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Document 61989CJ0363

    Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 5 de Fevereiro de 1991.
    Danielle Roux contra Estado belga.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de première instance de Liège - Bélgica.
    Direito de residência dos cidadãos comunitários.
    Processo C-363/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00273

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:41

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-363/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto e tramitação processual

    1. O litígio no processo principal

    1.

    Danielle Roux, de nacionalidade francesa, chegou à Bélgica no final de 1988 e apresentou, em 10 de Janeiro de 1989, à administração comunal da cidade de Liège, um pedido de autorização de estabelecimento na qualidade de trabalhador independente. Para esse efeito declarou que exercia a profissão de empregada de mesa independente.

    2.

    Em 24 de Fevereiro de 1989, o Serviço de Estrangeiros informou a administração comunal de que existia, no seu entender, uma relação de subordinação entre D. Roux e o seu comitente e que, consequentemente, D. Roux era obrigada a apresentar um certificado da entidade patronal com um número do Office national de sécurité sociale (ONSS).

    3.

    Por decisão administrativa, notificada a D. Roux em 12 de Abril de 1989, o Serviço de Estrangeiros indeferiu o seu pedido de autorização de estabelecimento pela razão de que não podia ser considerada empregada de mesa independente pelo facto de se encontrar numa situação de subordinação em relação a um patrão e de essa actividade assalariada não ser exercida em conformidade com a legislação social relativa aos trabalhadores assalariados. Nessas condições, não beneficiava do direito de estada na Bélgica. Consequentemente, as autoridades belgas ordenaram a D. Roux que deixasse o território.

    4.

    D. Roux apresentou um requerimento de medidas provisórias perante o tribunal de première instance de Liège, solicitando que este ordenasse às autoridades belgas que lhe emitissem provisoriamente uma autorização de residência e que as proibisse de executar a ordem de abandonar o território.

    5.

    O juiz competente para decretar as medidas provisórias salientou que as autoridades belgas não contestavam que D. Roux exercia uma actividade económica na Bélgica. No entanto, observou que existiam na Bélgica duas autorizações distintas de estada, consoante a actividade fosse exercida a título assalariado ou a título independente.

    6.

    D. Roux alegou que o direito de residência não podia ser contornado por uma distinção quanto à qualificação da autorização de residência; o Estado belga considerou, por seu turno, que uma actividade só podia ser autorizada na medida em que fosse exercida de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores belgas; tal não é o caso quando um estrangeiro trabalhou como assalariado sem estar inscrito no ONSS.

    7.

    Por despacho de 29 de Novembro de 1989, o presidente do tribunal de première instance de Liège, decidindo o processo de medidas provisórias, ordenou ao Estado belga que emitisse à D. Roux uma autorização de residência e de estabelecimento provisório na Bélgica válida enquanto o processo de medidas provisórias não estivesse terminado e solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre as seguintes quatro questões:

    «1)

    A alínea c) do artigo 3.° e os artigos 7.°, 48.° e seguintes e 52.° e seguintes do Tratado de Roma e as directivas 68/360, 73/148 e 64/221 do Conselho, impõem ou não que se considere que a inscrição prévia de um trabalhador nacional de um Estado-membro da Comunidade num regime de segurança social instituído pela legislação do Estado de acolhimento constitui uma condição do seu direito de residência neste Estado e do seu direito de obter uma autorização de residência ou de estabelecimento neste Estado?

    Mais especificamente, no caso de contestação da qualificação da actividade económica do interessado, cujo exercício não é contestado, a sua inscrição na segurança social dos trabalhadores independentes em vez da segurança social dos trabalhadores assalariados, ou viceversa, pode ser invocada para justificar uma medida de expulsão do território ou para justificar a recusa da autorização de residência ou de estabelecimento?

    2)

    Os artigos 4.° da Directiva 68/360 e 6.° da Directiva 73/148 (ou qualquer outra disposição do direito comunitàrio) proíbem ou não um Estado-membro de exigir, para a emissão da autorização de residência ou de estabelecimento, quer um atestado da entidade patronal ou um certificado de emprego que indique a inscrição do empregador no organismo nacional encarregado da gestão da segurança social dos trabalhadores assalariados quer a prova da inscrição num regime de seguro social para trabalhadores independentes, consoante o interessado seja considerado trabalhador assalariado ou independente, com exclusão de qualquer outro meio de prova de actividade económica?

    3)

    A alínea c) do artigo 3.° e os artigos 48.° e seguintes e 52.° e seguintes do Tratado de Roma, o Regulamento n.° 1612/68, e as directivas 68/360, 73/148 e 64/221 impõem ou não aos Estados-membros que emitam em favor de um trabalhador nacional de outro Estado-membro da CEE uma autorização de residência ou de estabelecimento válida por um período de cinco anos ou, pelo menos, com uma duração bastante para não constituir um obstáculo ao exercício da sua actividade profissional, quando a realidade da sua actividade económica não é contestada e/ou ficou provado que esta não é abrangida pelo artigo 48.° nem pelo artigo 52.°, mas quando a qualificação da actividade, em relação a estas duas categorias, é contestada?

    4)

    O n.° 3 do artigo 48.° e os artigos 56.° e 66.° do Tratado de Roma, a Directiva 64/221 do Conselho, o artigo 10.° da Directiva 68/360 e o artigo 8.° da Directiva 73/148 do Conselho permitem ou não aos Estados-membros a adopção contra um nacional comunitário, que reivindica o benefício da livre circulação de pessoas, de uma medida de indeferimento da autorização de residência ou de estabelecimento com o fundamento em que aquele não exerce a sua actividade económica em conformidade com a legislação social em vigor, quando a legislação social aplicável aos trabalhadores assalariados no Estado-membro de acolhimento apenas prevê uma obrigação de inscrição, e a respectiva sanção, a cargo do empregador do interessado?»

    2. Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

    8.

    O despacho de reenvio foi registado na Secretaria do Tribunal em 30 de Novembro de 1989.

    9.

    Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas:

    em 16 de Fevereiro de 1990, por Danielle Roux, representada pelo advogado Luc Misson;

    em 27 de Fevereiro de 1990, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico, Étienne Lasnet, na qualidade de agente.

    10.

    O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução e, nos termos do artigo 95.°, n.° 1, do Regulamento de Processo atribuiu-o à Terceira Secção.

    II — Observações escritas apresentadas perante o Tribunal de Justiça

    11.

    1. D. Roux, demandante no processo principal, considera, no que diz respeito à primeira questão prejudicial, que o cumprimento das normas nacionais de segurança social não é nem uma condição do direito de residência nem uma condição da concessão da autorização de residência.

    12.

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal, o direito de residência só está sujeito à condição de a pessoa em causa exercer uma actividade económica abrangida pelo Tratado CEE, seja nos termos do artigo 48.° ou do artigo 52.° (ver acórdãos de 12 de Dezembro de 1974, Walrave, 36/74, Recueil, p. 1405, e de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p. 1035).

    13.

    Além disso, D. Roux considera que é também constante da jurisprudência do Tribunal que os direitos subjectivos conferidos pelo Tratado CEE ou por qualquer outra disposição do direito comunitário são adquiridos desde que estejam reunidas as condições materiais e objectivas que lhes dão origem. Por isso, as liberdades fundamentais não podem ser afectadas por formalidades administrativas nacionais que tenham por consequência limitar o seu conteúdo.

    14.

    D. Roux sublinha que, num domínio tão fundamental para a ordem jurídica comunitária como o direito de residência há, a fortiori, a necessidade imperativa de não fazer depender esse direito do cumprimento de formalidades administrativas nacionais relacionadas com questões de inscrição neste ou naquele regime de segurança social.

    15.

    O respeito das normas nacionais de segurança social também não pode, segundo D. Roux, ser invocado no contexto da concessão da autorização de residência. Com efeito, o Tribunal decidiu que a autorização de residência tinha valor meramente declarativo (ver acórdão de 8 de Abril de 1976, Royer, 48/75, Recueil, p. 497), e é, deste modo, proibido aos Estados-membros invocar aquando da emissão da autorização de residência condições que estão proibidas a nível do próprio direito de residência.

    16.

    D. Roux conclui, no que lhe diz respeito, que é manifestamente ilegal proferir uma ordem de abandonar o território pelo facto de ela não apresentar um documento da entidade patronal comprovando que está empregada por tempo indeterminado e contendo o número de ONSS do seu empregador, uma vez que a ordem de abandonar o território constitui a negação pura e simples do direito de residência, cujas condições satisfaz.

    17.

    No respeitante às provas de pertencer à categoria dos beneficiários da livre circulação das pessoas (segunda questão prejudicial), D. Roux refere-se respectivamente ao artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 68/360/CEE do Conselho, atrás referida, e ao artigo 6.°, alínea b), da citada Directiva 73/148/CEE do Conselho.

    18.

    Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 68/360, para a emissão do cartão de residência os Estados-membros apenas podem exigir a apresentação de uma declaração de contrato passada pelo empregador ou o certificado de trabalho.

    19.

    D. Roux alega, a este respeito, que foi claramente demonstrado pelo Tribunal, no referido acórdão Royer, que o artigo 4.° da Directiva 68/360 implicava para os Estados-membros a obrigação de concederem a autorização de residência a qualquer pessoa que apresente, como prova, os documentos enumerados de modo limitativo nesse artigo, isto é, uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho.

    20.

    Considerando que esse artigo não menciona qualquer documento que certifique o cumprimento das normas de segurança social, D. Roux considera que o Serviço de Estrangeiros não podia exigir um documento da entidade patronal com a menção de um número de ONSS de um empregador e penalizar o não cumprimento dessa exigência com a recusa da autorização de residência.

    21.

    Na opinião de D. Roux, a solução é a mesma no respeitante à prova prevista pela Directiva 73/148.

    22.

    Esta emprega a mesma formulação restritiva e não formalista em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços que a Directiva 68/360 em matéria de residência dos trabalhadores assalariados. Da circunstância de o artigo 6.°, alínea b) da Directiva 73/148, não comportar qualquer especificação quanto à prova a fazer deve concluir-se que a prova da actividade independente deve poder ser feita por todos os meios e os Estados-membros não têm o direito de impor a prova pela inscrição numa caixa de seguros sociais para trabalhadores independentes.

    23.

    No respeitante à questão de saber se a qualificação de uma dada actividade económica tendo em conta as categorias dos beneficiários dos artigos 48.°, 52.° e 59.° do Tratado CEE condiciona o direito de residência ou a concessão da autorização de residência (terceira questão prejudicial), D. Roux considera que essa qualificação é subsidiária em relação à questão de saber se estamos em presença de uma actividade económica.

    24.

    Com efeito, o início do direito de residência e a concessão da autorização de residência só estão sujeitos ao exercício, pelo interessado, de uma actividade económica que seja abrangida pelo do Tratado CEE, quer nos termos do artigo 48.° ou nos termos dos artigos 52.° e 59.° do Tratado CEE. Na opinião de D. Roux, seria contraditório conceder aos nacionais comunitários em causa, que exercem uma actividade económica, o direito de residência para, em seguida, os privar desse direito pela razão de que há contestação quanto a saber se essa actividade económica é uma actividade assalariada ou não assalariada na acepção do direito comunitário.

    25.

    Consequentemente, D. Roux considera que não existe qualquer razão imperativa que imponha a suspensão do direito de residência enquanto não tiver sido dada resposta definitiva à questão da qualificação de actividade económica como actividade assalariada ou não assalariada.

    26.

    A este respeito, D. Roux observa ainda que são os Estados-membros que têm a obrigação de qualificar uma actividade económica como abrangida pelo artigo 48.° ou pelo artigo 52.° do Tratado CEE. Neste contexto, o Serviço de Estrangeiros, depois de ter concedido a autorização de residência, pode comunicar, considerando que a pessoa em causa não trabalha em conformidade com a legislação social belga, à ONSS todos os elementos de facto úteis para que este organismo possa tomar, de acordo com a sua competência legal, uma decisão sobre esse aspecto.

    27.

    No respeitante à quarta questão prejudicial, D. Roux considera que o princípio do tratamento nacional, enunciado, nomeadamente, pelo artigo 7.° e pelo artigo 48.°, n.° 3, alínea c), do Tratado CEE, proíbe aos Estados-membros que adoptem, contra um nacional comunitário que reivindique o benefício da livre circulação das pessoas e que não exerça a sua actividade económica em conformidade com a legislação social em vigor, sanções diferentes das aplicáveis a um cidadão nacional que se encontre na mesma situação.

    28.

    D. Roux alega que o princípio do tratamento nacional exige que, quando a obrigação em causa for uma obrigação geral, isto é, uma obrigação que se aplica tanto aos nacionais do Estado-membro de acolhimento como aos outros cidadãos comunitários, a sanção de um eventual incumprimento só pode ser geral, quer dizer, aplicável indistintamente a todos os cidadãos comunitários, incluindo os próprios nacionais do Estado-membro de acolhimento.

    29.

    Para ilustrar a situação discriminatória a que levaria outra conclusão, D. Roux faz referência à legislação belga relativa aos trabalhadores assalariados. Os artigos 35.° e seguintes da lei de 27 de Junho de 1969, relativa à segurança social dos trabalhadores assalariados, prevêem as obrigações de inscrição na segurança social e de pagamento das quotas unicamente a cargo da entidade patronal, o que também é o caso das sanções penais que as acompanham. Se se adoptasse a tese da dualidade de sanção, as autoridades belgas teriam o direito de punir o incumprimento da legislação social pelos trabalhadores assalariados nacionais de outros Estados-membros da CEE, ao passo que a imunidade seria a regra geral relativamente aos trabalhadores nacionais.

    30.

    D. Roux sublinha que isto não significa de modo algum que não se possa encarar o afastamento do território no caso de um cidadão comunitário que trabalhe não cumprindo a legislação nacional. Com efeito, se o interessado continuar, depois de ter sido objecto de diferentes sanções previstas, a exercer ilegalmente a sua actividade, a sua expulsão torna-se então possível com base na reserva da ordem pública se as condições especiais da aplicação desse mecanismo, tais como definidas pela Directiva 64/221/CEE e tais como estritamente interpretadas pelo Tribunal de Justiça, estiverem reunidas.

    31.

    2. A Comissão salienta, antes do mais, que as questões prejudiciais estão intimamente ligadas e que a resposta deve centrar-se na natureza do direito de residência de nacionais comunitários que exercem uma actividade económica num Estado-membro diferente do da sua nacionalidade.

    32.

    A este respeito, a Comissão recorda que o Tribunal já definiu de modo exaustivo o alcance do direito de residência. Segundo essa jurisprudência, o direito de residência resulta directamente do Tratado CEE na medida em que o cidadão comunitário estrangeiro exerça uma actividade económica, quer nos termos do artigo 48.°, 52.° ou 59.° do Tratado CEE. Por conseguinte, a concessão da autorização de residência pela autoridade competente de um Estado-membro não é um acto constitutivo de direitos e só pode, deste modo, certificar, por parte de um Estado-membro, a situação individual de um nacional de um Estado-membro relativamente às disposições do direito comunitário (acórdão Royer, atrás referido).

    33.

    As modalidades práticas que regem o exercício do direito de residência são fixadas pelas disposições das directivas do Conselho, citadas pelo juiz a quo. Nesta base, as autoridades dos Estados-membros não podem opor restrições ou obstáculos à entrada e à permanência no seu território de nacionais de outros Estados-membros que estejam abrangidos pelo âmbito da aplicação pessoal dos artigos 48.°, 52.° e 59.° do Tratado CEE e que estejam em condições de provar que pertencem a uma dessas categorias de pessoas.

    34.

    A Comissão, referindo-se ainda à jurisprudência do Tribunal, assinala que o não cumprimento, de formalidades exigidas para a comprovação do direito de residência de um trabalhador protegido pelo direito comunitário só pode ser sujeito pelas autoridades nacionais a sanções comparáveis às que se aplicam às infracções nacionais. Em caso algum se justifica prever uma sanção desproporcionada que crie um entrave à livre circulação de trabalhadores (acórdãos de 3 de Julho de 1980, Pieck, 157/79, Recueil, p. 2171, e de 12 de Dezembro de 1989, Lothar Messner, C-265/88, Colect., p. 4209).

    35.

    A Comissão alega que estes princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal são transponíveis para casos do tipo do aqui em apreço que foi objecto do presente reenvio.

    36.

    Tendo em consideração o facto de as autoridades belgas não contestarem o exercício de uma actividade económica por D. Roux na Bélgica, a Comissão verifica que ela pode invocar o direito de residência na Bélgica quer como assalariada ou como não assalariada. A apreciação deste direito relativamente ao direito comunitário, segundo a Comissão, não pode variar substancialmente em função da apreciação do Estado de acolhimento quanto à qualificação jurídica dessa actividade.

    37.

    Se D. Roux, como o sustenta o Estado belga, exerce uma actividade assalariada, esse Estado só pode, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 68/360 exigir ao trabalhador, para emissão do cartão de residência, além do «documento ao abrigo do qual entrou no seu território», isto é, o passaporte ou bilhete de identidade, «uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho». Em caso algum pode ser imposta previamente a inscrição do assalariado no regime de segurança social para a aquisição do direito de residencia. Isto parece tanto mais evidente à Comissão que esta obrigação incumbe, nos termos da legislação belga, em qualquer hipótese ao empregador. Se essa obrigação não for respeitada, as sanções prevista pelo direito belga devem incidir sobre o empregador.

    38.

    Se D. Roux exerce uma actividade não assalariada como ela o sustenta, o artigo 6.° da Directiva 73/148 dispõe que, para a emissão do cartão e da autorização de residência, o Estado-membro apenas pode exigir ao interessado, além da apresentação do documento ao abrigo do qual entrou no seu território, isto é, o passaporte ou o bilhete de identidade, «a prova de que é abrangido por uma das categorias referidas nos artigos 1.° e 4.°» da Directiva 73/148. Daqui decorre, segundo a Comissão, que, para o trabalhador não assalariado nenhuma prova é exclusiva em relação às outras. Assim, o Estado não pode exigir um único meio de prova, como a quotização para a segurança social dos trabalhadores independentes. Pelo contrário, as modalidades podem variar em função de cada caso individual; pode tratarse, por exemplo, da inscrição no registo do comércio, do pagamento de diversos impostos, da inscrição numa ordem profissional, etc.

    39.

    No respeitante à decisão de expulsão de D. Roux tomada pelas autoridades belgas, a Comissão faz referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual tal decisão é contrária às disposições do Tratado se assente exclusivamente no fundamento extraído da omissão, pela interessada, de se submeter às formalidades legais relativas ao controlo dos estrangeiros ou da falta de uma autorização de residência (acórdão Royer, atrás referido).

    40.

    Em conclusão, a Comissão sugere que se responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

    a)

    a resposta à primeira questão deve ser negativa;

    b)

    a resposta à segunda questão deve ser afirmativa;

    c)

    a resposta à terceira questão deve ser afirmativa;

    d)

    a resposta à quarta questão deve ser negativa.

    M. Zuleeg

    Juiz-relator


    ( *1 ) Lingua do processo: francos.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Terceira Secção)

    5 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

    No processo C-363/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo presidente do tribunal de première instance de Liège, decidindo em processo de medidas provisórias, e destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre

    Danielle Roux

    e

    Estado belga,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de diversas disposições do direito comunitário relativas à livre circulação de trabalhadores, ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços e, em especial, dos artigos 3.°, alínea c), 7°, 48.°, 52.°, 56.° e 66.° do Tratado CEE, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, e das directivas do Conselho 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 Fl p. 88), 73/148/CEE, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e prestação de serviços (JO L 172, p. 14; EE 06 Fl p. 132) e 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 56, p. 850; EE 05 FI p. 36),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral: G. Tesauro

    secretario: H. A. Rühi, administrador principal

    considerando as observações escritas apresentadas

    em representação de Danielle Roux, demandante no processo principal, por L. Misson, advogado no foro de Liège,

    em representação das Comunidades Europeias por E. Lasnet, consultor jurídico, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da demandante, representada por Misson, Lucas e Dupont, advogados no foro de Liège, da parte demandada, representada por Rimaux, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 2 de Outubro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência do mesmo dia,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por despacho de 29 de Novembro de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Novembro seguinte, o tribunal de première instance de Liège, decidindo em processo de medidas provisórias, apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação de diversas disposições do direito comunitário relativas à livre circulação de trabalhadores, ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços e, em especial, dos artigos 3.°, alínea c), 7°, 48.°, 52.°, 56.° e 66.° do Tratado CEE, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, e das directivas do Conselho 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições para a deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L-257, p. 13), 73/148/CEE, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14) e 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO L 56, p. 850).

    2

    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a demandante no processo principal Danielle Roux, de nacionalidade francesa, ao Estado belga, que lhe recusou a concessão de uma autorização de residência na Bélgica.

    3

    Danielle Roux chegou à Bélgica no final do ano de 1988 e, em 10 de Janeiro de 1989, solicitou, à administração comunal da cidade de Liège, a concessão de uma autorização de residência declarando exercer a actividade de empregada de mesa independente.

    4

    Por decisão administrativa notificada a D. Roux em 12 de Abril de 1989, o Serviço de Estrangeiros indeferiu esse pedido com base no facto de a interessada não exercer a actividade de empregada de mesa independente, mas que trabalhava, pelo contrário, para um patrão em relação ao qual havia uma relação de subordinação. Essa actividade assalariada não era exercida em conformidade com a legislação social em vigor na Bélgica. Em consequência, as autoridades belgas ordenaram a D. Roux que abandonasse o território.

    5

    D. Roux interpôs recurso dessa decisão perante o tribunal de première instance de Liège solicitando, como medida provisoria, a concessão da autorização de residencia a título provisorio e a não execução da ordem de abandonar o território.

    6

    Por despacho de 29 de Novembro de 1989, o presidente do tribunal, decidindo em processo de medidas provisórias, ordenou ao Estado belga que concedesse a D. Roux uma autorização de residência provisória na Bélgica, válida enquanto o processo de medidas provisórias não tivesse terminado. Por outro lado, verificando que as autoridades competentes belgas não contestavam que D. Roux exercia efectivamente uma actividade económica na Bélgica e considerando que existiam nesse Estado duas autorizações diferentes de residencia, consoante o interessado exercesse a sua actividade como assalariado ou como trabalhador independente, o presidente do tribunal de première instance de Liège, no mesmo despacho, solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre as seguintes questões:

    «1)

    A alínea c) do artigo 3.° e os artigos 7.°, 48.° e seguintes e 52.° e seguintes do Tratado de Roma e as Directivas 68/360, 73/148 e 64/221 do Conselho impõem ou não que se considere que a inscrição prévia de um trabalhador nacional de um Estado-membro da Comunidade num regime de segurança social instituído pela legislação do Estado de acolhimento constitui uma condição do seu direito de residência neste Estado e do seu direito de obter uma autorização de residência ou de estabelecimento neste Estado?

    Mais especificamente, no caso de contestação da qualificação da actividade económica do interessado, cujo exercício não é contestado, a sua inscrição na segurança social dos trabalhadores independentes em vez da segurança social dos trabalhadores assalariados, ou vice-versa, pode ser invocada para justificar uma medida de expulsão do território ou para justificar a recusa da autorização de residência ou de estabelecimento?

    2)

    Os artigos 4.° da Directiva 68/360 e 6.° da Directiva 73/148 (ou qualquer outra disposição do direito comunitário) proíbem ou não um Estado-membro de exigir, para a emissão da autorização de residência ou de estabelecimento quer um atestado da entidade patronal ou um certificado de emprego que indique a inscrição do empregador no organismo nacional encarregado da gestão da segurança social dos trabalhadores assalariados quer a prova da inscrição num regime de seguro social para trabalhadores independentes, consoante o interessado seja considerado trabalhador assalariado ou independente, com exclusão de qualquer outro meio de prova de actividade económica?

    3)

    A alínea c) do artigo 3.° e os artigos 48.° e seguintes e 52.° e seguintes do Tratado de Roma, o Regulamento n.° 1612/68, e as Directivas 68/360, 73/148 e 64/221 impõem ou não aos Estados-membros que emitam em favor de um trabalhador nacional de outro Estado-membro da CEE uma autorização de residência ou de estabelecimento válida por um período de cinco anos ou, pelo menos, com uma duração bastante para não constituir um obstáculo ao exercício da sua actividade profissional, quando a realidade da sua actividade económica não é contestada e/ou ficou provado que esta não é abrangida pelo artigo 48.° nem pelo artigo 52.°, mas quando a qualificação da actividade, em relação a estas duas categorias, é contestada?

    4)

    O n.° 3 do artigo 48.° e os artigos 56.° e 66.° do Tratado de Roma, a Directiva 64/221 do Conselho, o artigo 10.° da Directiva 68/360 e o artigo 8.° da Directiva 73/148 do Conselho permitem ou não aos Estados-membros a adopção contra um nacional comunitário, que reivindica o benefício da livre circulação de pessoas, de uma medida de indeferimento da autorização de residência ou de estabelecimento com o fundamento em que aquele não exerce a sua actividade económica em conformidade com a legislação social em vigor, quando a legislação social aplicável aos trabalhadores assalariados no Estado-membro de acolhimento apenas prevê uma obrigação de inscrição, e a respectiva sanção, a cargo do empregador do interessado?»

    7

    Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    Quanto à primeira questão

    8

    A primeira questão prejudicial visa, essencialmente, saber se o direito de residência e, portanto, a concessão de autorização de residência, na acepção da regulamentação comunitária aplicável, estão sujeitos à inscrição prévia do nacional de um Es-tado-membro da Comunidade num regime de segurança social criado pela legislação do Estado de acolhimento e se, em especial, a circunstância de o nacional estar inscrito num regime de segurança social quando deveria estar inscrito num outro pode justificar uma recusa da concessão da autorização de residência, bem como uma medida de expulsão do território.

    9

    Há que salientar que o Tribunal já decidiu várias vezes que o direito de residência constitui um direito directamente conferido pelo Tratado e que só está sujeito à condição do exercício de uma actividade económica nos termos dos artigos 48.°, 52.° ou 59.° do Tratado (ver, nomeadamente, o acórdão-de 8 de Abril de 1976, Royer, n.° 31, 48/75, Recueil, p. 497).

    10

    Daqui é necessário concluir que a inscrição de um nacional de outro Estado-membro da Comunidade num regime de segurança social criado pela legislação do Estado de acolhimento não pode ser imposta como condição prévia ao exercício do direito de residência.

    11

    Por conseguinte, o incumprimento de disposições nacionais relativas à inscrição num regime de segurança social não pode justificar uma decisão de expulsão. Com efeito, essa decisão constitui a própria negação do direito de residência conferido e garantido pelo Tratado CEE.

    12

    Quanto à concessão de uma autorização de residência, ela deve, como o Tribunal o afirmou no acórdão Royer, atrás referido (n.° 33), ser considerada não como um acto constitutivo de direitos, mas como um acto destinado a comprovar, por parte de um Estado-membro, a situação individual de um nacional de um outro Estado-membro relativamente às disposições do direito comunitário.

    13

    As modalidades práticas que regem a concessão da autorização de residência são regulamentadas, no que diz respeito aos trabalhadores assalariados, pela Directiva 68/360 e, no respeitante aos trabalhadores independentes, pela Directiva 73/148.

    14

    Ora, resulta do artigo 4.° da Directiva 68/360 que os Estados-membros, para a concessão das autorizações de residência, só podem exigir a apresentação do documento (passaporte ou bilhete de identidade) ao abrigo do qual o interessado entrou no seu território e uma cópia do contrato de trabalho ou um certificado de trabalho. A inscrição prévia de um assalariado no regime de segurança social não pode, em caso algum, ser imposta como condição para a concessão da autorização de residência.

    15

    Por outro lado, nos termos do artigo 6.° da Directiva 73/148, os Estados-membros só podem exigir, para a concessão da autorização de residência a um trabalhador independente, além da apresentação de um dos documentos de identidade atrás referidos, a prova de que o interessado «é abrangido por uma das categorias referidas nos artigos 1.° e 4.°».

    16

    Na falta de especificação quanto ao meio de prova admitido a este respeito, é necessário concluir que esta pode ser feita por qualquer meio adequado. Por conseguinte, a inscrição prévia de um trabalhador independente no regime de segurança social não pode ser considerada condição para a concessão da autorização de residência.

    17

    Resulta do que precede que o não cumprimento das disposições nacionais relativas à inscrição num regime de segurança social, e, em especial a circunstância de o interessado estar inscrito no regime de segurança social dos trabalhadores independentes em vez de o estar no regime dos assalariados, não pode justificar a recusa da concessão da autorização de residência.

    18

    Assim, há que responder à primeira questão que a inscrição prévia de um nacional de um Estado-membro da Comunidade num regime de segurança social criado pela legislação do Estado de acolhimento não pode constituir uma condição para a obtenção do direito de residência nem para a concessão da autorização correspondente, e que a inscrição num regime de segurança social em vez de outro não pode justificar a recusa da concessão da autorização de residência nem uma decisão de expulsão do território.

    Quanto à segunda questão

    19

    A segunda questão prejudicial diz respeito à questão de saber se a regulamentação comunitária, nomeadamente os artigos 4.° da Directiva 68/360 e 6.° da Directiva 73/148, proíbe os Estados-membros de apenas aceitarem, como prova de que o interessado faz parte de uma das categorias de beneficiários da livre circulação de pessoas e a quem deve, por isso, ser concedida uma autorização de residência, a inscrição prévia num regime de segurança social.

    20

    A este respeito, convém recordar que a única condição exigida a um nacional de um Estado-membro da Comunidade para a concessão da autorização de residência é a de provar que pertence à categoria dos beneficiários da livre circulação de pessoas. Ora, nem o artigo 4.° da Directiva 68/360 nem o artigo 6.° da Directiva 73/148 fazem depender o reconhecimento dos direitos que concedem a uma prova relacionada com a inscrição prévia do interessado num regime de segurança social.

    21

    Assim, convém responder à segunda questão no sentido de que o artigo 4.° da Directiva 68/360 e o artigo 6.° da Directiva 73/148 proíbem os Estados-membros de apenas aceitarem, como prova de que o interessado faz parte de uma das categorias dos beneficiários da livre circulação das pessoas e de que deve, por isso, beneficiar de uma autorização de residência, a inscrição prévia num regime de segurança social.

    Quanto à terceira questão

    22

    A terceira questão diz respeito à questão de saber se a regulamentação comunitária aplicável impõe aos Estados-membros que concedam a autorização de residência a um nacional de outro Estado-membro, quando não se contesta o exercício de uma actividade económica, sendo apenas controvertida a sua qualificação como actividade assalariada na acepção do artigo 48.° do Tratado ou como actividade independente na acepção do artigo 52.° do Tratado.

    23

    A este respeito convém observar que os artigos 48.° e 52.° do Tratado asseguram a mesma protecção jurídica e que, deste modo, a qualificação de uma actividade económica é irrelevante.

    24

    Assim, há que responder à terceira questão no sentido de que os Estados-membros têm a obrigação de conceder uma autorização de residência a um nacional de outro Estado-membro desde que não seja contestado que esse cidadão exerce uma actividade económica, não sendo necessário, para esse efeito, qualificar a actividade exercida como assalariada ou independente.

    Quanto à quarta questão

    25

    Através da quarta questão pergunta-se essencialmente, se os Estados-membros estão autorizados, com base na regulamentação comunitária, a recusar a um nacional comunitário que reivindica o benefício da livre circulação das pessoas, a concessão da autorização de residência, pelo facto de não exercer a sua actividade em conformidade com a legislação social em vigor.

    26

    A este respeito há que recordar que a concessão da autorização de residência, que comprova a existência de um direito conferido e garantido pelo próprio Tratado, tem mero efeito declarativo e apenas pode, deste modo, estar sujeita às condições expressamente previstas pela regulamentação comunitária aplicável na matéria. Ora, o cumprimento das disposições nacionais relativas à segurança social não constitui, como resulta da resposta que acaba de ser dada à primeira questão, uma condição para a obtenção da autorização de residência.

    27

    Daqui decorre que as autoridades nacionais não estão autorizadas a estabelecer como sanção para o incumprimento da legislação social a recusa da concessão da autorização de residência a um nacional comunitário ao qual seja aplicável o regime de livre circulação de pessoas.

    28

    Em contrapartida, convém acrescentar que o direito comunitário não pode, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, opor-se à aplicação de sanções ou de outras medidas coercivas relacionadas com o incumprimento de disposições nacionais em matéria de segurança social comparáveis às que se aplicam também relativamente aos nacionais do Estado de acolhimento (ver os acórdãos do Tribunal de 7 de Julho de 1976, Watson e Beimann, n.° 21, 118/75, Recueil, p. 1185, de 3 de Julho de 1980, Pieck, n.° 19, 157/79, Colect., p. 2171, e de 12 de Dezembro de 1989, Messner, n.° 14, C-265/88, Colect., p. 4209).

    29

    No decurso da audiência perante o Tribunal de Justiça, o Governo belga, no entanto, sustentou que o cumprimento das disposições em matéria de segurança social, nomeadamente as que regem a inscrição num regime de segurança social, releva da noção de ordem pública e constitui, assim, uma condição para o reconhecimento do direito de residência e da concessão da autorização correspondente.

    30

    Esta tese não pode ser acolhida. A reserva, prevista nos artigos 48.°, n.° 3, e 56.°, n.° 1, do Tratado CEE, relativa às limitações justificadas por razões de ordem pública deve ser entendida não como uma condição prévia imposta para a aquisição do direito de entrada e de permanência, mas como dando a possibilidade de fazer, em casos individuais e em presença de elementos justificativos, restrições ao exercício de um direito directamente derivado do Tratado.

    31

    Assim, a reserva de ordem pública não pode, de qualquer modo, justificar medidas administrativas que exijam de modo geral, para a concessão da autorização de residência, outras condições para além das expressamente previstas pela regulamentação comunitária relativa à livre circulação de pessoas.

    32

    Deste modo convém responder à quarta questão no sentido de que os Estados-membros não estão autorizados, com base na regulamentação comunitária relativa à livre circulação de pessoas a recusar a um nacional comunitário a concessão de uma autorização de residência pelo facto de não exercer a sua actividade em conformidade com a legislação social em vigor.

    Quanto às despesas

    33

    As despesas efectuadas pelo Governo belga e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações perante o Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo tribunal de première instance de Liège, por despacho de 29 de Novembro de 1989, declara:

     

    1)

    A inscrição prévia de um nacional de um Estado-membro da Comunidade num regime de segurança social criado pela legislação do Estado de acolhimento não pode constituir uma condição para a obtenção do direito de residência nem para a concessão da autorização correspondente. A inscrição em determinado regime de segurança social e não em qualquer outro não pode justificar a recusa da concessão da autorização de residência nem uma decisão de expulsão do território.

     

    2)

    O artigo 4.° da Directiva 68/360/CEE e o artigo 6.° da Directiva 73/148/CEE proíbem os Estados-membros de apenas aceitarem como prova de que o interessado faz parte de uma das categorias de beneficiários da livre circulação de pessoas e de que deve, por isso, receber uma autorização de residência, a inscrição prévia num regime de segurança social.

     

    3)

    Os Estados-membros têm a obrigação de conceder uma autorização de residência a um nacional de outro Estado-membro desde que não seja contestado que esse nacional exerce uma actividade económica, não sendo necessáro, para esse efeito, qualificar a actividade exercida como assalariada ou independente.

     

    4)

    Os Estados-membros não estão autorizados, com base na regulamentação comunitária relativa à livre circulação de pessoas, a recusar a um nacional comunitário a concessão de uma autorização de residência pelo facto de não exercer a sua actividade em conformidade com a legislação social em vigor.

     

    Moitinho de Almeida

    Grévisse

    Zuleeg

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Fevereiro de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Terceira Secção

    J. C. Moitinho de Almeida


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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