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Document 61989TJ0110

    Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) de 12 de Julho de 1991.
    Giorgio Pincherle contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Funcionários - Cobertura social - Artigo 72.º do Estatuto - Disposições de execução - Reembolso das despesas médicas - Igualdade de tratamento.
    Processo T-110/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 II-00635

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:1991:44

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

    12 de Julho de 1991 ( *1 )

    No processo T-110/89,

    Giorgio Pincherle, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas, patrocinado por Giuseppe Marchesini, advogado inscrito na Corte di Cassazione della Repubblica Italiana, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 4, avenue Marie-Thérèse,

    recorrente,

    apoiado por

    Unione sindacale Euratom Ispra,

    Sindacato ricerca della Confederazione generale italiana del lavoro,

    Sindacato ricerca dell'Unione italiana del lavoro,

    Sindacato ricerca della Confederazione italiana sindacati liberi,

    organizações sindicais de direito italiano, representadas por Giuseppe Marchesini, advogado inserito na Corte di Cassazione della Repubblica Italiana, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 4, avenue Marie-Thérèse,

    intervenientes,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Sergio Fabro, membro do Serviço Jurídico, e posteriormente por Lucio Gussetti e Guido Berardis, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete deste último, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto obter a declaração de que os limites de reembolso fixados na regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias são ilegais, por violarem o princípio dos critérios de cobertura social inscritos no artigo 72.° do Estatuto dos Funcionários bem como o princípio da não discriminação que inspira o conjunto do título V do Estatuto, e anular diversas decisões relativas ao reembolso ao recorrente de despesas médicas feitas em Itália,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção),

    composto por: R. Schintgen, presidente de secção, D. A. O. Edward e R. García-Valdecasas, juízes,

    secretário: B. Pastor, administradora

    vistos os autos e após a audiência de 30 de Janeiro de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    Factos na origem do recurso

    1

    O recorrente, Giorgio Pincherle, é chefe da divisão «Estatuto» da Direcção-Geral IX, Pessoal e Administração, da Comissão das Comunidades Europeias. Na sua qualidade de funcionário da Comissão, G. Pincherle está inscrito no regime comum de seguro de doença dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regime comum»). Sua mulher e filhos beneficiam, na qualidade de segurados, da cobertura do mesmo regime. G. Pincherle está colocado em Bruxelas. Há já algum tempo os seus filhos continuam os estudos em Itália, e por esse facto sua mulher tem passado algum tempo nesse país. É por isso que, especialmente no que respeita aos membros da família, são efectuadas despesas médicas em Itália.

    2

    No ano de 1988, o recorrente apresentou ao serviço de liquidação de Bruxelas diversos pedidos de reembolso de despesas médicas efectuadas em Itália por prestações fornecidas aos membros da sua família. Em resposta, o recorrente recebeu três folhas de liquidação, datadas respectivamente de 8 de Junho de 1988, 10 de Agosto de 1988 e 23 de Agosto de 1988, do seguinte teor:

    a folha n.° 71, de 8 de Junho de 1988, respeita ao reembolso de despesas relativas a oito prestações médicas que foram pagas em liras italianas; em seis casos essas despesas foram reembolsadas à taxa de 85%; nos outros dois casos — duas consultas de médicos especialistas — foram reembolsadas no montante de 1072 BFR que era, na altura, o montante máximo reembolsável previsto no ponto I, consultas e visitas, do anexo I da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regulamentação de cobertura»). Nos dois últimos casos, o montante reembolsado representava, respectivamente, 63% e 38% das despesas efectivamente pagas;

    a folha n.° 72, de 10 de Agosto de 1988, respeita ao reembolso de despesas relativas a doze prestações médicas. Os honorários de oito delas foram pagos em liras italianas. Oito reembolsos foram efectuados à taxa de 85%; outro à taxa de 80%; duas consultas de médicos especialistas italianos foram reembolsadas no limite previsto pelo anexo I da regulamentação de cobertura, isto é, no montante de 1072 BFR, representando 29% das despesas efectuadas; por fim, uma visita efectuada ao domicílio por um médico especialista italiano foi reembolsada no limite previsto pelo anexo I, isto é, no montante de 1470 BFR, representando 43% das despesas efectuadas;

    a folha n.° 73, de 23 de Agosto de 1988, respeita ao reembolso de despesas no montante de 1500000 LIT, pagas por tratamentos dentários, e de 100000 LIT por material utilizado para esses tratamentos. O recorrente tinha apresentado um orçamento prévio, que fora autorizado pelo serviço de liquidação. Todavia, este tinha informado o recorrente de que o reembolso seria efectuado nos limites previstos na regulamentação de cobertura. Em aplicação do disposto no ponto XV, n.° 2, da referida regulamentação, o serviço de liquidação submeteu estas despesas a parecer do médico-assessor, que considerou excessivos os honorários relativos aos tratamentos dentários propriamente ditos e os reduziu para 850000 LIT. O recorrente obteve, para os referidos tratamentos dentários, um reembolso de 19203 BFR, ou seja, 79,73% do montante admitido de 850000 LIT e, para o material utilizado, um reembolso de 1866 BFR, ou seja, 66,55% do montante de 100000 LIT que tinha pago.

    3

    Por nota de 13 de Outubro de 1988, recebida em 19 de Outubro do mesmo ano, G. Pincherle apresentou uma reclamação das referidas folhas de liquidação, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), em que punha em evidência as já mencionadas percentagens de reembolso, cujos resultados considerava injustos e discriminatórios.

    4

    Em 23 de Fevereiro de 1989, o comité de gestão do regime comum, consultado pela administração nos termos do artigo 16.°, n.° 2, da regulamentação de cobertura emitiu o parecer n.° 1/89, relativo à reclamação de G. Pincherle, no qual entendia que se deviam confirmar as decisões tomadas pelo serviço de liquidação.

    Esse parecer foi transmitido a G. Pincherle, que não recebeu qualquer outra resposta da administração à sua reclamação.

    5

    Em 23 de Fevereiro de 1989, o comité de gestão emitiu também, com base nos artigos 18.°, n.° 6, e 30.° da regulamentação de cobertura, o parecer n.° 3/89, que tinha por objecto a revisão da referida regulamentação. Nesse parecer salientava que, devido a um desequilíbrio crescente entre as contribuições e despesas no regime comum, houvera um défice de exploração nos últimos exercícios e, tendo em conta as previsões, havia o risco de, no fim do exercício de 1991, o regime ter esgotado, em larga medida, os excedentes acumulados. Sublinhava a necessidade de prever o restabelecimento do equilíbrio entre contribuições e despesas e, para esse efeito, propunha, entre outras medidas, que se aumentasse a contribuição dos segurados de 1,35% para 1,80% e a das instituições de 2,70% para 3,60%. Ao mesmo tempo, sugeria diversas modificações da regulamentação de cobertura — em particular, a introdução, no anexo III, de dois pontos, A e B, relativos respectivamente aos tratamentos e às próteses dentárias, passando esse anexo a ter o título «Tabela para o reembolso de tratamentos e próteses dentárias» — bem como várias adaptações das disposições de interpretação da referida regulamentação:

    no que respeita às disposições de interpretação do anexo I («Normas para o reembolso de despesas médicas»), ponto I, alíneas 1) e 2), propunha que «os honorários devidos por estas prestações (consultas e visitas de médicos generalistas e especialistas), expressos em LIT, sejam tratados com base e no limite de um coeficiente 2»;

    no que respeita às disposições de interpretação do anexo III, ponto A, propunha que os honorários e prestações expressos em LIT fossem tratados com base e no limite de um coeficiente de 1,8 ou que se fixassem limites mais elevados para o reembolso dessas prestações.

    6

    Em 20 de Dezembro de 1990, o comité de gestão emitiu um novo parecer n.° 35/90, relativo à revisão da regulamentação de cobertura. Entendia que era necessário aumentar os montantes máximos de reembolso de determinadas prestações e que, na medida do possível, esses montantes deviam ser fixados de forma a que pelo menos 90 em 100 prestações médicas e hospitalares efectivamente prestadas aos inscritos e seus dependentes pudessem ser cobertas às taxas de 80%, ou 85%, previstas no artigo 72.° do Estatuto e na regulamentação de cobertura. Salientava que a taxa média de reembolso das prestações — com excepção daquelas para as quais a regulamentação prevê uma taxa de 100% — tinha sido em 1989: para o serviço de liquidação de Bruxelas, de 80,01%; para o do Luxemburgo, de 80,79%; para o de Ispra, de 72,73%. Era de opinião de que, para respeitar o princípio da igualdade de tratamento, as administrações das instituições deviam, na medida do necessário, adoptar, nos termos do artigo 8.° da regulamentação de cobertura, coeficientes para os países em que o custo dos cuidados médicos é particularmente elevado.

    A tramitação

    7

    Foi nestas condições que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 8 de Maio de 1989, G. Pincherle interpôs o presente recurso, que foi inscrito sob o número 161/89.

    8

    Nos termos do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988 que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, o Tribunal de Justiça, por despacho de 15 de Novembro de 1989, remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, onde foi registado sob o número T-l 10/89.

    9

    Por quatro despachos de 12 de Dezembro de 1989, o Tribunal admitiu a Unione sindacale Euratom Ispra, o Sindacato ricerca della Confederazione generale italiana del lavoro, o Sindacato ricerca dell'Unione italiana del lavoro e o Sindacato ricerca della Confederazione italiana sindacati liberi a intervir em apoio dos pedidos do recorrente. Os intervenientes apresentaram observações escritas na Secretaria do Tribunal em 23 de Fevereiro de 1990.

    10

    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    11

    A audiência efectuou-se em 30 de Janeiro de 1991. Os representantes das partes foram ouvidos em alegações e em resposta às perguntas formuladas pelo Tribunal. A recorrida apresentou o texto do parecer n.° 3/89 do comité de gestão e os intervenientes o texto do parecer n.° 35/90 do mesmo comité, ambos relativos à revisão da regulamentação de cobertura e acima mencionados.

    12

    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne :

    declarar ilegais os limites de reembolso fixados em anexo à regulamentação comum do regime de cobertura dos riscos de doença para as visitas, consultas médicas e tratamentos dentários — em relação às prestações fornecidas nos Estados em que as despesas são elevadas — por violarem o princípio e os critérios de segurança social estabelecidos no artigo 72.° do Estatuto, bem como o princípio da não discriminação que inspira todo o título V do Estatuto;

    anular as decisões nos termos das quais lhe foram reembolsadas as prestações controvertidas, tais como resultam das folhas n.° 72, de 10 de Agosto de 1988, e n.° 73, de 23 de Agosto de 1988, do serviço de liquidação;

    condenar a recorrida nas despesas.

    13

    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso;

    decidir quanto às despesas nos termos de direito.

    14

    Os intervenientes concluíram apoiando os pedidos do recorrente.

    Quanto ao mérito

    15

    Em apoio do recurso, o recorrente invoca dois fundamentos, por um lado, a violação do artigo 72.° do Estatuto e, por outro, a violação do princípio geral da não discriminação inerente, em sua opinião, às disposições do título V do Estatuto.

    16

    Antes de expor os argumentos expendidos pelas partes, importa recordar as disposições que constituem o enquadramento jurídico geral do presente litígio.

    17

    O artigo 72.°, n.° 1, do Estatuto prevê que o funcionário, o seu cônjuge, filhos e outras pessoas a seu cargo beneficiam de cobertura contra os riscos de doença até ao limite de 80% das despesas efectuadas e com base numa regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições das Comunidades. Essa percentagem é aumentada para 85% para as visitas e consultas médicas, as intervenções cirúrgicas, as despesas de hospitalização, a compra de produtos farmacêuticos, os exames de laboratório, as radiografias, as análises e as próteses por prescrição médica (com excepção das próteses dentárias).

    18

    Em aplicação do artigo 72.° do Estatuto, as instituições da Comunidade adoptaram a regulamentação relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias, já referida. O artigo 9.°, n.° 1, desta regulamentação dispõe que «os beneficiários do presente regime têm liberdade de escolha do médico e dos estabelecimentos de saúde». Esta regulamentação de cobertura fixa, no entanto, limites máximos para o reembolso de despesas médicas, constantes do anexo I, para as despesas médicas propriamente ditas, e do anexo III, para as próteses dentárias. Além disso, o n.° 3 do ponto XV, intitulado «Diversos», dispõe:

    «As despesas relativas aos tratamentos considerados, pelo serviço de liquidação, após parecer do médico-assessor, como não funcionais, excessivos ou não necessários, não dão direito a reembolso.

    As despesas consideradas excessivas pelo serviço de liquidação, após parecer do médico-assessor, não dão direito a reembolso.»

    19

    A regulamentação de cobertura foi objecto de uma revisão, com efeitos a 1 de Janeiro de 1991. O anexo III foi modificado em conformidade com as propostas do comité de gestão (ver supra, n.° 5). Além disso, as disposições de interpretação da regulamentação foram modificadas do seguinte modo :

    no que respeita às disposições de interpretação do anexo I, ponto I, alíneas 1) e 2), estas passam a dispor que:

    «os honorários devidos por estas prestações (consultas e visitas de médicos generalistas e médicos especialistas), expressos em liras italianas e libras esterlinas, serão tratados com base e no limite de um coeficiente 2 para efeitos da aplicação do n.° 1 do artigo 8.° da regulamentação».

    no que respeita às disposições de interpretação do anexo III, pontos A e B, estes passam a prever vários coeficientes correctores superiores para o reembolso dos tratamentos dentários e de determinadas próteses dentárias fixas cujos honorários e preços sejam expressos em liras italianas.

    Quanto ao primeiro fundamento relativo à violação do artigo 72.° do Estatuto

    20

    O recorrente não contesta que o artigo 72.° do Estatuto fixa o limite máximo de reembolso a que o funcionário e os membros da sua família que beneficiam da cobertura do regime comum têm direito, nem que o referido artigo 72.° confia à regulamentação de cobertura fixada de comum acordo pelas instituições da Comunidade a determinação das modalidades de aplicação. Contudo, é incontestável, em sua opinião, que a cobertura das despesas médicas deve pelo menos tender a garantir um reembolso de 80% ou 85% das despesas efectuadas, ainda que deva reconhecer-se que as disposições de execução devem fixar determinados critérios quantitativos.

    21

    Salienta que, apesar de a imputação aos segurados de uma parte modesta da despesa se impor progressivamente nos regimes nacionais, uma gestão do sistema que, na falta de prestações de assistência directa, comportasse taxas de reembolso muito afastadas da noção e da finalidade de «cobertura social» seria completamente ilegai.

    22

    Entende que as disposições gerais de execução do artigo 72.° do Estatuto, a saber, a regulamentação de cobertura e, no caso vertente, o seu anexo I, devem ser consideradas ilegais sempre que estabeleçam limites máximos de reembolso que, em concreto, se afastem muito das taxas de 80% e 85% consagradas pelo próprio artigo 72.° Para ele, é esse o caso dos reembolsos contestados no caso presente, que estão entre 29% e 66% das despesas efectuadas. Segundo o recorrente, tais resultados comprometem o próprio princípio de cobertura social inscrito no artigo 72.° do Estatuto.

    23

    A Comissão observa que o artigo 72.° do Estatuto não confere aos beneficiários do regime comum o direito de obterem um reembolso de 80% ou de 85% consoante o tipo de prestações efectuadas. Tais percentagens representam apenas o limite máximo reembolsável e não implicam, portanto, a obrigação de reembolsar nestas proporções, em todos os casos, os beneficiários e seus dependentes.

    24

    A Comissão acrescenta que o regime comum se baseia num sistema de reembolso de despesas médicas que só pode funcionar graças às contribuições dos segurados e que, portanto, dispõe de recursos limitados. Uma vez que o interesse geral dos segurados é o de obter o máximo reembolso possível das despesas médicas efectuadas, é necessário, para se atingir uma situação óptima, que sejam fixados limites pelo Estatuto e pela regulamentação aplicável.

    25

    O Tribunal entende que não se pode concluir dos termos do artigo 72.° do Estatuto que este atribui aos beneficiários do regime comum o direito de obterem um reembolso de 80% ou de 85% das despesas consoante o tipo de prestações efectuadas. Estas percentagens fixam apenas o limite máximo reembolsável. Não constituem taxas mínimas e não implicam, portanto, qualquer obrigação de reembolso dos beneficiários e seus dependentes numa percentagem de 80% ou de 85% em todos os casos.

    26

    O Tribunal entende que a fixação de limites máximos de reembolso através das disposições de aplicação é conforme ao Estatuto, tanto mais quando os recursos deste regime são limitados às contribuições dos inscritos e das instituições e o seu equilíbrio financeiro deve ser salvaguardado.

    27

    Quanto ao argumento do recorrente segundo o qual os limites máximos de reembolso fixados nas disposições de execução são ilegais na medida em que, como acontece com os reembolsos que impugna, estão muito afastados das taxas de 80% e 85% fixadas pelo artigo 72° do Estatuto, o Tribunal entende que, na falta de limites de reembolso estabelecidos pelo Estatuto, as instituições estão habilitadas a fixar limites adequados respeitando o princípio da cobertura social que inspira o artigo 72.° do Estatuto. No caso vertente, verifica-se que os reembolsos constantes das referidas folhas de liquidação n.os 71 e 72 foram efectuados na sua maioria — 15 casos em 20 — à taxa de 80% ou 85% e só um número limitado de reembolsos não atingiu esta percentagem. Relativamente à folha n.° 73, importa referir que foi respeitado o procedimento previsto na regulamentação de cobertura, e mais concretamente o ponto XV do seu anexo I, a propósito das despesas consideradas excessivas. As circunstâncias do caso vertente não permitem, pois, considerar ilegais nem injustos os limites fixados de comum acordo pelas instituições.

    28

    Acrescente-se que o recorrente e os intervenientes, na fase escrita, lembraram que o artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura prevê que:

    «sempre que as despesas declaradas se referirem a tratamentos prestados ao inscrito ou a uma pessoa segurada em função do inscrito num país onde o custo da assistência médica for particularmente elevado e a fracção das despesas não reembolsadas pelo regime imponha um pesado encargo ao inscrito, pode ser atribuído um reembolso especial com base no parecer do médico-assessor do serviço de liquidação competente que aprecia o custo dos tratamentos médicos, quer por decisão da autoridade investida do poder de nomeação da instituição a que pertence o interessado, quer por decisão do referido serviço de liquidação, se para tal tiver sido designado por essa autoridade».

    29

    Alegam que o referido artigo 8.°, n.° 1, que oferece uma possibilidade de obviar aos casos em que as despesas médicas efectuadas são particularmentente elevadas, é contudo neutralizado pelas disposições de interpretação da regulamentação de cobertura que, para lhe precisar o alcance, prevêem o seguinte:

    «O disposto neste número não se aplica, em princípio, aos países da Comunidade.

    A lista de países nos quais os custos da prestação de tratamentos são especialmente elevados, elaborada de comum acordo pelos responsáveis pela administração, é composta actualmente pelos seguintes países: EUA, Canadá, Chile, Uruguai, Japão e Venezuela.

    O reembolso das despesas médicas nos referidos países só será efectuado, no máximo, até ao dobro dos limites máximos de reembolso previstos nos anexos da regulamentação, sob proposta, se for caso disso, do serviço central e após parecer favorável do comité de gestão.

    Considerar-se-á que a condição do “pesado encargo” se encontra preenchida sempre que os montantes não reembolsados a título das “despesas declaradas” mencionadas no n.° 1 atingirem 60% das referidas despesas.

    Para efeitos de aplicação deste número, as “despesas declaradas” serão apreciadas prestação por prestação.»

    30

    A este propósito o Tribunal salienta que o artigo 8.°, n.° 5, da regulamentação de cobertura subordina qualquer reembolso especial a um pedido prévio, bem como ao respeito de um procedimento especial :

    «A decisão relativa a qualquer pedido de reembolso especial é tomada:

    quer pela autoridade investida do poder de nomeação da instituição de que depende o interessado, com base no parecer do serviço de liquidação emitido em conformidade com os critérios gerais adoptados pelo comité de gestão após consulta do conselho médico, relativos ao carácter eventualmente excessivo das despesas declaradas;

    quer pelo serviço de liquidação, com base nos mesmos critérios, se o referido serviço tiver sido designado para esse fim por essa autoridade.»

    No caso vertente, o recorrente nāo pediu, antes da interposição do presente recurso, para beneficiar do disposto no artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura. Ora, no âmbito de um recurso interposto nos termos do artigo 91.° do Estatuto, o Tribunal só é competente para fiscalizar a legalidade de um acto que causa prejuízo ao funcionário recorrente e não pode, na falta de uma medida de aplicação especial, pronunciar-se abstractamente sobre a legalidade de uma norma de carácter geral. Por conseguinte, no caso presente, na falta de uma decisão individual relativa à aplicação do artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura, o recorrente e os intervenientes não podem invocar a ilegalidade da referida disposição.

    31

    Todavia, o Tribunal considera oportuno salientar que, nem o texto do Estatuto nem o do artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura permitem deduzir que os países da Comunidade estão excluídos do âmbito de aplicação do disposto no referido artigo 8.°, n.° 1. O uso da expressão «em princípio» nas disposições de interpretação a esse respeito permite, de facto, alargar a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, também aos Estados-membros da Comunidade. Por outro lado, o Tribunal observa que as novas disposições de interpretação que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1991 tomam em conta a situação dos Estados-membros onde o custo dos tratamentos médicos é particularmente elevado. Tal como já foi indicado acima (ver n.° 19), elas estabeleceram, na verdade, para efeitos de aplicação do artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura, coeficientes correctores mais elevados para o reembolso de prestações de médicos cujos honorários são expressos em liras italianas e em libras esterlinas, e de prestações de dentistas cujos honorários são expressos em liras italianas. O artigo 8.°, n.° 1, da regulamentação de cobertura foi, assim, aplicado a Estados-membros da Comunidade.

    32

    Por fim, os intervenientes, referindo-se ao artigo 72.°, n.° 3, do Estatuto, que dispõe que a «entidade competente para proceder a nomeações, tendo em conta a situação familiar do interessado e com base na regulamentação prevista no n.° 1, atribui um reembolso especial, se o montante das despesas não reembolsadas durante um período de doze meses ultrapassar metade do vencimento-base do funcionário ou da pensão paga», sustentaram que este reembolso especial está sujeito a restrições de tal modo importantes tanto no artigo 8.°, n.° 2, da regulamentaçāo de cobertura como nas disposições de interpretaçāo que lhe dizem respeito, que o privam na prática de qualquer utilidade.

    33

    A este propósito, o Tribunal observa, como já fez anteriormente, que, de acordo com o artigo 8.°, n.° 5, da regulamentação de cobertura, qualquer reembolso especial, incluindo o previsto no artigo 72.°, n.° 3, do Estatuto, deve ser objecto de um pedido prévio e está dependente da observância de um procedimento especial, o que nāo se verificou no caso vertente. Por conseguinte, o argumento dos intervenientes relativo à ilegalidade das disposições de aplicação do artigo 72.°, n.° 3, do Estatuto — em especial do artigo 8.°, n.° 2, da regulamentação de cobertura — não pode, de qualquer modo, ser invocado para apoiar os pedidos do recorrente, uma vez que não diz respeito a uma ilegalidade que vicie as decisões impugnadas, e, por este facto, não pode ser acolhido no âmbito de um recurso interposto com base no artigo 91.° do Estatuto.

    34

    Por conseguinte, deve afastar-se o argumento baseado na violação do artigo 72.° do Estatuto.

    Quanto ao segundo argumento relativo à violação do princípio geral da não discriminação inerente às disposições do título V do Estatuto

    35

    O recorrente salienta que as disposições do título V do Estatuto, intitulado «Regime pecuniário e regalias sociais do funcionário», visam garantir aos funcionários das várias instituições remunerações e prestações de segurança social iguais, independentemente do local de colocação ou do local onde tenham de efectuar as despesas médicas.

    36

    Assim, entende que é evidente que os segurados que necessitam de cuidados médicos em Itália, onde as prestações médicas são mais onerosas, estão desfavorecidos em relação aos que, devido à colocação ou a uma residência diferente, podem receber as mesmas prestações segundo tarifas mais moderadas; o facto de os limites máximos de reembolso, válidos para todos os funcionários, se basearem em tarifas praticadas na Bélgica comporta uma diferença de tratamento a favor daqueles que, por razões de colocação ou de residência, podem beneficiar na Bélgica, ou noutros Estados-membros, de prestações médicas menos dispendiosas.

    37

    A recorrida reconhece que, nos últimos tempos, se verificaram em Itália e no Reino Unido aumentos consideráveis do custo de determinadas prestações médicas; acrescenta que foi precisamente por essa razão que o serviço central propôs ao comité de gestão do regime comum a introdução de mecanismos de correcção para algumas dessas prestações.

    38

    A recorrida sustenta que as instituições procuraram resolver este problema desde 1987 e que iniciaram nessa altura uma revisão profunda da regulamentação de cobertura. Contudo, essa revisão teve de passar por um determinado número de etapas e de processos institucionais previstos nas normas em vigor, que as instituições não podiam ignorar. Ao mesmo tempo, revelou-se necessário adoptar medidas financeiras adequadas, que permitiriam pôr fim ao défice de exploração que surgiu nos últimos exercícios e, sobretudo, fazer face ao aumento dos custos provocados pelas novas propostas de aumento dos coeficientes de correcção.

    39

    O Tribunal entende que perante uma situação de desigualdade que afecta os inscritos e os segurados que beneficiam da cobertura do regime comum, que em determinados Estados-membros da Comunidade suportam o custo de despesas médicas mais elevadas, as instituições tinham a obrigação de agir para obviar a tal situação. Há, por conseguinte, que definir a natureza e o alcance dessa obrigação, respondendo à questão de saber se a instituição recorrida tinha a obrigação de pôr imediatamente fim a essa desigualdade através de um aumento imediato dos reembolsos concedidos aos funcionários em questão ou, se, ao invés, a sua obrigação se limitava a uma concertação com as outras instituições para uma adequada revisão do sistema.

    40

    O Tribunal considera que a primeira solução não podia ser aceite no âmbito de um sistema cujos recursos se limitam às contribuições dos inscritos e das instituições e cujo equilíbrio financeiro deve ser necessariamente salvaguardado. Assim sendo, a tese do recorrente só poderia ser acolhida se se pudesse provar que as medidas adoptadas pela instituição recorrida foram tardias ou feridas de ilegalidade.

    41

    A este propósito, o Tribunal constata que o comité de gestão do regime comum, no parecer n.° 3/89 emitido em 23 de Fevereiro de 1989 (ver supra, n.° 5), propôs a introdução de mecanismos de correcção para determinadas prestações cujos honorários sejam expressos em liras italianas. Este parecer constituiu o resultado dos trabalhos iniciados pelo comité dois anos antes com vista à revisão da regulamentação de cobertura. Em 20 de Dezembro de 1990, o comité de gestão, no parecer n.° 35/90 (ver supra, n.o 6), propôs que, para se respeitar o princípio da igualdade de tratamento, as administrações das instituições adoptassem, na medida do necessário, coeficientes para os países onde os custos dos tratamentos médicos são particularmente elevados. Por último, a regulamentação de cobertura foi objecto, com efeitos a 1 de Janeiro de 1991, da revisão acima mencionada (ver supra, n.° 19). O Tribunal observa que, com a entrada em vigor da nova regulamentação de cobertura, foram introduzidas nas novas disposições de interpretação da referida regulamentação medidas especiais destinadas a assegurar a igualdade de tratamento de todos os inscritos e segurados que beneficiam da cobertura do regime comum, a fim de obviar ao problema constituído pela distorção existente entre os honorários praticados pelos médicos e dentistas nos diferentes locais de colocação ou de residência dos funcionários comunitários e membros da sua família.

    42

    Face a este conjunto de medidas cujo objectivo evidente é o de eliminar a desigualdade que afecta os inscritos e os segurados que, em alguns Estados-membros da Comunidade, suportam o custo de despesas médicas mais elevadas, entende o Tribunal que as instituições, e em especial a Comissão, actuaram com a diligência necessária para, no que respeita aos honorários dos médicos e dentistas, efectuar uma revisão da regulamentação em questão tendo em conta as exigências de reembolso nos diferentes Estados-membros da Comunidade, respeitando as fases e os procedimentos previstos pelas normas em vigor e adoptando as medidas financeiras adequadas para salvaguardar o equilíbrio do sistema.

    43

    Além disso, importa salientar que a modificação de uma regulamentação implica necessariamente a fixação de uma data para a sua entrada em vigor. O princípio da segurança jurídica exige que seja fixada com precisão a data em que a disposição entra em vigor. Dado que a nova regulamentação de cobertura entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1991, ela não pode, na falta de disposição em contrário, ser aplicada retroactivamente aos reembolsos efectuados antes dessa data. Assim sendo, o facto de casos análogos serem tratados de modo diferente, antes e depois da entrada em vigor da regulamentação revista, não pode ser considerado discriminatório.

    44

    De todas as considerações que precedem resulta que este argumento deve ser rejeitado.

    Quanto às despesas

    45

    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável mutatis mutandis ao processo no Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o houver requerido. No entanto, de acordo com o artigo 70.° do mesmo regulamento, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a seu cargo nos recursos dos agentes das Comunidades.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

    decide:

     

    1)

    Nega-se provimento ao recurso.

     

    2)

    Cada uma das partes suportará as suas despesas.

     

    Schintgen

    Edward

    García-Valdecasas

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Julho de 1991.

    O secretário

    H. Jung

    O presidente da Quarta Secção

    R. Schintgen


    ( *1 ) Lingua do processo: italiano.

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