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Document 61989TJ0133

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 20 de Junho de 1990.
Jean-Louis Burban contra Parlamento Europeu.
Recrutamento - Aviso de concurso - Acto de candidatura.
Processo T-133/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 II-00245

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1990:36

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quinta Secção)

20 de Junho de 1990 ( *1 )

No processo T-133/89,

Jean-Louis Búrban, funcionário do Parlamento Europeu, com domicílio em Paris, representado por Jean-Noël Louis, advogado em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na SARL Fiduciaire Myson, 6-8, rue Origer,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, e Manfred Peter, chefe de divisão, na qualidade de agentes, assistidos por Hugo Vandenberghe, advogado em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Manfred Peter, no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu,

recorrido,

que tem por objecto a anulação das decisões do júri do concurso PE/44/A, que a ele não admitiu o recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção),

constituído pelos Srs. H. Kirschner, presidente de secção, C. P. Briët e J. Biancarelli, juízes,

secretário: H. Jung

atentos os documentos do processo e a audiencia de 5 de Abril de 1990,

profere o presente

Acórdão

Os factos na origem do recurso

1

O Parlamento Europeu publicou, em 28 de Dezembro de 1988, um aviso de concurso geral PE/44/A (JO C 333, p. 16), documental e por prestação de provas, destinado a prover um lugar de chefe de divisão de língua francesa, de grau A 3, para dirigir o Secretariado de Informação de Paris. Desse aviso constavam nomeadamente os dois pontos seguintes:

a)

sob a rubrica «Concurso — Natureza e condições de admissão», no ponto III, B. 1. e):

«Para a constituição dos seus processos, os candidatos, incluindo os funcionários e outros agentes do Parlamento Europeu e de outras instituições da Comu- nidade Europeia, não podem, em caso algum, referir-se a documentos, actos de candidatura, fichas de informação, etc, entregues em candidaturas anteriores.»;

b)

sob a rubrica «Apresentação das candidaturas», no ponto VII:

«Os candidatos devem enviar o formulário do acto de candidatura inserido no presente Jornal Oficial a “Parlamento Europeu, Serviço de Recrutamento, L-2929 Luxemburgo”. Este acto de candidatura, acompanhado dos documentos comprovativos dos seus estudos e experiência profissional, deve ser enviado em carta registada, o mais tardar no dia 13 de Fevereiro de 1989 à meia-noite, fazendo fé a data do carimbo do correio».

Um nota bene, redigido em itálico, precisava que: «Os candidatos que não tenham apresentado os actos de candidatura, bem como todos os documentos comprovativos no prazo estabelecido, não serão admitidos a concurso. O mesmo valerá para os funcionários e outros agentes do Parlamento Europeu e de outras instituições da Comunidade Europeia».

Por fim, o formulário de acusação da recepção do acto de candidatura a preencher pelo candidato precisava que «apenas os documentos comprovativos de diplomas ou certificados de estudo e da experiência profissional expedidos nos prazos estabelecidos no aviso de concurso ou no aviso de recrutamento sob a rubrica “Apresentação das candidaturas” serão tomados em consideração».

2

O recorrente, ao serviço do Parlamento desde 1968, exercia as funções de adjunto do director do Serviço de Informação do Parlamento Europeu em Paris, desde 1982, quando apresentou a sua candidatura a este concurso, enviando o formulário do acto de candidatura no prazo, mas não o fazendo acompanhar dos diplomas e documentos comprovativos da sua experiência profissional. Com efeito, no decorrer do mês de Janeiro de 1989, sustenta ter tido uma conversa telefónica com o chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal» do Parlamento, em que este último teria dito que, na sua opinião, para os funcionários da instituição candidatos a um concurso, estes documentos eram directamente comunicados ao júri pela administração. O chefe do serviço «Estatuto e Gestão de Pessoal» enviou, em 28 de Junho de 1989, ao presidente do júri, uma carta confirmando que tal conversa telefônica tinha tido lugar. O recorrente apenas indicou aquando da recepção que acompanhou o seu acto de candidatura: «Os meus diplomas encontram-se no meu processo na Direcção-Geral do Parlamento».

3

Em 24 de Maio de 1989, o presidente do júri do concurso enviou uma carta ao recorrente informando-o da rejeição da sua candidatura decidida pelo júri aquando da reunião de 17 de Maio de 1989, invocando duas razões: «apresentação de documentos comprovativos fora de prazo» e «falta de documentos comprovativos».

4

A 13 de Junho de 1989, o recorrente dirigiu ao presidente do Parlamento uma reclamação, pedindo o adiamento das provas, fixadas de 3 a 6 de Julho de 1989, para — na sua opinião — reparar a injustiça cometida contra si. Sustenta, em primeiro lugar, que a administração do Parlamento, na pessoa do chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal», o tinha induzido em erro; em segundo lugar, estando em Paris, encontrava-se afastado da administração central do Parlamento; em terceiro lugar, devido ao dever de solicitude, a entidade competente para proceder a nomeações tinha «o direito e mesmo o dever de corrigir as decisões do júri, no caso de um candidato ser vítima de uma falta ou erro administrativo».

5

Na mesma data de 13 de Junho de 1989, o recorrente dirigiu igualmente uma carta ao presidente do júri na qual, por um lado, lhe pedia para reconsiderar a sua decisão de recusa de admissão a concurso e, por outro, desenvolvia os mesmos argumentos expostos na carta dirigida ao presidente do Parlamento, acrescentando, todavia, que uma vez que tinha indicado no formulário do acto de candidatura que os seus diplomas seriam transmitidos pela administração, com o seu processo, ao júri, este último dever-lhe-ia ter assinalado o erro.

6

A 30 de Junho de 1989, o presidente do júri pediu ao recorrente para lhe remeter a prova escrita da sua afirmação segundo a qual ele teria precisado, no formulário do acto de candidatura, que os seus diplomas seriam transmitidos pela administração, com o seu processo, ao júri.

7

No mesmo dia, o recorrente respondeu ao presidente do júri, enviando-lhe a acusação da recepção do seu acto de candidatura e reconhecendo que a fórmula que tinha aposto nessa acusação da recepção era, na realidade, diferente da invocada na carta de 13 de Junho de 1989, mas, de todo o modo, este documento demonstrava a sua boa fé.

8

A 5 de Julho de 1989, o presidente do júri dirigiu ao recorrente uma carta indi-cando-lhe que, por decisão de 3 de Julho de 1989, o júri confirmou a anterior decisão de não admissão ao concurso.

9

E nestas condições que, em requerimento registado na Secretaria do Tribunal a 28 de Agosto de 1989, J. L. Búrban interpôs o presente recurso contra o Parlamento.

Tramitação processual

10

O recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

«declarar o presente recurso admissível e fundamentado;

em consequência, anular:

a decisão de 3 de Julho de 1989 do júri do concurso geral PE/44/A de não o admitir ao concurso;

qualquer outra decisão posterior tomada pelo júri deste concurso e mais precisamente a que estabelece a lista de aptidão, bem como qualquer decisão da parte contrária que se baseie em tais decisões;

a título subsidiário, a decisão do júri de 15 de Maio de 1989 que recusou pela primeira vez admiti-lo ao concurso;

condenar o recorrido nas despesas da causa, nos termos quer do artigo 69.°, n.° 2 quer do 69.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento Processual, bem como nas despesas indispensáveis suportadas para fins do processo, nomeadamente com a escolha de domicílio, deslocação, estada e honorários de advogados, nos termos do artigo 73.°-B do mesmo regulamento».

11

O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

ter em conta que se sujeita ao douto entendimento do Tribunal quanto à admissibilidade do recurso;

negar provimento ao recurso;

decidir, quanto às despesas, em conformidade com as disposições aplicáveis.

12

Não estando ainda terminada a fase escrita, por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o presente processo ao Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que instituiu um Tribunal de Primeira Instância daš Comunidades Europeias.

13

Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

14

Esta decorreu em 5 de Abril de 1990. Não tendo sido designado advogado-geral para este processo, o presidente declarou o seu encerramento no fim da audiência.

Quanto à admissibilidade

15

O Parlamento, muito embora sujeitando-se ao douto entendimento do Tribunal, sustenta que a reclamação do recorrente de 13 de Junho de 1989 era inútil, pois que, por força de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a entidade competente para proceder a nomeações não pode anular uma decisão de um júri de concurso.

16

Segundo o recorrente, o objectivo da reclamação é procurar uma solução consensual entre a administração e o funcionário antes de qualquer recurso contencioso. Aliás, no presente processo, o júri reconsiderou a sua posição aquando da reunião de 3 de Julho de 1989. Sustenta, portanto, que a decisão de 3 de Julho de 1989 é uma decisão nova e que, por conseguinte, a admissibilidade do presente recurso não pode ser contestada.

17

Cabe lembrar que, como o Tribunal de Justiça já decidiu por várias vezes, o meio de impugnação de uma decisão de um júri de concurso consiste normalmente num recurso directo ao juiz comunitário (ver, entre outros, acórdão de 14 de Junho de 1972, Marcato/Comissão, 44/71, Recueil, p. 427; acórdão de 14 de Julho de 1983, Detti/Tribunal de Justiça, 144/82, Recueil, p. 2421; acórdão de 7 de Maio de 1986, Rihoux e outros/Comissão, 52/85, Colect., p. 1567; despacho de 8 de Novembro de 1988, Valle Fernandez/Comissão, 264/88 e 264/88 R, Colect., p. 6341). Com efeito, por um lado, uma reclamação de uma decisão de um júri de concurso parece destituída de sentido, uma vez que a instituição em causa não pode anular ou alterar as decisões de um júri de concurso. Por conseguinte, uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 91.°, n.° 2, do estatuto levaria unicamente a prolongar, sem qualquer utilidade, a tramitação (ver, nomeadamente, o acórdão do Tribunal de 16 de Março de 1978, von Wüllerstorff/Comissão, 7/77, Recueil, p. 769). Por outro lado, se, contudo, o interessado se dirige à AIPN, por via de reclamação administrativa, tal diligência, independentemente do seu valor jurídico, não pode ter por consequência privá-lo do direito de recorrer directamente ao Tribunal, dado que se trata de um direito irrenunciável da sua parte e não susceptível, por isso, de ser afectado pelo seu comportamento individual (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1978, Salerno e outros/Comissão, processos apensos 4/78, 19/78 e 28/78, Recueil, p. 2403).

18

A vista destes princípios, baseados quer na procura da economia processual quer na preocupação de assegurar o respeito dos direitos dos funcionários, cabe determinar se o recurso das decisões do júri do concurso de 17 de Maio e 3 de Julho de 1989 foi correctamente interposto no prazo estatutário de três meses, pois que, mesmo se o recorrente apresentou uma reclamação prévia, escolheu, em definitivo, o recurso directo ao juiz comunitário. Quanto ao pedido contra a decisão do júri do concurso de 17 de Maio de 1989, que recusou, uma primeira vez, a admissão ao concurso, não resulta dos documentos do processo e não foi sustentado pelo Parlamento Europeu que o recorrente tenha sido notificado desta decisão antes de 13 de Junho de 1989, data da sua reclamação para a AIPN e da sua carta dirigida ao presidente do júri do concurso. Nestas condições, o recorrente estava em eondições de recorrer directamente ao Tribunal de Justiça em 28 de Agosto de 1989, sem aguardar uma resposta da sua reclamação ou que o prazo estatutário de resposta tivesse expirado. No que respeita ao pedido contra a segunda decisão do júri de concurso de 3 de Julho de 1989, na qual este último, após uma troca de correspondência com o recorrente, decidiu manter a decisão inicial de recusa de admissão ao concurso, cabe salientar que não foram precedidas de reclamação prévia, como o recorrente tinha perfeitamente direito de fazer perante uma decisão do júri do concurso.

19

Por conseguinte, as dúvidas expressas pelo Parlamento Europeu quanto à admissibilidade do presente recurso são infundadas.

Quanto ao mérito

20

O recorrente invocou três fundamentos em apoio do seu pedido: em primeiro lugar, o Parlamento Europeu não cumpriu o dever de solicitude e o princípio da boa administração; em segundo lugar, violou o artigo 25.° do estatuto relativo à obrigação de fundamentação; em terceiro lugar, as disposições do aviso de concurso eram contrárias ao artigo 2.° do anexo III do estatuto e ao dever de solicitude.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado no não cumprimento do dever de solicitude e do princípio da boa administração

21

O recorrente refere, em primeiro lugar, que as disposições do aviso de concurso relativas à apresentação dos documentos comprovativos dos diplomas e da experiência profissional estavam sujeitas a interpretação; em segundo lugar, tinha sido induzido em erro pelos próprios serviços do Parlamento; em terceiro lugar, a administração teve conhecimento do seu erro; em quarto lugar, tendo em conta as suas funções e o facto de o chefe do Serviço de Informações de Paris, seu superior hierárquico ser membro do júri do concurso, não podia o júri ignorar que ele preenchia as condições exigidas.

22

Além do mais, o recorrente sustenta que tinha tomado todas as precauções necessárias, solicitando o parecer do chefe de serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal» e tendo o cuidado de precisar, no formulário de acusação da recepção, que os seus diplomas se encontravam no seu processo individual na Direcção do Pessoal do Parlamento. Daí conclui, por um lado, que a administração tinha a obrigação, no interesse do recorrente, em virtude do dever de solicitude e do princípio da boa administração, tal como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 23 de Outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas (321/85, Colect., p. 3177), e de 4 de Fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas (417/85, Colect., p. 551), de o prevenir do seu erro e, por outro, o júri devia aplicar as disposições do segundo paràgrafo do artigo 2.° do anexo III do estatuto, uma vez que se encontrava ainda no prazo e o número de candidatos era restrito. Tanto mais que, segundo o recorrente, o principio da igualdade não podia aplicar-se no caso vertente, pois os candidatos funcionários e os candidatos externos estavam em situação jurídica diferente.

23

O Parlamento observa, em primeiro lugar, que, no aviso do concurso e na recepção do acto de candidatura, indicou claramente, por três vezes, que todos os candidatos, incluindo os funcionários, nomeadamente os do Parlamento Europeu expressamente citados, deviam juntar os documentos solicitados e que tal requisito não estava, pois, sujeito a interpretação. A apreciação formulada a este propósito pelo requerente não tem qualquer reflexo na sua validade. Não cabe, por conseguinte, ao júri modificar condições claras do aviso de concurso; decidir de outro modo levaria a atribuir ao recorrente um privilégio, contrariamente aos princípios da igualdade e não discriminação. Na verdade, o júri está nesta matéria vinculado pelo artigo 5.° do anexo III do estatuto.

24

O Parlamento refere, em segundo lugar, que o segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do estatuto concede ao júri a faculdade de exigir documentos ou informações complementares unicamente quando tenha dúvidas sobre o carácter completo do processo individual, ou deseje obter esclarecimentos quanto ao conteúdo de um ou vários documentos apresentados pelo candidato. Ora, no caso vertente, não havia documentos complementares a exigir, pois nenhum documento principal tinha sido enviado.

25

O Parlamento sublinha, em terceiro lugar, que a exigência da apresentação, em anexo ao acto de candidatura, dos documentos exigidos tem por objectivo colocar todos os candidatos, funcionários ou não, em pé de igualdade e não pode ser considerada desrazoável. Além disso, enquanto candidatos ao mesmo concurso geral externo, os candidatos funcionários e os externos encontram-se em situação jurídica idêntica. A circunstância de, após o seu recrutamento, serem, de facto, tratados diferentemente, no plano da nomeação e da remuneração, não tem qualquer relevância quanto ao princípio da igualdade prevalecente no momento da apresentação das candidaturas. Existe, nesta perspectiva, uma diferença entre as normas que regulam os concursos externos, como o do caso vertente, e as que regulam os concursos internos.

26

O Parlamento sustenta, em quarto lugar, que o facto de o recorrente ter pedido conselho ao chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal», a dar-se como provado, não o exonera do cumprimento das condições inscritas no aviso do concurso e a interpretação deste não pode legalmente vincular o Parlamento. Além do mais, o Parlamento salienta que a indicação aposta pelo recorrente no acto de acusação da recepção não se encontra no processo individual de que o júri dispõe. Daí conclui, por um lado, que este facto não pode pôr em causa a primeira decisão do júri, tomada em conformidade com as condições constantes do acto de candidatura, e, por outro, que não era de molde a obrigar o júri a servir-se das disposições do segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do estatuto.

27

Assim, convém, liminarmente, lembrar que o Tribunal considerou nos acórdãos de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677), de 9 de Dezembro de 1982, Plug/Comissão (191/81, Recueil, p. 4229), e de 23 de Outubro de 1986, Schwiering (321/85, já citado), que, embora não mencionado no estatuto dos funcionários, o dever de solicitude da administração face aos seus funcionários, que se impõe igualmente a um júri de concurso, reflecte o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocas que o estatuto instituiu nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este dever, tal como o princípio da boa administração, implica nomeadamente, que, quando a administração toma uma decisão sobre a situação de um funcionário, a autoridade toma em consideração o conjunto dos elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e, deste modo, tem em consideração não só o interesse do serviço mas também o do funcionário em questão.

28

Importa examinar, portanto, se, como sustentou o recorrente, a administração do Parlamento Europeu ou o júri do concurso faltaram, no caso vertente, ao dever de solicitude assim definido.

29

Deve, em primeiro lugar, ter-se em conta que o aviso do concurso PE/44/A prescreve, sem qualquer equívoco, por duas vezes, uma das quais em itálico — com o objectivo de chamar a atenção — e para o conjunto dos candidatos, incluindo os funcionários do Parlamento Europeu, a obrigação de juntar ao seu acto de candidatura todos os documentos comprovativos dos seus diplomas e experiencia profissional, sob pena de não serem admitidos a concurso. Esta obrigação é lembrada uma terceira vez num formulário de recepção do acto de candidatura que deve ser preenchido pelo próprio candidato quando envia o seu acto de candidatura ao serviço de recrutamento e quando este lhe é mandado de volta.

30

Esta obrigação, assim mencionada por três vezes, é, além do mais, desprovida de qualquer ambiguidade, contrariamente ao que sustenta o recorrente, nomeadamente no decurso da audiência. Se, sob a rubrica III, B. 1. c), já citada, o aviso de concurso proíbe a todos os candidatos, incluindo os funcionários do Parlamento Europeu, de se referirem para a constituição do seu processo individual a documentos entregues por altura de candidaturas anteriores, esta proibição visa, no caso em apreço, sem qualquer equívoco, os diplomas ou outros documentos que tinham sido juntos pelo recorrente ao acto de candidatura inicialmente enviado por si ao Parlamento Europeu, quando se tornou, em 1968, funcionário desta instituição. Seguidamente, a distinção feita pelo recorrente entre, por um lado, documentos entregues por altura das candidaturas anteriores e, por outro, documentos que constituem a totalidade do processo individual do funcionário, no qual se compreendem necessariamente os primeiros, não pode deixar de ser afastada. Além do mais, as outras disposições já citadas do aviso de concurso demonstram, se fosse necessário, que a interpretação do recorrente não pode ser acolhida.

31

Importa acrescentar que, no âmbito de um concurso documental e por prestação de provas, cabe apenas ao candidato determinar os diplomas, documentos e atestações da experiência profissional que entende juntar em anexo ao seu acto de candidatura e não aos serviços de gestão de pessoal, tendo em conta o risco de erro em que podem incorrer. Não cabe, pois, a estes serviços transmitir ao júri o processo individual completo do interessado que compreende outros documentos cuja apresentação é pedida no aviso do concurso, o que imporia ao júri pesadas tarefas materiais, incompatíveis com o respeito do princípio da boa administração.

32

Por fim, de qualquer modo, não resulta quer dos documentos que acompanham o processo individual quer da discussão em Tribunal, que a menção indicada pelo recorrente na acusação da recepção do seu acto de candidatura, que só visava os diplomas e não os documentos comprovativos da sua experiência profissional, tenha podido ser de molde a informar, de modo correcto, a administração ou o júri de um erro por este cometido, uma vez que esta acusação de recepção é remetida ao candidato e não consta do seu processo individual.

33

Resulta do que vem dito que os serviços do Parlamento Europeu não faltaram ao dever de solicitude a que estão obrigados face ao recorrente nem ao respeito do princípio da boa administração, uma vez que o equilíbrio de direitos e obrigações recíprocas entre a instituição e o recorrente exigiam que este fizesse uma leitura atenta e séria das disposições do aviso de concurso, que é efectivamente claro, preciso e incondicional.

34

Tratando-se do respeito do dever de solicitude e do princípio da boa administração por parte do júri do concurso, cabe referir, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, pertence, em princípio, ao candidato a um concurso fornecer ao júri todas as informações e documentos que lhe permitam verificar se estão preenchidas as condições fixadas no respectivo aviso. Com efeito, um júri não está obrigado a proceder ele próprio a investigações para verificar se os candidatos satisfazem o conjunto das condições indicadas no aviso de concurso. É a estes últimos que compete fornecer ao júri todas as informações que consideram úteis para o exame da sua candidatura, a fortiori, se para tal são expressa e formalmente convidados (ver, nomeadamente, acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli/Tribunal de Justiça, 225/87, Colect., p. 2353).

35

Importa também salientar, em segundo lugar, que o recorrente não pode utilmente prevalecer-se das disposições do segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do estatuto para se subtrair a uma obrigação clara, precisa e incondicional fixada no aviso de concurso. Com efeito, nos termos destas disposições, os candidatos «podem ser convidados a fornecer todos os documentos ou informações complementares» no âmbito dos processos de concurso organizados pelas instituições. Daí resulta, claramente, que oferecem uma simples faculdade ao júri de solicitar aos candidatos informações complementares, quando se suscitam dúvidas a propósito de determinado documento apresentado, mas não podem, de modo algum, ser interpretadas como impondo uma obrigação de o júri solicitar aos candidatos funcionários o conjunto dos documentos requeridos no aviso de concurso. Além do mais, no caso vertente, era particularmente legítimo, por parte do júri, não lançar mão desta disposição quanto ao recorrente quando os candidatos eram 385, número que não pode ser entendido como restrito, contrariamente ao por ele sustentado.

36

Importa sublinhar, em terceiro lugar, que as informações erradas que teriam sido dadas ao recorrente pelo chefe do serviço «Estatuto e Gestão do Pessoal» no decurso de uma comunicação telefónica, a dá-las como provadas e por lamentável que seja, não eram de molde a dispensá-lo de uma leitura atenta das prescrições em questão do aviso de concurso, indicadas de modo claro, preciso e incondicional. Tal interpretação errada, admitindo que tenha sido efectivamente dada nos termos relatados pelo recorrente e pelo funcionário em questão do Parlamento Europeu, não pode vincular esta instituição, perante um aviso de concurso sem qualquer ambiguidade, sobretudo quando, por um lado, o funcionário do Parlamento Europeu que deu tal interpretação reconheceu, na carta de 8 de Junho de 1989, que tinha «alargado aos candidatos internos a um concurso externo o que só era válido para um concurso interno», e, por outro lado, o próprio recorrente, na carta de 13 de Junho de 1989 enviada ao presidente do júri, sustenta que os seus colegas candidatos internos no mesmo concurso obtiveram, por seu turno, informações exactas dos serviços competentes do Parlamento.

37

Em quarto lugar, o recorrente não pode invocar diferenças de tratamento no plano da remuneração e da nomeação entre candidatos funcionários e candidatos externos após a sua entrada em funções para tentar justificar uma diferença de tratamento aquando das modalidades de selecção dos candidatos no âmbito do mesmo processo de concurso geral. Tal discriminação nas modalidades de escolha dos candidatos funcionários e dos externos violaria, com efeito, o princípio da igualdade de todos os candidatos perante um mesmo processo de concurso.

38

Resulta do que vem dito que a administração do Parlamento Europeu e o júri do concurso não violaram o dever de solicitude e o respeito do princípio da boa administração a que estão obrigados face ao recorrente, que foi correctamente que o júri, na decisão de 17 de Maio de 1989, confirmada pela de 3 de Julho do mesmo ano, não admitiu a candidatura do recorrente a este concurso por este não ter juntado ao formulário do seu acto de candidatura qualquer documento comprovativo.

39

Nestas condições, os outros argumentos alegados pelo recorrente, a saber, o seu afastamento dos serviços do Parlamento Europeu devido ao lugar que ocupava em Paris, o facto de o seu superior hierárquico ser membro do júri do concurso e a circunstância da administração não poder ignorar que ele preenchia as condições exigidas não relevam e não podem justificar o seu próprio desconhecimento das disposições inequívocas do aviso do concurso PE/44/A.

40

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento, baseado numa violação do artigo 25. ° do estatuto, relativo à obrigação de fundamentação

41

Segundo o recorrente, a decisão do júri de 3 de Julho de 1989, que vem na sequência do seu pedido de 13 de Junho de 1989, está insuficientemente fundamentada e viola, por conseguinte, o artigo 25.° do estatuto ao não permitir, nem ao requerente nem ao Tribunal, apreciar os fundamentos, por um lado, da não admissão do recorrente ao concurso e, por outro, da recusa de o autorizar a apresentar os documentos exigidos. Apoia-se, a este propósito, no acórdão de 12 de Julho de 1989, Belardinelli (225/87, já citado), segundo o qual um júri de concurso com participação numerosa pode, numa primeira fase, só comunicar aos candidatos os critérios e o resultado da selecção, fornecendo ulteriormente explicações individuais aos candidatos que o solicitem expressamente. Além disso, nenhuma das duas cartas que o informavam da rejeição da sua candidatura lhe permitiu identificar os fundamentos precisos que lhe foram opostos e foi apenas nas alegações do Parlamento que o recorrente pôde tomar conhecimento da fundamentação destas duas decisões.

42

Segundo o Parlamento, a carta dirigida pelo recorrente ao presidente do júri em 13 de Junho de 1989 não visava obter explicações suplementares quanto ao indeferimento da sua candidatura mas apenas levar o júri a reexaminar esta última. O júri, considerando que as informações dadas pelo recorrente não eram de molde a modificar a sua decisão, confirmou simplesmente o conteúdo da sua carta de 24 de Maio de 1989, a qual tinha sido suficientemente fundamentada na acepção do artigo 25.° do estatuto. Tratando-se, pois, de acto meramente confirmativo não causador de prejuízo, não necessitava de fundamentação. Além disso, resulta perfeitamente claro das cartas do recorrente acima referidas, de 13 e de 30 de Junho de 1989, que este tinha perfeitamente conhecimento do facto de que a decisão do júri de recusar a sua admissão ao concurso se baseava na ausência de documentos comprovativos anexos ao seu acto de candidatura. Ora, esta fundamentação resulta claramente da carta enviada ao recorrente em 24 de Maio de 1989, após decisão do júri do concurso de 17 de Maio de 1989.

43

Cabe, antes de mais, lembrar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (acórdão de 1 de Junho de 1983, Seton e outros/Comissão, 36/81, 37/81 e 218/81, Recueil, p. 1789), a fundamentação dos actos susceptíveis de ofender interesses deve permitir ao funcionário em questão conhecer as razões de uma decisão tomada a seu respeito por forma que possa eventualmente usar dos meios de recurso necessários à defesa dos seus direitos e interesses. Além disso, tal como o Tribunal de Justiça julgou no acórdão Belardinelli, já citado, quando os pedidos dos candidatos excluídos de um concurso não pretendam obter explicações individuais suplementares, mas levar o júri a reexaminar a decisão de não os admitir ao concurso, tais pedidos não obrigam o júri a uma mais ampla fundamentação das suas decisões iniciais.

44

No caso vertente, resulta claramente dos autos que a carta dirigida ao recorrente pelo presidente do júri em 24 de Maio de 1989 lhe permitia conhecer as razões na base da recusa da sua admissão ao concurso. As cartas do recorrente de 13 e de 30 de Junho de 1989 confirmam, aliás, o conhecimento desses fundamentos, pois que, nomeadamente, admite não ter juntado, por erro, ao seu acto de candidatura os documentos comprovativos exigidos no aviso de concurso. Além do mais, estas duas cartas do recorrente constituem pedidos de que o júri reexamine a sua decisão de recusa de admissão ao concurso e não pedidos de explicação individual complementar. Por conseguinte, o júri não estava obrigado a fundamentar mais amplamente a sua decisão de 3 de Julho de 1989 e podia, pois, simplesmente indicar que confirmava a sua precedente decisão.

45

Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser igualmente rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado na violação, no aviso de concurso, do artigo 2. ° do anexo III do estatuto e do dever de solicitude

46

O recorrente sustenta que o aviso de concurso exclui a faculdade, para o júri, de pedir aos candidatos que forneçam os documentos e informações complementares e constitui, por conseguinte, uma violação do artigo 2.° do anexo III do estatuto, bem como do dever de solicitude.

47

Segundo o Parlamento, o segundo parágrafo do artigo 2° do anexo III do estatuto tem como objectivo permitir ao júri, em caso de dúvida, pedir documentos complementares aos candidatos, mas não pode, em caso algum, ser aplicado quando o candidato não apresentou qualquer documento comprovativo. Acrescenta que o dever de exigir dos candidatos a apresentação de diplomas e outros documentos comprovativos decorre do artigo 1.° do anexo III do estatuto que permite à entidade competente para proceder a nomeações estabelecer tais condições particulares, cujo respeito o júri deve garantir.

48

Deve, antes de mais, salientar-se que, como o Tribunal de Justiça já decidiu no acórdão de 8 de Março de 1988, Sergio e outros/Comissão (64/86, 71/86 a 73/86 e 78/86, Colect., p. 1399), o funcionario não pode, em apoio de um recurso interposto de uma decisão de não admissão a concurso, invocar fundamentos baseados na suposta irregularidade do aviso de concurso, quando não tenha impugnado em tempo útil as disposições do aviso que entenda lesivas dos seus interesses.

49

Resulta que, no caso vertente, o recorrente não pode impugnar a legalidade do aviso de concurso que não atacou nos prazos estabelecidos no estatuto.

50

Além do mais, e de qualquer modo, contrariamente ao que sustenta o recorrente, nenhuma disposição do aviso de concurso PE/44/A tem por finalidade ou efeito proibir ao júri usar da faculdade de recorrer ao segundo parágrafo do artigo 2.° do anexo III do estatuto.

51

O terceiro fundamento deve, portanto, ser desatendido. Por consequência, o recurso de J. L. Búrban não merece provimento.

Quanto às despesas

52

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, aplicável, mutatis mutandis, ao Tribunal de Primeira Instância, por força do artigo 11.°, terceiro parágrafo, da já citada decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o artigo 70.° do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (Quinta Secção)

decide:

 

1)

E negado provimento ao recurso.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas despesas.

 

Kirschner

Briët

Biancarelli

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 20 de Junho de 1990.

O secretário

H. Jung

O presidente

H. Kirschner


( *1 ) Língua do processo: francês.

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