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Document 61989TJ0154

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 12 de Julho de 1990.
Raimund Vidranyi contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionário - Reconhecimento da origem profissional de uma doença.
Processo T-154/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 II-00445

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1990:47

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

12 de Julho de 1990 ( *1 )

No processo T-154/89,

Raimund Vidrányi, antigo funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente no Luxemburgo, representado por Blanche Moutrier, advogada no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório da sua advogada, 16, avenue de la Porte-Neuve,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Griesmar, conselheiro jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão de 13 de Janeiro de 1989 que recusou reconhecer a origem profissional da doença do recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (Terceira Secção),

constituído pelos Srs. A. Saggio, presidente de secção, C. Yeraris e K. Lenaerts, juízes,

secretário: H. Jung

visto o processo e na sequência da audiência de 27 de Junho de 1990,

profere o presente

Acórdão

Factos e tramitação processual

1

O recorrente é um antigo funcionário do grau LA 5 da Comissão das Comunidades Europeias, afectado nos últimos tempos à divisão alemã do Serviço de Tradução do Luxemburgo; foi colocado na situação de reforma por motivo de invalidez, com efeitos a partir de 1 de Março de 1979, após um processo iniciado de acordo com o último parágrafo do n.o 1 do artigo 59.o do estatuto dos funcionários das Comunidades Europeias (doravante «estatuto»). O regime de pensão de que o recorrente beneficia não é contestado.

2

Por carta de 30 de Maio de 1980, o recorrente solicitou que fosse aberto o inquérito previsto no primeiro parágrafo do n.o 2 do artigo 17.o da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários das Comunidades Europeias, referida no artigo 73.o do estatuto (doravante «regulamentação»). Segundo tal disposição, «a administração procederá a um inquérito com vista à recolha de todos os elementos que permitam estabelecer a natureza da afecção e a respectiva origem profissional, bem como as circunstâncias em que essa doença se verificou».

3

Por cartas de 30 de Novembro de 1981, 6 e 27 de Julho de 1982, a administração solicitou aos chefes de serviço sob cuja autoridade o recorrente trabalhou desde que entrou em funções quais as condições de trabalho que lhe tinham sido oferecidas. Em 12 e 14 de Julho, 24 de Setembro e 10 de Outubro de 1982, estes superiores hierárquicos comunicaram à administração as suas apreciações a este respeito.

4

Além disso, a Comissão, com base no artigo 18.o da regulamentação, solicitou uma peritagem médica sobre o recorrente. O doutor Simons, médico designado pelas Comunidades Europeias, confiou essa peritagem ao professor De Waele, da Vrije Universiteit Brussel, o qual, no seu relatório de 10 de Janeiro de 1983, opinou que a doença do recorrente não podia ter uma origem profissional. Por carta de 25 de Fevereiro de 1983, o doutor Simons aderiu a esta conclusão. O exame médico a que o professor De Waele submeteu o recorrente durou três horas e meia e desenrolou-se em língua alemã.

5

Por carta de 29 de Março de 1983, remetida de acordo com o artigo 21.o da regulamentação, a administração notificou o recorrente do projecto de decisão que, face à conclusão do professor De Waele, simultaneamente levada ao conhecimento do recorrente, recusava conceder-lhe o benefício previsto no artigo 73.o do estatuto. O recorrente estava, aliás, informado da possibilidade de, através de um médico de sua escolha, tomar conhecimento da peritagem completa do professor De Waele (quinze páginas), bem como da possibilidade de, num prazo de sessenta dias, solicitar a consulta da junta médica prevista no artigo 23.o da regulamentação.

6

Por carta de 27 de Maio de 1983, o recorrente solicitou a reunião desta junta médica e designou como médico de sua escolha, para fazer parte dela, o professor Rose, psiquiatra em Hanôver.

7

A autoridade investida do poder de nomeação (doravante «AIPN») designou, seguidamente, o professor De Waele para fazer parte da junta médica. O terceiro médico, o professor Pierloot, da Universidade Católica de Lovaina, foi designado de comum acordo pelos professores Rose e De Waele.

8

A Comissão comunicou a cada membro da junta médica o texto do mandato a esta confiado, ao qual foram anexados o texto do artigo 3.o da regulamentação, que define doença profissional na acepção desse diploma, bem como a «lista europeia das doenças profissionais», na acepção da recomendação da Comissão de 23 de Julho de 1962 (JO 1962, 80, p. 2188). A primeira parte do mandato da junta médica estava estabelecida do seguinte modo:

«Após terem examinado Raymond Vidrányi, ouvido as suas explicações e, eventualmente, as dos médicos que assistiram as partes, tomado conhecimento de todos os documentos relativos aos exames, tratamentos e intervenções a que o interessado foi sujeito, indicado a sua evolução e os tratamentos aplicados, os peritos médicos :

descreverão a doença de R. Vidrányi;

dirão, num relatório fundamentado, se o exercício das funções de R. Vidrányi ao serviço das Comunidades constituiu a causa essencial ou preponderante da doença ou da agravação de uma preexistente doença de que R. Vidrányi estivesse afectado;

na afirmativa (omissis)

9

Além disto, cada membro da junta médica recebeu, da parte da Comissão, um volumoso dossier confidencial que incluía:

o pedido do recorrente de 30 de Maio de 1980;

uma peritagem médica (três páginas), de 2 de Junho de 1980, do professor Schmidt, do Serviço de Neuropsiquiatria da Clínica Universitária de Trier, médico assistente do recorrente;

cópia de um memorando (nove páginas e meia) — de que uma cópia fora já remetida pelo recorrente à administração em Junho de 1981 — dirigido pelo recorrente, em Junho de 1977, ao seu outro médico assistente, o doutor Thilges, psiquatra-psicoterapeuta no Luxemburgo (com cópia para o professor Schmidt) ;

cópia de um memorando (seis páginas), datado de 2 de Dezembro de 1980, dirigido pelo recorrente ao mediador da Comissão e resumindo o precedente memorando de Junho de 1977;

um parecer médico do doutor Thilges, de 12 de Novembro de 1980;

os resultados do inquérito administrativo feito aos superiores hierárquicos do recorrente e relativo às condições de trabalho desde a sua entrada em serviço;

o relatório médico, de 25 de Fevereiro de 1983, do doutor Simons;

as conclusões da peritagem médica (quinze páginas) efectuada em 10 de Janeiro de 1983 pelo professor De Waele;

o projecto de decisão que recusava a aplicação ao recorrente do benefício do artigo 73.o do estatuto, tal como foi notificado ao recorrente em 29 de Março de 1983;

a carta do recorrente, de 27 de Maio de 1983, solicitando a consulta da junta médica;

uma peritagem neuropsiquiátrica (sessenta e uma páginas), datada de 16 de Julho de 1985, efectuada pelo professor Rose.

10

Após terem examinado o recorrente, em 14 de Junho de 1988, durante uma hora e meia, e terem estudado os documentos supramencionados, os médicos que compunham a junta médica elaboraram o seu relatório, cujo original, assinado pelos três médicos, foi transmitido à AIPN em 23 de Dezembro de 1988, de acordo com o artigo 23.o, n.o 1, infine, da regulamentação. Por força desta disposição, o relatório foi igualmente enviado ao recorrente, em 13 de Janeiro de 1989, data em que a AIPN informou o recorrente de que, tendo em conta as conclusões da junta médica, as disposições estatutárias relativas à cobertura das doenças profissionais lhe não eram aplicáveis.

11

Em 6 de Abril de 1989, o recorrente apresentou uma reclamação contra a «decisão de recusa de 13 de Janeiro de 1989», solicitando que fosse repetido o processo que levou ao relatório da junta médica. Para fundamentar a sua reclamação, fez diversas críticas quanto ao modo como tal relatório foi elaborado e quanto ao seu conteúdo, a saber:

o facto de, contrariamente ao determinado no artigo 26.o do estatuto, não lhe ter sido dado conhecimento do dossier remetido à junta médica;

o facto de, aquando do seu exame de 14 de Junho de 1988, não ter podido, na hora e meia em que foi ouvido, proceder a uma descrição completa da sua doença nem fornecer elementos de prova nem discutir a falta de assistência do serviço médico da Comissão aquando das primeiras manifestações da sua doença;

o facto de o relatório da junta médica se limitar a recordar os pontos principais do seu pedido de reconhecimento da origem profissional da sua doença e de o relatório ser, portanto, «desequilibrado, insuficientemente fundamentado e não objectivo»;

o facto de o professor Pierloot o ter examinado apenas uma vez, em 14 de Junho de 1988, de modo que não tinha podido dispor de um mínimo de informações directas para poder formar uma opinião independente.

12

Não tendo a Comissão respondido a esta reclamação, a mesma foi considerada tacitamente indeferida em 6 de Agosto de 1989.

13

Em 5 de Setembro de 1989, o recorrente, invocando o artigo 26.o do estatuto, os direitos do homem e a «transparência» preconizada no contrato social de progresso, solicitou à administração que lhe fossem enviados todos os documentos relacionados com o inquérito interno ordenado pela Comissão e postos à disposição da junta médica. Solicitou, além disso, que lhe fosse dada a garantia de que os documentos que lhe viessem a ser enviados fossem realmente todos e que nenhuma informação oral ou telefónica, para além das que resultam dos ditos documentos, fora transmitida à junta médica.

14

Em 13 de Outubro de 1989, a Comissão formulou em relação a este pedido, que qualifica como uma reclamação, uma decisão expressa de indeferimento, notificada ao recorrente por carta registada com aviso de recepção de 3 de Novembro de 1989, recebida pelo recorrente em 7 de Novembro de 1989.

15

No requerimento entregue na Secretaria do Tribunal em 6 de Novembro de 1989, o recorrente interpôs o presente recurso, que tem por objecto «a anulação ou, sendo caso disso, a revisão da Decisão n.o IX. C. I/AA (89) 013 MP, de 13 de Janeiro de 1989, que não reconheceu a sua doença como doença profissional, para efeito dos benefícios determinados no artigo 73.o do estatuto dos funcionários».

16

Com base no relatório preliminar do juiz relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem proceder a prévias medidas de instrução. Os representantes das partes foram ouvidos nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 27 de Junho de 1990.

Pedidos das partes

17

O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

«—

julgar o recurso admissível e procedente;

anular ou, sendo caso disso, rever, a decisão do director-geral do Serviço de Acidentes e Doenças Profissionais da Comissão das Comunidades Europeias, de 13 de Janeiro de 1989, pela qual a doença do recorrente não foi reconhecida como doença profissional;

decidir, caso entenda necessário, a realização de nova peritagem médica;

decidir sobre as despesas nos termos legais».

A Comissão conclui no sentido que o Tribunal deve :

«—

julgar improcedente o recurso,

decidir sobre as despesas nos termos legais».

Sobre o fundo da questão

18

O recorrente faz, no essencial, duas acusações à decisão impugnada. Respeitam, por um lado, à regularidade do processo seguido e, por outro, ao conteúdo do relatório da junta médica.

No que se relaciona com a regularidade do processo seguido: a não comunicação de documentos

19

O recorrente critica o facto de a Comissão, contrariamente ao artigo 26.o do estatuto, não ter feito incluir no seu processo individual os documentos enviados ao médico designado pela instituição e, seguidamente, aos membros da junta médica, e ter recusado comunicar-lhe directamente tais documentos, tendo-o assim privado da possibilidade de tomar posição sobre eles antes de a junta médica apresentar as suas conclusões à AIPN. O recorrente acrescenta que a Comissão não pode justificar a sua recusa com a invocação da necessidade de proteger o segredo médico. Na sua réplica, o recorrente argumenta, em especial, que o relatório do inquérito previsto no artigo 17.o, n.o 2, da regulamentação deve, por sua natureza, figurar no processo individual do funcionário, apesar de o n.o 2 do artigo 17.o não instituir a obrigação de comunicar directamente os ditos documentos ao funcionário. Sustenta que a prova de que esses documentos faziam parte integrante do seu processo individual resulta do facto de, após uma recusa de comunicação do processo durante dez anos, apesar de um pedido que em tal sentido pretende ter dirigido a AIPN por carta de 27 de Maio de 1983, o recorrente ter finalmente podido, no âmbito do presente litígio, tomar conhecimento dos resultados do inquérito administrativo.

20

A Comissão considera que é necessário distinguir três categorias na lista dos documentos que são objecto de críticas do recorrente, antes de se examinar se tinha obrigação de fazer incluir os ditos documentos no processo individual do recorrente, ou de lhos comunicar directamente.

21

A primeira categoria compreende a correspondência trocada entre o recorrente e a administração.

22

A Comissão sustenta que a ausência destas peças no processo individual do recorrente não foi susceptível de viciar o processo adoptado no caso concreto, tanto no que respeita aos trabalhos da junta médica como à decisão impugnada que deles deriva. Apoiando-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Comissão argumenta que o artigo 26.o do estatuto tem por fim «assegurar o direito de defesa do funcionário, evitando que as decisões tomadas pela autoridade investida do poder de nomeação, e que afectam a sua situação administrativa e carreira, se fundamentem em factos relativos ao seu comportamento que não fazem parte do seu processo pessoal» (acórdãos de 28 de Junho de 1972, Brasseur/Parlamento, n.o 11, 88/71, Recueil, p. 499, e de 7 de Outubro de 1987, Strack/Comissão, n.o 7, 140/86, Colect., p. 3939). Ora, é evidente, no caso concreto, que o recorrente não tinha que exercer «um direito de defesa» quanto a documentos emanados dele próprio ou que lhe tenham sido dirigidos.

23

Há que realçar que o artigo 26.o do estatuto não permite ao recorrente invocar a falta, no seu processo individual, de documentos que dirigiu à administração, ou que por esta lhe foram dirigidos, para contestar a validade de uma decisão da AIPN, tomada no âmbito da regulamentação. Esta prevê, com efeito, um processo especial cuja regularidade, no caso concreto, não foi posta em causa.

24

Convém sublinhar, além disso, que nenhuma disposição da regulamentação determina a obrigação de a Comissão comunicar directamente ao recorrente a integralidade da correspondência entre eles trocada.

25

A segunda categoria de documentos compreende o conjunto dos relatórios médicos elaborados com vista ao e no âmbito do processo instituído pelos artigos 17.o a 23.o da regulamentação.

26

A Comissão considera que tais documentos constituem «exames médicos efectuados por médicos e peritos» e que «revestem, indubitavelmente, uma natureza exclusivamente médica». Deduz daqui que, a este título e segundo uma jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça, tais documentos näo deviam ser incluídos no processo individual do recorrente, antes lhe devendo ser tornados acessíveis através da intervenção do seu médico de confiança e o recorrente poderia ter pedido à AIPN que os enviasse a esse médico ao abrigo do artigo 21.o da regulamentação (acórdão de 7 de Outubro de 1987, Strack, n.os 9 a 13, 140/86, já citado).

27

O recurso a esta via indirecta de acesso a tais documentos tem, com efeito, por fim conciliar as exigências decorrentes do respeito pelos direitos do funcionário — que implicam para este a faculdade de examinar a fundamentação da decisão que a AIPN se prepara para tomar, e de apreciar a conformidade de tal decisão com as regras do estatuto — «com as necessidades do segredo profissional médico, que fazem de cada médico o juiz da possibilidade de dar conhecimento às pessoas que trata ou examina da natureza das afecções de que poderiam estar atingidas» (ver os acórdãos de 27 de Outubro de 1977, Moli/Comissão, 121/76, Recueil, p. 1971, de 13 de Abril de 1978, Mollet/Comissão, 75/77, Recueil, p. 897, e de 7 de Outubro de 1987, Strack, n.o 11, 140/86, já citado).

28

Segundo a Comissão, o juízo sobre a possibilidade de comunicar ao recorrente os documentos que pertencem a esta segunda categoria cabia, pois, no caso concreto, ao professor Rose, médico de confiança do recorrente no seio da junta médica, e que, enquanto membro desta, dispunha de todos os documentos em causa. A Comissão sublinha, aliás, que o recorrente não fez uso do direito, reconhecido pelo artigo 21.o da regulamentação, de solicitar à AIPN a comunicação ao professor Rose dos resultados da peritagem médica efectuada pelo professor De Waele em 10 de Janeiro de 1983.

29

E importante sublinhar que a Comissão tem razão em considerar que a natureza exclusivamente médica dos relatórios médicos em causa se opõe a que tais documentos fossem incluídos no processo individual do recorrente ou lhe fossem comunicados directamente. Com efeito, no caso contrário, o recorrente, ver-lhe-ia ser reconhecido um direito de acesso directo aos ditos documentos, através da consulta do seu processo individual, ou de qualquer outro modo. Um tal direito de acesso directo seria contrário ao segredo médico, que o procedimento previsto nos artigos 17.o a 23.o da regulamentação visa proteger e conciliar com os direitos do funcionário, permitindo-lhe ter acesso aos documentos médicos que a ele respeitam através da intervenção do seu médico de confiança.

30

Daqui resulta que a Comissão não pode ser censurada por não ter comunicado directamente ao recorrente, quer fazendo-os incluir no seu processo individual quer de qualquer outro modo, os documentos médicos cuja confidencialidade específica lhe é oponível, bem como à AIPN.

31

A terceira categoria de documentos respeita ao inquérito administrativo efectuado em 1981 e em 1982, junto dos superiores hierárquicos do recorrente, ao abrigo do artigo 17.o, n.o 2, da regulamentação.

32

A Comissão esclarece que o relatório de inquérito destinado, nomeadamente, a determinar a origem profissional da doença é transmitido ao médico designado pela instituição, o qual, face a tal relatório, redige as conclusões previstas no artigo 19.o da regulamentação. A Comissão realça que neste estádio do procedimento não há qualquer texto que determine que esse relatório deva ser levado ao conhecimento do próprio funcionário. Acrescenta que o segredo médico se opõe a tal, na medida em que verificações factuais ligadas a acontecimentos ocorridos durante o trabalho devem, também, quando são efectuadas no âmbito de um procedimento tendente ao reconhecimento da existência de uma doença profissional, ver ser-lhe reconhecida uma natureza médica. A Comissão conclui que só na medida em que o recorrente, de acordo com o artigo 21.o da regulamentação, tivesse solicitado — o que não fez —, que o «relatório médico completo» fosse transmitido pelo médico da instituição ao médico da sua escolha, teria sido admissível transmitir a este último médico o relatório do inquérito.

33

Deve considerar-se que a Comissão tem razão ao realçar que nenhuma disposição da regulamentação determina a comunicação directa do relatório do inquérito ao funcionário e que, como já foi julgado pelo Tribunal de Justiça, a tais «documentos relativos às verificações factuais ligadas a um incidente que se produziu durante o trabalho, que podem servir de fundamento a um processo que visa o reconhecimento da existência de um acidente de trabalho ou de doença profissional, na acepção da regulamentação, deve igualmente reconhecer-se carácter médico» (acórdão de 7 de Outubro de 1987, Strack, n.o 13, 140/86, já citado). Esta natureza médica opõe-se a que tais documentos sejam directamente comunicados ao recorrente no âmbito do procedimento instituído pela regulamentação.

34

Importa, no entanto, sublinhar que é não apenas «admissível», como foi realçado pela Comissão, mas indispensável que o «relatório médico completo», que o funcionário pode solicitar seja transmitido ao médico de sua escolha e que deve ser transmitido aos membros da junta médica prevista no artigo 23.o da regulamentação, compreenda o relatório do inquérito. Com efeito, «ao prever um acesso indirecto aos documentos de natureza médica, pelo mecanismo da intervenção de um médico de confiança designado pelo funcionário, a regulamentação concilia os direitos do funcionário... com as necessidades do segredo médico» (acórdão de 7 de Outubro de 1987, Strack, n.o 12, 140/86, já citado).

35

Deste modo, o funcionário pode, se apresentou um pedido neste sentido, tomar posição sobre as verificações contidas no relatório do inquérito, através da intervenção de um médico de confiança, e apreciar a oportunidade de solicitar que a junta médica dê o seu parecer. A este respeito, há que sublinhar que o recorrente não dirigiu pedido em tal sentido à AIPN, não contendo a sua carta de 27 de Maio de 1983 um tal pedido.

36

Quanto ao argumento do recorrente segundo o qual tais documentos deveriam ter sido incluídos no seu processo individual por força do artigo 26.o do estatuto, há que observar que, como o Tribunal de Justiça já reconheceu no seu acórdão de 7 de Outubro de 1987, o caracter médico deles «não impede que esses documentos possam, se for caso disso, interessar igualmente à situação administrativa do funcionário, desde que os factos que relatam estejam na base de relatórios relativos à competência, ao rendimento ou ao comportamento do funcionário. Nesta hipótese, estes documentos deveriam figurar no processo pessoal» (Strack, n.o 13, 140/86, já citado).

37

Segue-se que, por motivo da finalidade do artigo 26.o do estatuto, é apenas quando as verificações contidas em tais documentos podem, para além do âmbito do procedimento instituído pela regulamentação, ter interesse para a situação administrativa do recorrente, portanto quando os factos que relatam estão na base de relatórios sobre a sua competência, o seu rendimento ou o seu comportamento, que tais documentos devem figurar no seu processo individual.

38

É, no entanto, forçoso reconhecer que, no caso presente, não ficou provado que as verificações factuais relativas às condições de trabalho criadas ao recorrente tenham influenciado a sua situação administrativa, já que esta terminou antes da elaboração de tais documentos. Donde resulta que a Comissão teve razão ao não inserir tais documentos no processo individual previsto no artigo 26.o do estatuto.

39

Quanto ao argumento do recorrente, contido na sua réplica, de que o facto de o relatório do inquérito lhe ter sido comunicado no âmbito do presente litígio constitui a prova de que ele fazia certamente parte do processo individual, há que responder que, no âmbito do procedimento instituído pela regulamentação, o relatório do inquérito, pelas razões que precedem, só tinha que ser comunicado ao recorrente através da intervenção do seu médico de confiança e que, portanto, o recorrente não pode daí retirar argumentos para sustentar que tal documento fazia parte integrante do seu processo individual.

40

Resulta do que precede que o artigo 26.o do estatuto não pode ser usado com vista a estabelecer, para além do quadro estabelecido pela regulamentação, um processo contraditório incidente sobre documentos de natureza médica.

No que respeita à regularidade do procedimento seguido: a audição pela junta médica

41

O recorrente põe em causa o modo como a junta médica efectuou os seus trabalhos, no que respeita a não o ter suficientemente ouvido para poder decidir com conhecimento de causa e para lhe permitir defender a sua própria «convicção».

42

A este respeito, há que sublinhar que a Comissão realça, com razão, que compete à junta médica decidir da necessidade de uma audição do interessado e, sendo caso disso, da sua duração, e isto nomeadamente face ao carácter mais ou menos completo do processo médico já na sua posse, como foi indicado pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 21 de Maio de 1981 e de 19 de Janeiro de 1988 (Morbelli/Comissão, n.o 27, 156/80, Recueil, p. 1357; Biedermann/Tribunal de Contas, n.o 16, 2/87, Colect., p. 143). Além disso, «atendendo à natureza dos trabalhos da junta médica, em que se não visa decidir um debate contraditório mas sim definir juízos médicos, essa audição também não é imposta pelos princípios relativos ao respeito dos direitos da defesa» (acórdão de 19 de Janeiro de 1988, Biedermann, n.o 16, 2/87, já citado).

43

Para mais, basta observar que, no caso concreto, uma audição de uma hora e meia pela junta mèdica podia razoavelmente ser considerada suficiente pela junta médica, já que, por um lado, o processo médico, por conter todas as peças representando os diversos pontos de vista, estava completo e que, por outro lado, o recorrente já tinha sido examinado, durante três horas e meia, pelo médico designado pela Comissão para fazer parte da junta médica e, por duas vezes, durante três horas, pelo médico que ele próprio tinha designado.

44

Segue-se que esta acusação não pode ser recebida.

No que respeita ao conteúdo do relatório da junta médica

45

O recorrente reprova à junta médica, por um lado, o ter imputado a sua doença à estrutura da sua personalidade e, por outro lado, o não ter de outro modo criticado, no seu relatório, o papel e os deveres do serviço médico, cuja falta de assistência ao recorrente seria violadora do artigo 24.o do estatuto e teria contribuído para a agravação da sua doença. A imputação, pela junta médica, da doença do recorrente à estrutura da sua personalidade teve por fim, segundo o recorrente, atenuar e dissimular o incumprimento do serviço médico.

46

A Comissão responde dizendo, por um lado, que, segundo jurisprudência bem estabelecida do Tribunal de Justiça (acórdãos de 29 de Novembro de 1984, Suss/Comissão, n.o 11, 265/83, Recueil, p. 4029, e de 19 de Janeiro de 1988, Biedermann, n.o 8, 2/87, já citado), o exame deste Tribunal não pode alargar-se às apreciações médicas propriamente ditas contidas no relatório da junta médica e, por outro lado, que se não pode pôr a questão do incumprimento do seu serviço médico, ao qual nenhum pedido de assistência foi feito pelo recorrente e que sabia que este já era tratado por um especialista.

47

Antes de examinar as acusações formuladas pelo recorrente, convém começar por precisar o alcance do controlo do Tribunal sobre uma decisão que recusa reconhecer a origem profissional da doença de um funcionário, após consulta da junta médica prevista no artigo 23.o da regulamentação.

48

Deve lembrar-se que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver, mais recentemente, o acórdão de 19 de Janeiro de 1988, Biedermann, n.o 8, 2/87, já citado), o exame do Tribunal não se estende às apreciações médicas propriamente ditas, que devem ser consideradas definitivas quando tenham sido feitas em condições regulares. Tal não seria o caso se a junta médica se tivesse baseado numa concepção errada de «doença profissional», ou se no seu relatório não existisse um nexo compreensível entre as verificações médicas que contém e as conclusões que extrai (acórdão de 10 de Dezembro de 1987, Jãnsch/Comissão, n.o 15, 277/84, Colect., p. 4923).

49

A este respeito, há que observar que a imputação da doença física do requerente à estrutura da sua personalidade constitui uma apreciação médica de que o Tribunal só pode conhecer sob o ângulo da sua fundamentação. Ora, atribuindo a causa da doença do recorrente à estrutura da sua personalidade, e não às suas condições de trabalho ou à atitude dos seus superiores, a junta médica excluiu a possibilidade de a doença do interessado ou a sua agravação terem podido encontrar «a sua origem no exercício ou por ocasião do exercício das suas funções ao serviço das Comunidades», de acordo com os termos do artigo 3.o, n.o 2, da regulamentação.

50

Daqui resulta que o relatório da junta médica, não estando baseado numa concepção errónea do conceito de doença profissional e estabelecendo uma ligação compreensível entre as verificações médicas que comporta e as conclusões a que chega, não está viciado de falta de fundamentação, como também sucede com a decisão da Comissão tomada com base em tal relatório.

51

Quanto ao mais, deve acrescentar-se que o relatório da junta médica foi elaborado por unanimidade pelos seus três membros, neles se compreendendo o médico designado pelo recorrente.

52

A acusação não pode, portanto, ser aceite.

53

Decorre do conjunto das considerações que precedem que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

54

Nos termos do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça aplicável mutatis mutandis ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 11.o, terceiro parágrafo, da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, a parte vencida é condenada nas custas se a parte vencedora o houver requerido. No entanto, de acordo com o artigo 70.o do dito regulamento, as despesas feitas pelas instituições nos recursos interpostos pelos agentes das Comunidades ficam a cargo destas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Saggio

Yeraris

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 12 de Julho de 1990.

O secretário

H. Jung

O presidente da Terceira Secção

A. Saggio


( *1 ) Língua do processo: francês.

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