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Document 61990CC0370

    Conclusões do advogado-geral Tesauro apresentadas em 20 de Maio de 1992.
    The Queen contra Immigration Appeal Tribunal e Surinder Singh, ex parte Secretary of State for Home Department.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
    Livre circulação de pessoas - Direito de permanência do cônjuge de um cidadão comunitário que regressa para se estabelecer no seu país de origem.
    Processo C-370/90.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 I-04265

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:229

    61990C0370

    Conclusões do advogado-geral Tesauro apresentadas em 20 de Maio de 1992. - THE QUEEN CONTRA IMMIGRATION APPEAL TRIBUNAL E SURINDER SINGH, EX PARTE SECRETARY OF STATE FOR HOME DEPARTMENT. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HIGH COURT OF JUSTICE, QUEEN'S BENCH DIVISION - REINO UNIDO. - LIVRE CIRCULACAO DE PESSOAS - DIREITO DE ESTADIA DO CONJUGE DE UM CIDADAO COMUNITARIO QUE REGRESSA PARA SE ESTABELECER NO SEU PAIS DE ORIGEM. - PROCESSO C-370/90.

    Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-04265
    Edição especial sueca página I-00019
    Edição especial finlandesa página I-00019


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. O problema que se coloca no presente processo é ao mesmo tempo simples na sua formulação e delicado quanto ao seu alcance. Com efeito, pede-se ao Tribunal de Justiça que decida se o direito comunitário concede o direito de residência a um cidadão de um país terceiro cônjuge de um nacional da Comunidade quando este último regressa ao seu próprio país a fim de nele exercer uma actividade profissional após ter trabalhado noutro Estado-membro.

    2. Os antecedentes do litígio podem ser assim resumidos. Em Outubro de 1982, Surinder Singh, de nacionalidade indiana, casou com a R. Purewal, cidadã britânica, no Reino Unido. Entre Fevereiro de 1983 e o final de 1985 o casal residiu na Alemanha, ambos trabalhando por conta de outrem.

    Regressados ao Reino Unido a fim de explorarem um estabelecimento comercial, S. Singh começou por obter uma autorização temporária de residência, emitida nos termos do Immigration Act de 1971, prorrogada por um ano em Outubro de 1986.

    Todavia, tendo sido proferido despacho de não conciliação em processo de divórcio, o termo do prazo da autorização foi antecipado para 5 de Setembro de 1987.

    Em Dezembro de 1988, o Secretary of State for the Home Department ordenou a expulsão de S. Singh, nos termos do artigo 3. do Immigration Act, com o fundamento de que tinha permanecido em território britânico depois do período autorizado.

    O recurso interposto por S. Singh para um "adjudicator" foi indeferido por decisão de 3 de Março de 1989.

    Em Agosto seguinte, o Immigration Appeal Tribunal deu provimento ao recurso interposto desta decisão, decidindo que, salvo quanto a certas questões de facto relativas a fraudes à legislação nacional, o recorrente podia invocar o direito de residência no Reino Unido ao abrigo do direito comunitário.

    O Secretary of State for the Home Department requereu uma "judicial review" (fiscalização jurisdicional) desta decisão à High Court of Justice, a qual submeteu ao Tribunal de Justiça a questão de saber se, quando uma mulher casada, nacional de um Estado-membro, que exerceu direitos decorrentes do Tratado noutro Estado-membro, desempenhando neste uma actividade profissional, regressa ao Estado-membro de que é nacional e nele permanece a fim de exercer uma actividade comercial com o seu marido, o artigo 52. do Tratado CEE e a Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (1), autorizam o cônjuge marido, que não é cidadão comunitário, a entrar e a permanecer nesse Estado-membro com a sua mulher.

    3. Em primeiro lugar, devo dizer que a qualidade de cônjuge de S. Singh no momento da ordem de expulsão não oferece, em minha opinião, qualquer dúvida para efeitos da aplicação das disposições comunitárias pertinentes.

    Com efeito, como afirmou S. Singh, sem neste ponto ter sido contestado pelo Governo do Reino Unido e como parece admitir, ao menos implicitamente, o próprio juiz de reenvio, o despacho de não conciliação proferido em Julho de 1987, dado o seu carácter provisório, não era susceptível de afectar a sua condição de cônjuge. Por outro lado, o próprio Tribunal de Justiça precisou, a propósito do artigo 10. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade (2), que consagra o direito do cônjuge do trabalhador por conta de outrem de com ele se estabelecer, que o vínculo conjugal não pode considerar-se dissolvido enquanto a autoridade competente não lhe tiver posto termo e que não basta que os cônjuges vivam simplesmente separados, mesmo que tenham a intenção de posteriormente se divorciarem (3).

    4. Antes de analisar o mérito da questão submetida, parece-nos necessário determinar se as circunstâncias do caso nos poderão levar a concluir, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que estamos perante uma situação puramente interna na qual não se pode invocar o direito comunitário.

    O Tribunal de Justiça já em diversas ocasiões teve oportunidade de precisar o conceito de situação puramente interna e de lhe delimitar o alcance. No processo Saunders (4), em particular, declarou que a aplicação pela autoridade de um Estado-membro a um trabalhador nacional deste Estado de medidas privativas de liberdade ou que limitam a liberdade do interessado de circular no território do referido Estado, a título de sanção penal prevista pela legislação nacional e com fundamento em actos cometidos no território deste Estado, constituem situações puramente internas, estranhas ao âmbito de aplicação das normas do Tratado em matéria de livre circulação de trabalhadores.

    Posteriormente, no acórdão Morson e Jhanjan (5), depois de recordar que as disposições do Tratado e a regulamentação adoptada em sua execução em matéria de liberdade de circulação de trabalhadores não são aplicáveis a situações que não apresentem qualquer elemento de conexão com alguma das situações previstas pelo direito comunitário, o Tribunal de Justiça precisou que o direito comunitário não proíbe que um Estado-membro recuse a entrada ou a permanência no seu território a um membro da família, na acepção do artigo 10. do Regulamento n. 1612/68, de um trabalhador empregado no território deste Estado-membro que nunca tenha exercido o direito de livre circulação na Comunidade, caso este trabalhador possua a nacionalidade deste Estado e o membro da sua família a nacionalidade de um país terceiro.

    Do mesmo modo, no acórdão Moser (6) afirma-se que o artigo 48. do Tratado não é aplicável a situações puramente internas de um Estado-membro, como a de um cidadão de um Estado-membro que nunca residiu ou trabalhou noutro Estado-membro - afirmação posteriormente retomada no acórdão proferido no processo Iorio (7), bem como, relativamente a outras disposições do Tratado ou do direito derivado, nos acórdãos dos processos Gauchard (8), Zaoui (9), Bekaert (10), Nino (11) e Dzodzi (12).

    5. Nos processos acima citados, as pessoas que reivindicavam, no próprio país, direitos baseados na legislação comunitária não tinham, na realidade, exercido qualquer actividade profissional ou de formação noutro Estado-membro e, por isso, era evidente que, na falta de qualquer elemento de conexão com o direito comunitário, as respectivas situações não cabiam no âmbito de aplicação do Tratado.

    Por outro lado, é certamente exacto, como justamente sublinhou a Comissão, que o mero exercício da liberdade de circulação na Comunidade não basta, por si só, para conferir a determinado caso o carácter de situação abrangida pelo direito comunitário, sendo necessário, pelo contrário, um elemento de conexão entre o exercício da livre circulação e o direito invocado pelo particular.

    Por exemplo, se o casal Singh tivesse casado após o regresso ao Reino Unido não existiria evidentemente qualquer nexo lógico entre o exercício da livre circulação e o direito de residência invocado pelo cônjuge do trabalhador nacional da Comunidade.

    Pelo contrário, se a liberdade de circulação, como no caso vertente, tiver sido exercida após o casamento e se os interessados tiverem exercido os direitos decorrentes da legislação comunitária relativa à livre circulação, dificilmente se poderá afirmar que o problema de determinar se uma pessoa pode continuar a invocar os direitos em causa no próprio país é um problema estranho ao direito comunitário e que a situação é puramente interna. Tanto mais que resultaria de tal afirmação que o trabalhador veria o direito de se estabelecer nos outros Estado-membros facilitado pela legislação comunitária, mas não o direito de se estabelecer de novo no seu país.

    6. Por conseguinte, não sendo possível, como creio, determinar simplesmente que o presente processo corresponde a uma situação puramente interna, há que analisar as disposições do direito comunitário susceptíveis de serem invocadas por S. Singh, ou seja, tendo presente a circunstância de que o cônjuge regressou ao Reino Unido para aí exercer uma actividade independente, o artigo 52. do Tratado e o artigo 1. da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços.

    Como é sabido, o artigo 52. dispõe, por um lado, que, no âmbito das disposições seguintes do Tratado, suprimir-se-ão gradualmente, durante o período de transição, as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro e, por outro lado, que a liberdade de estabelecimento compreende o acesso e o exercício a actividades não assalariadas nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os próprios nacionais.

    É também sabido que o Tribunal de Justiça afirmou em várias ocasiões que o artigo 52. pode ser invocado, pelo menos em determinados casos, pelos nacionais de um Estado-membro no próprio país de origem, precisando que, não obstante o facto de as disposições do Tratado em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços não serem aplicáveis a situações puramente internas de um Estado-membro, a referência do artigo 52. aos "nacionais de um Estado-membro" que desejem estabelecer-se "no território de outro Estado-membro" não pode ser interpretado de forma a excluir do benefício do direito comunitário os nacionais de um determinado Estado-membro quando estes, pelo facto de terem residido regularmente no território de outro Estado-membro e aí terem adquirido uma qualificação profissional reconhecida pelas disposições do direito comunitário, se encontrem, face ao seu Estado de origem, numa situação equiparável à de qualquer outro sujeito que beneficie dos direitos e das liberdades garantidos pelo Tratado (13).

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou, nos acórdãos Stanton (14) e Daily Mail (15), que o artigo 52. do Tratado se opõe a uma regulamentação que tenha como efeito desfavorecer o exercício de actividades profissionais noutro Estado-membro.

    7. Resulta desta jurisprudência que, no entender do Tribunal de Justiça, tanto o caso de trabalhadores de um Estado-membro que obtiveram noutros países direitos reconhecidos pela regulamentação comunitária e que pretendem utilizá-los no próprio país de origem, como o caso de legislações nacionais que penalizam o exercício da liberdade de circulação recaem no âmbito de aplicação do artigo 52.

    No caso em apreço, poder-se-ia objectar que o direito obtido por S. Singh na Alemanha com base na legislação comunitária é apenas o direito de residência neste país na qualidade de cônjuge de um trabalhador comunitário e, por outro lado, que a aplicação da legislação britânica relativa à imigração não tem por efeito desfavorecer o exercício de uma actividade profissional pela Sr.a Singh noutro Estado-membro. Por outras palavras, pelo facto de ter exercido o direito de livre circulação, o casal não está em posição menos favorável do que a de outro casal que nunca tenha trabalhado noutro Estado-membro.

    8. Todavia, estas primeiras objecções são desde logo susceptíveis de levantar bastantes reservas porque, teoricamente, seria necessário tomar em consideração o facto de que S. Singh teria tido a possibilidade de obter uma autorização definitiva de residência ou de se naturalizar nos termos da legislação britânica se sua esposa não tivesse exercido o seu direito de livre circulação.

    Com efeito, se, à luz da análise das disposições aplicáveis da legislação britânica, o juiz nacional considerasse, como sustentou na audiência o recorrido no processo principal, que o facto de ter residido na Alemanha privou o cônjuge da Sr.a Singh da possibilidade de obter no Reino Unido, no termo de um determinado período, uma autorização de residência permanente, autorização essa que teria obtido se o casal tivesse permanecido no Reino Unido, é evidente que se suscitaria o problema da compatibilidade com o direito comunitário de uma disposição nacional que no fundo penaliza o exercício do direito de livre circulação.

    9. Ainda não é tudo. Mesmo excluindo esta hipótese, parece-nos possível afirmar, com base na referida jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a legislação comunitária relativa à livre circulação se aplica sempre que um nacional de um Estado-membro esteja, em relação ao seu país de origem, em situação análoga à de qualquer outro beneficiário dos direitos e liberdades garantidos pelo Tratado ou pelo direito derivado.

    Por conseguinte, em minha opinião, é necessário verificar concretamente quais os direitos atribuídos pela legislação comunitária aos nacionais dos Estados-membros que desejem exercer o direito de estabelecimento e qual a ratio legis e o alcance destes direitos.

    10. Como se refere no primeiro considerando, a Directiva 73/148 tem em vista a supressão das "restrições à deslocação e à permanência na Comunidade dos nacionais dos Estados-membros que desejam estabelecer-se ou prestar serviços no território de qualquer um deles" (sublinhado nosso).

    Para realizar este objectivo, a directiva obriga em especial os Estados-membros a admitirem no seu território, mediante a simples apresentação do bilhete de identidade ou de passaporte válidos, os cidadãos da Comunidade que desejem nele instalar-se para exercer uma actividade não assalariada (artigo 3. ), a conceder-lhes uma autorização de residência permanente (artigo 4. ) impondo-lhes igualmente que autorizem os seus próprios nacionais a abandonar o território nacional mediante a apresentação do bilhete de identidade ou de passaporte válidos (artigo 2. ).

    Nos termos do artigo 1. , os Estados-membros devem nomeadamente suprimir, nas condições previstas na directiva, as restrições à deslocação e à permanência dos nacionais de um Estado-membro estabelecidos ou que desejem estabelecer-se noutro Estado-membro para nele exercerem uma actividade não assalariada e dos respectivos cônjuges independentemente da sua nacionalidade (sublinhado nosso).

    Este direito concedido aos cônjuges é, de certo modo, acessório em relação ao direito de estabelecimento previsto a favor do trabalhador comunitário e tem evidentemente como objectivo a supressão dos obstáculos à livre circulação de trabalhadores resultantes da impossibilidade ou da dificuldade de deslocar todo o agregado familiar.

    11. É verdade que o direito de permanência foi formulado pelo legislador comunitário como o direito de os nacionais de um Estado-membro se estabelecerem noutro Estado-membro. Todavia, a formulação utilizada explica-se porque é evidente que os Estados-membros não recusam a entrada e a permanência no seu território aos seus nacionais.

    A letra da disposição em causa não permite, por isso, deduzir que seja impossível aos membros da família de um trabalhador estabelecido num Estado-membro invocar os direitos concedidos pela directiva no caso de o referido trabalhador regressar ao próprio país.

    De resto, semelhante interpretação não estaria em conformidade com os imperativos decorrentes da livre circulação de pessoas, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, garantidas pelos artigos 3. , alínea c), 48. , 52. e 59. do Tratado, visto que, na prática, um nacional de um Estado-membro da Comunidade instalado noutro Estado-membro poderia facilmente deslocar-se, por razões profissionais, para qualquer outro Estado-membro, excepto para o seu próprio.

    12. Aliás, é claro que se trata, na prática, de casos muito marginais, sendo evidente que, em geral, os Estados não se opõem à permanência dos membros da família dos seus nacionais, excepto, naturalmente, se existirem fundadas dúvidas quanto à violação das disposições relativas à imigração.

    Não é menos verdade que o problema de princípio subsiste e não seria lógico, em nossa opinião, admitir uma interpretação da norma que, não reconhecendo um direito de permanência aos membros da família do nacional da Comunidade que regressa ao seu país após ter trabalhado noutro Estado-membro, comportasse, por um lado, um obstáculo injustificado à livre circulação de trabalhadores no território da Comunidade e, por outro, uma diferença de tratamento entre dois trabalhadores na mesma situação, exclusivamente em razão da diferença de nacionalidades.

    13. Aliás, antes de concluir, desejaríamos responder a algumas observações e a certas preocupações, não de todo injustificadas, formuladas pelo Governo do Reino Unido, interveniente no presente processo.

    Em primeiro lugar, o Governo do Reino Unido sublinha que, no momento do seu regresso, a Sr.a Singh exerceu os direitos conferidos pelo Immigration Act de 1971 na condição de cidadã britânica e não os direitos que lhe confere a legislação comunitária, como demonstra, na opinião do Governo do Reino Unido, a circunstância de as autoridades britânicas não terem podido recusar-lhe a entrada e a permanência, nem sequer por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, o que, ao invés, é permitido pela directiva.

    Embora exacta, esta observação não nos parece decisiva, na medida em que nada se opõe a que os direitos decorrentes do Tratado acresçam, completando-os, aos direitos conferidos ao nacional do país em causa pela legislação nacional.

    Além disso, é em princípio exacto que os direitos conferidos por um Estado-membro aos seus nacionais em matéria de entrada e permanência são mais amplos do que os conferidos pela legislação comunitária, mas também é verdade que, em determinados casos - o presente processo é disso prova -, a legislação comunitária concede às pessoas que exercem a liberdade de circulação, e eventualmente aos respectivos cônjuges, direitos mais amplos do que os concedidos pela legislação nacional.

    14. Em segundo lugar, o Governo do Reino Unido salienta que qualquer Estado-membro tem um interesse legítimo em impedir que os seus nacionais e respectivos cônjuges invoquem o direito comunitário para não cumprirem as obrigações impostas pela legislação nacional.

    As preocupações acima referidas correspondem certamente a um imperativo efectivo e merecem a maior atenção. Com efeito, como o próprio Tribunal de Justiça reconheceu, em especial a propósito de uma legislação relativa à formação profissional, não deve ignorar-se o interesse legítimo que tem um Estado-membro em impedir que os seus nacionais, graças às possibilidades oferecidas pelo Tratado, tentem abusivamente substrair-se ao âmbito de aplicação da legislação nacional (16).

    Todavia, observo, a este propósito, que a própria directiva permite aos Estados-membros, com base no artigo 8. , derrogarem estas disposições por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública.

    Além disso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, da qual decorre que uma actividade profissional, para poder ser considerada enquanto tal, deve ser real e efectiva e não meramente marginal e acessória (17), pode fornecer às autoridades nacionais um ponto de referência útil a fim de evitar abusos.

    Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou recentemente que, na apreciação do carácter real e efectivo de determinada actividade, o juiz nacional pode tomar em consideração o carácter irregular e a duração limitada das prestações cumpridas no âmbito de um contrato de trabalho ocasional (18) (sublinhado nosso).

    A possibilidade que as autoridades nacionais têm de zelarem para evitar abusos é confirmada, de resto, pela circunstância de que também no caso vertente o Immigration Appeal Tribunal, ao dar provimento ao recurso, salvaguardou expressamente a análise de todos os factos relativos às fraudes à legislação nacional.

    15. Finalmente, o Governo do Reino Unido salienta que aceitar no caso vertente a aplicabilidade da Directiva 73/148 teria consequências paradoxais, uma vez que o direito de S. Singh de permanecer no Reino Unido não dependeria tanto do seu vínculo matrimonial mas da circunstância de a sua esposa continuar a exercer uma actividade profissional.

    Mesmo esta consideração não me parece susceptível de infirmar o raciocínio acima desenvolvido. Com efeito, é ponto assente que, em princípio, o cônjuge de uma pessoa estabelecida no seu próprio país pode beneficiar da legislação nacional que normalmente lhe conferirá, pelo simples facto da existência de um vínculo matrimonial, direitos mais amplos e duradouros do que os concedidos pela legislação comunitária. Todavia, como já referimos, não se vislumbra porque é que, nos raros casos em que o direito comunitário confere direitos mais amplos do que a legislação nacional, o cônjuge de um trabalhador comunitário que regressa ao seu país no exercício do direito de livre estabelecimento no território da Comunidade deveria ficar privado de tais direitos.

    Além disso, é evidente que, caso não preencha as condições de aplicabilidade da legislação comunitária, o interessado será obrigado a abandonar o país no caso de não possuir qualquer título que, com base na legislação nacional, o autorize a permanecer no território deste país. Todavia, isto decorre naturalmente do facto de, nesta hipótese, os direitos serem invocados unicamente ao abrigo da legislação comunitária. Nada vemos de ilógico ou de paradoxal em tal situação.

    16. Por conseguinte, tendo em conta as considerações acima expostas, propomos que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pela High Court of Justice do seguinte modo:

    "Quando uma mulher casada, nacional de um Estado-membro, que exerceu direitos decorrentes do Tratado noutro Estado-membro, desempenhando neste uma actividade profissional, e cujo cônjuge beneficiou do direito de permanência ao abrigo do direito comunitário neste mesmo Estado-membro, se estabelece no Estado-membro de que é nacional a fim de exercer uma actividade não assalariada, o direito comunitário, e em especial a Directiva 73/148/CEE, autorizam que o cônjuge entre e permaneça neste Estado-membro nas condições previstas na referida directiva."

    (*) Língua original: italiano.

    (1) - JO L 172, p. 14; EE 06 F1 p. 132.

    (2) - JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77.

    (3) - Acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, Diatta, n. 20 (267/83, Recueil, p. 567).

    (4) - Acórdão de 28 de Março de 1979, n. 12 (175/78, Recueil, p. 1129).

    (5) - Acórdão de 27 de Outubro de 1982, n.os 16 e 18 (35/82 e 36/82, Recueil, p. 3723).

    (6) - Acórdão de 28 de Junho de 1984, n. 20 (180/83, Recueil, p. 2539).

    (7) - Acórdão de 23 de Janeiro de 1986, n. 17 (298/84, Colect., p. 247).

    (8) - Acórdão de 8 de Dezembro de 1987, n. 13 (20/87, Colect., p. 4879).

    (9) - Acórdão de 17 de Dezembro de 1987, n. 16 (147/87, Colect., p. 5511).

    (10) - Acórdão de 20 de Abril de 1988, n. 13 (204/87, Colect., p. 2029).

    (11) - Acórdão de 3 de Outubro de 1990, n.os 10 e 11 (C-54/88, C-91/88 e C-14/89, Colect., p. I-3537).

    (12) - Acórdão de 18 de Outubro de 1990, n.os 23 e 24 (C-297/88 e C-197/89, Colect., p. I-3763).

    (13) - Acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors, n. 24 (115/78, Recueil, p. 399). V., no mesmo sentido, os acórdãos de 6 de Outubro de 1981, Broekmeulen, n. 20 (246/80, Recueil, p. 2311), e de 19 de Janeiro de 1988, Gullung, n. 12 (292/86, Colect., p. 111); e de 3 de Outubro de 1990, Bouchoucha, n. 13 (C-61/89, Colect., p. I-3551).

    (14) - Acórdão de 7 de Julho de 1988, n. 14 (143/87, Colect., p. 3877).

    (15) - Acórdão de 27 de Setembro de 1988, n. 16 (81/87, Colect., p. 5483).

    (16) - Acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Knoors, já referido, n. 25.

    (17) - Acórdão de 22 de Março de 1982, Levin, n. 17 (53/81, Recueil, p. 1035), acórdão de 3 de Junho de 1986, Kempf, n. 14 (139/85, Colect., p. 1741), acórdão de 21 de Junho de 1988, Brown, n.os 21 e 23 (197/86, Colect., p. 3205), acórdão de 21 de Maio de 1989, Bettray, n. 20 (344/87, Colect., p. 1621).

    (18) - Acórdão de 26 de Fevereiro de 1992, Raulin, n. 14 (C-357/89, Colect., p. I-1027).

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