas também em todos os casos em que medidas estatais relativas a empresas públicas comprometam os objectivos dessas normas. Proibir os Esta-dos-membros de incitar empresas públicas a adoptar comportamentos anticoncorrenciais, autorizando-os simultaneamente a alcançar o mesmo resultado através da sua legislação, priva de qualquer efeito útil o artigo 90.o, n.o 1. Apesar de uma situação de facto diferente, o acórdão de 4 de Maio de 1988, Bodson, já referido, confirma esta tese, na medida em que o Tribunal de Justiça condenou o facto de se favorecer um concessionário e prejudicar os seus concorrentes através da adopção de uma medida estatal.

    A jurisprudência relativa ao artigo 5.o é destituída de pertinência; com efeito, o artigo 90.o é uma lex specialii em relação ao artigo 5.o, podendo a Comissão intervir com base naquela norma sempre que estejam em causa medidas que digam respeito a empresas. O acórdão de 29 de Janeiro de 1985, Cullet, já referido, dizia respeito à imposição de um preço mínimo indistintamente aplicável, enquanto que o presente processo diz respeito a uma imposição de preços que falseia a concorrência entre uma empresa, na acepção do artigo 90.o, n.o 1, do Tratado, e empresas concorrentes. O acórdão de 30 de Abril de 1974, Sacchi, já referido, também é diferente do presente processo, na medida em que se trata da extensão de um monopólio existente, de modo a manter no mercado apenas o seu titular. Esta extensão terá sido efectuada por razões não económicas de interesse público, enquanto que, no presente caso, se inspira precisamente em motivos económicos.

    A interveniente EEO não exclui a existência de um comportamento dos PTT que, ao aplicarem tarifas inferiores às impostas às empresas privadas, beneficiam da vantagem concorrencial que lhes é conferida pela lei do serviço postal.

    — Quanto ao fundamento de violação do artigo 86.o do Tratado, na medida em que a Comissão não provou a existência de um abuso de posição dominante

    1.

    Reino dos Países Baixos e os PTT censuram à Comissão não ter provado a existência de uma posição dominante no mercado em causa e de um abuso dessa posição.

    a)

    No que diz respeito à existência de uma posição dominante, a Comissão é censurada por ter adoptado uma concepção demasiado estrita do mercado em causa, definindo-o como o dos serviços postais obrigatórios de encaminhamento de cartas até 500 g. É arbitrário associar o mercado em causa e a concessão exclusiva dos PTT. A decisão da Comissão contém, por outro lado, contradições internas, na medida em que apresenta os serviços postais de base e os «koeriersdiensten» como mercados distintos, embora reconheça que determinados serviços postais de base, nomeadamente o serviço de «expressepost», estão em concorrência com os serviços das empresas privadas. A Comissão ignora o facto de os PTT terem uma obrigação legal de assegurar o transporte de todo o tipo de correspondência até 10 kg. O mercado definido pela Comissão apenas constitui uma parte desse mercado mais amplo que, de resto, engloba, ao nível dos serviços prestados, simultaneamente, o serviço postal normal, o serviço de entrega rápida e os serviços de correio acelerado.

    Não tendo definido correctamente o mercado, a Comissão também não demonstrou que os PTT-Post BV têm aí uma posição dominante. De resto, a descrição dos direitos exclusivos na decisão é incoerente, na medida em que a Comissão tão depressa se refere ao conjunto dos serviços postais de base como ao domínio do serviço postal de base de cartas até 500 g e ao dos serviços de correio acelerado.

    b)

    No que diz respeito à censura por abuso de posição dominante, o Reino dos Países Baixos e os PTT alegam que a Comissão não provou a extensão da posição dominante, a imposição de preços e de condições não equitativas e a limitação da oferta.

    Os recorrentes contestam o argumento da extensão da posição dominante do mercado postal de base ao mercado próximo, embora distinto, dos «koeriersdiensten». Antes de mais, a Comissão não demonstrou a existência de um mercado dos serviços de correio acelerado, que apenas representa parte do mercado, mais amplo, do tráfego de informação de alta velocidade. Mesmo que se aceite a sua existência, este mercado inclui actividades mais vastas do que o transporte de correspondência até 500 g. Em seguida, a Comissão devia ter reconhecido que, em vez de ampliar o monopólio dos PTT, a lei do serviço postal permite doravante a terceiros prestar «koeriersdiensten» para correspondência até 500 g. No que diz respeito a esse serviço, a tarifa mínima imposta aplica-se, de resto, tanto aos PTT-Post BV como às empresas privadas.

    Além disso, resulta do acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM (311/84, Recueil, p. 3261), que a extensão de uma posição dominante a um mercado próximo, embora distinto, apenas constitui um abuso de posição dominante quando essa extensão ocorra sem necessidade objectiva e, além disso, exista o risco de eliminar totalmente a concorrência de terceiros no mercado. No presente caso, não se pode falar de eliminação da concorrência, quando precisamente a lei do serviço postal autoriza a concorrência por empresas de «koeriersdiensten». As condições fixadas na lei são, por outro lado, objectivamente necessárias para evitar a entrada dos serviços privados do correio acelerado no segmento de mercado de correspondência até 500 g, que é o serviço postal de base exclusivamente reservado aos PTT-Post BV.

    O argumento da imposição de preços e condições não equitativas, na acepção do artigo 86.o, alínea a), não tem fundamento. No entender do Reino dos Países Baixos, resulta dos acórdãos de 4 de Maio de 1988, Bodson, e de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed, já referidos, que uma empresa que disponha de uma posição dominante não pode ser encorajada ou obrigada pelas autoridades públicas a abusar dessa posição pela prática de preços exagerados; ora, os PTT não o fazem. Se a Comissão pretende criticar a lei do serviço postal, na medida em que obriga os concorrentes dos PTT a facturar preços demasiado elevados, não pode basear-se nos artigos 90.o, n.o 1, e 86.o, atendendo a que as regulamentações nacionais em matéria de preços não podem ser comparadas com as regras de concorrência que se aplicam às empresas.

    Além disso, os recorrentes sustentam que a decisão conclui incorrectamente que a lei do serviço postal obriga os utentes, para o seu correio rápido até 500 g, na categoria de preços inferior a 11,90 HFL, a utilizar o serviço de «expressepost» dos PTT. Se, através desta expressão, a Comissão designa os «koeriersdiensten», a conclusão da decisão é inexacta, uma vez que esses serviços também estão sujeitos à tarifa mínima. Na hipótese de designar os «spoedbesteldiensten», que fazem parte do serviço postal obrigatório, o argumento é incompreensível, pois as tarifas desse serviço são quer superiores, quer inferiores à tarifa legal, consoante o país de destino. A tarifa mínima é demasiado reduzida para rentabilizar um verdadeiro serviço de correio acelerado; no entanto, é suficientemente elevada para impedir que as empresas ofereçam, sob o manto do «koeriersdienst», serviços que façam parte da concessão exclusiva dos PTT.

    Os PTT acrescentam que a Comissão tenta em vão, na fase escrita do processo, justificar em que medida a tarifa mínima constitui uma prática não equitativa, ao afirmar que as empresas privadas de correio acelerado são obrigadas a aumentar as suas tarifas na ordem dos 300 %. Esta afirmação, além de partir do pressuposto errado de que, no anterior regime, as autoridades neerlandesas tinham renunciado a regulamentar os serviços de transporte de correspondência, põe em causa o próprio princípio de uma tarifa mínima.

    No que diz respeito à crítica da limitação da oferta, incompatível com o artigo 86.o, alínea b), do Tratado, os recorrentes salientam que a Comissão admite sem razão que esta norma tem igualmente por objectivo a limitação da oferta das empresas não dotadas de posição dominante, no presente caso, as empresas privadas de correio acelerado.

    A Comissão ignora o facto de os «koeriersdiensten» da empresa PTT-Post BV estarem sujeitos à tarifa mínima. A Comissão não encontra fundamento na alegada tolerância de serviços ilegais durante a anterior legislação para concluir que a nova lei, que legalizou e liberalizou a actividade das empresas de correio acelerado, levou, na realidade, a uma limitação da oferta.

    A Comissão também não pode afirmar que as condições de qualidade impedem as empresas privadas de prestar serviços de correio acelerado com origem nos Países Baixos relativamente a remessas com peso inferior a 500 g. Com efeito, a comparação qualitativa é feita entre os «koeriersdiensten» e o serviço «expressepost», que faz parte do serviço postal obrigatório dos PTT e cujo nível de qualidade é fixado por decreto ministerial. Além disso, o serviço EMS dos PTT-Post BV alcançou um nível de qualidade comparável ao das empresas privadas.

    2.

    A Comissão, apoiada pela interveniente EEO, alega que reconhece justificadamente que os PTT-Post BV dispõem de uma posição dominante no mercado em causa e que a lei do serviço postal leva ao abuso dessa posição.

    a)

    No que diz respeito à posição dominante, a Comissão afirma que a distinção entre o serviço postal de base, ao qual pode ser equiparado o serviço «expressepost» (correio expresso) tradicional, e o «koeriersdienst» (serviço de correio acelerado), ao qual pode ser equiparado o correio expresso com recolha ao domicílio, é compatível com o critério da substituição do ponto de vista do consumidor, consagrado no acórdão de11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed, já referido. Os dois mercados compõem-se, no entanto, de dois submercados, em função do peso, inferior ou superior a 500 g, da correspondência. A definição do mercado elaborada pela Comissão está em perfeito acordo com a concepção defendida nos acórdãos de 30 de Novembro de 1975, general Motors (26/75, Recueil, p. 1367), e de 11 de Novembro de 1986, British Leyland (226/84, Colect., p. 3263); de resto, a jurisprudência reconheceu que as legislações nacionais podem ser determinantes para um mercado de produtos ou de serviços.

    Os PTT-Post BV operam no mercado do serviço postal de base por força de uma concessão exclusiva e, deste modo, têm, por definição, uma posição dominante.

    b)

    O argumento de um abuso de posição dominante tem fundamento.

    Com efeito, existe uma extensão da posição dominante do mercado do serviço postal de base para o dos «koeriersdiensten», na medida em que os PTT, que não tinham imposto às empresas privadas o monopólio legal de que, ao abrigo da anterior legislação, dispunham neste segundo mercado, podem doravante praticar neste último mercado preços inferiores aos dos seus concorrentes e, assim, adquirir uma posição dominante. A este respeito, a interveniente EEO esclarece que a noção de domínio de mercado tem natureza económica e que o monopolio legal de que os PTT dispunham ao abrigo do anterior regime, para todo o mercado de correspondencia até 500 g, não significa que tivessem uma posição dominante nesse mercado, na medida em que o monopolio apenas era aplicado ao serviço postal normal.

    A Comissão recorda que, após o acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM, já referido, a extensão de uma posição dominante a um mercado limítrofe pode constituir um abuso de posição dominante. E indiferente que a extensão seja ocasionada pelo comportamento de uma empresa, possibilitado por uma medida estatal ou consequência directa desta medida. A única derrogação ao artigo 90.o, n.o 1, é constituída pelo n.o 2 e não por uma alegada necessidade objectiva.

    No que diz respeito ao argumento da imposição de preços e condições não equitativas, a Comissão, apoiada pela interveniente EEO, salienta que se deduz dos acórdãos de 4 de Maio de 1988, Bodson, e de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed, já referidos, que a adopção ou a manutenção, por um Estado-membro ou por outras autoridades públicas, de uma medida que imponha preços não equitativos constitui uma infracção às normas conjugadas dos artigos 90.o, n.o 1, e 86.o, alínea a), desde que estejam em causa empresas na acepção do artigo 90.o No presente caso, o elevado nível da tarifa mínima obrigou, em algumas situações, as empresas privadas a aumentar fortemente as suas tarifas e impediu-as de conceder descontos ou de praticar tarifas inferiores para a correspondência com peso inferior a 500 g. As condições equitativas referidas pela Comissão são as do regime aplicado de facto antes da lei do serviço postal.

    Quanto ao argumento da limitação da oferta, a Comissão, apoiada pela interveniente EEO, afirma que, após a adopção da lei do serviço postal, a estrutura da concorrência no mercado dos serviços de correio rápido foi fortemente restringida. Nenhum acórdão sustenta a tese dos recorrentes de que o artigo 86.o, segundo parágrafo, alínea b), do Tratado apenas se refere às situações em que a empresa dominante limita a sua oferta. Por outro lado, é bastante provável que, deixando de estar expostos à concorrência, os próprios PTT reduzam os seus serviços. A comparação dos «koeriersdiensten» privados deve ser feita com o serviço «expressepost» da anterior Staatsbedrijf der PTT, serviço que, aliás, nunca foi definido com precisão.

    — Quanto ao fundamento de violação do artigo 90.o, n.o 2

    1.

    O Reino dos Países Baixos e os PTT recordam que a Comissão assume a responsabilidade de zelar por uma adequada aplicação de todo o artigo 90.o e que não incumbe ao Estado-membro demonstrar que estão preenchidas as condições de aplicação do n.o 2 desse artigo.

    Os PTT são uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral; as condições previstas na lei do serviço postal, e nomeadamente a tarifa mínima, são justificadas à luz do artigo 90.o, n.o 2.

    A lei do serviço postal ampliou a possibilidade de as empresas privadas oferecerem, para a correspondência até 500 g, um serviço de transporte mais rápido e de melhor qualidade do que o serviço postal normal; para evitar que estas empresas proponham para os destinos rentáveis tarifas inferiores às praticadas pelos PTT, a lei instituiu uma tarifa mínima cujo respeito é garantido pela obrigação de registo.

    O facto de obter lucros é normal para uma empresa privada que prossegue fins lucrativos, apenas sendo um factor determinante para a aplicação do artigo 90.o, n.0 2, se o lucro for exorbitante. A Comissão não prova que as alegadas vantagens legais dos PTT os colocam em situação concorrencial privilegiada em relação às empresas privadas no mercado dos «koeriersdiensten». Por último, a Comissão invoca incorrectamente o facto de os PTT concederem descontos, na medida em que está em causa não a política de descontos, mas sim a tarifa mínima imposta pela lei do serviço postal.

    2.

    A Comissão, apoiada pelas intervenientes NVIK, NOB e EEO, alega que o ónus da prova de que estão preenchidas as condições de aplicação do artigo 90.o, n.o 2, incumbe ao Estado interessado. Embora o serviço postal normal constitua um serviço de interesse económico geral, as restrições instituídas pela lei do serviço postal não são necessárias à prossecução desse serviço.

    A interveniente EEO recorda que a aplicação do artigo 90.o, n.o 2, está sujeita a três condições: estar-se em presença de um serviço de interesse económico geral, obstar a aplicação das regras normais de concorrência à prossecução desse serviço e estar o interesse da Comunidade protegido.

    O serviço postal normal é um serviço de interesse económico geral. Para justificar a extensão do monopólio ao mercado dos «spoedbesteldiensten», os PTT devem quer considerar que a existência de um monopólio nesse mercado é necessária para garantir a protecção do serviço postal normal, quer considerar o próprio serviço de entrega rápida um serviço de interesse económico geral a proteger por meio de um monopólio. Ora, não é possível deduzir do carácter obrigatório do serviço de entrega rápida que este assuma um interesse económico geral. Esta apreciação é, aliás, confirmada pelo reduzido volume deste tipo de tráfego e pela sua importância decrescente face a outros serviços de comunicação de informações.

    No entender da Comissão, a aplicação do artigo 90.o, n.o 2, coloca, antes de mais, a questão de saber se os PTT apenas podem cumprir correctamente a sua missão se for protegido de qualquer concorrência não só o serviço postal tradicional mas também o «expressepost» tradicional e, em caso afirmativo, a de saber a que nível deve ser fixada a tarifa mínima. No que diz respeito à primeira questão, resulta das estatísticas que o desenvolvimento das empresas de «koeriersdiensten» durante os anos 80 não impediu o aumento do «expressepost» dos PTT; quanto à tarifa mínima, os recorrentes não carrearam qualquer justificação económica para os níveis fixados. A rentabilidade dos PTT demonstra igualmente que estes podem exercer as missões que lhes incumbem, mesmo sem impor condições restritivas às empresas privadas. De resto, para garantir os seus «koeriersdiensten», os PTT dispõem de diversas vantagens legais e factuais, a saber, a isenção das obrigações que decorrem da lei relativa ao transporte rodoviário e do decreto relativo à duração da viagem, e de economias de escala devido à utilização do mesmo pessoal e da mesma infra-estrutura para os diferentes serviços.

    A interveniente EEO insiste igualmente no facto de a extensão do monopólio ao serviço de entrega ràpida também não ser necessária para a prossecução da missão atribuída aos PTT. Com efeito, o serviço de entrega rápida tem importância demasiado reduzida, em termos de volume e de receitas, para que se afirme ser necessário o monopólio nesse mercado a fim de proteger a existência do serviço postal normal. Do mesmo modo, não é necessário um monopólio no mercado dos serviços de entrega rápida para garantir a prossecução desse serviço em todo o território a tarifa uniforme. A este respeito, a interveniente EEO recorda que os PTT resistiram à concorrência exercida no mercado, sob a égide da anterior legislação, e afirma que os custos suplementares gerados pelo encaminhamento rápido de uma carta individual de um local para outro do território não diferem consideravelmente consoante o local de destino.

    As intervenientes NVIK e NOB salientam igualmente que o governo neerlandês tenta, sem razão, justificar a lei do serviço postal pela necessidade de proteger o «spoedbestel-dienst»; recordam, a este respeito, que o nível do «expressepost» interno, que, aliás, não é uniforme, depende dos PTT. É inexistente um serviço «expressepost» internacional, enquanto tal, atendendo a que, no território nacional, essa correspondência é tratada como correio normal.

    A Comissão e as intervenientes NOB e NVIK recordam que, no que diz respeito ao transporte efectuado no âmbito do monopólio, os descontos permitidos pelas economias de escala só são concedidos na condição de o cliente confiar igualmente aos PTT a parte da sua correspondência não sujeita ao monopólio.

    No que diz respeito aos critérios de compatibilidade com o interesse da Comunidade, a interveniente EEO salientou o efeito negativo exercido pela lei do serviço postal no tráfego dos «koeriersdiensten» na Comunidade. Para o correio remetido, a administração postal do Estado de expedição beneficia de um monopólio comercial para toda a prestação de serviço, desde a recolha da correspondência até à sua entrega. Isto não impede que esteja destituída de qualquer poder de controlo sobre a qualidade do serviço de distribuição no Estado-membro de destino. A situação é semelhante para o correio recebido, o que prova que dois serviços de distribuição locais eficazes não podem prestar serviços de igual eficácia no mercado do encaminhamento de correio na Comunidade.

    A interveniente EEO recorda que, durante os anos 70, se desenvolveu igualmente o sistema dito de «repostagem», que consiste em expedir, por intermédio de uma empresa privada, correio de um Estado A para um estação de correios num Estado B, cujo serviço de correios trata do encaminhamento até ao destinatário. Com base na lei do serviço postal, os PTT podem entravar igualmente a evolução deste tipo de tráfego transfronteiriço.

    F. A. Schockweiler

    Juiz-relator


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandís.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    12 de Fevereiro de 1992 ( *1 )

    Nos processos apensos C-48/90 e C-66/90,

    Reino dos Países Baixos, representado por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e J. W. de Zwaan, consultor jurídico adjunto no mesmo ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada dos Países Baixos, 5, rue C. M. Spoo (processo C-48/90),

    Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV, representados por P. V. F. Bos e M. C. E. J. Bronckers, advogados no foro de Roterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 8, rue Zithe (processo C-66/90),

    recorrentes,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. H. J. Bourgeois, consultor jurídico principal, B. Jansen e B. J. Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    apoiada, no processo C-66/90, por

    Nederlandse Vereniging van Internationale Koeriers- en Expresbedrijven e Nationale Organisatie voor het Beroepsgoederenvervoer Wegtransport, associações de direito neerlandês, com sede, respectivamente, em Amsterdão e Rijswijk, representadas por M. J. Geus, advogado no foro de Haia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado L. Dupong, HA, rue des Bains,

    European Express Organisation, associação de direito francês, com sede em Paris, representada por R. Wojtek, advogado no foro de Hamburgo, e E. Grabitz, professor na Freie Universität Berlin, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de P. Palinkas, 38, rue Paul Wilwertz, e

    Association of European Express Carriers, associação de direito belga, com sede em Bruxelas, representada por I. G. F. Cath, advogado no foro de Haia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado L. Dupong, 14A, rue des Bains,

    intervenientes,

    que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 90/16/CEE da Comissão, de 20 de Dezembro de 1989, relativa à prestação do serviço de correio rápido nos Países Baixos (JO L 10, p. 47),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, R. Joliét, F. A. Schockweiler e F. Grévisse, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Diez de Velasco e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral: W. Van Gerven

    secretário: J.-G. Giraud

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 10 de Julho de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Outubro de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Março de 1990, o Reino dos Países Baixos requereu, nos termos do artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, a anulação da Decisão 90/16/CEE da Comissão, de 20 de Dezembro de 1989, relativa à prestação do serviço de correio rápido nos Países Baixos (JO L 10, p. 47, processo C-48/90).

    2

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de Março de 1990, as sociedades Koninklijke PTT Nederland NV e PTT-Post BV (a seguir «PTT») requereram, nos termos do artigo 173.°, segundo parágrafo, do Tratado, a anulação da mesma decisão (processo C-66/90).

    3

    Por despacho de 5 de Dezembro de 1990, o Tribunal de Justiça autorizou a Nederlandse Vereniging van Internationale Koeriers- en Expresbedrijven, a Nationale Organisatie voor het Beroepsgoederenvervoer Wegtransport, a European Express Organisation e a Association of European Express Carriers a intervir em apoio dos pedidos da Comissão no processo C-66/90.

    4

    Por despacho de 4 de Junho de 1991, o Tribunal de Justiça remeteu o processo C-66/90 ao Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Colect., p. I-2723).

    5

    Por despacho de 21 de Junho de 1991, o Tribunal de Primeira Instância declinou a sua competência nesse processo, a fim de o Tribunal de Justiça decidir sobre o pedido de anulação (T-42/91, Colect., p. II-273).

    6

    Por despacho de 22 de Junho de 1991, o Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C-48/90 e C-66/90 para efeitos da audiência e do acórdão.

    7

    O artigo 2.° da Nederlandse wet van 26 oktober 1988 houdende herziening van de postwetgeving met betrekking tot de uitvoering van de postdienst (lei neerlandesa de 26 de Outubro de 1988, que altera a legislação relativa à execução do serviço postal — lei do serviço postal, Staatsblad, 1988, 522, a seguir «lei do serviço postal») substituiu o monopólio legal atribuído à anterior Staatsbedrijf der PTT por um regime de concessão exclusiva do transporte de correspondência até 500 g nos Países Baixos, com origem e destino nas Antilhas neerlandesas e em Aruba, bem como com origem e destino no estrangeiro.

    8

    O titular desta concessão exclusiva, os PTT Nederland NV, tem a obrigação de assegurar a qualquer pessoa, em todo o país, contra remuneração, o transporte de cartas e outros objectos, nas condições fixadas por decreto ministerial. Os PTT Nederland NV encarregaram a sua filial, PTT-Post BV, da execução das obrigações que lhe incumbem por força desta concessão.

    9

    O artigo 12.°, n.° 1, da lei do serviço postal proíbe a qualquer pessoa ou entidade que não o concessionário o transporte, contra remuneração, de correspondência até 500 g, excepto se preencherem três condições previstas no n.° 2, alínea a), pontos 1 a 3, ou seja, se

    a prestação oferecida for de nível consideravelmente superior, no que diz respeito à rapidez do transporte, à garantia desta e à possibilidade de localização durante o transporte, ao das prestações de serviços em matéria de transporte acelerado normal;

    o transporte, nos Países Baixos ou para o estrangeiro, for efectuado por preço superior ao fixado para essa prestação na regulamentação pública, no caso concreto, 11,90 HFL para a correspondência com destino nos Países Baixos ou na Comunidade e 17,50 HFL para a correspondência com outro destino; e, por último

    o transporte for efectuado por um transportador registado.

    10

    Após contactos informais com os PTT, em 5 de Outubro de 1988, a Comissão deu-lhes conhecimento, em 7 de Novembro de 1988, de que a lei do serviço postal suscitava alguns problemas à luz das regras de concorrência estabelecidas no Tratado.

    11

    Por telex de 29 de Novembro de 1988, a Comissão avisou o Governo neerlandês que, no termo de um primeiro inquérito, os seus serviços tinham chegado à conclusão de que os artigos 2° e 12.° da lei do serviço postal eram incompatíveis com o artigo 90.° do Tratado, conjugado com os seus artigos 30.°, 59.°, 85.° e 86.°

    12

    A Comissão afirmou, nomeadamente, que a lei do serviço postal sujeitava as empresas de correio acelerado a condições restritivas que as prejudicavam consideravelmente em relação aos serviços de correio acelerado dos PTT e as impediam de continuar a oferecer alguns dos seus serviços, designadamente os prestados a preço inferior ao preço mínimo fixado por decreto real. O requisito estabelecido no artigo 12.°, n.° 2, alínea a), ponto 1, da lei do serviço postal não oferecia a menor segurança jurídica aos serviços de correio acelerado internacionais. O requisito estabelecido no ponto 2 impossibilitava, em numerosos casos, qualquer concorrência em matéria de preços e tinha o mesmo efeito que um acordo sobre os preços. O artigo 90.°, n.° 2, do Tratado não era aplicável, atendendo a que os rendimentos obtidos pelos PTT com a correspondência encaminhada por serviço acelerado não eram indispensáveis para lhes permitir cumprir a sua missão. Após convidar o Governo neerlandês a dar a conhecer o seu ponto de vista, a Comissão indicou que, caso os elementos enunciados no telex fossem confirmados, poderia ter de tomar uma decisão com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado.

    13

    Por cana de 16 de Janeiro de 1989, o Governo neerlandês apresentou observações que, em seu entender, justificavam as normas criticadas.

    14

    A Comissão manteve também contactos com organizações profissionais dos serviços de correio acelerado, que lhe fizeram chegar os seus comentários sobre a posição tomada pelo Governo neerlandês em 16 de Janeiro de 1989.

    15

    Em 20 de Dezembro de 1989, a Comissão adoptou a decisão impugnada, sem entretanto ter procedido a nova troca de pontos de vista com o Governo neerlandês.

    16

    Esta decisão, dirigida aos Países Baixos, contém a seguinte parte decisória:

    «Artigo 1.°

    As disposições dos artigos 2° e 12.° da lei neerlandesa, de 26 de Outubro de 1988, relativa à execução do serviço postal, conjugadas com as disposições do decreto de aplicação de 19 de Dezembro de 1988, que estabelecem uma reserva do serviço rápido de recolha, transporte e distribuição de cartas até 500 gramas a um preço inferior a 11,9 florins para destinos CEE e a 17,5 florins para destinos fora da CEE, bem como a obrigação de registar previamente as tarifas, imposta pelo decreto de 12 de Maio de 1989, são incompatíveis com o n.° 1 do artigo 90.° do Tratado CEE, conjugado com o artigo 86.° do mesmo Tratado.»

    17

    Nos considerandos da decisão, após afirmar que os PTT-Post BV dispõem de uma posição dominante no mercado do correio até 500 g com origem nos Países Baixos, a Comissão explica de que modo a lei do serviço postal leva a abusos dessa posição dominante. Esta lei, afirma, conduz a uma extensão da posição dominante existente no mercado do serviço postal de base ao dos serviços de correio acelerado; para o correio rápido até 500 g, na categoria de preços até 11,90 HFL, a lei do serviço postal obriga os utentes a recorrer aos serviços dos PTT-Post BV e, deste modo, leva a que lhes sejam impostos preços e condições não equitativas; por último, a lei do serviço postal conduz a uma limitação da oferta no mercado. A Comissão considera ainda que a lei do serviço postal exerce um efeito negativo nas trocas entre os Estados-membros. Por outro lado, não estão preenchidas as condições de aplicação do artigo 90.°, n.° 2, uma vez que, nomeadamente, a extensão da posição dominante não é necessária para garantir aos PTT as receitas necessárias que lhes permitam prosseguir a sua missão.

    18

    Para mais ampla exposição dos factos nos dois processos, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    19

    O Reino dos Países Baixos e os PTT invocam um determinado número de fundamentos de anulação baseados, essencialmente, em incompetência da Comissão para adoptar a decisão impugnada com fundamento no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, em desrespeito, por parte da Comissão, dos direitos da defesa, em violação de formalidades essenciais, em insuficiência de fundamentação da decisão impugnada e em violação dos artigos 86.° e 90.°, n.os 1 e 2, do Tratado.

    Quanto ao fundamento baseado em incompetência da Comissão

    20

    Os recorrentes sustentam, em substância, que a Comissão não é competente para adoptar, com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, a decisão impugnada. Com efeito, uma vez que não derroga expressamente aos artigos 169.° e 170.° do Tratado, essa norma não permite à Comissão declarar que um Estado-membro violou as regras do Tratado, autorizando-a, quando muito, conforme o Tribunal afirmou no acórdão de 19 de Março de 1991, dito «Telecom», França/Comissão (C-202/88, Colect., p. I-1223), a esclarecer, por meio de regras gerais, as obrigações que resultam do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado para os Estados-membros.

    21

    A Comissão replica que o artigo 90.°, n.° 3, pode constituir a base jurídica de um acto destinado a declarar e a fazer cessar uma infracção ao artigo 90.°, n.° 1, do Tratado.

    22

    Com vista a determinar a extensão da competência atribuída à Comissão ao abrigo do artigo 90.°, n.° 3, deve inserir-se esta norma no contexto do artigo 90.°, considerado na sua globalidade, e da missão atribuída à Comissão por força dos artigos 85.° a 93.° do Tratado.

    23

    A este propósito, deve recordar-se que o artigo 90.°, n.° 1, impõe aos Estados-membros a obrigação, no que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, de não tomar nem manter qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, designadamente ao disposto em matéria de concorrência.

    24

    O n.° 2 do artigo 90.° estabelece que as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal se subtraem à aplicação do disposto no Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação dessas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada.

    25

    O artigo 90.°, n.° 3, confia à Comissão a missão de velar pelo cumprimento, por parte dos Estados-membros, das obrigações que lhes são impostas, no que diz respeito às empresas referidas no artigo 90.°, n.° 1, e confere-lhe expressamente competência para intervir nesse sentido por via de dois instrumentos jurídicos de natureza diferente, a saber, as directivas e as decisões.

    26

    No que concerne às directivas, o Tribunal afirmou no acórdão de 19 de Março de 1991, França/Comissão, já referido, que a Comissão tem o poder de adoptar regras gerais, especificando as obrigações resultantes do Tratado que se impõem aos Estados-membros no que diz respeito às empresas referidas no n.° 1 desse artigo.

    27

    Quanto aos poderes que o artigo 90.°, n.° 3, autoriza a Comissão a exercer por via de decisões, são diferentes dos que ela pode exercer por via de directivas. Com efeito, adoptada em função de uma situação determinada num ou mais Estados-membros, a decisão inclui necessariamente uma apreciação desta situação à luz do direito comunitário e determina as consequências que dela resultam para o Estado-membro em causa, tendo em conta as exigências inerentes ao cumprimento da missão particular conferida a uma empresa, se esta estiver encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral.

    28

    Deste modo, sob pena de privar de qualquer efeito útil a competência para adoptar decisões, conferida pelo artigo 90.°, n.° 3, à Comissão, há que lhe reconhecer o poder de declarar que uma medida estatal determinada é incompatível com as regras do Tratado e de indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para cumprir as obrigações resultantes do direito comunitário.

    29

    O reconhecimento deste poder da Comissão também é indispensável para lhe permitir prosseguir a missão que lhe é conferida nos artigos 85.° a 93.° do Tratado de velar pela aplicação das regras de concorrência e, deste modo, contribuir para o estabelecimento de um regime de concorrência não falseada no mercado comum, na acepção do artigo 3.°, alínea f), do Tratado.

    30

    Com efeito, a Comissão não pode cumprir integralmente a sua missão, se só puder punir os comportamentos anticoncorrenciais das empresas, por força do poder de decisão que o Conselho lhe conferiu, com base no artigo 87.° do Tratado, sem poder agir directamente, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, contra os Estados-membros que tomam ou mantêm, em relação às empresas públicas e às empresas a que concedem direitos especiais ou exclusivos, medidas que produzem um efeito anticoncorrencial similar.

    31

    Deve salientar-se igualmente que os poderes que a Comissão pode exercer relativamente aos Estados-membros, por via de decisões, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, devem estar próximos dos que lhe são conferidos no artigo 93.° do Tratado, para declarar a incompatibilidade com o mercado comum de um auxílio estatal que falseia ou é susceptível de falsear a concorrência.

    32

    Com efeito, em ambos os casos a Comissão tem competência para intervir não em relação à empresa a quem foi dada possibilidade de iludir as regras de concorrência, mas sim em relação ao Estado-membro responsável pela violação da concorrência.

    33

    No âmbito deste fundamento, os recorrentes sustentam ainda que o reconhecimento desse poder da Comissão corresponde a autorizá-la a declarar que um Estado-membro não cumpriu as suas obrigações resultantes do Tratado, mediante um processo que priva o Estado em causa das garantias atribuídas no artigo 169.° do Tratado e pela usurpação das competências que esta norma reserva para o Tribunal de Justiça.

    34

    Na medida em que esse argumento tem por objectivo censurar a Comissão por ter cometido um desvio de procedimento, deve recordar-se que, conforme acima analisado, à semelhança do artigo 93.° do Tratado, que prevê um exame permanente pela Comissão dos auxílios públicos, o artigo 90.°, n.° 3, permite-lhe apreciar, por via de uma decisão, a conformidade com o Tratado das medidas que os Estados tomam ou mantêm em relação às empresas referidas no artigo 90.°, n.° 1.

    35

    Este poder de apreciação, por um lado, em nada usurpa as competencias conferidas ao Tribunal de Justiça no artigo 169.° do Tratado; por outro, não viola o respeito pelos direitos da defesa garantidos aos Estados-membros nessa norma.

    36

    Com efeito, no que diz respeito ao primeiro aspecto, conforme o Tribunal reconheceu no acórdão de 30 de Junho de 1988, Comissão/Grécia (226/87, Colect., p. 3611), a decisão adoptada pela Comissão pode ser objecto de recurso de anulação para o Tribunal de Justiça, interposto pelo Estado-membro destinatário, e servir de fundamento a uma acção por incumprimento nos termos do artigo 169.° do Tratado, quando o Estado-membro destinatário lhe não dê cumprimento.

    37

    No que se refere ao argumento relativo ao respeito pelos direitos de defesa do Estado-membro em causa, deve salientar-se que o simples facto de o artigo 90.°, n.° 3, não prever, ao contrário do artigo 93.°, um procedimento que garanta o respeito por esses direitos, não pode ser invocado para negar à Comissão competência para adoptar a decisão impugnada; com efeito, está assente na jurisprudência que, mesmo na falta de normas expressas, o princípio geral do respeito pelos direitos da defesa se impõe a qualquer instituição comunitária que deva adoptar um acto susceptível de afectar os interesses do destinatário (ver, por exemplo, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307).

    38

    A questão de saber se, no presente caso, a Comissão respeitou este princípio será analisada no âmbito do fundamento baseado em violação dos direitos da defesa.

    39

    Nestas condições, em ambos os processos, não procede o primeiro fundamento baseado em incompetência da Comissão para adoptar a decisão impugnada.

    Quanto aos fundamentos baseados em violação dos direitos da defesa

    40

    Os recorrentes sustentam que, ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão desrespeitou os direitos da defesa, que fazem parte dos princípios gerais do direito comunitário.

    41

    O Reino dos Países Baixos afirma que o telex da Comissão de 29 de Novembro de 1988 não pode ser considerado uma verdadeira comunicação das acusações pela qual se apresentam todas as considerações acolhidas na decisão impugnada. Além disso, sustenta que, durante o período de tempo entre a sua tomada de posição, em 16 de Janeiro de 1989, e a data de adopção da decisão impugnada, a saber, 20 de Dezembro de 1989, não teve oportunidade para apresentar o seu ponto de vista, embora a Comissão tenha entretanto recolhido a posição das empresas privadas de correio acelerado.

    42

    Os PTT alegam que, antes de adoptar uma decisão como a presente, a Comissão deveria ter ouvido as empresas interessadas, tal como está obrigada a ouvi-las antes da adopção de uma decisão, ao abrigo do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 FI p. 22). Ora, a Comissão contactou os recorrentes apenas uma única vez, em Outubro de 1988.

    43

    A Comissão contesta ter violado os direitos da defesa ao adoptar a decisão impugnada. O Governo neerlandês foi ouvido a propósito de cada uma das acusações formuladas na decisão impugnada. Uma vez que, nos termos artigo 90.°, n.° 3, o processo se desenrola entre a Comissão e o Estado-membro em causa, a primeira não tinha obrigação de ouvir os PIT em separado.

    44

    Quanto ao fundamento baseado em violação dos direitos de defesa do Reino dos Países Baixos, deve salientar-se que, segundo jurisprudência constante, o respeito pelos direitos da defesa, em qualquer processo iniciado contra um terceiro e susceptível de culminar com um acto que afecte os seus interesses, constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação específica (ver, por exemplo, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, já referido).

    45

    Este principio exige que, antes da adopção da decisão, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, seja feita ao Estado-membro em causa uma exposição precisa e completa das acusações contra ele formuladas pela Comissão.

    46

    O Tribunal considerou que esse princípio exige igualmente que ao Estado-membro em causa seja dada possibilidade de dar a conhecer de forma útil o seu ponto de vista sobre as observações apresentadas por terceiros interessados (ver o acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, já referido).

    47

    Ora, no presente caso, forçoso é declarar que o telex de 29 de Novembro de 1988 não contém uma exposição completa e precisa das acusações que a Comissão pretende formular na decisão impugnada. Com efeito, a Comissão limita-se a suscitar, em termos gerais, a questão da compatibilidade da lei do serviço postal com o artigo 90.°, n.° 1, conjugado com o artigo 86.° do Tratado, sem referir os diferentes elementos constitutivos de violação desse artigo, conforme posteriormente referidos na decisão impugnada.

    48

    Deve acrescentar-se que o Reino dos Países Baixos também não foi ouvido pela Comissão, após a sua carta de 16 de Janeiro de 1989, nem teve, em especial, a possibilidade de tomar posição sobre as consultas efectuadas pela Comissão junto de organizações profissionais dos serviços de correio acelerado. Ora, a própria Comissão reconheceu, durante a fase escrita do processo, que essas consultas foram necessárias para lhe permitir formar uma opinião acerca dos efeitos previsíveis da lei do serviço postal nas actividades das empresas privadas de correio acelerado.

    49

    Nestas condições, deve declarar-se que foram violados os direitos de defesa dos Países Baixos, pelo facto de a Comissão não ter dirigido a este Estado-membro uma comunicação com uma exposição precisa e completa das acusações imputadas na decisão impugnada, e de o Governo neerlandês não ter sido ouvido entre 16 de Janeiro de 1989 e a data de adopção da decisão impugnada, em especial, sobre as consultas efectuadas pela Comissão junto das organizações profissionais dos serviços de correio acelerado.

    50

    No que diz respeito ao fundamento baseado em violação dos direitos de defesa dos PTT, que criticam a Comissão por não os ter ouvido, deve salientar-se, antes de mais, que estas empresas são beneficiárias directas da medida estatal impugnada, são nominalmente designadas na lei do serviço postal, e são ainda expressamente destinatárias da decisão impugnada, suportando directamente as consequências económicas desta última.

    51

    Nestas condições, há que reconhecer que estas empresas têm direito a ser ouvidas.

    52

    Deve observar-se em seguida que a Comissão só manteve contactos informais com os PTT em Outubro de 1988, que se limitou a informar estas empresas dos problemas suscitados pela lei do serviço postal, à luz das regras de concorrência do Tratado, e que nunca as esclareceu quanto às suas objecções concretas contra a medida estatal em causa.

    53

    Nestas condições, há que reconhecer que a Comissão violou o direito dos PTT a serem ouvidos.

    54

    Resulta das considerações precedentes que os recursos interpostos pelo Reino dos Países Baixos no processo C-48/90 e pelos PTT no processo C-66/90 têm fundamento, devendo anular-se a decisão impugnada.

    Quanto às despesas

    55

    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida nos processos C-48/90 e C-66/90, há que condená-la nas despesas em ambos os processos. As intervenientes em apoio dos pedidos da Comissão suportarão as suas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    É anulada a Decisão 90/16/CEE da Comissão, de 20 de Dezembro de 1989, relativa à prestação do serviço de correio rápido nos Países Baixos.

     

    2)

    A Comissão é condenada nas despesas nos processos C-48/90 e C-66/90.

     

    3)

    As intervenientes suportarão as suas despesas.

     

    Due

    Slynn

    Joliét

    Schockweiler

    Grévisse

    Mancini

    Kakouris

    Moitinho de Almeida

    Rodríguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Zuleeg

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 12 de Fevereiro de 1992.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Lingua do processo: neerlandés.

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