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Document 61989TJ0064

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 10 de Julho de 1990.
Automec Srl contra Comissão das Comunidades Europeias.
Processo - Admissibilidade - Acto preparatório.
Processo T-64/89.

Colectânea de Jurisprudência 1990 II-00367

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1990:42

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

10 de Julho de 1990 ( *1 )

No processo T-64/89,

Automec Sri, com sede social em Lancenigo di Villorba (Itália), patrocinada pelos advogados Giuseppe Celona, do foro de Milão, e Piero M. Ferrari, do foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Georges Margue, 20, rue Philippe-II,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação respeitante a uma carta da Comissão de 30 de Novembro de 1988,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),

constituído pelos Srs. J. L. Cruz Vilaça, presidente, H. Kirschner, R. Schintgen, R. García-Valdecasas e K. Lenaerts, juízes,

secretário: H. Jung

vistos os autos e após a audiência de 6 de Março de 1990,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do recurso

1

A recorrente é uma sociedade italiana de responsabilidade limitada, com sede social em Lancenigo di Villorba (província de Treviso). Em 1960, celebrou com a BMW Italia SpA (a seguir designada «BMW Italia») um contrato de concessão para a distribuição de veículos automóveis BMW na cidade e província de Treviso. Por carta de 20 de Maio de 1983, a BMW Italia informou a recorrente da sua intenção de não renovar o contrato cujo termo ocorria em 31 de Dezembro de 1984. A recorrente demandou a BMW Italia no Tribunale de Milão com vista a obter a sua condenação no prosseguimento das suas relações contratuais. Tendo o Tribunale de Milão negado provimento ao pedido, a recorrente interpôs recurso para a Corte d'appello de Milão. Pelo seu lado, a BMW Italia intentou duas acções no Tribunale de Treviso com vista a impedir a recorrente de utilizar as marcas registadas pela BMW a fim de fazer publicidade a veículos de importação paralela. As duas acções da BMW Italia foram julgadas improcedentes.

2

Em 25 de Janeiro de 1988, a recorrente apresentou à Comissão um pedido nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 13, p. 204, em seguida designado «Regulamento n.° 17»). Em apoio deste pedido, expunha que o comportamento da BMW Italia e da sociedade-mãe alemã, BMW AG, constituía uma violação do artigo 85.° do Tratado CEE. O sistema de distribuição da BMW, aprovado, no que respeita à República Federal da Alemanha, pela Decisão 75/73/CEE da Comissão, de 13 de Dezembro de 1974, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (JO 1975, L 29, p. 1), é — segundo a recorrente — um sistema de distribuição selectiva. A recorrente, considerando que obedece aos critérios qualitativos exigidos, defende que a BMW Italia não tem o direito de lhe recusar o fornecimento de veículos e peças sobressalentes BMW nem de lhe impedir a utilização das marcas BMW. De acordo com o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1986, Metro/Comissão (75/84, Colect., p. 3021, nomeadamente p. 3091), a BMW Italia é, pelo contrário, obrigada a reconhecer a recorrente como distribuidora.

3

Considera, por consequência, que a BMW é obrigada:

a executar, aos preços e condições em vigor para os revendedores, as encomendas de veículos e de peças sobressalentes transmitidas pela recorrente;

a autorizar a utilização das marcas BMW à recorrente, nos limites necessários à informação normal do público e segundo as modalidades praticadas no sector automóvel.

4

A recorrente pediu, portanto, à Comissão que tomasse uma decisão ordenando à BMW Italia e à BMW AG que pusessem termo à infracção denunciada e se conformassem com as medidas acima indicadas e com todas as outras que a Comissão considerasse necessárias ou úteis.

5

Por carta de 1 de Setembro de 1988, a recorrente forneceu à Comissão informações complementares sobre o pretenso boicote efectuado pela BMW.

6

Em 30 de Novembro de 1988, a Comissão dirigiu uma carta registada à recorrente, assinada por J. Temple Lang, director na Direcção-Geral da Concorrência. O texto desta carta, recebido pela recorrente em 10 de Dezembro de 1988, era o seguinte :

«Com referência ao pedido em epígrafe, e bem assim aos diferentes contactos telefónicos entre os meus colaboradores Stöver e Locchi e o advogado dessa empresa, dr. Ferrari, lamento informar que a Comissão não tem competência para adoptar uma decisão neste processo, com base nas indicações que foram fornecidas e no sentido que essa empresa deseja.

A vossa sociedade refere-se ao contrato celebrado com a BMW Italia que entrou vigor no decurso do ano de 1960: este contrato foi rescindido pela BMW com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1984 e não foi contestado pela vossa parte que a BMW tenha agido com observância das cláusulas contratuais.

Todavia, com base no facto de a BMW ter instituído um sistema de distribuição selectiva em Itália, a vossa empresa pediu à Comissão que adopte uma decisão de proibição em relação a este construtor automóvel por infracção ao artigo 85.° do Tratado CEE, a fim de o obrigar a retomar as suas entregas à vossa empresa e a permitir-lhe o uso da marca BMW, como fez em relação a três outros concessionários da província de Treviso.

Em conclusão, creio entender que a vossa sociedade se queixa de, em virtude dos preços impostos e da obrigação de respeitar as condições impostas pela BMW em matéria de investimentos, publicidade e distribuição, condições que a vossa empresa respeitou regularmente e por inteiro, não lhe ter sido possível praticar uma política econòmica autònoma e suficientemente dinâmica para poder manter o volume de vendas ao nível exigido pela BMW.

Tal circunstância, embora possa ser tomada em consideração pelos juízes comuns nacionais para efeitos de se pronunciarem sobre os danos que a vossa empresa terá sofrido, não pode, em contrapartida, ser invocada pela Comissão para obrigar a BMW a retomar as entregas à vossa empresa.

Por outro lado, a regulamentação comunitária nesta matéria de concorrência, e no que se refere ao mercado automóvel, foi alterada a partir de 1 de Julho de 1985, em virtude da adopção do Regulamento (CEE) n.° 123/85. Os vários construtores automóveis europeus, ao que parece, alteraram os seus contratos de distribuição de forma a pô-los em conformidade com o regulamento. As informações disponíveis não permitem supor que a BMW Italia não tenha, pelo seu lado, tomado medidas com vista a tornar compatível a sua própria rede de distribuição com as normas comunitárias atrás citadas em matéria de concorrência.»

Tramitação processual

7

O presente recurso, que visa a anulação da decisão contida, na opinião da recorrente, na carta citada, foi interposto por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 17 de Fevereiro de 1989. A recorrente invoca sete argumentos em abono do seu pedido. Sustenta, em primeiro lugar, que a Comissão violou o artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 17 e, em segundo lugar, o artigo 155.° do Tratado CEE. Nos termos da sua própria comunicação 85/C 17/03 respeitante ao seu Regulamento (CEE) n.° 123/85 (JO C 17, p. 4), a Comissão deveria tratar o pedido «com toda a diligência desejável», em vez de «o arquivar rapidamente». A recorrente afirma, em terceiro lugar, que a Comissão violou o artigo 1.° do seu Regulamento (CEE) n.° 123/85, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição e serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16, em seguida designado «Regulamento n.° 123/85»), em virtude de este regulamento não ser aplicável ao sistema de distribuição selectiva praticado pela BMW. Em quarto lugar, a recorrente invoca uma insuficiência de fundamentação da decisão, a qual apenas se baseia em suposições no que respeita ao comportamento da BMW. Acrescenta, em quinto lugar, que a Comissão, que apenas parece «preocupada em não incomodar a BMW», cometeu um desvio de poder. Em sexto lugar, alega que, na hipótese de o Regulamento n.° 123/85 ser aplicável no caso dos autos, a Comissão deveria, em conformidade com o artigo 10.° do referido regulamento, excluir da sua aplicação o sistema de distribuição implementado pela BMW. A título subsidiário e em sétimo lugar, a recorrente põe em causa a validade do Regulamento n.° 123/85. Argumenta que, na medida em que a atitude da Comissão constitui uma consequência directa e inelutável deste regulamento, este está ferido de nulidade por ser contrário ao artigo 85.° do Tratado.

8

Posteriormente à apresentação deste recurso, a Comissão dirigiu à recorrente, em 26 de Julho de 1989, uma segunda carta registada, assinada desta vez pelo director-geral da concorrência, na qual explicava à recorrente que esta não tinha interpretado correctamente a carta precedente, de 30 de Novembro de 1988. Ao enviá-la, os serviços da Comissão não tinham tido a intenção de encerrar o dossier. Limitaram-se a exprimir a opinião de que o litígio que opunha a recorrente à BMW Italia era, antes de mais, da competência dos órgãos jurisdicionais italianos de direito comum. A carta não constituía, pois, uma tomada de posição definitiva da Comissão. A prova era que os serviços da Comissão não se tinham referido em nenhum lugar ao artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 127, p. 2268, em seguida designado «Regulamento n.° 99/63»).

9

Pela mesma carta de 26 de Julho de 1989, a Comissão informava formalmente a recorrente de que entendia não dever dar seguimento favorável ao pedido de 25 de Janeiro de 1988. Esta informação era comunicada «em cumprimento e para os fins» do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. A Comissão convidava a recorrente a apresentar as suas observações a este respeito no prazo de dois meses. Acrescentava que a sua nova carta eliminava os efeitos eventuais da carta precedente, de 30 de Novembro de 1988.

10

Em 27 de Julho de 1989, ou seja, um dia após ter enviado à recorrente a sua segunda carta registada, a Comissão suscitou uma questão prévia, nos termos do artigo 91.°, n.° 1, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, sem apresentar defesa quanto ao mérito. Pediu que fosse decidida a questão prévia antes da apreciação do mérito. Tendo a comunicação de 26 de Julho de 1989 implicado, na sua opinião, a extinção do objecto do litígio, considerava que a recorrente devia desistir do seu recurso. No caso de a recorrente manter o pedido, a Comissão pedia ao Tribunal que se abstivesse de julgar e decidisse sobre as despesas nos termos do artigo 69.°, n.° 5, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça.

11

A recorrente apresentou observações no sentido da improcedência da questão prévia. Não tendo a Comissão alterado a sua decisão de encerrar o processo, pensava que a nova comunicação não extinguira o objecto do recurso.

12

Paralelamente ao processo que corria no Tribunal de Justiça e nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, a recorrente apresentou à Comissão, por carta de 4 de Outubro de 1989, as suas observações acerca da comunicação de 26 de Julho de 1989. Esta carta continha alguns esclarecimentos sobre o objecto e o alcance do seu pedido.

13

Por despacho de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

14

Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu dar provimento ao pedido da Comissão no sentido de se apreciar a questão prévia antes da análise do mérito.

15

Foram ouvidas as alegações e as respostas dos representantes da recorrente e da Comissão às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 6 de Março de 1990.

16

Na audiência, o representante da Comissão requereu a junção aos autos, que foi deferida, de uma cópia de uma carta com data de 28 de Fevereiro de 1990 pela qual Sir Leon Brittan, vice-presidente da Comissão encarregado da concorrência, informou a recorrente, em nome da Comissão, de que esta tinha decidido indeferir o pedido apresentado em 25 de Janeiro de 1988. Os fundamentos invocados em apoio dessa decisão podem ser resumidos nos termos que seguem.

17

No que respeita ao primeiro ponto do pedido, que pretende que a Comissão notifique a BMW para retomar as suas entregas à recorrente e autorizá-la a usar a sua marca, a Comissão considera que não pode deferi-lo, porque não dispõe de competência para decretar essas injunções no caso de uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A Comissão observa que essas medidas podem, eventualmente, justificar-se no âmbito da aplicação do artigo 86.° do Tratado, mas que, no caso concreto, a recorrente não lhe forneceu qualquer indicação que permita verificar uma violação dessa disposição.

18

No que respeita ao segundo ponto do pedido, que pretende, mais geralmente, que a Comissão ordene à BMW Italia que ponha termo à infracção ao artigo 85.° de que é acusada pela recorrente, a Comissão chegou à conclusão de que não existe, no caso dos autos, um interesse comunitário suficiente para justificar o prosseguimento da análise do processo. Considera que a recorrente pode submeter a questão da conformidade do sistema de distribuição da BMW Italia com o artigo 85.° aos órgãos jurisdicionais nacionais a que já recorreu por causa da denúncia do contrato de concessão que no passado a ligava a esta empresa. Acrescenta que, diferentemente da Comissão, o órgão jurisdicional nacional pode eventualmente condenar a BMW Italia a reparar os danos que a recusa de venda possa ter causado à recorrente.

19

A recorrente contesta que esta carta constitua uma decisão nova e afirma que a mesma poderá ser examinada quando o presente processo chegar à discussão do mérito. Considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça lhe permite adaptar o seu pedido, a fim de pedir, tal como já tinha anunciado nas suas observações acerca da questão prévia, a anulação desta confirmação da decisão impugnada.

20

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne :

1)

julgar o recurso admissível;

2)

anular a decisão individual da Direcção da Concorrência de 30 de Novembro de 1988 e, na medida em que constitui premissa inelutável desta decisão, o Regulamento n.° 123/85;

3)

declarar que, nos termos do artigo 176.° do Tratado, a Comissão é obrigada a tomar as medidas que decorrem do acórdão proferido;

4)

condenar a Comissão na reparação dos danos;

5)

condenar a Comissão nas despesas.

21

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1)

declarar a inutilidade superveniente da lide, por extinção do objecto do litígio;

2)

decidir sobre as despesas nos termos do artigo 69.°, n.° 5, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça.

22

Na audiência, a Comissão acrescentou que, na hipótese de o Tribunal decidir aplicar o artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento Processual para julgar o recurso inadmissível, pede que a recorrente seja condenada nas despesas.

23

No que respeita à questão prévia suscitada pela Comissão, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne :

1)

indeferir o pedido apresentado pela parte contrária e prosseguir a apreciação do mérito;

2)

condenar a Comissão nas despesas relativas à questão prévia.

24

O presidente encerrou o debate sobre a questão prévia no termo da audiência.

Quanto à admissibilidade do pedido de anulação

25

A Comissão invoca dois fundamentos para justificar o pedido formulado na questão prévia. Por um lado, argumenta que a comunicação impugnada, isto é, a carta de 30 de Novembro de 1988, não pode ser considerada uma decisão da instituição. Por outro lado, afirma que as cartas de 26 de Julho de 1989 e de 28 de Fevereiro de 1990 fizeram desaparecer os efeitos da carta impugnada — se acaso esta carta produziu qualquer efeito juridicamente relevante — e que, por consequência, tiraram qualquer objecto ao recurso.

26

A fim de demonstrar que a carta de 30 de Novembro de 1988 não constitui uma tomada de posição definitiva, ou seja, uma decisão final da instituição, a Comissão refere-se ao conteúdo da carta, ao facto de ela não ter sido assinada pelo director-geral ou pelo membro da Comissão competente, mas por um director, e, principalmente, à ausência de qualquer referência ao artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. A Comissão sublinha que este artigo fixa expressamente o processo que a Comissão deve seguir quando considera não poder dar seguimento favorável a um pedido apresentado nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Diferentemente de uma carta escrita com base no artigo 6.°, atrás citado, a carta impugnada tinha como único objectivo, segundo a Comissão, dar conhecimento à recorrente duma primeira reacção dos seus serviços.

27

Na audiência, o representante da Comissão desenvolveu estes argumentos, acrescentando que a carta impugnada faz parte da correspondência que se desenvolve normalmente entre a Comissão e as empresas denunciantes antes de ser enviada a comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. Acrescentou que as empresas conhecem tão bem esta prática constante como as disposições do artigo 6.°, atrás citado. A Comissão considera que as empresas não podem por isso equivocar-se quanto ao caracter preliminar de uma tomada de posição que não tenha sido precedida do processo previsto pelo referido artigo 6.° Apesar de a Comissão reconhecer que a carta contém alguns termos susceptíveis de criar dúvidas quanto à natureza provisória do respectivo conteúdo, considera que o seu efeito é neutralizado por outras frases de caracter menos definitivo e que o texto, quando colocado no seu contexto, o qual deve ser definido com referência ao artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, não tem a aparência de uma decisão.

28

A Comissão considera, por outro lado, que a recorrente não demonstrou que a carta impugnada tivesse produzido efeitos directos e prejudiciais em relação a ela. Em particular, a recorrente não tem razão, na sua opinião, quando sustenta que a carta, na medida em que exprime a recusa da Comissão em tomar as medidas pedidas contra a BMW, a privou da sua principal fonte de rendimentos. Por um lado, a única recusa comunicada à recorrente é a que está contida na carta de 28 de Fevereiro de 1990. Por outro, não é a recusa de 28 de Fevereiro de 1990, mas a decisão da BMW de pôr fim às suas relações contratuais com a recorrente que pôde privá-la de uma fonte de rendimentos.

29

Na opinião da Comissão, só através da carta de 26 de Julho de 1989 é que o procedimento de rejeição da queixa foi iniciado. Essa carta, devidamente assinada pelo director-geral, constitui a comunicação preliminar prevista pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. A decisão definitiva de rejeitar a queixa só foi tomada pela carta de 28 de Fevereiro de 1990, assinada pelo membro da Comissão responsável pela concorrência.

30

Em apoio do seu segundo fundamento, a Comissão invoca dois acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em 5 de Outubro de 1988 e que se relacionam com direitos antidumping provisórios (Brother Industries/Comissão, 56/85, Colect., p. 5655; Technointorg/Comissão e Conselho, 294/86 e 77/87, Colect., p. 6077). A Comissão considera que a fundamentação seguida pelo Tribunal nestes dois processos, segundo a qual os efeitos jurídicos do acto provisório desaparecem quando este é substituído por um acto definitivo, deve aplicar-se, por maioria de razão, no caso dos autos.

31

Na audiencia, a Comissão sublinhou que foi com espírito de compromisso e de respeito rigoroso pelas regras do processo que pediu ao Tribunal para declarar a inutilidade superveniente da lide. Considera que teria podido suscitar liminarmente uma questão prévia de inadmissibilidade do recurso, por ser evidente que o acto impugnado não era definitivo. Absteve-se de o fazer para que o Tribunal pudesse repartir as despesas do processo, nos termos do n.° 5 do artigo 69.° do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, e para que se evitasse, desta forma, a condenação da recorrente nas despesas.

32

Só a título subsidiário é que a Comissão invocou, durante a audiência, a possibilidade de o Tribunal aplicar o n.° 2 do artigo 92.° do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça para julgar o recurso inadmissível, em virtude da natureza meramente preparatória do acto impugnado.

33

A recorrente considera que a carta impugnada constitui o indeferimento definitivo do seu pedido. Sustenta que nem a carta de 26 de Julho de 1989 nem a assinada pelo membro competente da Comissão em 28 de Fevereiro de 1990 implicam a extinção do objecto do litígio.

34

Respondendo ao primeiro argumento invocado pela Comissão, a recorrente sustenta que a Comissão exprimiu claramente, na carta de 30 de Novembro de 1988, que não queria sequer encarar a hipótese de a BMW ter infringido as regras de concorrência do Tratado.

35

Segundo a recorrente, o facto de a carta impugnada ter sido assinada por um director da Comissão não é suficiente para demonstrar que o signatário não tinha competência para tomar essa decisão na matéria e que, por essa razão, a carta não podia ser qualificada de acto impugnável. Em apoio desta tese, sustenta que é normal que a Comissão exerça os seus poderes por delegação e que o Tribunal de Justiça reconheceu esta prática. Remete a este respeito para o acórdão proferido pelo Tribunal em 19 de Janeiro de 1984, Erdini/Conselho (65/83, Recueil, p. 211), no qual o Tribunal reconheceu a admissibilidade de um recurso dirigido contra um acto que, em virtude da qualidade do seu autor, podia ser considerado pelo signatário como uma decisão da autoridade competente.

36

A recorrente observa, por outro lado, que, apesar de a violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 constituir um vício do acto que impugna, esta irregularidade não é suficientemente grave nem suficientemente evidente para que este acto possa ser qualificado de inexistente.

37

A recorrente considera que a questão de saber se a carta impugnada constituía um acto definitivo ou apenas «uma primeira reacção» da Comissão se insere na análise do mérito. Considera que o mesmo se passa no que respeita à outra questão que, na sua opinião, deve ser examinada, ou seja, se a Comissão podia ainda modificar a sua decisão de indeferir a queixa ou modificar a respectiva fundamentação, já que este acto tinha adquirido um carácter definitivo. A esse respeito, invoca a jurisprudência do Consiglio di Stato italiano, que dá resposta negativa a esta questão ao não admitir que a administração possa alterar ou completar a fundamentação de ura acto administrativo, salvo quando o faça num prazo curto e razoável que não dificulte um eventual recurso.

38

No que respeita ao segundo argumento invocado pela Comissão, a recorrente afirma que a carta de 26 de Julho de 1989, longe de fazer desaparecer a decisão em litígio ao abrir o processo tendente a verificar uma infracção por parte da BMW, apenas a confirmou, embora baseada em fundamentos diferentes. Segundo a recorrente, a carta de 28 de Fevereiro de 1990, assinada por Sir Leon Brittan, não constitui também uma nova decisão mas a confirmação da decisão impugnada.

39

Considera que esta carta é um facto novo que lhe permite, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, adaptar os seus pedidos e fundamentos, a fim de pedir a respectiva anulação no presente recurso. A recorrente acrescenta que seria contrário a uma boa administração da justiça e aos imperativos de economia processual obrigá-la a apresentar um novo recurso. Por outro lado, argumenta que a jurisprudência do Tribunal se opõe a que um acto puramente confirmativo seja, por si só, objecto de recurso. Na audiência, insistiu sobre estes argumentos.

40

Referindo-se à jurisprudência do Consiglio di Stato italiano nesta matéria, a recorrente sustenta que o objecto do litígio só teria desaparecido em virtude dos dois actos invocados pela Comissão se esta tivesse dado razão aos pedidos da recorrente. Considera que, no acórdão de 12 de Julho de 1988, Comissão/Conselho (383/87, Colect., p. 4051, e nomeadamente p. 4064), o Tribunal aplicou estes mesmos princípios.

41

Deve pôr-se em relevo que, nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 11.°, terceiro parágrafo, da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, atrás citada, o Tribunal pode em qualquer momento conhecer oficiosamente da falta de pressupostos processuais. A existência de um acto contra o qual é admissível recurso de anulação, em conformidade com o artigo 173.° do Tratado, é uma condição essencial de admissibilidade cuja falta foi suscitada oficiosamente, por diversas vezes, pelo Tribunal (despacho de 7 de Outubro de 1987, Brüggemann/CES, 248/86, Colect., p. 3963, e acórdão de 4 de Junho de 1986, Grupo das Direitas Europeias/Parlamento, 78/85, Colect., p. 1753, 1757).

42

Conforme resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constituem actos ou decisões recorríveis em recurso de anulação, na acepção do artigo 173.°, as medidas que produzam efeitos jurídicos obrigatórios que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste. Mais especialmente, quando se trate de actos ou decisões cuja elaboração se processa em várias fases, nomeadamente no termo de um processo interno, só constituem, em princípio, actos recorríveis as medidas que fixem definitivamente a posição da instituição no termo desse processo, excluindo as medidas transitórias cujo objectivo é preparar a decisão final (acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, 2651, n.os 8 e seguintes). Segue-se que o caracter preparatório do acto impugnado é um dos obstáculos à admissibilidade do recurso de anulação susceptíveis de apreciação oficiosa, como o Tribunal reconheceu no acórdão de 14 de Fevereiro de 1989, Bossi/Comissão (346/87, Colect., p. 303, e nomeadamente p. 332 e seguintes).

43

Para apreciar a natureza jurídica da carta impugnada, deve a mesma ser analisada no âmbito do processo de instrução das queixas apresentadas nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a que se refere o artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63.

44

Este processo aplica-se à queixa apresentada pela recorrente, não apenas na medida em que esta pretende que a Comissão tome uma decisão e obrigue a BMW a pôr termo às infracções que a recorrente lhe imputa, mas também na medida em que deve ser interpretada no sentido de que visa obter o termo da aplicação à rede de distribuição da BMW da isenção por categoria prevista pelo Regulamento n.° 123/85. E verdade que as disposições do Regulamento n.° 17, cujas regras de execução foram fixadas pelo Regulamento n.° 99/63, não visam expressamente essa decisão de exclusão. Contudo, o artigo 7° do Regulamento n.° 19/65/CEE do Conselho, de 2 de Março de 1965, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos e práticas concertadas (JO 36, p. 533), prevê que a exclusão da isenção por categoria se processe através de uma decisão individual da Comissão, em conformidade com os artigos 6.° e 8.° do Regulamento n.° 17. Ora, no processo que precede essas decisões, o artigo 19.° do Regulamento n.° 17 garante às empresas interessadas e a terceiros que provem um interesse suficiente a oportunidade de darem a conhecer o seu ponto de vista à Comissão. O artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 estabelece o processamento dessa audição.

45

Há que distinguir, no processo regido pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, três fases sucessivas. Durante a primeira destas fases, que se segue à apresentação da queixa, a Comissão recolhe, como se refere no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, os elementos que lhe permitirão apreciar o seguimento a dar à queixa. Esta fase pode compreender, designadamente, uma troca informal de pontos de vista e de informações entre a Comissão e a parte queixosa, com vista a precisar os elementos de facto e de direito que são objecto da queixa e dar oportunidade à queixosa de expor as suas alegações, sendo caso disso, à luz de uma primeira reacção dos serviços da Comissão. As observações preliminares emitidas pelos serviços da Comissão no âmbito destes contactos informais não podem ser qualificadas de actos recorríveis.

46

Segue-se, numa segunda fase, a comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, através da qual a Comissão indica à parte queixosa os fundamentos pelos quais não lhe parece justificado dar seguimento favorável à queixa e lhe dá oportunidade de apresentar, num prazo que fixa para esse efeito, as suas eventuais observações. Esta comunicação assemelha-se à comunicação das acusações prevista no artigo 2° do Regulamento n.° 99/63, que também resulta de uma análise preliminar dos elementos do processo, com base nos quais a Comissão dá um prazo às empresas destinatárias para manifestarem o seu ponto de vista. Dado o lugar que ocupa no processo, a comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 constitui, por isso, o equivalente da comunicação das acusações. Acrescente-se que a comunicação das acusações deve, de acordo com o acórdão do Tribunal de 11 de Novembro de 1981, IBM (60/81, atrás citado), garantir o respeito dos direitos da defesa, enquanto a comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 pretende salvaguardar os direitos processuais dos queixosos, os quais, contudo, não são tão extensos como os direitos de defesa das empresas contra as quais a Comissão dirige a sua investigação (acórdão de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, e nomeadamente p. 4573). Ora, resulta do acórdão do Tribunal de 11 de Novembro de 1981, IBM (60/81, atrás citado), que a comunicação das acusações não é uma decisão, mas apenas um acto processual preparatório em relação à decisão final. Se é esse o caso da comunicação das acusações, cuja importância jurídica é muito maior do que a da comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, resulta daí que esta última também não deve ser considerada uma decisão. Com efeito, um recurso de anulação dirigido contra essa comunicação poderia obrigar o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância, como no caso de um recurso dirigido contra a comunicação das acusações, a formular uma apreciação sobre questões relativamente às quais a Comissão ainda não teve ocasião de se pronunciar. Isso teria como consequência, como o Tribunal sublinhou no seu acórdão de 11 de Novembro de 1981, IBM (60/81, atrás citado), uma antecipação da discussão do mérito e uma confusão das diferentes fases dos processos administrativo e judicial, incompatível com os sistemas de recursos e de repartição de competências entre a Comissão e os órgãos jurisdicionais comunitários, ambos previstos pelo Tratado, e com os imperativos de uma boa administração da justiça e de uma tramitação regular do processo administrativo da Comissão.

47

Na terceira fase do processo, a Comissão toma conhecimento das observações apresentadas pela parte queixosa. Embora o artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 não preveja expressamente essa possibilidade, esta fase pode terminar por uma decisão final. O Tribunal de Justiça reconheceu em diversas ocasiões que a Comissão pode tomar a decisão definitiva de recusar a queixa e de encerrar o processo. Esta decisão definitiva é susceptível de recurso (acórdão de 11 de Outubro de 1983, Demo-Studio Schmidt/Comissão, 210/81, Recueil, p. 3045; acórdão de 28 de Março de 1985, CICCE/Comissão, 298/83, Recueil, p. 1105; acórdão de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487).

48

No caso dos autos, trata-se, pois, de determinar se a carta de 30 de Novembro de 1988 se integra na primeira ou na ùltima das fases do processo de instrução das queixas.

49

Para isso, convém analisar antes de mais o teor da carta impugnada. Resulta dessa análise que a mesma aborda duas questões. Em primeiro lugar, trata do pedido da recorrente, que pretende que a Comissão tome uma decisão obrigando a BMW a retomar os seus fornecimentos à recorrente e a permitir o uso por esta da marca BMW. A linguagem utilizada para exprimir a reacção da recorrida a esse pedido aproxima-se duma recusa definitiva de deferimento.

50

Com efeito, a carta declara antes de mais a incompetência da Comissão para tomar as medidas pedidas. É verdade que se esclarece que esta apreciação se baseia unicamente nos dados fornecidos pela recorrente. Contudo, pode considerar-se que a posição da Comissão quanto à sua incompetência resulta definitivamente de um exame destes dados à luz das disposições do direito da concorrência comunitário. Esta impressão de recusa definitiva pode ser reforçada pela afirmação segundo a qual, embora as alegações da recorrente possam ser tomadas em consideração pelo órgão jurisdicional nacional no âmbito de um litígio em que se peça a reparação do prejuízo pretensamente sofrido, as mesmas não podem, em contrapartida, ser invocadas pela Comissão para efeitos de obrigar a BMW a retomar os seus fornecimentos à recorrente. Esta afirmação podia ser interpretada pela recorrente como contendo uma apreciação definitiva, no plano jurídico, dos factos que ela levara ao conhecimento da Comissão em apoio do seu pedido no sentido de que a Comissão impusesse à BMW um comportamento específico a seu respeito.

51

Resulta, aliás, das declarações feitas pelo representante da Comissão no decurso da audiência não ser de excluir que estes propósitos reflectissem já a posição definitiva a este respeito dos serviços da Comissão, os quais não tiveram necessidade de pedir informações complementares.

52

A carta não contém, todavia, apenas as observações sobre o pedido de medidas específicas, mas trata também do segundo pedido, mais geral, da recorrente, no sentido de que a Comissão declare que a BMW viola o artigo 85.° do Tratado e lhe ordene que ponha termo à infracção. A exposição que a carta contém sobre esta segunda acusação, de caracter mais geral, não mostra que tenha havido já uma apreciação definitiva sobre este ponto. Limita-se a chamar brevemente a atenção da recorrente para a isenção por categoria entrada em vigor após a denúncia do contrato que a ligava à BMW e para a falta de informações susceptíveis de indicar a desconformidade, em relação a essa isenção, do sistema de distribuição da BMW. Em contrapartida, resulta da carta que a Comissão não tinha ainda procedido a uma apreciação jurídica deste sistema de distribuição nem do comportamento global da BMW a respeito da recorrente.

53

Assim, a carta impugnada contém, quer elementos susceptíveis de criar a impressão de uma tomada de posição definitiva, no que respeita à primeira questão, relativa à competência da Comissão para adoptar as medidas específicas pedidas pela recorrente, quer elementos de carácter provisório, respeitantes à segunda questão, relativa à fundamentação da acusação baseada numa violação do artigo 85.° do Tratado e ao seguimento a dar ao pedido mais geral da recorrente, de que sejam tomadas medidas adequadas para se pôr termo a essa infracção.

54

A justaposição desses elementos da carta demonstra que a Comissão não tinha ainda adoptado uma decisão sobre a queixa da recorrente. Com efeito, salvo no caso de uma decisão parcial, uma decisão não pode conter apreciações provisórias ao lado de apreciações definitivas. No caso dos autos, todavia, a Comissão não indicou que tivesse a intenção de separar o processo em duas partes e de encerrar uma delas imediatamente, o que permite excluir a hipótese de uma decisão parcial.

55

A análise do texto integral da carta mostra, por isso, que esta não constitui ainda uma resposta definitiva à queixa apresentada pela recorrente, mas que se inclui na primeira fase do processo de instrução das queixas, na qual se desenvolvem as trocas de pontos de vista preliminares. Isso resulta, em primeiro lugar, do próprio texto da carta, que, diferentemente das decisões que a Comissão adoptou a respeito de outras queixas, não contém qualquer declaração expressa que indique que a queixa é indeferida e que foi decidido encerrar o dossier (acórdãos Demo-Studio Schmidt, 210/81, atrás citado, nomeadamente p. 3049; CICCE, 298/83, atrás citado, nomeadamente p. 1121, e BAT e Reynolds, 142/84 e 156/84, atrás citado, nomeadamente p. 4503 e seguintes). Contrariamente ao que a recorrente sustentou durante a audiência, o primeiro parágrafo da carta impugnada não é equivalente a esse dispositivo. Com efeito, a linguagem aí utilizada é menos definitiva do que a empregada pela Comissão nas suas decisões atrás citadas.

56

O facto de a carta se integrar na primeira das três etapas do processo é confirmado pela circunstância de não ter fixado à recorrente o prazo previsto pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 para apresentar as suas observações.

57

No que respeita às decisões de indeferimento que se integram na terceira fase do processo, convém lembrar que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o seu conteúdo e os seus efeitos. Segundo essa jurisprudência, estas decisões sao caracterizadas pelo facto de porem fim à investigação iniciada^ comportam (eventualmente) uma apreciação dos acordos em causa e impedem o queixoso de exigir a reabertura do inquérito, a menos que forneça elementos novos (acórdão BAT e Reynolds, 142/84 e 156/84, atrás citado, nomeadamente p. 4571). Resulta do exposto que não era esse o conteúdo da carta impugnada, a qual não constitui ainda uma tomada de posição definitiva da Comissão. Por consequência, não se inclui no âmbito da terceira fase do processo.

58

Pelas razões expostas, o Tribunal declara que a carta de 30 de Novembro de 1988 constitui uma comunicação de observações preliminares que se integra na primeira fase do processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, é insusceptível de causar prejuízo aos direitos processuais da recorrente e, por isso, não pode ser considerada um acto recorrível.

59

Resulta daí que o argumento invocado, a título subsidiário, pela Comissão, pelo facto de a carta ter sido assinada por um director da Direcção-Geral da Concorrência e nao pelo director-geral ou pelo membro competente da Comissão, não tem qualquer influência para a solução do presente litígio.

60

O mesmo se passa com a argumentação contrária desenvolvida a este propósito pela recorrente, baseando-se, nomeadamente, no acórdão de 19 de Janeiro de 1984, Erdini/Conselho (65/83, atrás citado), no qual o Tribunal tinha julgado admissível um recurso de um funcionário que pedia a anulação de uma carta não emanada da AIPN competente. A esse propósito, convém, aliás, observar que, diferentemente desta carta, que tinha sido confirmada pela AIPN, a carta de 30 de Novembro de 1988 não foi reconhecida como uma decisão pela instituição recorrida.

61

Em apoio da sua tese, segundo a qual a carta de 30 de Novembro de 1988 é uma decisão recorrível, a recorrente invocou também a presunção de validade de que beneficiam, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os actos das instituições comunitárias. Segundo esta jurisprudência, os actos das instituições só podem ser qualificados de inexistentes quando são atingidos por vícios particularmente graves e evidentes (por exemplo, acórdão de 26 de Fevereiro de 1987, Consorzio cooperative d'Abruzzo/Comissāo, 15/85, Colect., p. 1005, nomeadamente p 1035; acórdão de 21 de Fevereiro de 1974, Kortner-Schots e outros/Conselho, Comissão e Parlamento, 15/73 a 33/73, 52/73, 53/73, 57/73 a 109/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, Recueil, p. 177, nomeadamente p. 191; acórdão de 12 de Julho de 1957, Algera e outros/Assembleia Comum, 7/56 e 3/57 a 7/57, Recueil, p. 81, nomeadamente p. 122). A recorrente considera que não é esse o caso da carta que impugna.

62

Convém esclarecer que esta jurisprudência do Tribunal se refere à questão de saber se os actos das instituições comunitárias que visam produzir efeitos jurídicos podem excepcionalmente ser considerados desprovidos de tais efeitos, por enfermarem de vícios particularmente graves e evidentes. Esta questão não se coloca no caso dos autos, dado que a carta impugnada não visa produzir efeitos jurídicos.

63

Em resposta a uma questão colocada durante a audiência pelo Tribunal, a recorrente argumentou ainda que foi por cautela que se considerou obrigada a apresentar um recurso contra a carta de 30 de Novembro de 1988. Sublinhou que devia ter em conta a possibilidade de a Comissão se abster de qualquer actividade posterior em resposta à sua queixa. Considerou que, nesta hipótese, a possibilidade de propor uma acção por omissão não teria garantido a protecção dos seus direitos, pois temia que a Comissão invocasse a inadmissibilidade dessa acção em virtude de a carta de 30 de Novembro de 1988 ser uma decisão e ter expirado o prazo para a impugnar.

64

No âmbito deste litígio, não há que examinar as possibilidades teóricas dessa acção. No que respeita ao presente recurso de anulação, convém pôr em relevo que a reacção da Comissão em resposta à queixa da recorrente foi ambígua e podia suscitar algumas dúvidas sobre a sua natureza jurídica. O Tribunal reconhece que a recorrente se encontrou numa situação de incerteza jurídica quanto à natureza decisória do acto praticado pela Comissão e, por consequência, quanto à via de recurso que lhe permitiria obter um controlo jurisdicional do comportamento adoptado pela Comissão. Contudo, a protecção dos seus direitos foi garantida pela possibilidade de submeter ao Tribunal a questão de saber se a comunicação que lhe foi dirigida era ou não uma decisão susceptível de recurso. Embora tal recurso deva ser julgado inadmissível na falta de uma decisão recorrível, o Tribunal, ao decidir sobre as despesas, deve ter em conta a incerteza jurídica em que a recorrente se encontrou.

65

O pedido de anulação, tal como foi apresentado na petição inicial, deve, pois, ser julgado inadmissível.

66

No decurso da fase escrita do processo, a recorrente declarou pretender modificar o pedido para, no àmbito do presente litígio, pedir a anulação da carta de 28 de Fevereiro de 1990, assinada pelo membro da Comissão responsável pela concorrência. Apoiava-se para este efeito na jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual um acto que substitui ou prorroga, durante o processo, o acto impugnado, deve ser considerado um elemento novo que permite à parte recorrente adaptar os seus pedidos e fundamentos (acórdão de 3 de Março de 1982, Alpha Steel/Comissão, 14/81, Recueil, p. 749, nomeadamente p. 763; acórdão de 24 de Setembro de 1987, Fabrique de fer de Charleroi e Diliinger Hüttenwerke/Comissão, 351/85 e 360/85, Colect., p. 3639, nomeadamente p. 3672; acórdão de 14 de Julho de 1988, Stahlwerke Peine-Salzgitter/Comissão, 103/85, Colect., p. 4131, nomeadamente p. 4149).

67

Na audiencia, a recorrente insistiu nestes argumentos. Contudo, não declarou expressamente fazer uso das possibilidades jurídicas que considerava à sua disposição nem adaptou os seus pedidos, como tinha anunciado, para pedir a anulação da decisão confirmativa contida — na sua opinião — na carta de 28 de Fevereiro de 1990. O Regulamento Processual não contém qualquer disposição que discipline a eventual alteração do pedido no decurso da instância. Exige, regra geral, que os pedidos sejam apresentados na petição inicial ou no memorando de defesa. O Tribunal acolheu, nos três processos invocados pela recorrente, pedidos alterados nos memorandos de réplica das recorrentes e, por isso, apresentados por escrito num documento processual. No presente processo, em que o acto susceptível de conduzir a uma eventual alteração do pedido da recorrente só foi adoptado alguns dias antes da audiência, não se pode exigir que tal modificação seja apresentada num memorando escrito. Uma declaração verbal para este efeito no decurso da audiência seria, pois, em princípio, suficiente. Contudo, convém sublinhar que são os pedidos — mesmo verbais — das partes que definem o objecto do litígio. Importa, por isso, que contenham expressamente e sem equívoco o que é que as partes pedem. Em especial, quando se trata de um recurso de anulação, convém que o acto cuja anulação é pedida seja claramente designado. Uma referência implícita não pode ser tomada em consideração pelo Tribunal, sob pena de decidir ultra petita. Isto aplica-se quer aos pedidos contidos nos memorandos das partes quer aos apresentados verbalmente durante a audiência. Não tendo a recorrente declarado durante a audiência pedir a partir daí a anulação de outro acto que não fosse o mencionado nos seus memorandos escritos, ou seja, a carta de 30 de Novembro de 1988, há que declarar que a mesma não alterou os seus pedidos no decurso da audiência.

68

Ainda que esta declaração seja suficiente para afastar qualquer dúvida quanto ao teor do pedido da recorrente, näo deixa de ter interesse observar também que, mesmo na hipótese de a recorrente ter modificado, no decurso da audiência, o seu pedido inicial, a jurisprudência a que se referiu a esse propósito não lhe permitiria, no caso concreto, alargar o objecto do litígio a um pedido de anulação da carta de 28 de Fevereiro de 1990. Com efeito, as regras expostas pelo Tribunal de Justiça a este propósito visam, por um lado, a situação na qual uma decisão individual, expressa ou tácita, foi substituída por outra, com o mesmo objecto (acórdãos de 3 de Março de 1982, Alpha Steel, 14/81, atrás citado, e de 14 de Julho de 1988, Stahlwerke Peine-Salzgitter, 103/85, atrás citado), e, por outro, a situação na qual uma disposição de direito derivado é prorrogada sem que seja alterado o princípio por ela enunciado, que constitui o essencial do objecto do litígio (acórdão de 24 de Setembro de 1987, Fabrique de fer de Charleroi e outros, 351/85 e 360/85, atrás citado). Estas hipóteses têm em comum o facto de se tratar de recursos dirigidos, desde o acto que inicia a instância, contra actos definitivos, que produzem efeitos jurídicos e contra os quais é admissível um recurso de anulação. A extensão do objecto do recurso admitido pelo Tribunal dizia respeito, pois, a actos cuja natureza e objecto essencial eram idênticos aos visados pelo acto pelo qual se inicia a instância.

69

No caso dos autos, contudo, a carta de 30 de Novembro de 1988 tem apenas um carácter provisório; não constitui um acto definitivo. Não produziu, por isso, efeitos jurídicos susceptíveis de serem substituídos ou prorrogados per uma decisão posterior. Resulta daí que um acto posterior, adoptado no decurso do processo, não pode ser considerado um elemento novo ao qual a recorrente poderia adaptar o seu pedido sem que o próprio objecto do litígio fosse alterado por esse motivo. Ora, o artigo 19.° do estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, aplicável aos processos perante o Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 46.°, primeiro parágrafo, do referido estatuto, e o artigo 38.° do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça opõem-se a essa alteração (acórdão de 25 de Setembro de 1979, Comissão/França, 232/78, Recueil, p. 2729, nomeadamente p. 2737).

70

Resulta daí que o Tribunal deveria julgar inadmissível o recurso de anulação interposto pela recorrente mesmo na hipótese de esta ter modificado o pedido, de forma a nele incluir a carta de 28 de Fevereiro de 1990.

71

Sendo o presente recurso inadmissível, não é necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se o recurso ficou sem objecto em virtude dos actos que a Comissão adoptou no decurso na instância. Com efeito, em conformidade com o acórdão proferido pelo Tribunal em 8 de Março de 1972, Nordgetreide//Comissão (42/71, Recueil, p. 105, nomeadamente p. 108), num processo em que a parte recorrida tinha pedido — como no caso dos autos — que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide, por extinção do objecto do litígio, basta que o Tribunal julgue o recurso inadmissível sem se pronunciar sobre a questão da inutilidade superveniente da lide.

Quanto à admissibilidade do pedido de indemnização

72

Fundamentando o seu pedido de indemnização por perdas e danos, a recorrente argumenta que o atraso da Comissão em decidir sobre a queixa e a sua recusa, no essencial, de a tomar em consideração constituem negligência e acarretam um prejuízo grave à recorrente, tendo em conta o facto de, durante todo o período em causa, ela ter pedido em vão à BMW para a abastecer de veículos e peças.

73

Segundo o artigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia e o artigo 38.°, n.° 1, alinea c), do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, a petição deve, designadamente, indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Para preencher estas exigências, uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o recorrente reprova à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que pretende ter sofrido, bem como a natureza e extensão deste prejuízo. Em contrapartida, um pedido de indemnização indeterminada carece da necessária precisão e deve, por isso, ser julgado inadmissível (acórdão de 2 de Dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Recueil, p. 975, nomeadamente p. 984).

74

Essa violação do artigo 19.° do estatuto e do artigo 38.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento Processual do Tribunal integra uma das situações de falta de pressupostos processuais de que o Tribunal pode oficialmente conhecer, em qualquer momento, nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do referido Regulamento Processual (acórdão de 14 de Dezembro de 1966, Alfieri/Parlamento, 3/66, Recueil, p. 633, nomeadamente p. 649).

75

Há que verificar que a recorrente não quantificou o montante do prejuízo que considera ter sofrido nem indicou elementos de facto que permitam apreciar a respectiva natureza e extensão. Limitou-se, nos seus articulados, a alegar, em termos abstractos e gerais, um «prejuízo grave» que lhe teria sido causado pelo facto de não ser abastecida pela BMW. Não forneceu qualquer indicação quanto ao volume de negócios que realizava na época em que as suas ligações contratuais com a BMW existiam ainda, nem quanto à incidência que teve a resolução do contrato de distribuição sobre as suas actividades comerciais, nem, especialmente, quanto à evolução do seu volume de negócios após a apresentação da sua queixa na Comissão.

76

É certo que o Tribunal de Justiça reconheceu que, em circunstâncias especiais, não é indispensável precisar na petição a extensão exacta do prejuízo e quantificar o montante da reparação pedida. No caso dos autos, contudo, a recorrente não provou, nem mesmo invocou, a existência de tais circunstâncias.

77

Resulta do exposto que o pedido de indemnização apresentado pela recorrente também é inadmissível. Todo o recurso deve, pois, ser julgado inadmissível.

Quanto às despesas

78

A Comissão tinha pedido, no decurso do processo escrito, que o Tribunal declarasse não haver matéria para decisão e repartisse as despesas nos termos do artigo 69.°, n.° 5, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça. Durante a audiência pediu, além disso, a título subsidiário e na hipótese de o Tribunal decidir julgar o recurso inadmissível nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do referido Regulamento Processual, que a recorrente fosse condenada nas despesas, em conformidade com o artigo 69.°, n.° 2. Tendo o recurso sido julgado inadmissível, deve analisar-se se o pedido da Comissão relativo à condenação da recorrente nas despesas pode ser acolhido.

79

Antes de mais, deve observar-se que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de a parte vencedora só ter pedido essa condenação na audiência não obsta a que o pedido seja acolhido (acórdão de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing Co./Conselho, 113/77, Recueil, p. 1185, nomeadamente p. 1210 e seguintes, e conclusões do advogado-geral J.-P. Warner nesse processo, nomeadamente p. 1274).

80

Por consequência, convém partir do princípio do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento Processual do Tribunal de Justiça, segundo o qual a parte vencida é condenada nas despesas. Contudo, nos termos do artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, o Tribunal pode, por motivos excepcionais, repartir as despesas na totalidade ou em parte. Há que pôr em relevo que a Comissão, pelo seu lado, contribuiu para o aparecimento do litígio, pela redacção ambígua da sua carta de 30 de Novembro de 1988. A recorrente, pelo seu lado, manteve o seu pedido de anulação depois de a Comissão ter clarificado a situação jurídica através da sua carta de 26 de Julho de 1989 e apresentou um pedido de indemnização inadmissível por razões estranhas ao comportamento da Comissão. Tendo em conta estas circunstâncias, deve condenar-se a Comissão a suportar as suas próprias despesas e metade das despesas da recorrente. A recorrente suportará a outra parte das suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

 

1)

O recurso é julgado inadmissível.

 

2)

A Comissão suportará as suas próprias despesas e metade das despesas da recorrente. A recorrente suportará a outra metade das suas próprias despesas.

 

Cruz Vilaça

Kirschner

Schintgen

Garcia-Valdecasas

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 10 de Julho de 1990.

O secretário

H.Jung

O presidente

J. L. Cruz Vilaça


( *1 ) Lingua do processo: italiano.

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