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Document 61990CJ0002

Acórdão do Tribunal de 9 de Julho de 1992.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Incumprimento de Estado - Proibição de depositar resíduos provenientes doutro Estado-membro.
Processo C-2/90.

Colectânea de Jurisprudência 1992 I-04431

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:310

61990J0002

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 9 DE JULHO DE 1992. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REINO DA BELGICA. - INCUMPRIMENTO PELO ESTADO - PROIBICAO DE DEPOSITAR RESIDUOS PROVENIENTES DE UM OUTRO ESTADO-MEMBRO. - PROCESSO C-2/90.

Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-04431
Edição especial sueca página I-00031
Edição especial finlandesa página I-00031


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Aproximação das legislações - Resíduos - Transferências além-fronteiras de resíduos perigosos - Directiva 84/631 - Proibição absoluta por um Estado-membro de depósito no seu território de resíduos provenientes de outro Estado-membro - Inadmissibilidade - Obrigação de cumprir o processo de notificação estabelecido pela directiva

(Directiva do Conselho 84/631)

2. Livre circulação de mercadorias - Restrições quantitativas - Medidas de efeito equivalente - Artigo 30. do Tratado - Âmbito de aplicação - Resíduos recicláveis ou não - Inclusão - Proibição por um Estado-membro de depósito no seu território de resíduos provenientes de outro Estado-membro - Justificação - Protecção do ambiente

(Tratado CEE, artigos 30. e 130. -R, n. 2)

Sumário


1. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 84/631, relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências além-fronteiras de resíduos perigosos, um Estado-membro que institui uma proibição absoluta de armazenar, depositar ou vazar numa das suas regiões os resíduos perigosos provenientes doutro Estado-membro e que exclui dessa forma a aplicação do processo estabelecido pela referida directiva.

Com efeito, a Directiva 84/631 instituiu um sistema completo que contempla designadamente os movimentos transfronteira de resíduos perigosos com vista à sua eliminação em estabelecimentos concretamente definidos e baseia-se na obrigação de notificação pormenorizada prévia por parte do detentor dos resíduos, tendo as autoridades nacionais competentes a faculdade de suscitar objecções e, por isso, de proibir uma determinada transferência de resíduos perigosos para fazer face aos problemas relativos, por um lado, à protecção do ambiente e da saúde e, por outro lado, à ordem e à segurança públicas, mas não dispondo as mesmas de qualquer possibilidade de proibir globalmente estes movimentos.

2. Incluem-se no âmbito de aplicação do artigo 30. do Tratado os objectos que são transportados para além de uma fronteira nacional para originar transacções comerciais, qualquer que seja a natureza dessas transacções, de tal forma que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com a referida disposição, não deve, em princípio, ser impedida.

Todavia, e sem prejuízo das disposições da Directiva 84/631 relativa às transferências além-fronteiras de resíduos perigosos, a proibição instituída por um Estado-membro de armazenar, depositar ou vazar numa das suas regiões resíduos provenientes de outro Estado-membro é susceptível de ser justificada por exigências imperativas referentes à protecção do ambiente. Com efeito, por um lado, os resíduos são objectos de natureza especial cuja acumulação, mesmo antes de se tornarem perigosos para a saúde, constitui, tendo designadamente em conta a capacidade limitada de cada região ou localidade para os receber, um perigo para o ambiente e, por outro lado, essa proibição não pode ser considerada como discriminatória tendo em conta o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido para a acção comunitária em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2, do Tratado, o qual implica que compete a cada região, comuna ou outra entidade local tomar as medidas adequadas a fim de assegurar a recepção, o tratamento e a eliminação dos seus próprios resíduos com vista a limitar, na medida do possível, o seu transporte.

Partes


No processo C-2/90,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Maria Condou-Durande e Xavier Lewis, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

Reino da Bélgica, representado por Robert Hoebaer, director de administração no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Exterior e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente, assistido por P. Cartuyvels, assessor no gabinete do ministro da Agricultura, do Ambiente e da Habitação da Região da Valónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao proibir que alguém armazene, deposite ou vase, ou mande armazenar, depositar ou vazar na Região da Valónia resíduos provenientes de outro Estado membro ou de uma região diferente da Região da Valónia, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), da Directiva 84/631/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1984, relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências transfronteira de resíduos perigosos (JO L 326, p. 31; EE 15 F5 p. 122), e dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, R. Joliet, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e P. J. G. Kapteyn, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Díez de Velasco e M. Zuleeg, juízes,

advogado geral: F. G. Jacobs

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes nas audiências de 27 de Novembro de 1990, 4 de Julho de 1991 e 28 de Janeiro de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado geral apresentadas nas audiências de 10 de Janeiro de 1991, 19 de Setembro de 1991 e 29 de Janeiro de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Janeiro de 1990, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169. do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao proibir a qualquer pessoa armazenar, depositar ou vasar, mandar armazenar, depositar, ou vazar na Região da Valónia resíduos provenientes dum Estado membro ou de uma região diferente da Região da Valónia, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 74/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), da Directiva 84/631/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1984, relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências transfronteiras de resíduos perigosos (JO L 326, p. 31; EE 15 F5 p. 122), e dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE.

2 Resulta dos autos que o instrumento de base em matéria de gestão dos resíduos na Região da Valónia é o Decreto do Conselho Regional da Valónia de 5 de Julho de 1985, relativo aos resíduos (Moniteur belge de 14.12.1985), que tem por objectivo prevenir a aparição de resíduos, encorajar a reciclagem e a recuperação de energia e de materiais e organizar a eliminação dos resíduos (artigo 1. ).

3 Nos termos do artigo 19. , n. 6, deste mesmo decreto, que confere poderes ao executivo regional da Valónia para submeter a regras especiais a utilização dos locais de descarga controlados, dos depósitos e das instalações de tratamento para os resíduos provenientes de Estados estrangeiros e de outras regiões belgas, o executivo em questão adoptou o Regulamento de 19 de Março de 1987, relativo à descarga de certos resíduos na Região da Valónia (Moniteur belge de 28.3.1987, p. 4671).

4 Nos termos do artigo 1. deste regulamento, na redacção dos regulamentos de 9 e 23 de Julho de 1987,

"É proibido armazenar, depositar ou vazar e mandar armazenar, depositar ou vazar resíduos provenientes dum Estado estrangeiro nos depósitos, entrepostos ou locais de descarga de resíduos sujeitos a autorização... com excepção dos depósitos anexos a uma instalação de destruição, de neutralização e de eliminação dos resíduos tóxicos.

É proibido às pessoas que explorem os estabelecimentos indicados no primeiro parágrafo autorizarem ou admitirem que os resíduos provenientes dum Estado estrangeiro sejam depositados ou vasados nos estabelecimentos que exploram."

5 O artigo 2. do mesmo regulamento prevê que podem ser concedidas derrogações do artigo 1. , a pedido duma autoridade pública estrangeira. A derrogação só pode, todavia, ser concedida por tempo determinado e deve ser justificada por circunstâncias graves e excepcionais.

6 Nos termos do artigo 3. , a proibição prevista no artigo 1. é válida também relativamente aos resíduos provenientes de uma região belga diferente da Região da Valónia. Podem ser admitidas excepções nos termos de acordos concluídos entre a Valónia e as outras regiões belgas.

7 O artigo 5. do mesmo regulamento está redigido da forma seguinte:

"Consideram-se provenientes de um Estado estrangeiro ou de uma região diferente da Região da Valónia os resíduos não produzidos na Região da Valónia.

Se o resíduo resultar dum processo em que intervieram dois ou mais Estados ou regiões, considera-se originário do Estado ou da região onde ocorreu a última transformação substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito..."

8 Considerando que esta regulamentação belga é contrária às normas comunitárias, na medida em que proíbe o depósito na Valónia de resíduos provenientes de outros Estados-membros e, pelo efeito combinado dos artigos 3. e 5. do regulamento de 19 de Março de 1987, já referidos, proíbe a descarga na Região da Valónia de resíduos provenientes de outros Estados-membros e que sofreram uma transformação substancial, economicamente justificada, noutra região belga, a Comissão iniciou o processo previsto no artigo 169. do Tratado contra o Reino da Bélgica.

9 Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para fundamentação da decisão do Tribunal.

10 A Comissão sustenta que a regulamentação belga é contrária, por um lado, às Directivas 75/442 e 84/631 e, por outro, aos artigos 30. e 36. do Tratado.

Quanto à Directiva 75/442

11 A Comissão sustenta que nenhuma das disposições da Directiva 75/442, relativa aos resíduos, autoriza uma proibição geral do tipo da constante da regulamentação belga. Acrescenta que essa proibição é contrária aos objectivos da directiva e ao espírito das suas disposições, que se destinam a assegurar a livre circulação dos resíduos em condições que não prejudiquem nem a saúde humana nem o ambiente.

12 Deve observar-se que a Directiva 75/442 contém, em matéria de eliminação de resíduos, certos princípios e disposições de carácter geral.

13 Prevê, assim, que os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para promover a prevenção, a reciclagem e a transformação dos resíduos, bem como as medidas necessárias para assegurar que estes serão eliminados sem pôr em risco a saúde do homem e o ambiente. Impõe também aos Estados-membros o dever de designarem as autoridades competentes em matéria de planificação, organização, autorização e fiscalização das operações de eliminação de resíduos e estabelece que as empresas que asseguram o transporte, recolha, armazenamento, e depósito ou tratamento de resíduos de outrem ou dos seus próprios resíduos devem ter obter uma autorização para esse efeito e ser submetidas à fiscalização das autoridades competentes.

14 Resulta do exposto que nem o enquadramento geral instituído pela directiva em questão nem qualquer das suas disposições visam especificamente as trocas comerciais de resíduos entre Estados-membros e não contêm qualquer proibição concreta de adoptar medidas como as instituídas pela regulamentação sob censura. Por isso, deve declarar-se que não foi provada a violação da Directiva 75/442, alegada pela Comissão.

15 Deve observar se em seguida que a regulamentação impugnada é aplicável aos resíduos em geral, sem distinção entre os resíduos perigosos e não perigosos. Todavia, estando a categoria dos resíduos perigosos especialmente regulamentada em direito comunitário pela Directiva 84/631, deve analisar-se antes de mais o regime instituído por essa directiva.

Quanto à Directiva 84/631

16 A Directiva 84/631, na redacção dada pela Directiva 86/279/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1986 (JO L 181, p. 13), e adaptada ao progresso técnico pela Directiva 87/112/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1986 (JO L 48, p. 31), insere-se, de acordo com o seu primeiro considerando, nos programas de acção comunitária destinados a controlar a eliminação dos resíduos perigosos. No seu segundo considerando, recorda-se que os Estados-membros são obrigados a tomar as medidas necessárias a fim de eliminarem os resíduos tóxicos e perigosos sem porem em perigo a saúde humana e sem prejudicarem o ambiente. No seu terceiro considerando, a directiva dispõe que as transferências de resíduos entre os Estados-membros podem ser necessárias com vista à sua eliminação nas melhores condições possíveis e, no seu sétimo considerando, recorda a necessidade duma fiscalização e de um controlo dos resíduos perigosos desde o momento da sua produção até ao do seu tratamento ou da sua eliminação em condições de segurança.

17 No âmbito destes objectivos, a directiva impõe, no que respeita à eliminação dos resíduos em questão, condições que garantam designadamente que a eliminação não apresenta risco nem para a saúde humana nem para o ambiente e prevê um sistema de autorização para o armazenamento, o tratamento ou o depósito destes resíduos, bem como a comunicação à Comissão pelos Estados-membros de certas informações respeitantes às instalações, estabelecimentos ou empresas que são titulares de autorização.

18 Quanto às transferências transfronteiras de resíduos perigosos com vista à sua eliminação, a directiva prevê que o seu detentor, que tenha a intenção de os transferir dum Estado membro para outro ou de os fazer transitar por um ou vários Estados-membros, deve enviar uma notificação às autoridades competentes dos Estados-membros em questão, através de um "documento de acompanhamento" uniforme, que contenha as informações respeitantes, designadamente, à origem e composição dos resíduos, as disposições previstas em matéria de itinerário e de seguro, bem como as medidas que devam ser tomadas para garantir a segurança do respectivo transporte (artigo 3. ).

19 A transferência transfronteiras só pode ser efectuada quando as autoridades competentes dos Estados-membros em questão tiverem acusado a recepção da notificação. Estas podem suscitar objecções, que devem ser fundamentadas com base nas disposições legislativas e regulamentares em matéria de protecção do ambiente, de ordem e de seguranças públicas, ou de protecção da saúde, em conformidade com a directiva, com outros instrumentos comunitários ou com convenções internacionais que o Estado membro em causa tenha concluído nesta matéria (artigo 4. ).

20 Resulta do exposto que a Directiva 84/631 instituiu um sistema completo que diz respeito nomeadamente aos movimentos transfronteiras dos resíduos perigosos com vista à sua eliminação em estabelecimentos concretamente definidos e se baseia na obrigação de notificação pormenorizada prévia por parte do detentor dos resíduos; as autoridades nacionais competentes têm a faculdade de suscitar objecções, e, por isso, proibir uma determinada transferência de resíduos perigosos (por oposição às transferências de resíduos perigosos em geral), para fazer face aos problemas relativos, por um lado, à protecção do ambiente e da saúde e, por outro, à ordem e à segurança públicas. Assim, deste sistema não pode extrair-se qualquer possibilidade de os Estados-membros proibirem globalmente estes movimentos.

21 Deve, por isso, declarar-se que a regulamentação belga impugnada, na medida em que exclui a aplicação do processo previsto pela directiva e introduz uma proibição absoluta de importar estes resíduos perigosos para a Valónia, mesmo que preveja que podem ser concedidas certas derrogações pelas autoridades competentes, não está em conformidade com a directiva em questão.

Quanto aos artigos 30. e 36. do Tratado

22 Resta analisar a regulamentação belga em causa, na medida em que a mesma respeita aos resíduos que não se incluem no âmbito da Directiva 84/631, à luz dos artigos 30. e 36. do Tratado.

23 Não foi contestado que os resíduos recicláveis e reutilizáveis, eventualmente após tratamento, tenham um valor comercial intrínseco e constituam mercadorias para efeitos de aplicação do Tratado e que são abrangidos, por conseguinte, pelos artigos 30. e seguintes do mesmo.

24 Relativamente aos resíduos não recicláveis e não reutilizáveis é que foi debatida perante o Tribunal de Justiça a questão de saber se estão igualmente abrangidos pelos artigos 30. e seguintes.

25 A esse propósito, o Governo belga argumentou que os resíduos não recicláveis e não reutilizáveis não podem ser considerados como mercadorias, na acepção dos artigos 30. e seguintes do Tratado. Com efeito, não têm qualquer valor comercial intrínseco e não podem, por isso, ser objecto de venda. As operações de eliminação ou de descarga desses resíduos são abrangidas pelas disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços.

26 Para responder a esta argumentação, basta observar que os objectos que são transportados para além duma fronteira para transacções comerciais são sujeitos ao artigo 30. , qualquer que seja a nutureza dessas transacções.

27 Deve, aliás, observar-se, tal como foi exposto perante o Tribunal de Justiça, que a distinção entre resíduos recicláveis e não recicláveis levanta, do ponto de vista prático, uma séria dificuldade de aplicação, designadamente no que respeita aos controlos na fronteira. Com efeito, essa distinção baseia-se em elementos incertos, susceptíveis de variar com o decurso do tempo, em função do progresso técnico. Além disso, o carácter reciclável ou não de um resíduo depende também do custo que implica a reciclagem e, por isso, da rentabilidade da reutilização projectada, de forma que a apreciação a ela referente é necessariamente subjectiva e depende de factores instáveis.

28 Por conseguinte, deve concluir-se que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com o artigo 30. do Tratado, não deve, em princípio, ser impedida.

29 Para justificar os obstáculos postos à circulação dos resíduos, o Estado demandado argumenta que a regulamentação controvertida responde, por um lado, a exigências imperativas respeitantes à protecção do ambiente bem como ao objectivo de protecção da saúde, que prevalecem sobre o objectivo da livre circulação de mercadorias, e constitui, por outro, uma medida excepcional e temporária de protecção face a um afluxo, para a Valónia, de resíduos provenientes de países limítrofes.

30 Quanto ao ambiente, deve observar se que os resíduos são objectos de natureza especial. A sua acumulação, antes mesmo de se tornarem perigosos para a saúde, constitui, tendo designadamente em conta a capacidade limitada de cada região ou localidade para os receber, um perigo para o ambiente.

31 No caso concreto, o Governo belga argumentou, sem ser contestado pela Comissão, que se verificou um afluxo maciço e anormal de resíduos provenientes de outras regiões para depósito na Valónia, constituindo assim um perigo real para o ambiente, tendo em conta as limitadas capacidades desta região.

32 Daí resulta que o argumento de que exigências imperativas respeitantes à protecção do ambiente justificam as medidas impugnadas deve ser considerado procedente.

33 A Comissão sustenta, todavia, que estas exigências imperativas não podem ser invocadas no caso dos autos, dado que as medidas em questão são discriminatórias relativamente aos resíduos provenientes de outros Estados-membros, os quais não são mais prejudiciais do que os produzidos na Valónia.

34 É verdade que as exigências imperativas só são consideradas quando se trate de medidas indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos importados (v. designadamente o acórdão de 25 de Julho de 1991, Aragonesa de publicidad, C-1/90, Colect., p. I-4179). Todavia, para apreciar a natureza discriminatória ou não do obstáculo em questão é necessário ter em conta a particularidade dos resíduos. Com efeito, o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido em relação à acção da Comunidade em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2, do Tratado, implica que compete a cada região, comuna ou outra entidade local tomar as medidas apropriadas a fim de assegurar a recepção, o tratamento e a eliminação dos seus próprios resíduos; estes devem, pois, ser eliminados tão perto quanto possível do lugar da sua produção, com vista a limitar o seu transporte na medida do possível.

35 Aliás, este princípio está de acordo com os princípios da autosuficiência e da proximidade, enunciados na Convenção de Basileia de 22 de Março de 1989, relativa ao controlo dos movimentos transfronteiras dos resíduos perigosos e da sua eliminação, convenção de que a Comunidade é signatária (International environmental Law, Kluwer, Deventer-Boston, 1991, p. 546).

36 Daí resulta que, tendo em conta as diferenças entre os resíduos produzidos de um lugar para outro e a sua relação com o lugar em que são produzidos, as medidas impugnadas não podem ser consideradas como discriminatórias.

37 Por isso, deve concluir se que a acção deve ser julgada improcedente na medida em que respeita aos resíduos não abrangidos pela Directiva 84/631.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

38 Por força do artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino da Bélgica sido apenas parcialmente vencido, deve , nos termos do artigo 69. , n. 3, do Regulamento de Processo, condenar-se cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) Ao instituir uma proibição absoluta de armazenamento, depósito ou vazamento na região da Valónia de resíduos perigosos provenientes doutro Estado membro e ao excluir assim a aplicação do processo estabelecido pela Directiva 84/631/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1984, relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências transfronteiras de resíduos perigosos, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

2) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

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