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Document 61989CJ0351

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 27 de Junho de 1991.
    Overseas Union Insurance Ltd e Deutsche Ruck Uk Reinsurance Ltd e Pine Top Insurance Company Ltd contra New Hampshire Insurance Company
    Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal - Reino Unido.
    Convenção de Bruxelas - Litispendência - Consideração do domicílio das partes - Poderes do tribunal demandado em segundo lugar - Competências em matéria de seguros - Resseguro.
    Processo C-351/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03317

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:279

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-351/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto e tramitação processual

    1. Enquadramento jurídico

    Nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte à referida convenção, bem como ao protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (texto alterado publicado no JO 1978, L 304, p. 77; EE 01 F2 p. 131, a seguir «convenção de Bruxelas»),

    «sem prejuízo do disposto na presente convenção, aš pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os órgãos jurisdicionais desse Estado».

    Nos termos do artigo 3.°, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras estabelecidas nas secções II a VI do título II da convenção.

    O artigo 4.°, primeiro parágrafo, da convenção estipula o seguinte:

    «Se o réu não tiver domicílio no território de um Estado contratante, a competência será regulada, em cada Estado contratante, pela lei desse Estado, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 16.°»

    O referido artigo 16.° prevê certos casos de competência exclusiva.

    O segundo parágrafo do artigo 4.° dispõe que:

    «Qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, com domicílio no território de um Estado contratante, pode, em pé de igualdade com os nacionais, invocar contra esse réu as regras de competência que aí estejam em vigor...»

    O título II, secção III, da convenção, que abrange os artigos 7.° a 12.°-A, contém regras de competência especial que se aplicam «em matéria de seguros» (artigo 7.°). O artigo 8.°, em especial, prevê que:

    «O segurador domiciliado no território de um Estado contratante pode ser demandado:

    1)

    perante os tribunais do Estado em que tiver domicílio,

    ou

    2)

    em outro Estado contratante, perante o tribunal do lugar em que o tomador de seguro tiver o seu domicílio,

    ou

    3)

    tratando-se de um co-segurador, perante o tribunal de um Estado contratante onde tiver sido instaurada acção contra o líder do co-seguro.

    O segurador, que, não tendo domicílio no território de um Estado contratante, possua uma sucursal, uma agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado contratante, será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado.»

    O artigo 21.° da convenção tem a seguinte redacção :

    «Quando as acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir penderem entre as mesmas partes perante órgãos jurisdicionais de distintos Estados contratantes, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar deve, mesmo oficiosamente, declarar-se não competente em favor do tribunal primeiramente demandado.

    O órgão jurisdicional que deveria declarar-se não competente pode sobrestar na decisão se for suscitada a incompetência do outro órgão jurisdicional».

    O artigo 22.° prevê ainda que, quando acções conexas foram submetidas a tribunais de diferentes Estados contratantes e estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal demandado em segundo lugar pode suspender a instância ou, em certas condições, declarar-se não competente.

    No que diz respeito ao reconhecimento e à execução das decisões, objecto do título II da convenção, deve recordar-se que, por força do artigo 27.°, ponto 3, uma decisão proferida num Estado contratante não será reconhecida noutro Estado contratante, nomeadamente, se for incompatível com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido. Além disso, o artigo 31.° dispõe que as decisões proferidas num Estado contratante e que aí gozem de força executiva podem ser executadas em outro Estado contratante desde que lhes seja aposta a fórmula executória.

    Por último, nos termos do artigo 53.°, primeiro parágrafo:

    «Para efeitos da aplicação da presente convenção, a sede das sociedades e das pessoas colectivas é equiparada ao domicílio. Todavia, para determinar a sede, o juiz competente aplicará as regras do seu direito internacional privado.»

    2. Antecedentes do litígio

    Segundo a decisão de reenvio, a Overseas Union Insurance Limited (a seguir «OUI»), primeira demandante no processo principal, é uma sociedade de seguros e de resseguros constituída em conformidade com o direito de Singapura e registada em Inglaterra como «overseas company», segundo o disposto nos Companies Acts. Deu poderes (com algumas limitações) à sociedade Accolade Underwriting Agency Limited para concluir por sua conta certas operações de resseguro. As partes estão de acordo em considerar que a OUI não se encontra domiciliada em nenhum dos Estados contratantes da convenção para efeitos da aplicação desta última, a não ser que seja considerada como domiciliada no território de um destes Estados, por força do último parágrafo do artigo 8.° da convenção, se as disposições do título II, secção 3, se aplicarem em matéria de resseguro.

    A Deutsche Ruck UK Reinsurance Limited (a seguir «Deutsche Ruck») e a Pine Top Insurance Company Limited (a seguir «Pine Top»), segunda e terceira demandantes no processo principal, são duas sociedades de resseguros de direito inglês, com sede em Londres. As partes não contestam que, para efeitos da aplicação da convenção, a Deutsche Ruck e a Pine Top se encontram domiciliadas em Inglaterra.

    A New Hampshire Insurance Company (a seguir «New Hampshire») é uma sociedade de seguros do direito do Estado de New Hampshire (Estados Unidos), com o seu estabelecimento principal no mesmo Estado. Exerce as suas actividades em vários países, entre os quais a França e a Inglaterra. Encontra-se registada em Inglaterra como «overseas company», em conformidade com as disposições do Companies Act de 1985, e em França como sociedade estrangeira, porque tem vários estabelecimentos neste país. A New Hampshire exerce as suas actividades em França por intermédio da American International Underwriters SARL, sociedade de direito francês.

    Em 25 de Setembro de 1979, a New Hampshire emitiu um contrato de seguro em favor da sociedade francesa Nouvelles Galeries réunies (a seguir «Nouvelle Galeries»), sociedade de direito francês com sede em Paris. Este contrato cobria, essencialmente, os riscos relativos às despesas de reparação ou de substituição, durante o período de quatro anos, com início um ano após a venda, dos aparelhos eléctricos e electrodomésticos vendidos pelas Nouvelles Galeries com uma garantia de cinco anos. O contrato entrou em vigor em 1 de Outubro de 1979 e aplicou-se até 31 de Dezembro de 1981, abrangendo os artigos vendidos entre estas duas datas. Em 1980, a New Hampshire ressegurou, por intermèdio de corretores londrinos, uma parte do risco assim garantido que, no que é aqui relevante, foi repartido do seguinte modo:

    37,5 % junto da OUI;

    5 % junto da Deutsche Ruck;

    5 % junto da Pine Top.

    Depois de terem pedido um ceno nùmero de informações a respeito do funcionamento e da gestão da conta de seguro, a OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top cessaram de efectuar qualquer pagamento em Julho de 1986. Por cartas enviadas em finais de Março de 1988, estas sociedades anunciaram que se subtraíam aos seus compromissos de resseguro respectivos, invocando a violação de uma obrigação de informação, e/ou uma apresentação errada dos factos, e/ou a inexecução de uma obrigação no âmbito da colocação e da gestão dos contratos de resseguro.

    Em 4 de Junho de 1987, a New Hampshire propôs uma acção contra a Deutsche Ruck e a Pine Top no tribunal de commerce de Paris, exigindo o pagamento das quantias devidas nos termos dos contratos de resseguro. Em 9 de Fevereiro de 1988, a New Hampshire propos uma acção similar contra a OUI no mesmo tribunal. A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top fizeram-se representar por advogados perante o tribunal de commerce e tornaram claro que era sua intenção impugnar a competência do tribunal francês. De facto, a Deutsche Ruck e a Pine Top arguiram formalmente, em 7 de Setembro de 1988, a incompetência do tribunal demandado.

    Em 6 de Abril de 1988, a OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top propuseram uma acção no Commercial Court da Queen's Bench Division do High Court of Justice de Londres pedindo que fosse declarado, no que diz respeito à OUI, que ela não estaria vinculada enquanto resseguradora e, no que diz respeito à Deutsche Ruck e à Pine Top, bem como (a título subsidiario) à OUI, que foi acertadamente que não cumpriram os compromissos emergentes dos contratos de seguro. A New Hampshire pediu que o tribunal inglês suspendesse a instância no litígio aí pendente, de acordo com o disposto no artigo 21.° e/ou no artigo 22.° da convenção.

    Em 9 de Setembro de 1988, o Commercial Court da Queen's Bench Division decidiu suspender a instância no processo aí pendente, em conformidade com o disposto no artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, até que o tribunal francês tenha proferido uma decisão sobre a sua própria competência nos dois litígios que lhe foram submetidos.

    A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top recorreram desta decisão para o Court of Appeal alegando, nomeadamente, que o artigo 21.° da convenção não se pode aplicar ao caso concreto porque a New Hampshire não se encontra domiciliada num Estado contratante. A título subsidiário, na hipótese de o artigo 21.° ser, em princípio, susceptível de se aplicar, o tribunal inglês só poderia suspender a instância depois de estabelecer que o tribunal francês é competente. Ora, no caso concreto não é esse o caso.

    A New Hampshire impugnou estas alegações, defendendo, nomeadamente, que o artigo 21.° se aplica independentemente do domicílio das partes e que esta disposição obriga o tribunal demandado em segundo lugar a declarar-se incompetente ou a suspender a instância, sem que tenha o poder de apreciar a competência do tribunal demandado em primeiro lugar. Aliás, o tribunal francês seria competente no caso concreto, com base, designadamente, no artigo 4.°, segundo parágrafo, ou ainda no artigo 8.°, pontos 2 ou 3, da convenção, se estas últimas disposições forem aplicadas em materia de resseguro. Com efeito, deve considerar-se que a New Hampshire se encontra domiciliada em França para efeitos da aplicação destas disposições.

    3. As questões prejudiciais

    Por decisão de 26 de Julho de 1989, o Court of Appeal decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 21.° da convenção aplica-se:

    a)

    independentemente do domicílio das partes nas duas instâncias,

    ou

    b)

    apenas se o réu no processo pendente no tribunal demandado em segundo lugar tiver domicílio num Estado contratante, independentemente do domicílio das outras partes,

    ou

    c)

    se pelo menos uma, e, na afirmativa, qual, das partes nas duas instâncias tiver domicílio num Estado contratante?

    2)

    Nos termos do artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, quando for contestada a competência do tribunal demandado em primeiro lugar, o tribunal demandado em segundo lugar é obrigado, em qualquer circunstância, a suspender a instância como uma alternativa a declarar-se incompetente?

    3)

    a)

    Se o tribunal demandado em segundo lugar não tiver tal obrigação, é-lhe i) exigido ou ii) permitido, para decidir se suspende a instância, que examine se o tribunal demandado em primeiro lugar é competente?

    b)

    Na afirmativa, em que circunstâncias, e até que ponto, pode o tribunal demandado em segundo lugar examinar a competência do tribunal demandado em primeiro lugar?

    4)

    Se a resposta à terceira questão, alíneas a) e b) indicar que ao tribunal demandado em segundo lugar é exigido, ou, se não lhe é exigido, que lhe é permitido, em circunstâncias que incluem ou podem incluir casos como o presente, examinar se o tribunal demandado em primeiro lugar é competente, o estabelecido na secção 3 do título II da convenção aplica-se entre um segurador directo (ressegurado) e um ressegurador, no quadro de um contrato de partilha de quotas de resseguro?»

    Na sua decisão, o juiz de reenvio especifica que as partes estão de acordo em que, em ambos os casos, a acção foi primeiro proposta nos tribunais franceses e que os processos franceses e o processo inglês têm o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e as mesmas partes na acepção do artigo 21.° da convenção, tal como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch Maschinenfabrik AG (144/86, Colect., p. 4861).

    4. Tramitação processual

    A decisão de reenvio foi registada na Secretaria do Tribunal em 17 de Novembro de 1989.

    Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça CEE, foram apresentadas observações escritas pela OUI, pela Deutsche Ruck e pela Pine Top, demandantes no processo principal, representadas por Peter Goldsmith, QC, e David Railton, barrister, inicialmente mandatados por Holman Fenwick & Willan, solicitors, em seguida, no que diz respeito à OUI, por Stephenson Harwood, solicitors, pela New Hampshire, demandada no processo principal, representada por Jonathan Mance, QC, e Alan Newman, QC, mandatados por Hextall, Erskine & Co., solicitors, pelo Governo da República Federal da Alemanha, representado pelo professor Christof Böhmer, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça, na qualidade de agente, pelo Governo do Reino Unido, representado por Rosemary Caudwell, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por John Forman, consultor jurídico, e Adam Blomefield, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

    Em 20 de Setembro de 1990, o Tribunal decidiu, nos termos do artigo 95.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, remeter o processo à Sexta Secção.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem instrução prévia.

    II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

    Quanto à primeira questão

    A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top, demandantes no processo principal, ilustram, a título liminar, o princípio de direito inglês denominado do «forum non conveniens», que confere aos juízes um largo poder discricionário a fim de determinar o órgão jurisdicional mais adequado para apreciar um determinado litígio. Observam que o Civil Jurisdiction and Judgments Act de 1982, que incorporou a convenção no direito ingles, prevê, na sua secção 49, que um tribunal do Reino Unido pode suspender a instancia, cancelar ou declarar não admissível um processo que lhe seja submetido, com base, nomeadamente, no «forum non conveniens», quando tal decisão não seja incompatível com a convenção. Assim, em direito inglês, o alcance do princípio do «forum non conveniens» depende do alcance e da interpretação da convenção.

    No caso concreto, a questão que se coloca é a de saber se é incompatível com a convenção que um tribunal inglês demandado em segundo lugar possa encarar a aplicação do «forum non conveniens» no caso de o réu no processo inglês não ser domiciliado num Estado contratante. Admite-se, em contrapartida, que, em tal caso, o tribunal inglês não possa aplicar o referido princípio em relação a um réu domiciliado num Estado contratante, dado que os artigos 21.° e 22.° da convenção se opõem a tal. Por outro lado, a questão de saber se um tribunal inglês, demandado em primeiro lugar, se pode declarar incompetente por força do princípio do «forum non conveniens» suscita problemas diferentes e não se coloca no caso concreto.

    As demandantes no processo principal defendem que o artigo 21.° da convenção só se aplica se o réu no processo pendente no tribunal demandado em segundo lugar estiver domiciliado num Estado contratante. Esta tese é apoiada por uma série de argumentos assentes nos objectivos da convenção, no seu sistema, na função do artigo 21.°, na pertinência do título III da convenção, consagrado ao reconhecimento e à execução de decisões, bem como nas consequências de uma conclusão em sentido contrário.

    No que diz respeito aos objectivos da convenção, o artigo 220.° do Tratado CEE teria previsto a conclusão da mesma unicamente em favor dos nacionais dos Estados-membros. O preâmbulo da convenção, por seu turno, declara expressamente que os Estados-membros estavam preocupados em reforçar na Comunidade a protecção jurídica das pessoas estabelecidas no seu território. A fim de alcançar esses objectivos, a convenção fixa a noção de domicílio e estabelece um código detalhado das competências que os tribunais dos Estados contratantes podem exercer em relação a pessoas domiciliadas num destes Estados.

    Assim, a regra de base da convenção é enunciada no artigo 2.° da convenção, de acordo com o qual as pessoas domiciliadas num Estado contratante devem ser demandadas perante os tribunais desse Estado. Tratando-se de réus que não estejam domiciliados num Estado contratante, o artigo 4.° dispõe que a competência é, em cada Estado contratante, regulada pela lei desse Estado. As únicas excepções previstas a esta regra são as competências exclusivas previstas pelo artigo 16.° da convenção. Fora destas hipóteses excepcionais, o alcance da lei nacional visada no artigo 4.°, incluindo o das regras de competência exorbitante do Estado contratante em causa, não teria qualquer limitação. Qualquer pessoa domiciliada num Estado contratante pode invocar estas disposições, por força do artigo 4.°, segundo parágrafo.

    Não existe qualquer disposição que faça depender do artigo 21.° o exercício da competência ao abrigo do direito interno de um Estado contratante em relação a um réu não domiciliado num destes Estados. O artigo 21.° só pode ser considerado uma limitação ao direito nacional dos Estados contratantes se tal interpretação for necessária para atingir os objectivos da convenção e se estiver de acordo com a redacção das suas disposições. Ora, as regras do artigo 21.° só se justificam em circunstâncias em que a competência resulte da própria convenção. Todavia, quando o réu não estiver domiciliado num Estado contratante, o artigo 4.° autoriza a aplicação das regras nacionais não harmonizadas. Nesse caso, não haveria qualquer razão para resolver um conflito entre regras de competência nacionais em função da data do início do processo em vez de o resolver através das regras previstas para o efeito pelo direito nacional. A aplicação do artigo 21.° em tais circunstâncias tornaria extensivo o benefício da convenção bem para além das pessoas domiciliadas nos Estados contratantes e reduziria, na mesma medida, as vantagens concedidas ao abrigo do artigo 4.°, segundo parágrafo, às pessoas que aí se encontram domiciliadas.

    Tal como o Tribunal declarou no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch, atrás referido, os artigos 21.° e 22.° visam evitar que existam processos paralelos perante os tribunais de diferentes Estados contratantes, de modo a evitar o risco de uma decisão não poder ser reconhecida em razão da sua incompatibilidade com uma decisão proferida no Estado requerido, tal como previsto no artigo 27.°, ponto 3. No entanto, estas considerações não justificam que a aplicação do artigo 21.° seja extensiva a casos em que a competência do tribunal demandado em segundo lugar é determinada, por força do artigo 4.°, pela lei nacional e, eventualmente, pelas suas regras de competência exorbitantes de modo que o litígio poderia ser submetido a um tribunal completamente inadequado. De qualquer modo, a própria existência do artigo 27.°, ponto 3, que diz respeito aos casos de decisões inconciliáveis proferidas entre as mesmas partes em Estados diferentes, demonstram bem que os artigos 21.° e 22.° não podem excluir a superveniencia de todos os conflitos desta natureza. Uma das situações susceptíveis de dar origem a decisões judiciais incompatíveis seria precisamente aquela em que fossem aplicadas regras nacionais de competência exorbitante por força do artigo 4.°

    Se se devesse aplicar o artigo 21.° em favor de um réu não domiciliado num Estado contratante, num processo perante o tribunal demandado em segundo lugar, a continuação deste processo dependeria de uma regra rígida e potencialmente injusta de prioridade. O sistema introduzido pelo artigo 21.°, que assenta apenas na data do início do processo justifica-se, é certo, quando a competência é determinada pela convenção, mas afigura-se inadequado quando a competência, em relação aos réus que não se encontram domiciliados num Estado contratante, depende das regras nacionais, incluindo as de competência exorbitante.

    Invocando a competência exorbitante de um Estado contratante, uma pessoa poderia intentar uma acção contra uma pessoa que não estivesse domiciliada em nenhum Estado contratante, mesmo quando o exercício da competência pelo tribunal demandado fosse totalmente inadequado. Se esta acção fosse a primeira, seria impossível submeter o litígio aos tribunais do Estado contratante adequado. Além disso, o tribunal demandado em primeiro lugar não poderia declarar-se incompetente em favor do tribunal adequado. Segundo as demandantes no processo principal, o princípio do «forum non conveniens» fornece um meio válido e flexível, que permite ao tribunal inglês determinar o tribunal adequado. Seria desejável que o alcance deste princípio não fosse limitado nos casos de uma regra de competência exorbitante de um Estado contratante permitir que o processo seja iniciado perante um tribunal que não é adequado.

    Em consequência, as demandantes no processo principal sugerem ao Tribunal que responda à primeira questão nos seguintes termos :

    «O artigo 21.° da convenção não se aplica sem que se deva ter em conta o domicílio das partes nas duas instâncias, mas apenas se o réu no litígio perante o tribunal demandado em segundo lugar estiver domiciliado num Estado contratante, seja qual for o domicílio das outras partes.»

    A New Hampshire, demandada no processo principal, observa que os artigos 21.° a 23.°, que dizem respeito a situações de litispendência ou de conexão entre processos submetidos a tribunais de diversos Estados contratantes, têm por finalidade evitar os problemas de reconhecimento e de execução que se colocariam, sem tal, quanto à aplicação do título IH, e nomeadamente do artigo 27.°, ponto 3. O Tribunal sublinhou com veemência este objectivo no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch, atrás referido.

    Nem o texto, nem qualquer outro elemento, permite limitar o alcance dos artigos 21.° e 22.° às situações em que a pessoa que seja o réu perante o tribunal demandado em segundo lugar esteja domiciliada num Estado contratante. Para que as referidas disposições se apliquem, basta que haja litispendência (artigo 21.°) ou conexão (artigo 22.°) em Estados contratantes diferentes, não sendo exigida qualquer outra condição. A convenção tem o cuidado de examinar os casos em que o domicílio ou a ausência de domicílio de uma ou de outra das partes entram em linha de conta (ver, por exemplo, os artigos 2.° a 6.°, 8.°, 11.° a 15.° e 17.°). Em contrapartida, para a aplicação dos artigos 21.° e 22.°, é irrelevante que a competência invocada perante um ou outro tribunal decorra do artigo 2.° (competência assente no domicílio), do artigo 3.° (competência assente noutros elementos, apesar da existência de um domicílio num Estado contratante) ou do artigo 4.° (competência assente no direito nacional, na ausência de domicílio). Os artigos 21.° e 22.° foram concebidos como englobando todas as situações.

    A argumentação em sentido contrário desenvolvida pelas demandantes no processo principal, segundo a qual o artigo 21.° assenta necessariamente numa distinção entre a competência relativamente às pessoas domiciliadas num Estado contratante e a competência relativamente às pessoas que não estejam aí domiciliadas, é ilógica e inexacta. Aliás, limitaria consideravelmente o alcance dos artigos 21.° a 23.°, aumentando o risco de conflitos de competência e de incompatibilidade entre as decisões. A referida argumentação está igualmente em contradição com uma das próprias razões pelas quais o artigo 4.° (que remete para as regras nacionais a fim de estabelecer a competência na ausência de domicílio) foi introduzido na convenção. Trata-se da vontade de garantir que a convenção, e em especial os artigos 21.° a 23.°, englobe todas as formas de competência, inclusive a competência em relação aos réus não domiciliados num Estado contratante. A New Hampshire refere-se, sobre este ponto, ao relatório elaborado pelo comité de peritos que redigiram o texto da convenção (JO 1979, C 59, p. 1), bem como a obras doutrinárias.

    A circunstância de o artigo 4.° reconhecer a competência dos tribunais dos Estados contratantes em relação aos réus não domiciliados, «sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 16.°», sem conter uma reserva análoga para os artigos 21.° a 23.°, não significa que as acções contra réus não domiciliados sejam excluídas do âmbito de aplicação destas últimas disposições. A menção expressa do artigo 16.° explica-se pelo facto de este prever competências exclusivas em relação a réus não domiciliados. Os artigos 21.° a 23.° visam uma questão diferente, ou seja, a do conflito entre várias competências reais ou pretensas. E errado interpretar a convenção unicamente num sentido favorável às pessoas estabelecidas na Comunidade com base no segundo objectivo mencionado no preâmbulo. Tal seria ignorar a importância dos outros objectivos, que o Tribunal sublinhou nos acórdãos de 6 de Outubro de 1976, De Bloos (14/76, Recueil, p. 1497), de 15 de Janeiro de 1987, Shenavai (266/85, Colect., p. 239), e de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch, atrás referido. Além disso, independentemente da situação especial das pessoas domiciliadas na Comunidade que sejam demandantes ou demandadas em certos litígios, é do interesse de todas as pessoas estabelecidas na Comunidade que existam regras claras sobre a competência bem como sobre a execução das decisões.

    Por último, a tese das demandantes no processo principal teria a consequência desastrosa de os artigos 21.° e 22.° produzirem efeitos diferentes consoante os demandantes e os demandados estejam ou não domiciliados na Comunidade.

    A New Hampshire propõe portanto ao Tribunal que dê a resposta seguinte à primeira questão:

    «O artigo 21.° da convenção aplica-se sem que haja que se ter em conta o domicílio de nenhuma das partes nas duas instâncias.»

    O Governo alemão sublinha, a título liminar, que convém, no caso concreto, aplicar a convenção na versão resultante da convenção de adesão de 9 de Outubro de 1978. A convenção relativa à adesão da República Helénica à convenção relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como ao protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça, na redacção que lhes foi dada pela convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, de 25 de Outubro de 1982 (JO L 388, p. 1; EE Ol F3 p. 234) só se aplica às acções intentadas após a entrada em vigor da convenção de adesão no Estado de origem (artigo 12.° da convenção de 1982, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1989 no que diz respeito ao Reino Unido).

    Relativamente à primeira questão, o ponto central e decisivo a que se refere o artigo 21.° seria, pura e simplesmente, a litispendência entre litígios submetidos a tribunais de dois Estados contratantes diferentes. Seria irrelevante, para efeitos da aplicação do artigo 21.°, que os dois órgãos jurisdicionais tenham sido demandados por força das regras de competência previstas pela convenção ou das que resultam do direito interno do Estado contratante em causa.

    Numerosos autores exprimiram já a opinião de que, para efeitos da aplicação do artigo 21.°, o domicílio do réu ou das outras partes é irrelevante. Só esta interpretação ampla permite atingir o objectivo do artigo 21.°, ou seja, por um lado, proteger o réu no segundo processo de uma dupla condenação e, por outro, evitar ná medida do possível que haja decisões contraditórias em dois Estados contratantes.

    Deve, pois, responder-se à primeira questão nos termos seguintes:

    «O disposto no artigo 21.° da convenção é aplicável sem que haja que se tomar em consideração o domicílio das panes que intentaram acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir em dois Estados contratantes diferentes.»

    O Governo do Reino Unido apoia-se no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch, atrás referido, para sustentar que a necessidade de evitar processos paralelos e decisões incompatíveis constitui um aspecto essencial da convenção.

    Uma decisão proferida em relação a um réu que não tenha domicílio no território de um Estado contratante seria, no entanto, reconhecida e executada em aplicação, respectivamente, dos artigos 26.° e 31.° da convenção. E manifesto que, se tais decisões não relevassem do artigo 21.°, correr-se-ia o risco de surgirem decisões incompatíveis na fase do reconhecimento e da execução.

    Daí o Governo do Reino Unido conclui que o artigo 21.° da convenção é aplicável sem que haja que se ter em consideração o domicílio das partes nas duas instâncias.

    A Comissão alega que, se, para a determinação da competência, a convenção assenta na noção de domicílio num Estado contratante, pode, igualmente, aplicar-se em relação a üma pessoa que não tenha tal domicílio (artigos 4.° ou 8.°, segundo parágrafo) ou independentemente de qualquer consideração do domicílio (artigo 16.°).

    O artigo 4.° deve ser aplicado sem prejuízo do disposto no artigo 21.°, para que não surja um conflito do tipo dos que a convenção se destina precisamente a evitar. Como, além disso, o artigo 21.° não se refere ao domicílio das partes, esta noção não deve desempenhar qualquer papel na sua interpretação.

    Consequentemente, a Comissão convida o Tribunal a dar à primeira questão a seguinte resposta:

    «A aplicação do artigo 21.° não depende do domicílio das partes, relevando a questão do domicílio de outras disposições da convenção.»

    Quanto d segunda e à terceira questão

    A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top alegam que, quando a competência do órgão jurisdicional demandado em primeiro lugar é contestada, o artigo 21.°, segundo parágrafo, não exige que o demandado em segundo lugar suspenda a instância ou se declare incompetente em todos os casos, mas apenas se o outro órgão jurisdicional for devidamente demandado na acepção da convenção. O termo «devidamente» estaria implícito no artigo 21.°

    Dado que as regras de competência previstas na convenção são comuns a todos os Estados contratantes e devem neles ter uma interpretação e uma aplicação uniforme, os tribunais de cada Estado contratante estariam todos igualmente em posição de determinar os tribunais competentes em cada processo concreto. Devem exceptuar-se unicamente os casos em que a determinação da competência dependa de um elemento alheio às regras uniformes da convenção tal como a noção de domicílio em direito nacional ou, eventualmente, as regras nacionais de competência indicadas no artigo 4.°

    Uma vez que a convenção tem por objectivo assegurar que a competência só seja exercida, sob o regime da convenção, em aplicação das regras fixadas no seu título II, prevê implicitamente que não deve resultar qualquer prejuízo de uma competência invocada, erradamente, perante os tribunais de um Estado contratante. Seria contrário a estes objectivos e injustificado que o artigo 21.° pudesse ser aplicado e que um tribunal demandado acertadamente renunciasse à sua competência, ao passo que o tribunal demandado em primeiro lugar não teria qualquer competência. A decisão de suspender a instância no processo iniciado em segundo lugar não seria uma solução satisfatória porque causaria atrasos, despesas e inconvenientes apenas a fim de estabelecer que o tribunal demandado em primeiro lugar é incompetente. Tal permitiria e encorajaria abusos e manobras preventivas por parte dos litigantes que desejassem atrasar o processo ou beneficiar dos seus recursos mais importantes.

    Se, de facto, o tribunal demandado em primeiro lugar não é competente, será do interesse de uma boa administração da justiça que tal seja estabelecido tão rapidamente quanto possível. Em especial, quando o litígio releve da competência exclusiva do tribunal demandado em segundo lugar, seria totalmente injustificado que este suspendesse a instância.

    Qualquer decisão quanto à competência do tribunal demandado em primeiro lugar, proferida por este ou pelo tribunal demandado em segundo lugar, deveria normalmente vincular o outro tribunal.

    O tribunal demandado em segundo lugar só deve portanto aplicar o artigo 21.° se estabelecer que o tribunal demandado em primeiro lugar é competente. Se o tribunal demandado em segundo lugar não estiver em condições de determinar a competência de outro tribunal em razão da pertinência de questões de facto ou de direito que poderiam ser melhor apreciadas por este último, pode suspender a instância até que o outro tribunal tenha decidido quanto à sua própria competência.

    Assim, as demandantes no processo principal sugerem ao Tribunal que responda à segunda e à terceira questão de acordo com o seguinte :

    «Por força do artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, quando a competência do tribunal demandado em primeiro lugar é contestada, o tribunal demandado em segundo lugar não é obrigado, de qualquer modo, a suspender a instância no caso de escolher não se declarar incompetente.

    O tribunal demandado em segundo lugar é obrigado, quando a competência do tribunal demandado em primeiro lugar é contestada, a examinar se este tribunal é competente. Tal exame deve ser susceptível de permitir ao tribunal demandado em segundo lugar determinar, quer que o tribunal demandado em primeiro lugar é competente, quer que não é competente, quer ainda que pode ser competente em circunstâncias que o tribunal demandado em segundo lugar não se julga competente para determinar.»

    A New Hampshire observa que o artigo 21.°, segundo parágrafo, autoriza o tribunal demandado em segundo lugar a suspender a instância, em vez de se declarar incompetente, mas não a escolher uma outra opção. Esta faculdade não pode ser assimilada à noção do «forum non conveniens» e deve ser utilizada em favor do tribunal demandado em primeiro lugar, na pendência de uma decisão sobre uma eventual excepção de incompetência.

    Estas noções decorrem tanto da função como da redacção do artigo 21.° O primeiro parágrafo desta disposição prevê uma declaração de incompetência obrigatória quando a competência do tribunal demandado em primeiro lugar não seja contestada ou tal contestação não tenha sido aceite, regulando o segundo parágrafo o período em que tal contestação se encontra pendente. A New Hampshire refere-se, em especial, à doutrina e à jurisprudência britânica, bem como ao relatório do comité de peritos que elaboraram o texto da convenção, atrás referido, de acordo com o qual a faculdade de suspender a instância foi introduzida com a finalidade de evitar conflitos negativos de competência e para que as partes não sejam obrigadas a recomeçar um novo processo se o tribunal demandado em primeiro lugar se declarar incompetente.

    E concebível uma solução diferente em casos excepcionais em que o tribunal demandado em segundo lugar disponha de uma competência exclusiva, nomeadamente por força do artigo 16.° da convenção, ao passo que o tribunal demandado em primeiro lugar não dispõe da mesma. Poderia então não ser obrigado nem a declarar-se incompetente nem a suspender a instância nos termos do artigo 21.° A New Hampshire, todavia, não adere a esta tese. Salienta, de qualquer modo, que não é necessário examinar esta situação, porque não é invocada no caso concreto qualquer regra de competência exclusiva.

    A convenção não permite que um tribunal de um Estado contratante verifique a competência de um tribunal de outro Estado contratante. Em especial, o sistema do artigo 21.° implica que qualquer objecção quanto à competência do tribunal estrangeiro deve ser examinada por este último. Hipóteses excepcionais, ligadas a uma competência exclusiva do tribunal demandado em segundo lugar, não entram em consideração no caso concreto.

    Pressupondo, todavia, que o tribunal demandado em segundo lugar possa verificar a competência do tribunal de outro Estado contratante demandado em primeiro lugar, dever-se-ia limitar a examinar se a acção intentada perante o tribunal demandado em primeiro lugar o foi de boa fé ou, alternativamente, se assenta numa competência verosímil.

    A New Hampshire propõe portanto ao Tribunal que dê à segunda questão a resposta seguinte :

    «Por força do artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, as únicas possibilidades facultadas ao tribunal demandado em segundo lugar são quer a de se declarar incompetente, ou (quando a competência do tribunal demandado em primeiro lugar for contestada) suspender a instância em vez de se declarar incompetente.»

    A terceira questão ficaria assim sem objecto.

    Segundo o Governo alemão, o artigo 21.° só dá ao tribunal demandado em segundo lugar, em caso de litispendência noutro Estado contratante, a escolha entre declarar-se incompetente e suspender a instancia. Não existe outra possibilidade, mesmo quando se julgue competente e deseje continuar a apreciar o litígio.

    Baseando-se no texto do artigo 21.°, bem como no relatório do comité de peritos, atrás referido, e nas opiniões expressas por numerosos autores, o Governo alemão sustenta que a escolha entre a declaração de incompetência e a suspensão da instância releva do poder de apreciação do tribunal demandado em segundo lugar, que deveria tomar em consideração a procedência do fundamento assente na incompetência do tribunal demandado em primeiro lugar. Se o tribunal considerar com certeza que o mesmo não é fundado, declarar-se-á incompetente; se, em contrapartida, existirem sérios riscos de que o primeiro tribunal se declare incompetente, o segundo tribunal demandado suspenderá a instância.

    Na opinião do Governo alemão, deve pois responder-se à segunda e à terceira questão nos seguintes termos:

    «O tribunal demandado em segundo lugar só tem a escolha entre declarar-se incompetente, em razão da sua própria incompetência ou em proveito do tribunal demandado em primeiro lugar, e suspender a instância.

    A decisão de suspender a instância releva do poder de apreciação do tribunal demandado em segundo lugar. Para o efeito, o tribunal deve basear-se nas seguintes considerações:

    a)

    se considerar que o fundamento de incompetência do primeiro tribunal não é procedente, pronuncia-se com base no artigo 21.°, primeiro parágrafo, da convenção,

    b)

    se existirem sérios riscos de que o primeiro tribunal se declare incompetente, é preferível suspender a instância.»

    O Governo do Reino Unido considera que a resposta à segunda questão deve ser guiada pela necessidade de evitar decisões incompatíveis. Assim, o segundo tribunal demandado só poderia escolher entre suspender a instância ou declarar-se incompetente. Esta opinião corresponde à expressa no relatório do comité de peritos, atrás referido. O Governo do Reino Unido não se pronuncia sobre a terceira questão.

    A Comissão considera que, se o tribunal demandado em segundo lugar não decidir declarar-se incompetente por iniciativa própria, como é normalmente obrigado a fazer (artigo 21.°, primeiro parágrafo), pode decidir suspender a instância (segundo parágrafo), desde que a competência do tribunal demandado em primeiro lugar seja devidamente contestada. Se a competência não fosse contestada, a obrigação de se declarar incompetente seria absoluta e o segundo parágrafo não produziria efeitos.

    A segunda questão deveria, portanto, responder-se o seguinte:

    «Quando um tribunal, que não seja o tribunal demandado em primeiro lugar, seja obrigado a declarar-se incompetente por força do artigo 21.°, primeiro parágrafo, pode escolher, como outra solução, suspender a instância, mas apenas quando a competência do tribunal demandado em primeiro lugar for devidamente contestada.»

    Quanto à quarta questão

    A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top alegam que a jurisprudência inglesa teria tendência a afastar a aplicação do título II, secção 3, da convenção em matéria de resseguro. Aliás, o relatório do comité de peritos que redigiram a convenção, atrás referido, demonstra que as disposições desta secção tinham, nomeadamente, por finalidade evitar os abusos que podem resultar de contratos de adesão. Se tais considerações podem ser irrelevantes mesmo para um contrato de seguro, por exemplo quando o segurado é uma sociedade importante, será pouco provável que sejam actuais no contexto de operações de resseguro, em que, por definição, é um segurador que ressegura outro segurador. Assim, o relatório do comité de peritos que redigiram a convenção de adesão de 1978 (JO 1979, C 59, p. 71) declara em termos categóricos que um contrato de resseguro não pode ser equiparado a um contrato de seguro. Daí resulta que os artigos 7.° a 12.° não são aplicáveis aos contratos de resseguro.

    Em consequência, o Tribunal pode responder à quarta questão nos seguintes termos:

    «As disposições do' título II, secção 3, da convenção não se aplicam entre um segurador (ressegurado) e um ressegurador no âmbito de um contrato de partilha de quotas de resseguro.»

    A New Hampshire alega que a questão de saber se as disposições do título II, secção 3, da convenção se aplicam às relações entre um segurador directo (ressegurado) e um ressegurador que deu origem a opiniões divergentes: se a doutrina e o relatório do comité de peritos que redigiram a convenção de adesão, atrás referida, têm tendência para excluir a aplicação destas disposições em matéria de resseguro, peritos de direito francês consultados no decurso do processo principal teriam considerado que a questão subsiste, pelo menos para certos contratos de resseguro que, pela sua natureza, são igualmente contratos de seguro.

    Revestindo este ponto um interesse geral para os seguradores e resseguradores, seria conveniente esperar, para o resolver, por um processo em que o mesmo se coloque directamente. Na hipótese de o Tribunal ter, no entanto, que examinar esta questão, a New Hampshire considera que as disposições do título II, secção 3, não se aplicam aos contratos de resseguro, pelo menos na maioria dos casos.

    O Governo alemão, fundando-se nos relatórios dos comités de peritos, atrás referido, sustenta que o regime de competência estabelecido pela convenção em matéria de seguros tem por objectivo limitar as cláusulas atributivas de competência neste domínio, em razão de considerações de ordem social destinadas a proteger certas categorias de pessoas. Esta preocupação de protecção não teria razão de ser no que diz respeito aos resseguros. O Tribunal poderia portanto dar à quarta questão a seguinte resposta:

    «As disposições do título II, secção 3, da convenção não se aplicam aos litígios relativos a questões de resseguro.»

    Devido às respostas que sugere para as outras questões, o Governo do Reino Unido não apresenta observações sobre a quarta questão.

    A Comissão recorda que o relatório do comité de peritos que redigiram a convenção de adesão, atrás referido, exclui que os artigos 7.° a 12.°-A se apliquem aos resseguros. No entanto, se estas disposições se destinam a proteger o pequeno tomador de seguro, não se deve esquecer, por um lado, que a secção 4 do título II contém disposições específicas relativas aos consumidores e, por outro, que o co-seguro e determinados grandes riscos são efectivamente visados pela secção 3.

    É difícil detectar entre o seguro e o resseguro uma diferença fundamental que permita excluir o resseguro do âmbito de aplicação do título II, secção III. Num plano mais geral, como a convenção tem precisamente por finalidade evitar e resolver os conflitos de competência, uma exclusão de tal importância devia ser expressamente enunciada no texto, e não ser simplesmente daí deduzida.

    Por último, a Comissão observa que, nos termos do artigo 53.°, a sede de uma sociedade, determinada pelas regras do direito internacional privado aplicadas pelo tribunal demandado, é equiparada ao seu domicílio. Se bem que o artigo 7° disponha que, «em matéria de seguros», a secção 3 aplica-se sem prejuízo do artigo 4.° (e do artigo 5.°, ponto 5), este artigo não se aplicaria quando um segurador é considerado como tendo o seu domicílio no território de um Estado contratante por força do artigo 8.°, segundo parágrafo.

    A Comissão propõe, assim, ao Tribunal que responda do seguinte modo à quarta questão:

    «O artigo 8.° da convenção aplica-se a um contrato de resseguro, de modo que um ressegurador:

    que esteja domiciliado num Estado contratante ou

    que não esteja domiciliado num Estado contratante, mas que preencha as condições, enunciadas no artigo 8.°, segundo parágrafo,

    pode ser demandado como enunciado nos três pontos do artigo 8.°, primeiro parágrafo, da convenção.»

    G. F. Mancini

    Juiz-relator


    ( *1 ) Lingua do processo: ingles.

    Top

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    27 de Junho de 1991 ( *1 )

    No processo C-351/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação, pelo Tribunal de Justiça, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo Court of Appeal, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Overseas Union Insurance Limited,

    Deutsche Ruck UK Reinsurance Limited,

    Pine Top Insurance Company Limited

    e

    New Hampshire Insurance Company,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 7.° a 12.° Ae 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte à referida convenção, bem como ao protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (texto alterado publicado no JO 1978, L 304, p. 77; EE Ol F2 p. 131),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins, C. N. Kakouris, F. A. Schokweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : W. Van Gerven

    secretário: V. Di Bucci, administrador

    vistas as observações escritas apresentadas:

    em representação da Overseas Union Insurance Limited, da Deutsche Ruck UK Reinsurance Limited e da Pine Top Insurance Company Limited, por Peter Goldsmith, QC, e David Railton, barrister, mandatados inicialmente por Holman Fenwick & Willan, solicitors, em seguida, no que diz respeito à Overseas Union Insurance Limited, por Stephenson Harwood, solicitors,

    em representação da New Hampshire Insurance Company, por Jonathan Mance, QC, e Alan Newman, QC, mandatados por Hextall, Erskine & Co., solicitors,

    em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Christof Böhmer, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça, na qualidade de agente,

    em representação do Governo do Reino Unido, por Rosemary Caudwell, do Treasury Solicitors's Department, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por John Forman, consultor jurídico, e Adam Blomefield, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da Overseas Union Insurance Limited, da Deutsche Ruck UK Reinsurance Limited e da Pine Top Insurance Company Limited, bem como da New Hampshire Insurance Company e da Comissão, na audiência de 5 de Fevereiro de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Março de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por decisão de 26 de Julho de 1989, entrada no Tribunal em 17 de Novembro seguinte, o Court of Appeal colocou, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação, pelo Tribunal de Justiça, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «convenção»), várias questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 7° a 12.°-A e 21.° da convenção.

    2

    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe as sociedades Overseas Union Insurance Limited (a seguir «OUI»), Deutsche Ruck UK Reinsurance Limited (a seguir «Deutsche Ruck») e Pine Top Insurance Company Limited (a seguir «Pine Top») à sociedade New Hampshire Insurance Company (a seguir «New Hampshire») quanto às obrigações que podem emergir na esfera jurídica da OUI, da Pine Top e da Deutsche Ruck em razão de contratos de resseguro que teriam celebrado com a New Hampshire.

    3

    Resulta dos autos que a New Hampshire, sociedade regida pelo direito do Estado de New Hampshire (Estados Unidos), se encontra registada em Inglaterra como «overseas company», em conformidade com as disposições do Companies Act de 1985, e em França como sociedade estrangeira, com vários estabelecimentos neste Estado. Em 1979, celebrou um contrato de seguro que cobria os riscos relativos a certas despesas de reparação e de substituição dos aparelhos eléctricos vendidos com uma garantia de cinco anos pela sociedade francesa das Nouvelles Galeries réunies, sociedade de direito francês com sede em Paris.

    4

    Em 1980, a New Hampshire ressegurou uma parte do risco assim garantido, nomeadamente junto da OUI, sociedade regida pelo direito de Singapura, registada em Inglaterra como «overseas company», bem como da Deutsche Ruck e da Pine Top, sociedades de direito inglês com sede em Londres.

    5

    Depois de ter pedido à New Hampshire informações quanto à gestão da conta de seguro, a OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top cessaram, em primeiro lugar, os pagamentos e, em seguida, anunciaram que se subtraíam aos seus compromissos de resseguro respectivos, invocando, nomeadamente, a violação de uma obrigação de informação, uma apresentação errada dos factos, bem como a inexecução de uma obrigação relativa à colocação e à gestão dos contratos de resseguro.

    6

    Em 4 de Junho de 1987, a New Hampshire intentou uma acção contra a Deutsche Ruck e a Pine Top perante o tribunal de commerce de Paris, pedindo o pagamento das quantias devidas por força dos contratos de resseguro. Em 9 de Fevereiro de 1988, intentou uma acção análoga contra a OUI. A Deutsche Ruck e a Pine Top arguiram a incompetência do órgão jurisdicional, enquanto a OUI manifestou a intenção de arguir esta excepção.

    7

    Em 6 de Abril de 1988, a OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top intentaram uma acção contra a New Hampshire perante o Commercial Court da Queen's Bench Division para obterem a declaração de que não eram obrigadas a executar os compromissos que podiam resultar das apólices de resseguro. Em 9 de Setembro de 1988, este órgão jurisdicional decidiu, nos termos do artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, suspender a instância até que o órgão jurisdicional francês tenha proferido uma decisão sobre a sua própria competência nos litígios perante ele pendentes.

    8

    A OUI, a Deutsche Ruck e a Pine Top recorreram desta decisão para o Court of Appeal. Considerando que o litígio suscita um problema de interpretação da convenção, este órgão jurisdicional suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

    «1)

    O artigo 21.° da convenção aplica-se:

    a)

    independentemente do domicílio das panes nas duas instâncias,

    ou

    b)

    apenas se o réu no processo pendente no tribunal demandado em segundo lugar tiver domicílio num Estado contratante, independentemente do domicílio das outras partes,

    ou

    c)

    se pelo menos uma, e, na afirmativa, qual, das partes nas duas instâncias tiver domicílio num Estado contratante?

    2)

    Nos termos do artigo 21.°, segundo parágrafo, da convenção, quando for contestada a competência do tribunal demandado em primeiro lugar, o tribunal demandado em segundo lugar é obrigado, em qualquer circunstância, a suspender a instância como uma alternativa a declarar-se incompetente?

    3)

    a)

    Se o tribunal demandado em segundo lugar não tiver tal obrigação, é-lhe i) exigido ou ii) permitido, para decidir se suspende a instância, que examine se o tribunal demandado em primeiro lugar é competente?

    b)

    Na afirmativa, em que circunstâncias, e até que ponto, pode o tribunal demandado em segundo lugar examinar a competência do tribunal demandado em primeiro lugar?

    4)

    Se a resposta à terceira questão, alíneas a) e b) indicar que ao tribunal demandado em segundo lugar é exigido, ou, se não lhe é exigido, que lhe é permitido, em circunstâncias que incluem ou podem incluir casos como o presente, examinar se o tribunal demandado em primeiro lugar é competente, o estabelecido na secção 3 do título II da convenção aplica-se entre um segurador directo (ressegurado) e um ressegurador, no quadro de um contrato de partilha de quotas de resseguro?»

    9

    Na sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio indica que é ponto assente que, em ambos os casos, o órgão jurisdicional francês foi demandado em primeiro lugar e que as acções intentadas perante os órgãos jurisdicionais dos dois Estados contratantes têm o mesmo pedido e a mesma causa de pedir entre.as mesmas partes nos termos do artigo 21.° da convenção, tal como foi interpretado pelo Tribunal no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch Maschinenfabrik (144/86, Colect., p. 4861).

    10

    Para mais ampla exposição do enquadramento jurídico e dos antecedentes do litigio no processo principal, da tramitação processual, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo só serão adiante retomados na medida necessária à fundamentação da decisão do Tribunal.

    Quanto à primeira questão

    11

    Através da sua primeira questão, o juiz nacional pretende, essencialmente, saber se o artigo 21.° da convenção é aplicável sem que haja que se ter em conta o domicílio das partes nas duas instâncias.

    12

    A fim de responder a esta questão há que recordar em primeiro lugar que, nos termos do artigo 21.° da convenção,

    «Quando as acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir penderem entre as mesmas partes perante órgãos jurisdicionais de distintos Estados contratantes, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar deve, mesmo oficiosamente, declarar-se não competente em favor do tribunal primeiramente demandado.

    O órgão jurisdicional que deveria declarar-se não competente pode sobrestar na decisão se for suscitada a incompetência do outro órgão jurisdicional».

    13

    Deve notar-se, em seguida, que a redacção do artigo 21.°, diferentemente do texto de outras disposições da convenção, não menciona de modo algum o domicílio das partes em litígio. Aliás, o referido artigo não estabelece qualquer distinção entre os diferentes tipos de competência previstos pela convenção. Em especial, não prevê qualquer derrogação para a hipótese em que o juiz de um Estado contratante exerça a sua competência por força das leis desse Estado em relação a um réu não domiciliado num Estado contratante, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da convenção.

    14

    Deste modo, decorre dos termos do artigo 21.° quê esta disposição deve ser aplicada tanto no caso em que a competência do tribunal é determinada pela própria convenção como no caso em que decorre da legislação de um Estado contratante, em conformidade com o artigo 4.° da convenção.

    15

    A interpretação que ressalta do texto é confirmada pela análise das finalidades da convenção. O Tribunal salientou, no acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba (C-220/88, Colect., p. I-49), que esta visa essencialmente favorecer o reconhecimento e a execução de decisões judiciais fora do Estado em que foram proferidas e que, para o efeito, é indispensável limitar os riscos de incompatibilidade de decisões, fundamento de recusa do reconhecimento ou de exequatur, nos termos do artigo 27.°, ponto 3, da convenção.

    16

    No que se refere, em especial, ao artigo 21.°, o Tribunal observou, no acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch, atrás referido, que esta disposição está inserida, em conjunto com o artigo 22.°, relativo à conexão, na secção 8 do título II da convenção, secção que visa, no interesse de uma boa administração da justiça na Comunidade, evitar que em tribunais de diversos Estados contratantes estejam pendentes processos paralelos, bem como a disparidade de decisões que daí pode resultar. Assim, essa regulamentação tem em vista excluir à partida uma situação como a contemplada no artigo 27.°, ponto 3, ou seja, o não reconhecimento de uma decisão por incompatibilidade com uma decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado requerido. Daqui decorre que a fim de atingir estes objectivos o artigo 21.° deve ser objecto de uma interpretação ampla, englobando, em princípio, todas as situações de litispendência perante os órgãos jurisdicionais de Estados contratantes, independentemente do domicílio das partes.

    17

    Esta verificação conduz ao afastamento das considerações das demandantes no processo principal, de acordo com as quais a própria existência do artigo 27.°, ponto 3, da convenção provaria que os artigos 21.° e 22.° não podem evitar que, em certos casos, decisões incompatíveis sejam proferidas em Estados contratantes diferentes. Com efeito, a circunstância de a convenção tomar em consideração as hipóteses em que tais situações ocorram, não pode, no entanto, constituir um argumento contra uma interpretação dos artigos 21.° e 22.° que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal (ver acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Dumez, atrás referido), têm precisamente por objectivo excluir ou limitar os riscos de incompatibilidade de decisões e de não reconhecimento.

    18

    Assim, deve responder-se à primeira questão colocada pelo juiz nacional que o artigo 21.° da convenção deve ser interpretado no sentido de que é aplicável sem que haja que se ter em consideração o domicílio das partes nas duas instâncias.

    Quanto às segunda e terceira questões

    19

    Através das suas segunda e terceiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se o artigo 21.° da convenção deve ser interpretado no sentido de que o tribunal demandado em segundo lugar deve suspender a instância, no caso de não se declarar incompetente, ou se esta disposição o autoriza ou o obriga, e em que medida, a examinar a competência do juiz demandado em primeiro lugar.

    20

    A este respeito convém salientar, em primeiro lugar, que nenhum elemento dos autos indica que o processo principal releve de uma competência exclusiva prevista pela convenção e, nomeadamente, pelo seu artigo 16.° O Tribunal não deve, portanto, pronunciar-se sobre a hipótese em que o tribunal demandado em segundo lugar tenha tal competência.

    21

    Tratando-se de um litígio em relação ao qual não existe uma competência exclusiva do tribunal demandado em segundo lugar, convém declarar, em seguida, que a única derrogação à obrigação de este tribunal se declarar incompetente, prevista no artigo 21.° da convenção, é a faculdade de suspender a instância, que só pode ser exercida se for contestada a competência do tribunal demandado em primeiro lugar.

    22

    Resulta do relatório do comité de peritos que elaboraram o texto da convenção (JO 1979, C 59, p. 1) que esta regra foi introduzida a fim de que as partes não sejam obrigadas a recomeçar um novo processo, por exemplo, se o tribunal demandado em primeiro lugar se vier a declarar incompetente. Todavia, o objectivo desta disposição, que é o de evitar conflitos negativos de jurisdição, pode ser alcançado sem que o tribunal demandado em segundo lugar exerça um controlo sobre a competencia de um outro tribunal.

    23

    Importa salientar, além disso, que o tribunal demandado em segundo lugar não se encontra, de modo algum, melhor colocado que o tribunal demandado em primeiro lugar para se pronunciar sobre a competência deste último. Com efeito, esta competência, ou é determinada directamente pelas regras da convenção, que são comuns aos dois tribunais e que podem ser interpretadas e aplicadas com a mesma autoridade por cada um deles, ou decorre, por força do artigo 4.° da convenção, da lei do Estado do tribunal demandado em primeiro lugar, que estará, então, incontestavelmente melhor colocado para decidir da sua própria competência.

    24

    Por outro lado, as hipóteses em que o juiz de um Estado contratante pode proceder a um controlo da competência do tribunal de outro Estado contratante encontram-se enunciadas de modo limitativo nos artigos 28.° e 34.°, segundo parágrafo, da convenção. Estas hipóteses só dizem respeito à fase do reconhecimento ou da execução incidindo apenas sobre certas regras de competência especial ou exclusiva com carácter imperativo ou de ordem pública. Daí decorre que, para além destas excepções limitadas, a convenção não permite o controlo da competência de um tribunal pelo tribunal de outro Estado contratante.

    25

    Decorre, portanto, simultaneamente do texto do artigo 21.° e do sistema da convenção que o tribunal demandado em segundo lugar, que deveria normalmente declarar-se incompetente, só disponha, como solução alternativa, da possibilidade de suspender a instância no caso de a competência do tribunal demandado em primeiro lugar ser contestada. Em contrapartida não pode proceder ele próprio à verificação da competência do tribunal demandado em primeiro lugar.

    26

    Há portanto que responder à segunda e à terceira questão colocadas pelo órgão jurisdicional nacional que, sem prejuízo da hipótese em que o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar dispõe de uma competência exclusiva prevista pela convenção e, nomeadamente, pelo artigo 16.°, o referido artigo 21.° deve ser interpretado no sentido de que, quando a competência do tribunal primeiramente demandado for contestada, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar, no caso de não se declarar incompetente, deve suspender a instância sem poder pronunciar-se sobre a competência do tribunal primeiramente demandado.

    27

    Tendo em conta as respostas dadas às três primeiras questões, a quarta questão ficou sem objecto.

    Quanto às despesas

    28

    As despesas efectuadas pelo Governo alemão, pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Court of Appeal, por decisão de 26 de Julho de 1989, declara:

     

    1)

    O artigo 21.° da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial deve ser interpretado no sentido de que é aplicável sem que haja que se ter em consideração o domicílio das partes nas duas instâncias.

     

    2)

    Sem prejuízo da hipótese em que o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar dispõe de uma competência exclusiva prevista pela convenção e, nomeadamente, pelo artigo 16.°, o referido artigo 21.° deve ser interpretado no sentido de que, quando a competência do tribunal primeiramente demandado for contestada, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar, no caso de não se declarar incompetente, deve suspender a instância sem poder pronunciar-se sobre a competência do tribunal primeiramente demandado.

     

    Mancini

    O'Higgins

    Kakouris

    Schockweiler

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Junho de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente da Sexta Secção

    G. F. Mancini


    ( *1 ) Línguas do processo: inglis.

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