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Document 61989TJ0030

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 12 de Dezembro de 1991.
Hilti AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Pregos para pistolas de pregos - Mercado em causa - Posição dominante - Abuso - Responsabilidade resultante do fabrico de produtos - Coima.
Processo T-30/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 II-01439

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1991:70

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

12 de Dezembro de 1991 ( *1 )

No processo T-30/89,

Hilti AG, com sede social em Schaan, Liechtenstein, representada por Oliver Axster, advogado no foro de Düsseldorf, e por John Pheasant, solicitor, do escritório Loveli White Durrant de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado M. Loesch, 8, rue Zithe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Karen Banks, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistida por Nicolas Forwood, QC, advogado no foro da Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, funcionário nacional destacado junto do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Bauco (UK) Ltd., com sede social em Chessington, Reino Unido, representada por Clifford George Miller, solicitor, do escritório Simmons & Simmons de Londres, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 15, Côte d'Eich,

e por

Profix Distribution Ltd, com sede social em West Bromwich, Reino Unido, representada por Malcolm Titcomb, solicitor, do escritório Evershed Wells & Hind de Birmingham e, durante a audiência, por Paul Lasok, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Faltz & Associes, 6, rue Heine,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação da Decisão 88/138/CEE da Comissão, de 22 de Dezembro de 1987, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (W/30.787 e 31.488 — Eurofix-Bauco/Hilti — JO 1988, L 65, p. 19),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

composto por: A. Saggio, presidente, C. Yeraris, C. P. Briet, D. P. M. Barrington e B. Vesteŕdorf, juízes,

secretário: H. Jung,

visto os autos e após as audiências de 24 e 25 de Abril,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto na origem do litígio

1

Por petição entregue na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1988, Hilti AG (a seguir «Hilti») pediu a anulação da decisão da Comissão de 22 de Dezembro de 1987 (a seguir «decisão»), na qual a Comissão declarou, em primeiro lugar, que a recorrente ocupava na CEE uma posição dominante no mercado das pistolas de pregos, bem como dos pregos e das fitas de cartuchos próprios para essas pistolas e que tinha abusado dessa posição, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE, aplicando-lhe, em seguida, uma coima de seis milhões de ecus e, ordenando-lhe, finalmente, que pusesse termo aos abusos de que era acusada.

2

A Hilti, recorrente no presente processo, é o maior produtor europeu de pistolas de pregos e de pregos e de fitas de cartuchos FFAP (sistemas de fixação accionados a pólvora). A Hilti, com sede social no Liechtenstein, onde realiza as suas principais operações de fabrico, tem igualmente actividades de fabrico no Reino Unido e noutros países europeus.

3

As empresas Profix Distribution Ltd (anteriormente Eurofix e a seguir, consoante a natureza dos factos a que se faça referência, «Profix» ou «Eurofix») e Bauco (UK) Ltd (a seguir «Bauco»), cujas sedes sociais são no Reino Unido, produzem, entre outros produtos, pregos destinados a serem utilizados nas pistolas de pregos fabricadas pela recorrente. A Profix e a Bauco alegam que as práticas comerciais adoptadas pela recorrente durante o período em causa tinham como objectivo afastá-las do mercado dos pregos compatíveis com os aparelhos Hilti.

4

Por pedido apresentado em 7 de Outubro de 1982, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, p. 204; EE 08 Fl p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), a Eurofix queixou-se à Comissão de que a Hilti, através das suas filiais na CEE, adoptara uma estrategia comercial que tinha como objectivo afastá-la do mercado dos pregos compatíveis com os aparelhos Hilti. A Eurofix afirmava, basicamente, que a Hilti se recusava a fornecer fitas de cartuchos aos revendedores ou distribuidores independentes dos seus produtos, quando a encomenda não comportasse um complemento correspondente de pregos por si fabricados. A Eurofix acrescentava que, a fim de poder vender os seus pregos para pistolas de pregos Hilti, tentara obter directamente fitas de cartuchos; segundo afirma, a Hilti convenceu o seu revendedor independente nos Países Baixos a interromper os fornecimentos de fitas de cartuchos que a Eurofix anteriormente obtivera por este meio; finalmente, a Eurofix viu de novo ser-íhe recusado um fornecimento de fitas de cartuchos depois de se ter directamente dirigido à Hilti. A Eurofix informou, aliás, que pedira em vão à Hilti que lhe concedesse uma licença de patente e que, se posteriormente obteve uma licença obrigatória ao abrigo da legislação sobre patentes em vigor no Reino Unido; as respectivas condições foram estabelecidas pelo «Comptroller of Patents» (conservador de patentes). A este propòsito, a Hilti indicou à sociedade queixosa que considerava que tal licença não lhe conferia qualquer prerrogativa em termos de direitos de autor que ela própria afirmava deter no Reino Unido.

5

A Bauco apresentou à Comissão um pedido semelhante, denunciando uma violação do artigo 86.° do Tratado pela Hilti, e pedindo a adopção de medidas provisórias. No, pedido, formal datado de 26 de Fevereiro de 1985, a Bąuco declarou que a sua clientela não tinha possibilidade de comprar fitas de cartuchos Hilti sem complementos de pregos Hilti, de modo que a Bauco.tinha dificuldade em escoar os seus próprios pregos. Segundo afirmava, a Hilti recusou fornecer-lhe fitas de cartuchos e as tentativas que empreendeu para comprar, por intermédio de terceiros, fitas de cartuchos ao distribuidor independente da Hilti nos Países Baixos foram bloqueadas. Finalmente, a Hilti reduziu os descontos que fazia sobre os seus produtos aos clientes da Bauco pelo facto de eles comprarem pregos Bauco. Por outro lado, a Hilti recusou conceder à Bauco uma licença para fabricar ou importar fitas de cartuchos. Quando a Bauco decidiu fabricar ou importar tais fitas, a Hilti desencadeou um processo de medidas provisórias por contrafacção e violação do seu direito de autor. Na sequência deste processo, a Bauco foi obrigada a assinar, em 4 de Dezembro de 1984, um acordo pelo qual se comprometia a não vender, importar ou fabricar fitas de cartuchos cujo desenho reproduzisse àqueles sobre que a Hilti detinha um direito de autor ou que constituíssem uma contrafacção das patentes de que a Hilti era titular. A Bauco declarou ter pedido para beneficiar de uma licença obrigatória mas recear que, em virtude do direito de autor reivindicado pela Hilti, tal licença lhe fosse pouco útil. De qualquer modo, as condições da licença obrigatória deveriam em seguida ter sido estabelecidas pelo Comptroller of Patents.

6

Na sequência destas queixas, a Comissão pediu à Hilti algumas informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, e procedeu a verificações nas instalações de uma das suas filiais. Pensando ser provável que a Hilti detivesse uma posição dominante no mercado das pistolas de pregos e dos artefactos conexos destinados a essas pistolas e que a sociedade abusara dessa posição, a Comissão desencadeou um processo de infracção contra a Hilti. No âmbito desse processo, a Hilti assinou, em 27 de Agosto de 1985, um compromisso provisório no qual declarava que cessava as práticas de que a Comissão a acusava até que esta chegasse a uma conclusão no processo em curso.

7

Em 4 de Setembro de 1987, subscreveu um compromisso permanente nos seguintes termos:

«1.

Hilti AG, em seu nome e em nome das suas filiais inteiramente controladas na CEE, compromete-se de boa-fé:

a)

a dar cumprimento, de modo permanente, ao compromisso provisório assumido em 27 de Agosto de 1985 nos processos acima mencionados, ou seja, de não fazer depender na CEE, directa ou indirectamente, o fornecimento de fitas de cartuchos para fixação directa ao fornecimento de pregos para esse tipo de fixação e, consequentemente, de não subordinar as compras de fitas de cartuchos com às de outros produtos para o cálculo dos descontos;

b)

a pôr em prática, para os produtos de fixação directa, de um modo coerente com os compromissos contidos no ponto a) e sem prejuízo das três excepções mencionadas infra, uma política de descontos baseada em tabelas de descontos quantidade/valor exacto, orgânicas e transparentes, aplicadas de modo uniforme e não discriminatório.

As três excepções em causa são:

i)

resposta a uma oferta competitiva;

ii)

contratos negociados individualmente com clientes que, habitualmente ou em condições ou circunstâncias especiais, recusem negociar com a Hilti sem ser numa base contratual;

iii)

promoções especiais, designadas como tais;

em consequência da aplicação dessa política de descontos, evitar-sejam alguns tipos de descontos, incluindo os descontos de fidelidade e as reduções por lealdade;

c)

a não recusar o fornecimento, salvo motivos objectivamente válidos, de produtos de fixação directa a clientes existentes nem a limitar, ao dar satisfação a uma encomenda, a quantidade dos produtos de fixação directa a fornecer, e a prosseguir a elaboração de um relatório trimestral à Comissão sobre toda e qualquer recusa em fornecer produtos de fixação directa, indicando a razão dessa recusa;

d)

a renunciar a invocar, relativamente aos beneficiários presentes ou futuros de uma licença obrigatória sobre as patentes que detém no Reino Unido para as fitas de cartuchos, os seus direitos de autor no Reino Unido para as referidas fitas, bem como, desde que existam na CEE, os seus direitos correspondentes sobre os desenhos e modelos dessas fitas;

e)

a fornecer uma garantia para os seus aparelhos de fixação directa não só quando são utilizados com artefactos conexos de origem Hilti, mas também quando sejam utilizados artefactos não Hilti de qualidade equivalente;

f)

a pôr em prática um programa de cumprimento dö direito da concorrência específico para o grupo Hilti segundo a orientação aprovada pela Comissão no processo ‘National Panasonic’ e a informar a Comissão acerca das medidas adoptadas para aplicar esse programa.

2.

A Hilti AG compromete-se a fazer todos os esforços possíveis para encorajar os distribuidores independentes dos seus produtos de fixação directa na CEE a integrarem na sua própria política os compromissos mencionados no n.° 1 supra.

3.

A Hilti compromete-se a continuar a dar cumprimento aos compromissos referidos nos n. os 1 e 2 supra até que se conclua que ela não ocupa ou, devido a uma alteração das circunstâncias, deixou de ocupar uma posição dominante. Em qualquer dos casos, a Hilti compromete-se, antes de dar por concluída a aplicação de qualquer dos compromissos, a informar por escrito a Comissão.»

A decisão impugnada

Dispositivo

8

O dispositivo da decisão tem a seguinte redacção:

«Artigo 1. °

A aplicação pela Hilti AG contra os produtores independentes de pregos para as pistolas de pregos Hilti de normas de conduta destinadas quer a impedir o seu acesso ao mercado e a penetração no mesmo dos pregos compatíveis com a Hilti, quer a prejudicar directa ou indirectamente a sua actividade, ou ambos, constitui abuso de posição dominante nos termos do artigo 86.° do Tratado CEE. Os aspectos essenciais da referida actuação consistem em:

1)

subordinar a venda de pregos à venda de fitas de cartuchos;

2)

reduzir descontos e adoptar outras políticas discriminatórias quando a fitas de cartuchos eram compradas sem pregos;

3)

induzir os distribuidores independentes a não satisfazer certas encomendas para exportação;

4)

recusar-se a satisfazer inteiramente as encomendas de fitas de cartuchos a clientes ou representantes firmes que as poderiam revender;

5)

atrasar ou entravar as licenças legais compulsórias legitimamente à disposição sob patentes da Hilti;

6)

recusar-se, sem razões objectivas, a honrar as garantias;

7)

aplicar políticas selectivas e discriminatórias dirigidas contra a actividade tanto dos concorrentes como dos seus clientes;

8)

aplicar de forma unilateral e secreta uma política de descontos diferenciais para sociedades de aluguer de equipamentos e representantes apoiados e não apoiados no Reino Unido.

Artigo 2.°

E aplicada à Hilti AG uma coima de seis milhões de ecus pelas violações descritas no artigo 1.°...

Artigo 3.°

A Hilti AG porá imediatamente termo às infracções mencionadas no artigo 1.°, se ainda o não tiver feito. Para tanto, a Hilti AG abster-se-á.de repetir ou continuar qualquer dos actos ou comportamentos especificados no artigo 1.° e abster-se-á de adoptar quaisquer medidas que tenham um efeito semelhante.

Artigo 4.°

...».

Os produtos em causa

9

Na sua decisão, a Comissão descreveu os produtos em causa do modo a seguir referido, descrição essa que não foi contestada pela recorrente durante o processo administrativo nem ao longo do processo.

10

Por «pregos» devem entender-se todos os artefactos, pregos e outras peças de fixação disparados por pistolas de pregos. «Cartuchos» são os cartuchos de latão inseridos em fitas de cartuchos para pistolas de pregos semiautomáticas ou carregados individualmente em pistolas de pregos de disparo único. «Fitas de cartuchos» são as fitas ou contentores, de plástico no caso da Hilti, onde são inseridos os cartuchos de latão. Em princípio, a expressão «fita de cartucho» designa a fita com o seu carregamento de cartuchos. «Artefactos conexos» designa o conjunto dos pregos e das fitas de cartuchos. A expressão «sistema de fixação accionado a pólvora» significa o conjunto formado pelas pistolas de pregos, os pregos e as fitas de cartuchos.

11

Antes de aparecerem as pistolas de pregos, as fixações na indústria da construção eram efectuadas através de métodos relativamente morosos e dispendiosos em mão-de-obra, que exigiam um trabalho de perfuração antes da colocação adequada das cavilhas ou ganchos. Quando, em 1958, o Dr. Martin Hilti procedeu ao aperfeiçoamento de uma pistola de pregos, a sua invenção tornou-se rapidamente popular. O princípio de funcionamento é semelhante ao de uma arma: uma carga explosiva impulsiona um prego com grande força e precisão. Todavia, numa pistola de pregos, o prego e o cartucho estão totalmente separados. Hoje em dia, a maior parte das pistolas de pregos, incluindo as da Hilti, funcionam segundo o princípio do disparo indirecto: a carga explosiva impulsiona um pistão que por sua vez impulsiona o prego. A maior parte dos fabricantes de pistolas de pregos propõe uma gama de aparelhos para os diversos tipos de fixação, aparelhos esses em que se utilizam cargas explosivas de diferentes potências. Além disso, algumas pistolas de pregos dispõem de um mecanismo de regulação de potência. A utilização destes aparelhos permite geralmente proceder à fixação sem necessidade de previamente efectuar o demorado trabalho de perfuração e também sem qualquer período de preparação. Todavia, normalmente há que proceder a experiências de fixação no material de assentamento, a fim de determinar a possibilidade de uma fixação adequada e quais os artefactos conexos a utilizar. Além disso, como nem todas as fixações se revelam imediatamente inadequadas e é inevitável uma certa margem de insucesso, convém sempre fazer um certo número de fixações, não confiando apenas numa única. O número mínimo de fixações a fazer varia em função da carga e do material de assentamento.

12

Os pregos a utilizar diferem segundo o tipo de fixação pretendido e do material em que se efectua a fixação. As pistolas de pregos utilizam pregos especialmente fabricadas para o efeito, não podendo utilizar-se pregos comuns. A resistência do prego e as propriedades da ponta devem simultaneamente permitir a perfuração e a fixação requerida. Por razões técnicas, os pregos não podem ser fabricados em aço inoxidável e, por conseguinte, para evitar que a corrosão comprometa a eficiência da fixação, os pregos devem ser galvanizados. Os pregos devem ser adaptados às pistolas. Como algumas são de concepção semelhante, existe uma certa intermutabilidade entre diferentes marcas de pregos, que assim se ajustam a mais do que uma marca de pistolas. Os primeiros modelos de pistolas de pregos exigiam a inserção de um novo prego e de um novo cartucho após cada disparo. Os modelos mais recentes, designadamente os fabricados pela Hilti, permitem a utilização de uma fita com um certo número de cartuchos. A maior parte dás fitas de cartuchos têm a forma de uma fita ou disco de plástico (por vezes de metal) contendo normalmente dez cartuchos de latão. A fita alimenta automaticamente a pistola após cada disparo. No entanto, estas pistolas são apenas semi-automáticas, já que é necessário introduzir de cada vez um novo prego. As fitas são em geral fabricadas especificamente para cada marca de pistola de pregos e não são normalmente intermutáveis. Os cartuchos normais de latão são um produto mais normalizado.

13

As pistolas de pregos são utilizadas por grande número de profissionais da indústria de construção. O incremento das sociedades de locação de equipamentos, sobretudo no Reino Unido, tornou as pistolas de pregos acessíveis, em certa medida, aos particulares.

14

A gama das pistolas, dos pregos e das fitas de cartuchos fabricados pela Hilti está parcialmente protegida por patentes. Uma das últimas pistolas da Hilti, a DX 450, apresenta certas inovações relativamente aos modelos anteriores (DX 100 e DX 350, por exemplo) que foram patenteadas. A Hilti detém patentes para as suas pistolas em toda a Comunidade, cujos prazos expiraram ou expirarão, consoante o elemento alvo da patente e o país em causa, entre 1986 e 1996. Na CEE, a Hilti obteve igualmente patentes para certos pregos em todos os Estados-membros, com excepção da Dinamarca. Todas essas patentes expiraram em 1988. No entanto, a protecção de patente não impediu que certas empresas fabricassem uma gama de pregos com características aparentemente semelhantes para uso nas pistolas de pregos Hilti e nas pistolas de dois outros fabricantes. Os cartuchos de latão individuais utilizados antes do aparecimento das fitas de cartuchos para pistolas de pregos semiautomáticas não foram patenteados e podiam obter-se livremente junto de diversos fabricantes. Em contrapartida, as fitas de cartuchos de dez disparos concebidas pela Hilti para a pistola DX 350 foram patenteadas em todos os Estados-membros. Presentemente, são utilizadas noutros modelos, designadamente na DX 450. Tais patentes expiraram em 1983 na Grécia, em 1986 na Alemanha e em 1988 ou 1989 nos restantes Estados-membros.

15

No Reino Unido, a patente original concedida ao abrigo da lei de 1949 deveria normalmente ter-se extinguido ao fim de dezasseis anos, isto é, em Julho de 1984. A lei de 1977 sobre as patentes alargou o prazo de todas as novas ou antigas patentes a vinte anos, no intuito de harmonizar esses prazos com os das patentes existentes nos outros países da CEE. Por conseguinte, a patente relativa às fitas de cartuchos deveria ter-se extinguido em Julho de 1988. Todas as patentes cujo período de protecção foi prorrogado pela referida lei estão sujeitas, durante o período de prorrogação, a uma licença obrigatória. Na falta de acordo entre o concedente e o licenciado, o Comptroller of Patents, Designs and Trademarks (conservador de patentes, desenhos e modelos) do Reino Unido estabelece as condições da licença. Além da protecção conferida pelas patentes, a Hilti alega que no Reino Unido o desenho das suas fitas de cartuchos sem cartuchos é protegido pela legislação sobre direitos de autor em matéria de desenhos e modelos.

Apreciação jurídica feita pela Comissão na decisão

A — Comportamento da Hilti

16

No que respeita ao comportamento da Hilti, a Comissão alega que:

a Hilti adoptou a política de fornecer fitas de cartuchos a certos consumidores finais ou distribuidores (como as empresas de locação de equipamentos, por exemplo) apenas quando essas fitas eram encomendadas com o necessário complemento de pregos (subordinação da venda de fitas à venda de pregos) ;

a Hilti tentou igualmente bloquear a venda de pregos dos concorrentes através de uma redução dos descontos para as encomendas de cartuchos sem pregos. A justificação para essa redução dos descontos era essencialmente, segundo a Comissão, o facto de o cliente se abastecer junto de concorrentes da Hilti;

a recorrente exerceu pressões sobre os distribuidores independentes, especialmente nos Países Baixos, para que estes não satisfizessem certas encomendas de exportação, nomeadamente para o Reino Unido;

a Hilti adoptou a política de não fornecer cartuchos aos fabricantes independentes de pregos, designadamente às intervenientes;

a Hilti utilizou expedientes dilatórios na concessão de licenças de patente, que podiam ser obtidas no Reino Unido desde 1984 sob a forma de licenças obrigatórias e que foram objecto de pedidos das intervenientes, ao fixar os direitos a um nível de tal modo elevado que equivalia a uma recusa;

a recorrente reconheceu ter praticado uma política segundo a qual se recusava a fornecer fitas de cartuchos, mesmo a clientes de longa data, quando suspeitava que as fitas encomendadas se destinavam a ser revendidas a fabricantes independentes de pregos;

a recorrente reconheceu que se recusava a honrar a garantia sobre os seus aparelhos quando os pregos utilizados não eram de origem Hilti;

finalmente, a recorrente adoptou políticas selectivas ou discriminatórias contra os seus concorrentes e clientes, normalmente — ainda segundo a Comissão — sob a forma de reduções selectivas de preços ou de outras condições vantajosas.

B — Consequências económicas destes comportamentos

17

Segundo a decisão, esta política comercial da Hilti permitiu-lhe limitar a penetração no mercado de fabricantes independentes de pregos e de fitas de cartuchos que pretendessem vender artefactos conexos para as pistolas Hilti. A Hilti conseguiu impor preços muito diferentes nos mercados dos diferentes Estados-membros, tendo igualmente obtido margens de lucro brutas muito importantes sobre os seus diferentes produtos.

C — O mercado em causa

18

Segundo a decisão, os mercados em causa são:

a)

o das pistolas de pregos;

b)

o das fitas de cartuchos compatíveis com os aparelhos Hilti;

c)

o dos pregos compatíveis com esses aparelhos.

Conforme nela se afirma, tratam-se de mercados de produtos distintos, uma vez que, embora interdependentes, as pistolas, as fitas de cartuchos e os pregos respondem a condições de oferta e procura diferentes.

O próprio facto de existirem produtores independentes de pregos e de fitas que não fabricam pistolas demonstra, segundo a Comissão, que estes produtos respondem a condições de oferta diferentes. Além disso, alguns fabricantes de pistolas de pregos recorrem a fabricantes independentes de pregos e de fitas de cartuchos para lhes fornecerem pelo menos uma parte dos artefactos conexos de que necessitam. Alguns fabricantes independentes de pregos contam igualmente com produtores de pistolas entre a sua clientela. No campo da procura, a compra de uma pistola de pregos representa um investimento normalmente utilizado e amortizado ao longo de um período relativamente longo. Em contrapartida, as fitas e os pregos constituem para os utilizadores uma despesa corrente e são encomendados à medida das necessidades do momento. As pistolas e os artefactos conexos não são comprados conjuntamente.

Segundo a decisão, os aparelhos da Hilti não fazem.parte de um mercado dos sistemas de fixação em geral para o sector da construção, e isso pelas seguintes razoes:

do lado da oferta, a Comissão sublinha que os diversos tipos de equipamentos de fixação são geralmente produzidos graças a tecnologias totalmente distintas, em diferentes condições e por empresas diferentes;

do lado da procura, a Comissão considera que, fazendo os sistemas FFAP e outros métodos de fixação parte do mesmo mercado, qualquer pequeno mas significativo aumento (ou redução) do preço de uma pistola de pregos, de um prego ou de uma fita de cartuchos deveria provocar uma forte deslocação da procura a favor (ou em detrimento) de outro processo de fixação. Ora, para os produtos em causa, a elasticidade da procura relativamente aos preços dos diversos sistemas de fixação não poderia ser de molde a que tais sistemas fizessem parte do mesmo mercado. Efectivamente, apesar do comportamento da Hilti, não se observou qualquer deslocação deste tipo de procura. Os sistemas FFAP apresentam determinadas características que por vezes diferem radicalmente das de outros processos de fixação e que entram em linha de conta na escolha do sistema a utilizar para determinado trabalho numa determinada obra.

Dado o grande número de factores que podem determinar a escolha do processo de fixação a utilizar e a grande diversidade de características (económicas, jurídicas ou técnicas) entre os sistemas FFAP e outros processos de fixação, não se pode considerar que estas duas técnicas — ainda segundo á decisão — façam parte do mesmo mercado. A escolha do melhor processo de fixação a utilizar em cada caso efectua-se em função da aplicação específica prevista para determinado trabalho (tendo em conta todas as considerações técnicas, jurídicas e económicas que podem diferir precisamente em função das aplicações e das obras a efectuar).

O mercado geográfico em causa para as pistolas de pregos e para os artefactos conexos é, segundo a decisão, o conjunto da CEE, dado que, não existindo qualquer barreira artificial, estes produtos podem ser transportados sem excessivos encargos de transporte através do território comunitário.

D — Posição dominante

19

Com base na hipótese descrita supra relativamente aos mercados dos produtos em causa e das considerações que se vão seguir, a Comissão entende que a Hilti detém uma posição dominante nestes mercados. A decisão constata que a Hilti detém na CEE uma percentagem de vendas de pistolas de pregos da ordem dos 55 %. No que respeita às fitas de cartuchos e aos pregos em geral, a Comissão considera que a percentagem de vendas detida pela Hilti na CEE é pelo menos igual à percentagem das vendas de aparelhos. Segundo a decisão, as quotas da Hilti no mercado comunitário dos pregos e das fitas de cartuchos utilizáveis nos seus próprios aparelhos são superiores às que detém nos mercados dos pregos e das fitas de cartuchos em geral.

Ainda segundo a decisão, a Hilti desfruta de outras prerrogativas que contribuem para manter e reforçar a sua posição no mercado das pistolas de pregos. E designadamente o caso de certas inovações técnicas vantajosas protegidas por patente, de uma posição forte em matéria de investigação e desenvolvimento e de um sistema de distribuição sólido e bem organizado na CEE. A isto acresce, segundo a decisão, o facto de o comportamento comercial da Hilti testemunhar da sua capacidade de actuar independentemente, sem consideração pelos seus concorrentes e clientes nos mercados em causa.

Afirma-se na decisão que a Hilti abusou desta posição dominante ao adoptar todas as práticas nela descritas.

E — Justificação objectiva

20

Segundo a decisão, não existe qualquer justificação objectiva para o comportamento da Hilti. No que respeita às preocupações de segurança invocadas por esta última, a decisão sublinha que, se tal tivesse sido o caso, a Hilti deveria ter contactado as autoridades britânicas competentes pedindo-lhes para intervirem junto dos produtores independentes cujos produtos entendia que representavam um perigo. Assim, não se pode considerar que o comportamento da Hilti foi unicamente motivado por preocupações relativas à segurança e à fiabilidade das suas pistolas de pregos e à utilização de artefactos conexos de qualidade não satisfatória.

21

Aquando da adopção da decisão impugnada, a Comissão publicou, em 24 de Dezembro de 1987, um comunicado à imprensa que resumia a situação.

Desse comunicado constava, entre outras, a seguinte passagem: «Este comportamento traduz-se em graves violações das regras da concorrência, dado que tende ao afastamento de novos pequenos concorrentes do mercado e impede os utilizadores de escolherem os seus fornecedores. Representou uma tentativa de a Hilti reforçar a sua posição, já dominante, permitindo-lhe, de facto, praticar preços muito diferentes consoante os Estados-membros. Consequentemente, considerou-se adequado aplicar uma coima exemplar.»

Tramitação processual no Tribunal dè Justiça e no Tribunal de Primeira Instância

22

A primeira parte da fase escrita decorreu no Tribunal de Justiça, que remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, por despacho de 15 de Novembro de 1989, em aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 3.° e no artigo 14.° da decisão do Conselho de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

Por requerimentos apresentados respectivamente em 2 e 12 de Agosto de 1988, a Bauco e a Profix pediram para intervir no processo em apoio da posição da recorrida. Os requerimentos da Bauco e da Profix foram deferidos pelo Tribunal de Primeira Instância por despacho de 4 de Dezembro de 1989.

Por despacho de 4 de Abril de 1990 (Colect., p. II-163), o Tribunal de Primeira Instância deferiu um requerimento em que a recorrente solicitava tratamento eonfidencial, apresentado pela recorrente, relativamente à maior parte dos elementos de informação cuja confidencialidade fora solicitada.

As intervenientes, Bauco e Profix, apresentaram as suas alegações respectivamente em 18 e em 10 de Setembro de 1990. A Comissão e a Hilti apresentaram observações sobre as alegações das intervenientes respectivamente em 23 de Outubro e em 13 de Novembro de 1990.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

Pedidos das partes

23

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão;

suprimir a coima;

caso a decisão seja mantida no todo ou em parte, reduzir essa coima a zero;

condenar a recorrida nas despesas.

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

A Bauco (UK) Ltd, interveniente em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente a suportar as despesas a que a intervenção dê lugar.

A Profix Distribution Ltd, interveniente em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne :

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente a suportar as despesas a que a intervenção dê lugar.

Quanto a algumas questões preliminares

Argumentos das partes

24

Além dos fundamentos em que expõe as razões por que entende que deveria ser negado provimento ao recurso, a recorrida levantou a questão de saber se alguns dos argumentos apresentados pela recorrente na petição não serão susceptíveis de ser julgados inadmissíveis uma vez que — segundo a Comissão — se reportam a matéria que a Hilti expressamente admitiu ao longo do processo administrativo ou que nem sequer submeteu à Comissão durante esse mesmo processo.

25

A recorrida apresenta esta questão nos seguintes termos: «Quem recorre de uma decisão da Comissão, nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE, numa questão de concorrência, terá o direito de suscitar perante o Tribunal de Justiça questões e argumentos não apresentados ao longo do processo administrativo ou de invocar matéria de facto ou de direito que já admitira durante o referido processo?»

26

Segundo a Comissão, a matéria anteriormente admitida e os novos argumentos avançados pela recorrente reportam-se aos seguintes elementos:

1)

questão de saber, na hipótese de a Hilti ter ocupado uma posição dominante, se algumas das suas práticas constituem ou não abusos na acepção do artigo 86.° do Tratado;

2)

questão de saber se as práticas cuja existência a Hilti reconheceu afectaram o comércio entre os Estados-membros na acepção do artigo 86.°;

3)

definição do mercado geográfico em causa.

27

A este propósito, a Comissão remete, em primeiro lugar, para a resposta da Hilti à notificação das acusações, assim redigida:

«Na hipótese de a Hilti ter ocupado uma posição dominante no mercado — hipótese que apenas se admite para efeitos da discussão — a Hilti não nega ter violado o artigo 86.° do Tratado CEE ao adoptar algumas das práticas comerciais de que é acusada.

A Hilti reconhece designadamente que (na referida hipótese) violou o artigo 86.° do Tratado CEE devido às seguintes práticas :

recusa da Hilti GB, em certos casos isolados, em fornecer aos seus clientes fitas de cartuchos não acompanhadas de pregos;

concessão pela Hilti GB, como política geral, de descontos especiais na compra de fitas e de pregos...;

recusa da Hilti GB em fornecer aos seus clientes fitas apropriadas para a Eurofix ou a Bauco;

pedido que a Hilti fez em Novembro de 1991 aos seus distribuidores exclusivos independentes na Comunidade para não fornecerem aos clientes britânicos fitas destinadas à Eurofix;

discriminação praticada pela Hilti GB entre locadores de ferramentas e outros comerciantes ‘privilegiados’ e ‘não privilegiados’ com base em critérios que não eram suficientemente objectivos nem uniformemente aplicados e que não eram comunicados aos clientes em questão;

recusa da Hilti em honrar a garantia dada aos seus aparelhos quando estes tivessem sido utilizados com artefactos conexos que não fossem por si fabricados;

diferenciação feita pela Hilti entre clientes que, na prática, nem sempre eram tratados em conformidade com os critérios objectivos da Hilti em matéria de bónus, aplicados nos diferentes Estados-membros.

...

A Hilti admite que a razão que esteve na base das infracções supramencionadas, isto é, assegurar de forma durável a segurança e a fiabilidade dos seus sistemas DX, não constitui justificação suficiente (à luz do direito comunitário da concorrência) para estas práticas, uma vez que não eram as menos restritivas possíveis para alcançar o objectivo desejado.»

28

Segundo a Comissão, a Hilti nega, na petição, ter-se considerado culpada de um abuso de posição dominante, o que constitui um recuo relativamente aos elementos acima descritos e que foram anteriormente admitidos pela Hilti.

29

No que respeita à segunda questão — susceptibilidade de o comércio entre os Estados-membros ser afectado —, a Comissão declara que a Hilti não contestou, durante o processo administrativo, as suas afirmações sobre este problema. Segundo a Comissão, ao reconhecer que, na hipótese de ter ocupado uma posição dominante, teria violado o artigo 86.° do Tratado, é forçoso concluir que a Hilti admitiu que o seu comportamento afectava, pelo menos potencialmente, o comércio entre os Estados-membros.

30

Quanto à terceira questão — determinação do mercado geográfico —, a Comissão assinala que a Hilti não contestou, durante o processo administrativo, que o mercado geográfico em causa fosse, como o afirmaram os serviços da Comissão, o conjunto da Comunidade.

31

A Comissão considera que a recorrente não deve ser autorizada a apresentar no seu recurso, interposto ao abrigo do artigo 173.° do Tratado, argumentos quanto ao mérito da causa que não invocara durante o processo administrativo que conduziu à adopção da decisão impugnada. Segundo a Comissão, o mesmo se passa, a fortiori, com os factos que a recorrente expressamente admitiu ao longo da referida fase e em relação aos quais procura agora recuar. A Comissão remete, a este propósito, para as conclusões do advogado-geral Warner no processo Distillers Company/Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, 30/78, Recueil, p. 2291), bem como para o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1988, França/Comissão (102/87, Colect., p. 4067).

32

A recorrente responde a esta questão na réplica, afirmando que «para afastar todas as dúvidas, confirma o que admitiu na resposta à notificação das acusações.»

33

Todavia, segundo a recorrente, os efeitos das suas práticas, que efectivamente se limitaram às intervenientes no presente processo, não podem ter constituído um abuso, uma vez que se justificavam objectivamente por considerações de segurança. A recorrente sublinha, além disto, que a Comissão não forneceu qualquer prova de que as práticas adoptadas em relação às intervenientes tenham tido efeitos mais amplos. Reconhece, porém, que tais práticas eram susceptíveis de produzir outros efeitos e, por esta razão, não constituíam o meio menos restritivo de dar satisfação ao dever de diligência que lhe incumbia na sua qualidade de fabricante.

Apreciação jurídica

34

Para este Tribunal, a argumentação da Comissão divide-se em duas partes, a primeira incidindo sobre a questão de saber se alguns dos argumentos apresentados pela recorrente não deveriam ser julgados inadmissíveis, dado porem em causa factos cuja exactidão a Hilti já tinha expressamente reconhecido durante o processo administrativo, a segunda sobre a questão de saber se outros argumentos invocados pela recorrente não deveriam igualmente ser julgados inadmissíveis pelo facto de a Hilti os não ter apresentado durante o referido processo.

35

Quanto à primeira parte da argumentação da Comissão, sublinhe-se que durante as fases escrita e oral do presente processo, quer no Tribunal de Justiça, quer no Tribunal de Primeira Instância, a recorrente confirmou expressamente as confissões feitas durante o processo administrativo. Esta parte da argumentação da Comissão não tem, portanto, objecto. Neste contexto, impõe-se, porém, sublinhar que ao longo do referido processo a Hilti não reconheceu expressamente a justeza das alegações da Comissão quanto à questão de saber se o seu comportamento terá afectado o comércio entre os Estados-membros nem quanto à definição do mercado geográfico em causa. O facto de a Hilti ter reconhecido que «violou o artigo 86.°» na hipótese de ter beneficiado de uma posição dominante no mercado, sem se pronunciar sobre os problemas inerentes à definição do mercado geográfico e aos efeitos do seu comportamento no comércio entre os Estados-membros não pode ser interpretado como um reconhecimento implícito da exactidão das afirmações produzidas a este propósito pela Comissão e não pode, assim, vinculá-la relativamente ao posterior exercício dos seus direitos da defesa.

36

No que respeita à segunda parte da argumentação da Comissão, recorde-se que o Regulamento n.° 17, acima citado, e o Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n. os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir «Regulamento n.° 99») enumeram, entre outros, os direitos e os deveres das empresas no âmbito do processo administrativo previsto pelo direito comunitário da concorrência. O n.° 1 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 dispõe, assim, que «antes de tomar as decisões previstas nos artigos... a Comissão dará às empresas e associações de empresas interessadas a oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações por ela formuladas.» Nos termos do n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 99, a Comissão, ao comunicar as acusações, fixará o prazo «em que as empresas e associações de empresas podem pronunciar-se.»

37

Quanto ao alcance destas disposições, há que ter presente que, mesmo conjugadas com o n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 99, que dispõe que as «empresas e associações de empresas apresentarão por escrito, no prazo fixado, os seus pontos de vista sobre as acusações que lhes tenham sido feitas», não podem ser interpretadas no sentido de que a empresa em causa é obrigada a responder à notificação das acusações que lhe é feita.

38

Esclareça-se igualmente que nenhum destes regulamentos, nem qualquer princípio geral de direito comunitário obriga as empresas interessadas a algo mais do que a fornecer à Comissão esclarecimentos factuais, sob a forma de informações ou de documentação, que lhes tenham sido pedidos ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Embora seja certo que. ambos os regulamentos parecem basear-se numa presunção de cooperação por parte das empresas, cooperação essa que é desejável do ponto de vista do respeito pelo direito da concorrência, a verdade é que, na falta de uma base legal expressa, não se pode concluir pela existência de uma obrigação de resposta à notificação das acusações. Acrescente-se que tal dever, pelo menos na falta de uma basé legal, seria difícil de conciliar com o princípio fundamental de direito comunitário que é o do respeito pelos direitos da defesa. A tese da Comissão traduzir-se-ia, na prática, em dificultar a uma empresa — que, por qualquer razão, não tivesse respondido à notificação das acusações — a interposição de recurso para o juiz comunitário.

39

Daqui decorre que há que negar provimento à segunda parte da argumentação apresentada pela recorrida.

40

Sendo a argumentação da recorrida indeferida, impõe-se sublinhar que a Hilti contesta formalmente ter violado o artigo 86.° do Tratado ao adoptar uma prática consistente em atrasar a atribuição de licenças obrigatórias que podem ser legalmente obtidas a partir das patentes Hilti e ao praticar políticas selectivas ou discriminatórias em prejuízo dos seus concorrentes e dos seus clientes (artigo 1.°, n. os 5 e 7, do dispositivo da decisão impugnada).

Mérito da causa

41

Em apoio dos seus pedidos, a recorrente apresenta quatro fundamentos: em primeiro lugar, violação pela Comissão do seu dever de fazer prova suficiente dos factos e apreciações em que se baseou; em segundo lugar, violação do artigo 86.° do Tratado; em terceiro lugar, violação do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, uma vez que, em qualquer circunstância, a coima aplicada é excessiva e, em quarto lugar, violação do artigo 190.° do Tratado, pelo facto de a fundamentação da decisão relativa à coima ser errada.

Quanto ao primeiro fundamento: insuficiência da prova

42

A recorrente alega que a decisão assenta quase exclusivamente em asserções não baseadas em qualquer prova. Segundo a recorrente, relativamente a cada um dos pontos a propósito do qual detectou uma violação do artigo 86.°, a Comissão não cumpriu o dever que lhe incumbe, à luz das regras de direito comunitário, de fazer a respectiva prova. Assim, a Comissão não se preocupou em reunir as informações de facto pertinentes e não analisou as provas que lhe foram submetidas pela recorrente.

43

Contra esta alegação, a Comissão sublinha que a sua decisão se baseou em provas juridicamente suficientes.

44

O Tribunal constata que, através desta alegação, a recorrente põe em causa todos os elementos da discussão relativos à aplicação, no caso vertente, do artigo 86.° do Tratado pela Comissão. Assim, há que considerar que a análise deste argumento não se pode dissociar da apreciação do mérito da causa. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, compete à Comissão fazer prova juridicamente suficiente relativamente a todos os elementos materiais em que tenha baseado a sua decisão. Por conseguinte, está em causa saber se a Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, dispunha dos elementos probatórios suficientes para determinar a exactidão dos factos em que se baseou para justificar as suas apreciações. Deste modo, o fundamento da recorrente relativo à pretensa omissão pela Comissão de satisfazer o ónus da prova que lhe incumbia não pode ser analisado enquanto tal.

Quanto ao segundo fundamento: violação do artigo 86.°

45

Este fundamento divide-se em três partes:

a recorrente entende que não ocupa uma posição dominante no mercado comum, nem numa parte substancial deste, na acepção do artigo 86.°;

embora admita que alguns aspectos do seu comportamento comercial poderiam ter constituído um abuso caso ocupasse uma posição dominante, a recorrente pensa que o seu comportamento, que visava limitar as vendas de pregos produzidos pelas intervenientes, não se traduziu num abuso, uma vez que tinha um interesse legítimo em limitar a utilização desses pregos nas suas pistolas;

segundo a recorrente, o seu comportamento comercial não afectou, nem era susceptível de afectar, as trocas comerciais entre os Estados-membros na acepção do artigo 86.°

46

Para apreciar este fundamento, a análise do Tribunal de Primeira Instância deve, assim, incidir sobre três questões. Em primeiro lugar, há que determinar a posição da recorrente no mercado, o que implica uma análise prévia da definição do mercado dos produtos em causa e do mercado geográfico. Em segundo lugar, o Tribunal deve verificar se o comportamento de que a recorrente é acusada apresenta ou não carácter abusivo, tendo designadamente em conta a justificação objectiva invocada pela Hilti a este propósito. Em terceiro lugar, incumbe-lhe pronunciar-se sobre os efeitos do comportamento de que a empresa é acusada sobre as trocas comerciais entre os Estados-membros.

Quanto à posição dominante

47

Na primeira parte do fundamento relativo à violação do artigo 86.° do Tratado, à recorrente começa por contestar as definições do mercado dos produtos em causa e do mercado geográfico, efectuadas na decisão, afastando, em seguida, os argumentos que levaram a Comissão a declarar que ela ocupa uma posição dominante.

Quanto ao mercado dos produtos em causa

Argumentos das partes

48

A recorrente alega que a Comissão definiu mal o mercado dos produtos em causa. A fim de demonstrar que este não é constituído, como se afirma na decisão, por três mercados distintos, o das pistolas, o das fitas de cartuchos e o dos pregos, a recorrente alega, em primeiro lugar, que todos estes elementos devem ser vistos como um todo indissociável. A este propósito, a recorrente baseia-se em dois relatórios de 1986 e 1987, redigidos por S. Klee e T. Seeger, engenheiros mecânicos, da Tecnhnische Hochschule de Darmstadt, sobre a interdependencia dos elementos constitutivos de um sistema FFAP. Estes relatónos concluem que «embora seja certo que os criterios que os componentes de sistemas devem respeitar não estão inteiramente consagrados em normas ou em regras gerais obrigatórias, a verdade é que os componentes de origens diversas não poderão ser reciprocamente substituídos sem que as características do sistema sejam afectadas.» A recorrente apresentou pareceres semelhantes, efectuados por dois engenheiros britânicos que chegaram às mesmas conclusões.

Segundo a recorrente, a Comissão errou ao basear-se num único critério — a elasticidade cruzada dos preços — para definir o mercado em causa. O facto de a Comissão se ter exclusivamente baseado neste critério é contrário à teoria e à prática económicas e mesmo à jurisprudência do Tribunal de Justiça. Além disso, a própria Comissão não aplicou realmente este critério. Efectivamente, não mediu o grau de substituibilidade económica.

49

No plano da procura, a recorrente alega que existe realmente uma substituibilidade económica entre, por um lado, os sistemas FFAP e, por outro, alguns sistemas de fixação tecnicamente substituíveis. Em apoio deste entendimento, a recorrente recorda que, relativamente a cada aplicação de FFAP, este e os outros sistemas (designadamente o sistema de furar/aparafusar) coexistiram, ocupando cada um quotas de mercado significativas durante um considerável número de anos.

50

A recorrente sublinha igualmente que há outros atributos concorrenciais de um produto além do preço, como a qualidade, o serviço pré-venda e pós-venda, a disponibilidade imediata, etc, que podem ser tão importantes para o utilizador como o preço. Embora seja certo que a inclusão de produtos diferenciados num único e mesmo mercado pressupõe sempre uma elasticidade cruzada dos preços entre os produtos, não é todavia possível, em economia aplicada, tomar a elasticidade cruzada dos preços como único critério de definição de um mercado de produtos em causa sem tomar em consideração a elasticidade cruzada da procura relativamente a outros atributos concorrenciais.

51

Ao apresentar uma análise econométrica efectuada pelo professor Albach, da Universidade de Bona, a que a Comissão faz alusão no ponto 73 da sua decisão, a recorrente considera ter feito prova da existência de um grau significativo de elasticidade cruzada dos preços entre, em primeiro lugar, as vendas de pregos destinados a sistemas FFAP, por um lado, e de cavilhas (rebites), por outro; em segundo lugar, entre as vendas de pistolas de pregos, por um lado, e as de martelos hidráulicos, por outro, bem como, em terceiro lugar, entre as venda de cavilhas (rebites), por um lado, e de pistolas de pregos, por outro. A Comissão não justificou as críticas que na decisão dirigiu ao método e às conclusões do professor Albach. Além disso, uma nova análise efectuada, a pedido da Hilti, pelo professor Yarrow, da Universidade de Oxford, com base num estudo de mercado realizado por um instituto independente, o Rosslyn Research, permitiu demonstrar claramente que os sistemas de recarga, que são substituíveis para as diversas aplicações, estão em concorrência mútua.

52

A recorrente, embora reconheça que detinha em 1982 uma patente sobre ás fitas de cartuchos, considera que não obteve do lugar que ocupava no mercado das fitas de cartuchos destinadas a ser utilizadas nös aparelhos por si fabricados um poderio superior ao que lhe advinha da sua quota nas vendas de sistemas FFAP em geral. Normalmente, uma posição forte, ou mesmo um monopólio das fitas de cartuchos não dão a um operador mais poder do que o que deriva da sua quota nas vendas globais de sistemas FFAP, isto enquanto o sistema constituído pelo conjunto dos produtos puder facilmente ser substituído por outro sistema de fixação. E o que, segundo afirma a recorrente, acontece com os seus produtos: ela vende as suas pistolas de pregos a um preço que não impede o utilizador final profissional de mudar de produtos. Assim, no Reino Unido o preço líquido médio para o utilizador final da pistola de pregos Hilti mais utilizada naquele país foi, em 1988, de 225 UKL. O custo total dos artefactos conexos para 1200 fixações realizadas por sistemas Hilti era equivalente ao investimento na compra de uma pistola. Em média, a despesa feita ao longo de dois meses em artefactos conexos correspondia, para o utilizador final, ao investimento numa pistola de pregos. Em tais circunstâncias, os utilizadores finais teriam rapidamente reagido a qualquer tentativa feita pela recorrente de explorar a sua posição em matéria de patentes, optando por outro. sistema FFAP ou por qualquer outro sistema de fixação. Daqui decorre, segundo a recorrente, que o mercado dos produtos em causa não pode ser correctamente definido como estando limitado às fitas ou aos pregos susceptíveis de ser utilizados num material Hilti. Em conclusão, a recorrente é de opinião que o mercado, correctamente definido, compreende todos os sistemas de fixação que constituam soluções alternativas para cada aplicação de FFAP; é o que acontece designadamente com os sistemas de furar/aparafusar.

53

No que respeita à substituibilidade da oferta, a recorrente observa que a tecnologia geral de fabrico de berbequins eléctricos (sistema furar/aparafusar) não é muito diferente da tecnologia envolvida no fabrico de pistolas de pregos. Os elementos de fixação utilizados em ambos os sistemas são idênticos quanto ao seu funcionamento e aos materiais. Entre os concorrentes da recorrente, só as empresas Bosch, AEG, Hitachi e Black & Decker não fornecem simultaneamente berbequins eléctricos e pistolas de pregos. Todos os outros fornecedores se definem a si próprios, tal como a recorrente, como fornecedores de sistemas de fixação para a indústria de construção em geral. No que respeita aos artefactos conexos, a recorrente alega que qualquer produtor que tenha adquirido alguma experiência no fabrico de pregos ou de parafusos especiais está em condições de fabricar pregos de fixação para sistemas FFAP sem qualquer dificuldade. O fabrico das fitas de cartuchos necessárias para os sistemas FFAP é, segundo a recorrente, uma actividade de base para qualquer fabricante de fitas de cartuchos. Se na Comunidade apenas existem três fabricantes importantes de fitas de cartuchos para FFAP, há que tomar em conta o facto de que as despesas de transporte são relativamente pouco elevadas, pelo que é fácil encontrar fitas de cartuchos fora da Comunidade. Segundo a recorrente, as condições de fornecimento de outros sistemas de fixação para a indústria da construção não são tão diferentes que possam constituir, para os respectivos fabricantes, um sério obstáculo à entrada no mercado dos sistemas FFAP.

54

Contra esta argumentação, a Comissão invoca, em primeiro lugar, afirmações anteriores da Hilti a propósito dos mercados em causa. Neste contexto, a Comissão cita uma carta que recebeu da Hilti em 23 de Março de 1983 em resposta às questões que lhe foram colocadas na sequência da queixa da Eurofix, carta segundo a qual existiriam «pelo menos dois mercados em causa diferentes no que respeita aos pregos e aos cartuchos, além do mercado das pistolas». Segundo a Comissão, estas afirmações constituem a melhor prova da apreciação interna feita pela própria Hilti em relação aos mercados nos quais operava na altura.

55

Considerando a elasticidade cruzada dos preços como a síntese de todos os factores que determinam se dois produtos diferentes poderão verdadeiramente ser considerados como pertencentes a um mesmo mercado de referência, a Comissão mais não fez do que aplicar um critério constantemente aplicado ao longo dos anos, tanto por si própria como pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência. A Comissão remete designadamente, a este propósito, para os acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e ContinentalCan/Comissão (6/72, Recueil, p. 215), no que respeita à substituibilidade da oferta, e de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Recueil, p. 207), no que respeita à substituibilidade da procura.

56

Segundo a Comissão, o que existe é apenas uma substituibilidade econômica relativamente fraca entre os diferentes sistemas de fixação. O facto de diferentes sistemas terem coexistido durante longos períodos explica-se pela existência, para cada tipo de aplicação, de uma diversidade de situações que, consoante os casos, exigem a utilização de um ou outro tipo de fixação. Assim, a questão-chave na comparação entre a utilização da pistola de pregos e a soldagem — exemplo dado no segundo relatório do professor Albach — é relativamente independente do custo dos artefactos conexos FFAP. Outros exemplos demonstram igualmente que pequenos mas significativos aumentos dos preços dos artefactos conexos. FFAP não poderão causar alterações importantes das escolhas feitas entre os diferentes sistemas de fixação.

57

O facto de a análise econométrica do professor Albach não mencionar a questão da elasticidade cruzada dos preços não se explica, como pretende a recorrente, devido a «alterações recíprocas ocorridas em simultâneo», mas mais naturalmente pela circunstância de os produtos não serem concorrentes e, em consequência, pertencerem a mercados diferentes.

58

Por conseguinte, o mercado de referencia não é o de todos os sistemas de fixação, mas sim o das fitas de cartuchos e o dos pregos compatíveis com os aparelhos Hilti.

59

No que respeita mais concretamente à substituibilidade da oferta, a Comissão sublinha que a penetração de novos fornecedores no mercado não é fácil, quer relativamente aos sistemas FFAP, quer em relação aos artefactos conexos FFAP. Em seu entender, isso deve-se, entre outros factores, à necessidade de resolver problemas técnicos e de efectuar importantes investimentos. Outro factor importante é o período de tempo com que há que contar antes de que seja possível a novos fornecedores penetrarem no mercado. No que respeita às fitas de cartuchos adaptadas às pistolas Hilti, estes factores gerais complicaram-se pelo facto de a Hilti possuir patentes para todos os países da CEE e de fazer uso da protecção relacionada com os direitos de autor.

60

A interveniente Bauco defende que, em razão das características únicas das pistolas de pregos, a sua utilização constitui uma escolha prática num determinado número de situações bem concretas.

61

A Bauco alega igualmente que não existe elasticidade cruzada dos preços entre as pistolas de pregos e os artefactos conexos para pistolas de pregos, por um lado, e os outros utensílios e artefactos conexos para outros sistemas de fixação, por outro. O argumento da Hilti, segundo o qual os sistemas FFAP constituem «sistemas tecnicamente integrados», revela-se insustentável a partir do momento em que é invocado a propósito dos outros sistemas de fixação, o que evidencia que os mercados em causa são, no caso vertente, os mercados distintos das pistolas de pregos, dos pregos e das fitas de cartuchos para pistolas de pregos. Os utilizadores são obrigados a utilizar o sistema FFAP Hilti não só em virtude do investimento na compra de uma pistola, mas igualmente devido à superioridade técnica e prática do produto Hilti sobre todos os outros sistemas FFAP.

62

No que respeita à substituibilidade da procura, a Bauco alega que, se uma escolha se baseia na experiência, como na maior parte dos casos, só alterações sensíveis de uma característica, qualquer que ela seja, poderão exercer uma influência sobre essa escolha. Uma análise profunda de todos os factores que influenciam a decisão de utilizar diferentes tipos de sistemas de fixação demonstraria, com toda a probabilidade, que os outros sistemas de fixação constituem, em grande número de casos, soluções alternativas que não são satisfatórias para o utilizador.

63

A interveniente Profix remeteu para os argumentos da Comissão tendo alegado, além disso, na audiência, que o mercado dos produtos em causa é o dos pregos ou, mais concretamente, o dos pregos utilizáveis nas pistolas de pregos Hilti. A Profix fabrica pregos e, portanto, deve necessariamente fabricar pregos compatíveis com as pistolas Hilti, o que faz desde os anos 60. Assim, em seu entender, dado precisamente que apenas fabrica pregos, é inútil invocar, no que a ela respeita, que sistemas alternativos como o dos berbequins de percussão são substituíveis aos sistemas FFAP.

Apreciação jurídica

64

A título preliminar, há que sublinhar que, para apreciar a posição da Hilti no mercado, impõe-se, antes de tudo, definir o mercado em causa, uma vez que as possibilidades de concorrência só podem ser apreciadas em função das características dos produtos em causa, das quais poderá resultar que tais produtos são particularmente aptos para satisfazer necessidades constantes e são pouco intermutáveis com outros produtos (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Continental Can, 6/72, acima citado, n.° 32).

65

Assim, para determinar se a Hilti, na sua qualidade de fornecedor de pistolas de pregos e de artefactos conexos a elas adaptáveis, detém sobre o mercado dos produtos em causa um poder que lhe confere uma posição dominante na acepção do artigo 86.°, a primeira questão a resolver é saber se o mercado em causa é o do conjunto dos sistemas de fixação destinados à indústria de construção ou se os mercados em causa são o dos sistemas FFAP e dos artefactos conexos adaptáveis a estes aparelhos, ou seja, as fitas de cartuchos e os pregos.

66

Este Tribunal considera que as pistolas de pregos, as fitas de cartuchos e os pregos constituem três mercados específicos. Dado que as fitas e os pregos são especificamente fabricados e adquiridos pelos utilizadores para uma marca de pistolas, há que considerar que existem mercados distintos de fitas e de pregos compatíveis com pistolas de pregos Hilti, como entendeu a Comissão na decisão (ponto 55).

67

No que respeita mais concretamente aos pregos cuja utilização nos aparelhos Hilti constitui um elemento essencial do litígio, é efectivamente pacífico que, desde os anos 60, existem produtores independentes, entre os quais se incluem as intervenientes, que fabricam pregos destinados a ser utilizados em pistolas de pregos. Alguns desses produtores são especializados e apenas produzem pregos, e nalguns casos só um tipo de pregos especificamente adaptado aos aparelhos da marca Hilti. Este facto constitui, por si só, um indicador sério da existência de um mercado específico dos pregos compatíveis com as pistolas Hilti.

68

A tese avançada pela Hilti segundo a qual se deveria considerar que as pistolas, os pregos e as fitas de cartuchos formam um todo indissociável, designado por «FFAP», traduzir-se-ia, na prática, em autorizar os produtores de pistolas de pregos a excluir a utilização nos seus aparelhos de artefactos conexos diferentes dos da sua própria marca. Ora, na falta de normas e de regras gerais obrigatórias, qualquer produtor independente é perfeitamente livre, à luz do direito comunitário da concorrência, de fabricar artefactos conexos destinados a ser utilizados em aparelhos fabricados por outrem, a menos que, ao fazê-lo, ponha em causa um direito de patente ou qualquer outro direito de propriedade industrial ou intelectual. Mesmo supondo, como defendeu a recorrente, que componentes de origem diferente não podem ser substituídos entre si sem afectar as características do sistema, o remédio deveria procurar-se na adopção de disposições legais ou regulamentares apropriadas, e não em medidas unilateralmente adoptadas por produtores de pistolas de pregos, medidas essas que se traduzem em proibir os produtores independentes de exercerem o essencial da sua actividade.

69

O argumento avançado pela Hilti, segundo o qual os aparelhos e os artefactos conexos FFAP fazem parte do mercado dos sistemas de fixação em geral para o sector da construção, não pode tão-pouco ser acolhido. O Tribunal entende que os sistemas FFAP se distinguem, sob diversos pontos de vista, dos outros sistemas de fixação. As características próprias dos sistemas FFAP, enumeradas no ponto 62 da decisão, levam a que sejam escolhidas, sem hesitações, num certo número de casos. Efectivamente, resulta dos autos que não existe frequentemente uma alternativa realista para o operário qualificado que executa um trabalho numa obra, nem para o técnico chamado a determinar antecipadamente os métodos de fixação que serão utilizados em determinada situação.

70

Este Tribunal considera que a descrição das referidas características, feita pela Comissão na decisão, é suficientemente clara e convincente para justificar as conclusões daí resultantes.

71

Estas constatações não deixam subsistir qualquer dúvida séria sobre a existência, na prática, de toda uma diversidade de situações, em que, conforme os casos, se privilegia a utilização de um sistema FFAP ou de qualquer outro sistema de fixação. Como sublinha a Comissão, o facto de diversos processos de fixação diferentes continuarem a representar, durante longos períodos, uma parte importante da procura total em matéria de fixação, demonstra quê a substituibilidade entre os diferentes sistemas de fixação é relativamente fraca.

72

Acrescente-se que, perante tais circunstâncias, a Comissão tinha perfeita legitimidade para basear as suas conclusões em raciocínios nos quais se ponderavam as características qualitativas dos produtos em causa.

73

Estas conclusões são, de resto, corroboradas pela análise efectuada pelo professor Yarrow e pelo estudo feito pelo Instituto Rosslyn Research, acima citados, na parte em que chamam a atenção para a existência dé um importante número de utilizadores de pistolas de pregos que, em situações equivalentes à maior parte daquelas em que as pistolas de pregos foram efectivamente utilizadas, não viam qualquer solução realmente alternativa ao sistema FFAP.

74

Além disso, os elementos probatórios apresentados pela recorrente não são susceptíveis de retirar credibilidade às conclusões da Comissão.

75

Assim, há que sublinhar, em primeiro lugar, que a análise do professor Yarrow e o estudo do Instituto Rosslyn Research não permitem demonstrar — como pretendem — uma elevada substituibilidade econômica entre os produtos em causa. Efectivamente, as questões colocadas às empresas de construção não são susceptíveis de fornecer uma resposta à questão fundamental deste processo: saber se pequenas mas significativas variações no preço dos pregos são susceptíveis de modificar significativamente a procura. Num mercado que, como este, se caracteriza por descontos importantes relativamente aos preços de catálogo, o simples facto de um certo número das pessoas interrogadas terem mencionado o preço em primeiro lugar como elemento determinante, sem precisar a importância de uma sua eventual alteração na opção pelo processo escolhido, não basta para provar uma elevada elasticidade cruzada dos preços.

76

Em segundo lugar, há que ter presente que os estudos econométricos do professor Albach apenas têm em conta o factor preço, quando é certo que dos autos, e nomeadamente dos inquéritos efectuados pelo Instituto Rosslyn Research, resulta que a escolha do consumidor depende, em larga medida, de circunstâncias não quantificáveis.

77

Assim, há que declarar que o mercado dos produtos em causa relativamente ao qual a posição da Hilti no mercado deve ser apreciada, é o dos pregos destinados às pistolas de pregos por si fabricadas.

78

Esta apreciação é confirmada na carta da Hilti à Comissão, datada de 23 de Março de 1983, a que acima se aludiu, na qual se expressa a opinião de que existem mercados diferentes para as pistolas, as fitas de cartuchos e os pregos. Embora não constituísse uma interpretação, naquela altura, da noção de «mercado em causa» para efeitos da aplicação do artigo 86.° do Tratado, o conteúdo da carta é no entanto bastante esclarecedor sobre a apreciação comercial feita pela Hilti relativamente aos mercados em que operava na época. De acordo com as explicações fornecidas pela Hilti, esta carta foi preparada por um jurista da empresa, juntamente com um consultor jurídico exterior e com o director da produção em càusa. Por conseguinte, a carta foi redigida por pessoas que é suposto terem um bom conhecimento da empresa e das suas actividades.

Quanto ao mercado geográfico

Argumentos das partes

79

Quanto à definição do mercado geográfico em questão, a recorrente alega que, além das despesas de transporte, alguns outros aspectos da distribuição dos produtos para os sistemas FFAP contribuem para criar diferenças entre os Estados-membros no que respeita às condições de comercialização. Assim, o professor Albach detectou a existência de diferenças consideráveis entre os Estados-membros no que respeita à tradicional avaliação de certos produtos e sistemas de construção ou de fixação. Segundo a recorrente, a existência de diferenças de preços entre os diversos mercados não é uma indicação, e muito menos uma prova, da existência de barreiras artificiais levantadas por empresas que operam na Comunidade. No que respeita aos preços praticados pela Hilti nos diferentes Estados-membros, a recorrente entende que eles são antes o reflexo das diferenças entre as estruturas comerciais desses mercados. Por outro lado, segundo a Hilti é errado comparar os preços mais elevados e menos elevados. A única atitude correcta seria comparar os preços médios praticados pelas organizações comerciais individuais da Hilti para o conjunto da gama de produtos.

80

A Comissão considera — pronunciando-se sobre esta questão — que seria de esperar que as substanciais diferenças de preços detectadas dessem lugar a trocas paralelas entre mercados nacionais. No que respeita à necessidade de distribuidores especializados, invocada pela Hilti, a Comissão objecta que, mesmo para produtos como os automóveis, que devem ser vendidos em pontos de venda altamente especializados, o mercado de referencia, do ponto de vista do produtor, é manifestamente a Comunidade.

Apreciação jurídica

81

Impõe-se recordar que resulta dos autos, por um lado, que existem diferenças de preços bastante importantes dos produtos Hilti nos vários Estados-membros e, por outro, que as despesas de transporte dos pregos são diminutas. Estes dois factores contribuem para que seja muito provável a existência de trocas paralelas entre os mercados nacionais da Comunidade. Por conseguinte, há que declarar que a Comissão decidiu justamente quando considerou que o mercado geográfico em questão é, no caso presente, o conjunto da Comunidade. O argumento da recorrente relativamente a esta questão deve, portanto, ser afastado.

Quanto à posição da Hilti no mercado

Argumentos das partes

82

No que respeita aos outros aspectos da questão de saber se a recorrente detém uma posição dominante no mercado dos produtos em causa, a Hilti assinala, em primeiro lugar, que as estimativas feitas pela Comissão quanto à quota de mercado por si detida não são suficientes para justificar a declaração de que existe uma posição dominante. Nem as estimativas fornecidas à Comissão pela própria recorrente, nem as provenientes da organização PASA (associação profissional do Reino Unido para os sistemas FFAP) são suficientemente fiáveis para servir de base à decisão impugnada. Só a Comissão estava em condições, no entender da recorrente, para, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 11.° do Regulamento n.° 17, estabelecer as quotas de mercado efectivas, o que não fez. A recorrente afirma não conhecer a importância do lugar que ocupa no mercado em causa, tal como este deveria ser correctamente definido, isto é, em sua opinião, englobando o conjunto dos sistemas de fixação alternativos aos sistemas FFAP (incluindo, designadamente, sistemas de furar/aparafusar). Todavia, a Hilti afirma ter conhecimento de que a sua quota de mercado é tal que não permite afirmar que ela ocupa uma posição dominante.

83

A recorrente afirma que não retira qualquer poderio comercial significativo das suas patentes. Quanto à sua patente sobre as fitas de cartuchos, a recorrente retoma as considerações desenvolvidas no n.° 52 para demonstrar que não retira da sua quota de mercado um poderio comercial superior ao que lhe advém do lugar que ocupa no mercado de referência em geral. No que respeita às patentes que detém sobre certos elementos da pistola de pregos DX 450, a recorrente sublinha que se trata apenas de patentes de melhoramento. Segundo afirma, os seus concorrentes há muito que têm possibilidade de incorporar nas suas próprias pistolas melhoramentos idênticos, específicos aos seus próprios modelos. A posição da recorrente em matéria de investigação e desenvolvimento tão-pouco lhe confere um poderio comercial exorbitante. O maior concorrente da recorrente em matéria de sistemas FFAP tem um volume de negócios e de recursos financeiros largamente equivalentes aos da recorrente e os recursos da recorrente em matéria de investigação é desenvolvimento são, na realidade, pouco elevados; se comparados com os dos seus outros concorrentes, autênticos gigantes industriais. O sistema de distribuição da recorrente não está organizado de modo a conferir-lhe um benefício concorrencial desproporcionado. Emi seu entender, não é verdade, como alega a Comissão, que o segmento dos sistemas FFAP do mercado das fixações para a indústria da construção tenha atingido um nível de desenvolvimento comportando importantes barreiras à entrada e uma concorrência reduzida no interior.

84

Entende que o seu comportamento comercial não é revelador de uma posição dominante. A prática da subordinação das vendas de fitas de cartuchos e de pregos foi adoptada pela recorrente a fim de evitar os perigos resultantes da utilização de pregos defeituosos nas suas pistolas. Esta prática não pressupõe uma posição dominante no mercado.

85

A Comissão replica que os números em que se baseou no momento da adopção da decisão relativos às quotas de mercado detidas pela Hilti lhe foram comunicados pela própria Hilti, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17; a Hilti foi, portanto, obrigada a prestar informações tão exactas quanto possíveis. Quanto aos números da PASA, vários documentos internos da Hilti demonstram que a própria direcção desta empresa no Reino Unido se baseava nos números desta associação para calcular a quota de mercado da sociedade. A Comissão considera que avaliou correctamente a quota de mercado da Hilti e que há mesmo razões para pensar que ela ainda poderá ser superior. Recorda, a este propósito, que os números da PASA atribuem à Hilti, relativamente ao Reino Unido, quotas de mercado que se elevam, respectivamente a 70/80 % na venda de pregos FFAP e a 70 % na venda de fitas de cartuchos, quotas bem superiores à sua quota no mercado das pistolas de pregos, que se eleva a apenas 55 %.

86

A Comissão refuta a crítica da Hilti quanto à sua apreciação das outras circunstâncias que, segundo a decisão, contribuem para manter e reforçar a posição da Hilti no mercado das pistolas de pregos. A Comissão sublinha, a este propósito, que a Hilti possui o produto mais elaborado do mercado, isto é, a pistola DX 450. A sua posição de força em matéria de investigação e de desenvolvimento não é compensada pela simples possibilidade de outros grandes fornecedores potenciais penetrarem no mercado. O efeito conjugado de um sistema bem organizado de distribuição directa aos utilizadores finais e de uma elevada proporção de utilizadores de pistolas Hilti faz com que seja difícil a outros fornecedores suplantar a Hilti e a novas empresas penetrar no mercado. Finalmente, o grau de desenvolvimento do mercado torna o acesso a este menos atractivo para outros potenciais participantes.

87

Segundo a Comissão, os exemplos que recolheu do comportamento da Hilti no mercado — enquanto provas de uma posição dominante — correspondem aos comportamentos normalmente adoptados por uma empresa dominante. É certo que uma empresa não dominante se poderia comportar desta maneira, mas, na prática, é muito pouco provável que o fizesse, uma vez que a existência de uma concorrência efectiva asseguraria normalmente que os inconvenientes de tal comportamento prevalecessem sobre eventuais benefícios. Assim, a subordinação das vendas não apresenta, em geral, qualquer benefício para um fornecedor não dominante. A adopção de tal comportamento pela Hilti constitui assim, segundo a Comissão, uma prova suplementar do poderio que lhe confere a sua situação de único fornecedor defacto de fitas de cartuchos compatíveis com as suas pistolas.

88

A Bauco, interveniente, observa que, tendo em conta a experiência que tem do mercado, não há qualquer dúvida de que a Hilti ocupa uma posição dominante nos mercados em causa. Os mercados para os pregos e as fitas de cartuchos compatíveis com os sistemas FFAP Hilti são, de longe, os mais vastos e os mais importantes. Antes da intervenção da Comissão, o comportamento da Hilti era tal que se tornava impossível penetrar com sucesso no mercado.

Apreciação jurídica

89

Em primeiro lugar, cabe afirmar que a Comissão fez prova bastante de que a Hilti detém uma quota de cerca de 70 a 80 % no mercado dos pregos em questão. Este número foi fornecido à Comissão pela Hilti, na sequência de um pedido de informações em aplicação do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Como a Comissão justamente sublinhou, a Hilti era, portanto, obrigada a prestar informações que, segundo fosse do seu conhecimento, fossem tão exactas quanto possível. A alegação posteriormente feita pela Hilti de que os referidos números estavam sujeitos a confirmação não é corroborada por qualquer prova nem por exemplos demonstrativos de uma eventual falta de fiabilidade. Mais : a Hiļti não apresentou quaisquer outros números que provassem a justeza da sua alegação. Por conseguinte, este argumento da Hilti deve ser afastado.

90

Recorde-se que o Tribunal de Justiça decidiu (acórdãos de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Recueil, p. 207; e dé 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Recueil, p. 461) que a posição dominante a que se refere o artigo 86.° do Tratado se caracteriza por uma situação de poderio econômico detido por uma empresa, que lhe permite criar obstáculos à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, dando-lhe a possibilidade de adoptar comportamentos em larga medida independentes relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores; que a existência de uma posição dominante pode resultar de diversos factores que, isoladamente considerados, não seriam necessariamente determinantes, e que, de entre esses factores, a existência de quotas de mercado de grande dimensão é altamente significativa.

91

No que respeita mais concretamente às quotas de mercado, o Tribunal de Justiça declarou (acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche, acima citado, n.° 41) que a existência de quotas bastante importantes constitui, por si só e salvo circunstâncias excepcionais, a prova de que existe uma posição dominante.

92

No caso vertente, está provado que a Hilti detém no mercado em causa uma quota de cerca de 70 a 80 %, a qual constitui, por si só, uma clara indicação da existência de uma posição dominante no mercado em causa (ver, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, Akzo Chemie BV/Comissão, n.° 60, C-62/86, Colect., p. I-3359).

93

Além disso, no que respeita aos outros elementos postos em destaque pela Comissão como contribuindo para manter e reforçar a posição da Hilti no mercado, há que ter presente que o facto de a Hilti deter uma patente e de, no Reino Unido, beneficiar da protecção resultante do direito de autor relativamente às fitas de cartuchos destinadas a ser utilizadas nos seus próprios aparelhos, reforça a posição da Hilti nos mercados dos artefactos conexos compatíveis com os seus aparelhos. A posição de força da Hilti nos mercados era reforçada pelas patentes que detinha na altura sobre determinados elementos da sua pistola DX 450. Acrescente-se ainda que, como justamente assinalou a Comissão, é muito pouco provável que um fornecedor em posição não dominante actue como o fazia a Hilti, uma vez que uma concorrência efectiva garante normalmente que os inconvenientes de tal comportamento prevaleçam sobre os eventuais benefícios.

94

Com base nestas considerações, o Tribunal considera que a Comissão entendeu correctamente que a Hilti detinha uma posição dominante no mercado dos pregos destinados às pistolas de pregos por si fabricadas.

Quanto à existência de um abuso

95

Na segunda parte do fundamento assente na violação do artigo 86.° do Tratado, a recorrente contesta, em primeiro lugar, ter tido um comportamento abusivo, alegando que, de qualquer modo, o seu comportamento tinha uma justificação objectiva.

Quanto ao caracter abusivo do comportamento da Hilti

Argumentos das partes

96

Embora admita ter adoptado a maior parte dos comportamentos que lhe são imputados e reconheça que eles poderiam ter constituído abusos se dispusesse de uma posição dominante, a Hilti nega formalmente ter adoptado uma prática consistente em atrasar a concessão das licenças obrigatórias legalmente obtidas a partir das patentes que detinha e de ter posto em prática políticas selectivas ou discriminatórias contra os seus concorrentes e clientes (artigo 1.°, pontos 5 e 7, do dispositivo da decisão).

97

No que respeita ao abuso de que a Hilti é acusada, a Comissão considera, em primeiro lugar, que, ao longo do processo administrativo e durante o presente processo, a recorrente alterou a sua argumentação. Inicialmente, na carta de 23 de Março de 1983 à Comissão, a Hilti negou em absoluto ter tomado qualquer medida de limitação dö acesso às suas fitas de cartuchos; mais tarde, na resposta à notificação das acusações, a Hilti admitiu ter adoptado práticas que visavam esse objectivo, procurando, num terceiro momento, recuar relativamente a muitas das questões que admitira na resposta à notificação das acusações.

98

Seguidamente, a Comissão afirma que, por princípio, não aceita que um fornecedor em posição dominante num determinado mercado de produtos possa, por sua própria iniciativa, desencadear uma acção destinada a eliminar do mercado em questão os produtos da concorrência, mesmo que tenha verdadeiras preocupações quanto à segurança e à fiabilidade de tais produtos quando utilizados em associação com os seus.

Apreciação jurídica

99

No que respeita à política da recorrente quanto à concessão de licenças obrigatórias, há que ter presente que resulta dos autos que, na altura dos factos em causa, a Hilti não estava disposta a conceder licenças voluntárias, tendo exigido, durante o processo de atribuição de licenças obrigatórias, o pagamento de um direito cerca de seis vezes mais elevado do que o valor finalmente fixado pelo Comptroller of Patents. Um operador econômico normalmente diligente, como a Hilti pretende ter sido, tinha pelo menos a obrigação de saber que, ao exigir o pagamento de um direito tão elevado, prolongava inutilmente o processo de concessão de licenças obrigatórias, comportamento que inegavelmente constitui um abuso.

100

Quanto às políticas selectivas ou discriminatórias praticadas pela Hilti em relação aos seus concorrentes e clientes, resulta claramente dos documentos citados pela Comissão, no ponto 40 da decisão, que a Hilti prosseguiu efectivamente tal política. A estratégia posta em prática pela recorrente em relação aos seus concorrentes e clientes não constitui um instrumento legítimo de concorrência para uma empresa em posição dominante. Uma política selectiva e discriminatória, como a praticada pela Hilti, prejudica a concorrência, uma vez que é susceptível de dissuadir outras empresas de se implantarem no mercado. Por conseguinte, há que declarar que a Comissão considerou acertadamente que este comportamento da Hilti era abusivo

101

Dado que a Hilti admitiu ter efectivamente adoptado os outros comportamentos de que a Comissão a acusa e reconheceu que esses comportamentos eram susceptíveis de constituir abusos por parte de uma empresa em posição dominante, impõe-se, tendo ficado provada a posição dominante da Hilti no mercado, declarar que a recorrente, ao adoptar o conjunto das práticas comerciais de que a Comissão a acusa, abusou dessa posição dominante.

Quanto à justificação objectiva do comportamento da Hilti no mercado

Argumentos das partes

102

No que respeita à sua argumentação relativa à pretensa justificação objectiva, a recorrente remete, antes de tudo, para o estudo efectuado por T. Seeger (ver supra, n.° 48).

103

Em seguida, em apoio da sua argumentação, a recorrente apresentou uma série de relatórios técnicos sobre a qualidade dos pregos fabricados pela Bauco e pela Eurofix, que revelaram, em seu entender «que tais pregos (...) continham defeitos importantes que tornavam a sua utilização incompatível com os sistemas FFAP da Hilti». Com base nestas análises, a recorrente concluiu que ambas as intervenientes, ao apresentarem os seus pregos «como equivalentes aos da recorrente e conformes às normas impostas para estes últimos», incorreram em publicidade falsa e enganosa.

Os relatórios são os seguintes :

relatórios do «Corrosion and Protection Centre Industrial Services», Manchester, sobre estudos comparativos dos resultados dos pregos Hilti, por um lado, e dos pregos Profix e Bauco, por outro;

observações, datadas de Janeiro de 1989, do «Corrosion and Protection Centre Industrial Services» sobre os comentários da Comissão aos referidos relatórios;

observações do «Corrosion and Protection Centre Industrial Services» sobre as alegações das intervenientes;

relatório do «Staatliche Material-Prüfungsanstalt Darmstadt», de 25 de Janeiro de 1989, sobre os problemas resultantes da fragilização dos pregos pelo hidrogénio.

104

A recorrente apresentou igualmente diversos testemunhos de membros do seu pessoal e de outras pessoas «a propósito de defeitos nas fixações realizadas com pregos produzidos pelas intervenientes». Apresentou finalmente um relatório, elaborado por uma sociedade de estudos de mercado, sobre os «problemas de fixação» com que algumas sociedades inglesas de equipamentos «depararam com as marcas de pregos FFAP que tinham em depósito».

105

A recorrente prossegue sublinhando o dever de diligência que lhe incumbe em virtude da responsabilidade pelo fabrico dos produtos e que, em seu entender, mais se lhe impõe no presente caso pelo conhecimento que tem da «incompatibilidade e da inferioridade dos pregos produzidos pelas intervenientes e pelo facto de saber que estes últimos eram fabricados e distribuídos especificamente para serem utilizados» em sistemas Hilti e «que tais pregos tinham sido objecto de publicidade enganosa». Para demonstrar a existência e o alcance desse dever, a recorrente apresentou três pareceres de juristas sobre a responsabilidade do fabricante em direito inglês, em direito alemão e em direito francês, que abordavam mais concretamente os problemas inerentes à responsabilidade resultante do fabrico de produtos denominados «não compatíveis».

106

Quanto à questão de saber por que razão não adoptou qualquer outra medida para além da subordinação das vendas de fitas de cartuchos e de pregos, a Hilti explica que o problema — isto é, a utilização dos pregos fabricados pela Eurofix — apenas teve inicialmente caracter «local» e que hesitou em fazer uma advertência pública contra os pregos da Eurofix, receando ser alvo de acções judiciais por parte desta empresa em virtude do «prejuízo comercial que isso lhe provocaria».

107

Tentando justificar-se, a Hilti alega, em seguida, que o seu comportamento não teve qualquer efeito económico, uma vez que nenhum prego FFAP decalcado dos seus modelos e compatível com os seus sistemas foi posto à venda no mercado britânico no período em que praticou a subordinação das vendas de fitas de cartuchos e de pregos. No que respeita aos entraves à penetração das intervenientes no mercado, a recorrente justifica-os com o dever de diligência que lhe incumbia na sua qualidade de fabricante.

108

Segundo a Comissão, a conduta da Hilti justifica plenamente a conclusão de que o principal objectivo da recorrente era proteger a sua posição comercial, e não uma qualquer preocupação desinteressada de proteger os utilizadores dos seus produtos. Neste contexto, a Comissão baseia-se nos seguintes factos:

durante os varios anos em que os pregos da Eurofix e/ou da Bauco foram vendidos no mercado britânico, a Hilti não apresentou qualquer queixa às autoridades competentes acerca da segurança ou da fiabilidade desses pregos;

a Hilti nunca se queixou às autoridades competentes a propósito das afirmações feitas pela Eurofix e/ou pela Bauco quanto às características dos seus pregos;

a Hilti deu instruções aos seus vendedores para não registarem por escrito nenhuma crítica que pudessem formular relativamente à segurança ou à fiabilidade dos pregos dos seus concorrentes;

a Hilti nunca escreveu, nem de qualquer outro modo entrou em contacto com as intervenientes a fim de lhes expressar as suas preocupações pela falta de fiabilidade, adaptabilidade ou segurança dos pregos por elas fabricados;

a Hilti nem sequer tomou, em relação aos utilizadores dos seus sistemas, medidas de precaução elementares que, de acordo com as provas por si própria apresentadas — designadamente o parecer do professor Spencer, da Universidade de Cambridge, sobre a responsabilidade do fabricante em direito inglês — deveriam ter sido tomadas por um fabricante normalmente diligente e movido unicamente por verdadeiras preocupações, como as que a Hilti afirma ter sentido;

mesmo analisadas sob uma perspectiva o mais favorável possível, as provas que a Hilti agora apresenta para demonstrar a inferioridade dos pregos da Eurofix e da Bauco não podem, por motivos de segurança ou de fiabilidade, justificar a necessidade de impedir, em qualquer circunstância, a utilização desses pregos em pistolas de pregos da Hilti. Bem pelo contrário, como a própria Hilti reconheceu parcialmente na resposta à notificação das acusações, são numerosas as situações em que a utilização de tais pregos em pistolas de pregos e cartuchos Hilti não suscita qualquer preocupação legítima em matéria de segurança e de fiabilidade;

até interpor o presente recurso, a Hilti reconheceu que as críticas que formulava em relação aos pregos fabricados pelas intervenientes poderiam não resistir a uma análise imparcial perante um tribunal.

109

A Comissão alega que o Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Windsurfing International/Comissão (193/83, Colect., p. 611), e de 11 de Novembro de 1986, British Leyland/Comissão (226/84, Colect., p. 3263, conclusões do advogado-geral M. Darmon, p. 3286) rejeitou a argumentação utilizada pela Hilti no presente processo. Segundo a Comissão, os dois acórdãos referidos demonstram que um abuso na acepção do artigo 86.° não se pode justificar por considerações relativas à segurança e à fiabilidade dos produtos em causa.

110

A Comissão conclui que a Hilti, ao erigir-se em único juiz da «compatibilidade com os seus produtos», ao mesmo tempo que procedia à retenção das informações necessárias para permitir a terceiros determinar simultaneamente se as suas normas eram objectivamente necessárias e se os pregos fabricados por outros fornecedores lhes seriam efectivamente conformes, demonstrou claramente que o seu interesse era afastar o mais possível os produtores concorrentes do mercado.

111

No que respeita ao dever de diligência que a Hilti afirma ter observado em relação a terceiros, a Comissão objecta que as hipóteses em que assenta o parecer do professor Spencer sobre a responsabilidade da Hilti «não têm muito a ver com os factos em discussão no presente processo», na medida em que, por exemplo, a Hilti pediu ao professor Spencer que partisse do pressuposto de que os pregos fabricados pelos seus concorrentes são geralmente inferiores aos fabricados por si própria e de que tais pregos podem partir-se durante a sua utilização, o que provocaria um risco para os utilizadores. Este entendimento demonstra, além disso, segundo a Comissão, que o primeiro dever da Hilti — segundo o professor Spencer — era intervir activamente para prevenir os utilizadores dos seus produtos quanto aos supostos riscos.

112

A Bauco, interveniente, afirma que as alegações da Hilti sobre a falta de segurança, a inexistência de controlo de qualidade e a incompatibilidade dos pregos por si fabricados com os aparelhos Hilti, bem como sobre a publicidade enganosa de que tais pregos teriam sido objecto não são confirmadas pelas provas apresentadas pela Hilti, sendo mesmo por elas desmentidas.

113

Segundo a Bauco, o que na realidade a Hilti procurou fazer foi prorrogar o período de protecção de que beneficiou graças às patentes que detinha. Ora, a Bauco entende ter chegado o momento de adoptar normas para os pregos, as fitas de cartuchos e as pistolas, de modo que tanto os consumidores como os produtores concorrentes possam beneficiar de uma maior abertura do mercado.

114

A Profix, interveniente, apresentou um estudo que se debruça sobre as análises fornecidas pela Hilti, cuja conclusão é que os seus produtos não são defeituosos nem de qualidade inferior aos da Hilti.

Apreciação jurídica

115

E ponto assente que em nenhum momento do período em causa a Hilti se dirigiu às autoridades competentes do Reino Unido a fim de obter a declaração de que a utilização, em aparelhos por si fabricados, de pregos produzidos pelas intervenientes era perigosa.

116

A única explicação que a recorrente apresentou para esta abstenção foi que a utilização das vias judicial e administrativa teria prejudicado ainda mais os interesses da Bauco e da Eurofix do que o fez o comportamento que acabou por adoptar.

117

Este argumento não pode ser acolhido. Efectivamente, se a Hilti tivesse utilizado as possibilidades que lhe eram oferecidas pela legislação britânica aplicável, as intervenientes não teriam sido minimamente lesadas nos seus direitos legítimos no caso de as autoridades do Reino Unido terem dado resposta favorável aos pedidos da Hilti para que fosse proibida a utilização dos pregos produzidos pelas intervenientes nos seus aparelhos bem como, sendo caso disso, qualquer publicidade enganosa delas proveniente. Se, pelo contrário, as autoridades rejeitassem os referidos pedidos, só muito dificilmente a Hilti poderia manter as suas alegações contra a Profix e a Bauco.

118

Como a Comissão afirmou, existem leis no Reino Unido que permitem punir a venda de produtos perigosos bem como as afirmações enganosas relativas às características de determinado produto. Existem igualmente autoridades às quais foi atribuída competência para aplicar essas leis. Nestas circunstâncias, não compete manifestamente a um empresa em posição dominante tomar, por sua própria iniciativa, medidas destinadas a eliminar produtos que considere, bem ou mal, perigosos ou de qualidade inferior aos seus próprios produtos.

119

Acrescente-se, a este propósito, que o efeito útil das regras comunitárias da concorrência ficaria comprometido se a interpretação, por uma empresa interessada, das regulamentações dos diferentes Estados-membros em matéria de responsabilidade pelo fabrico dos produtos prevalecesse sobre as regras comunitárias. O argumento da Hilti baseado no pretenso dever de diligência que lhe incumbia não pode, portanto, ser acolhido.

Quanto ao efeito sobre as trocas entre os Estados-membros

Argumentos das partes

120

Na terceira parte do fundamento assente na violação do artigo 86.° do Tratado, a recorrente alega que nenhuma das actuações de que é acusada produziu efeitos sobre as trocas entre os Estados-membros na acepção do artigo 86.° Para sustentar este ponto de vista, a Hilti alega que o mercado identificado pela Comissão, isto é, o mercado dos pregos ditos «compatíveis Hilti», não é um verdadeiro mercado, uma vez que os pregos produzidos pelas intervenientes não são verdadeiramente compatíveis, na acepção que ela própria deu desta expressão. Assim, no entender da Hilti, as intervenientes não podem ser qualificadas como um elemento legítimo de uma estrutura de concorrência. De qualquer modo, medidas como as que o Tratado tende a proteger, que se inscrevem no quadro da prevenção da concorrência desleal, não são susceptíveis de alterar uma estrutura de concorrência na acepção do artigo 86.°, mas antes de a proteger em benefício do consumidor.

121

A recorrente defende igualmente a tese de que as intervenientes, que apenas comercializam os seus pregos no interior do Reino Unido, não teriam de modo nenhum tido condições para participar nas trocas entre Estados-membros se a recorrente nada tivesse feito para tentar limitar a utilização dos pregos Eurofix e Bauco nós seus sistemas FFAP. Além disso, a recorrente sublinha que não há provas de uma interferência com o direito que normalmente assiste aos distribuidores independentes estabelecidos na Comunidade de exportarem produtos Hilti dentro da CEE, salvo para limitar as vendas de fitas de cartuchos à Eurofix. O pedido que fez aos seus distribuidores independentes apenas visava a Eurofix e não tinha como objectivo bloquear as exportações ou as importações.

122

Contra esta argumentação, a Comissão sublinha que a Hilti não tinha qualquer direito de se arvorar em árbitro para determinar quais as empresas que respondiam e quäis as.que não respondiam à sua própria definição de «concorrência legítima». Mesmo supondo que se venha a provar que as intervenientes fizeram publicidade enganosa, este facto não basta para lhes coartar definitivamente o direito de exercerem as suas actividades nos mercados em causa. O facto de os pregos FFAP poderem ser — e são-no efectivamente — importados no Reino Unido demonstra claramente que o comportamento da Hilti pode ter afectado o comércio entre os Estados-membros. Ao impor aos seus distribuidores independentes uma proibição geral de exportar fitas de cartuchos para todos os outros Estados-membros da CEE, a Hilti tomou manifestamente medidas susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros.

Apreciação jurídica

123

A este propósito, o Tribunal recorda que, nos termos do artigo 86.° do Tratado, é incompatível com o mercado comum e proibido qualquer abuso susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros.

124

Além disso, sublinhe-se que, no caso vertente, enquanto as autoridades competentes não concluírem que o seu comportamento lesa os direitos da Hilti, a concorrência exercida pelas intervenientes deve ser considerada legítima à luz das regras comunitárias da concorrência.

125

Ao tentar impedir a venda dos pregos ditos «compatíveis Hilti», produzidos pelas intervenientes, a Hilti tomou medidas que eram susceptíveis de ter influência sobre o comércio entre os Estados-membros. Efectivamente, os abusos que limitaram a penetração no mercado desses fabricantes independentes não só lesaram os interesses comerciais destes no Reino Unido como refrearam ou bloquearam exportações potencialmente rentáveis graças às importantes diferenças de preços que existem entre os Estados-membros.

126

Resulta destas considerações que o segundo fundamento deve igualmente ser afastado.

Quanto aos fundamentos baseados na violação dos artigos 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e 190.° do Tratado

Argumentos das partes

127

Reportando-se ao comunicado à imprensa publicado pela Comissão em 24 de Dezembro de 1987, a Hilti alega que esta ignorou o disposto non. 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 ao aplicar-lhe uma coima por pretensos factos, nao se afirmando em nenhum ponto da decisão que tais factos constituíram abusos. Chamando a atenção para a afirmação feita pela Comissão nesse comunicado segundo a qual as práticas comerciais da Hilti lhe permitiram praticar preços muito diferentes consoante os Estados-membros, a recorrente observa que as diferenças de preços apenas foram consideradas, quer na decisão impugnada, quer na notificação das acusações que a antecedeu, «consequências económicas do comportamento da Hilti». A recorrente considera que esta alteração de perspectiva constitui uma violação dos direitos da defesa, uma vez que nada lhe indicou em tempo útil que deveria abordar este problema como se se tratasse de uma alegação de abuso. A recorrente sublinha, a este propósito, que a decisão não contém qualquer indicação quanto à oportunidade de uma coima exemplar e que, se não fosse o comunicado ä imprensa, jamais teria conhecido a verdadeira razão por que lhe foi aplicada uma coima de 6 milhões de ecus.

128

Quanto a este aspecto, a Hilti alega ainda que lhe foi aplicada uma coima muito pesada, «bem superior a 10 % do volume de negócios que realizou na Comunidade em sistemas FFAP durante o ano de 1986...». A recorrente entende que as considerações que a levaram a agir, os elementos probatórios nos quais se baseou, as tentativas que fez para limitar os efeitos da sua actuação e a inexistência de efeito económico real das medidas que tomou, militam contra a aplicação de uma coima dita «exemplar». As infracções de que vem acusada reportam-se quase exclusivamente ao Reino Unido e não tiveram, portanto, qualquer efeito sobre a estrutura da concorrência no conjunto da Comunidade. No próprio Reino Unido as infracções alegadas apenas podem ter afectado as intervenientes. A recorrente nega ter deliberadamente cometido infracções. Além disso, entende que a Comissão nao deu qualquer importância às medidas positivas por si adoptadas. Segundo é do seu conhecimento, nunca uma coima tão elevada foi aplicada a uma sociedade que subscreveu compromissos voluntários junto da Comissão e que pôs em prática um programa de conformação com as regras do direito da concorrência.

129

Segundo a Comissão, a Hilti «abusou da sua posição dominante de diversos modos importantes». Tais abusos tiveram como objectivo impedir ou restringir a penetração de concorrentes no mercado ou prejudicar os concorrentes existentes, ou mesmo eliminá-los. Segundo a Comissão, as infracções visavam prejudicar a globalidade da estrutura da concorrência. Todas as infracções foram cometidas pelo menos por negligência e alguns abusos foram deliberadamente praticados. A Comissão é de opinião que alguns dos abusos remontam, pelo menos, a 1981 e que duraram, no mínimo, até ao compromisso provisório subscrito pela Hilti em 1985, considerando igualmente provado que alguns desses abusos continuaram mesmo após esse compromisso. No que respeita à motivação da coima, ela resulta claramente da decisão, que precisa que a infracção foi «grave e duradoura», circunstância que levou a Comissão a aplicar à Hilti uma «coima substancial».

130

A Comissão alega ter tomado em consideração como circunstâncias atenuantes a cooperação da Hilti que se traduziu, em especial:

no compromisso temporário que assumiu em 1985;

no compromisso permanente que assumiu em 1987;

no facto de a Hilti ter reconhecido que adoptou os comportamentos considerados abusivos pela Comissão.

131

A Comissão defende finalmente que a pretensa boa-fé da Hilti é desmentida por diversos elementos, como o facto de a recorrente ter tido consciência, a partir de Abril de 1982, de que existia um «conflito potencial com as regras da concorrência», do mesmo modo que resulta de um telex, de 8 de Abril de 1982, enviado por um dirigente do grupo Hilti a outro dirigente do mesmo grupo, que dava conta da opinião expressa neste sentido por um advogado consultado sobre a matéria; que a recorrente negou, na sua carta de 23 de Março de 1983, acima citada, ter tido o comportamento de que é acusada e que considerou que «qualquer prejuízo financeiro causado por uma coima seria provavelmente de pequena monta relativamente ao valor do mercado» em questão, como resulta de um telex interno da Hilti, não datado.

Apreciação jurídica

132

O Tribunal recorda que, nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, as infracções às regras da concorrência podem ser sancionadas com coimas de montante que pode ir até 10 % do volume de negócios realizado durante o exercício anterior. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça (ver acórdão de 7 de Junho de 1983, SA Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825), esta percentagem aplica-se ao volume de negócios total da empresa. Nos termos do n.° 2, último parágrafo, do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, para determinar o montante da coima há que tomar em consideração, além da gravidade, a duração da infracção.

133

O Tribunal constata, em primeiro lugar, que a recorrente não alegou que a coima de 6 milhões de ecus que lhe foi aplicada ultrapassa o limite de 10 % do volume de negócios total realizado pela Hilti em 1986 e nenhum dos elementos constantes dos autos permite pensar que esse limite foi ultrapassado.

134

O Tribunal entende que a Comissão considerou justamente que as infracções verificadas foram particularmente graves. Efectivamente, com elas pretendeu-se afastar pequenas empresas que mais não faziam do que exercer aquilo a que tinham direito, isto é, produzir e vender pregos destinados a ser utilizados nas pistolas de pregos de marca Hilti. Tal comportamento constitui efectivamente uma grave violação das regras da concorrência. Além disso, está provado que as infracções subsistiram durante um período de cerca de quatro anos, período de tempo não desprezível. A isto acresce o facto de os documentos apresentados pela Comissão demonstrarem que a Hilti estava consciente de que as acções por si conduzidas eram susceptíveis de violar as regras comunitárias da concorrência, o que nem assim a levou a pôr-lhes termo e que, deste modo, cometeu, deliberadamente, ás infracções que lhe são imputadas.

135

As circunstâncias atenuantes enumeradas no ponto 103 da decisão não são, no entender deste Tribunal, susceptíveis de alterar esta apreciação, do mesmo modo que nenhum elemento dos autos permite concluir que a Hilti tenha conduzido uma política anticoncorrencial por motivos de segurança e de fiabilidade dos seus aparelhos. Efectivamente, a Hilti não apresentou qualquer prova, sob a forma de estudos realizados por peritos independentes na época dos factos em discussão, de que os pregos produzidos pelas intervenientes fossem perigosos ou, pelo menos, de qualidade geralmente inferior à dos seus próprios produtos.

136

Quanto ao comunicado à imprensa em questão, sublinhe-se que a fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância só pode ser exercida sobre a decisão adoptada pela Comissão. Dado que nenhum elemento dos autos permite verificar se a decisão impugnada teve motivações diversas das que nela são expressas, o argumento da Hilti sobre este ponto deve ser afastado. Efectivamente, o facto de a Comissão ter qualificado a coima aplicada como uma coima «exemplar» não prova que o seu montante seja excessivo. Embora seja lamentável que a Comissão, no comunicado à imprensa, tenha feito alusão à existência de um nexo de causalidade entre o abuso constatado e os preços praticados nos diferentes Estados-membros, sendo certo que a menção de tal nexo não consta da decisão, pelo menos sob esta forma, as considerações expendidas por aquela instituição justificam amplamente a coima aplicada. Por conseguinte, nada permite concluir que a Comissão teria fundado a sua decisão em considerações nela não expostas.

137

Tendo em conta o que precede, o Tribunal de Primeira Instância considera que a coima aplicada à Hilti não é desproporcionada. Os fundamentos da Hilti relativos a esta questão devem, assim, ser afastados.

138

Daqui decorre que o recurso deve ser globalmente julgado improcedente.

Quanto às despesas

139

Por força do disposto no Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se assim tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, incluindo as efectuadas pelas intervenientes.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

 

1)

O recurso é julgado improcedente.

 

2)

A recorrente é condenada nas despesas, incluindo as das intervenientes.

 

Saggio

Yeraris

Briët

Barrington

Vesterdorf

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 1991.

O secretário

H. Jung

O presidente

A. Saggio


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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