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Document 61989CJ0146

    Acórdão do Tribunal de 9 de Julho de 1991.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
    Incumprimento de Estado - Alterações das linhas de base do mar territorial - Consequência para a actividade dos pescadores de outros Estados-membros.
    Processo C-146/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03533

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:294

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-146/89 ( *1 )

    I — Exposição dos factos

    1. Enquadramento legal do litígio

    a) Direito internacional

    A convenção sobre o mar territorial e a zona contígua, assinada em Genebra em 29 de Abril de 1958(Recueil des traités des Nations unies, volume 516, p. 205, a seguir «convenção sobre o mar territorial»), entrada em vigor em 10 de Setembro de 1964 e que vincula determinados Estados-membros da Comunidade, prevê, no artigo 3.°, que, em geral, a linha de base normal para medir a largura do mar territorial é a linha da maré baixa ao longo da costa, conforme marcado nas cartas marítimas em escala grande, oficialmente reconhecidas pelo Estado ribeirinho. Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da referida convenção, nas zonas em que a linha de costa apresenta recortes profundos e reentrâncias, ou se existe um grupo de ilhas ao longo da costa, na proximidade imediata desta, poderá adoptar-se o método das linhas de base rectas ligando os pontos apropriados para o traçado da linha de base, a partir da qual é medida a largura do mar territorial. O n.° 3 do mesmo artigo esclarece que as linhas de base não são traçadas em direcção ou a partir de pontos descobertos na maré baixa, a não ser que tenham sido construídos sobre esses pontos faróis ou instalações semelhantes que se encontrem permanentemente acima do nível do mar.

    O artigo 11.°, n.° 1, da mesma convenção, após definir os fundos altos descobertos como «elevações naturais de terreno rodeadas por mar e descobertas, na maré baixa, mas submersas na maré alta», estabelece que, quando os fundos altos descobertos se encontram, total ou parcialmente, a uma distância do continente ou de uma ilha não ultrapassando a largura do mar territorial, a linha de baixa-mar sobre estes fundos poderá ser tomada como linha de base para medição da largura do mar territorial. O n.° 2 esclarece que, em contrapartida, no caso em que os fundos altos descobertos se encontram em toda a sua extensão a uma distância do continente ou de uma ilha superior à largura do mar territorial, não têm mar territorial próprio.

    A convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, assinada em Montego Bay em 10 de Dezembro de 1982 (UN Doc A/CONF 62/122, com errata; Tractatenblad van het Koninkrijk der Nederlanden, 1983, n.° 83), que ainda não se encontra em vigor, contém, nos artigos 5, 7, n.os 1 e 4, e 13, disposições fundamentalmente análogas às até agora referidas.

    A convenção sobre a pesca, assinada em Londres em 9 de Março de 1964(Recueil des traités des Nations unies, volume 581, p. 76, a seguir «Convenção de Londres»), após um período de aplicação provisória a partir de 18 de Março de 1964, entrou em vigor em 15 de Março de 1966. Entre 1964 e 1971 foi ratificada ou aprovada por todos os Estados que são actualmente membros da Comunidade, com excepção do Luxemburgo e da República Helénica. Nos termos do artigo 1.°, as partes contratantes reconhecem às outras partes contratantes o direito de estabelecer o regime da pesca definido pelos artigos 2° a 6.° da mesma convenção, sem prejuízo da faculdade de manutenção do regime em vigor em 9 de Março de 1964, se este for mais favorável à pesca dos outros países. O artigo 2.° reconhece aos Estado ribeirinho o direito exclusivo de pesca e a jurisdição exclusiva em matéria de pesca na zona de seis milhas a partir da linha de base do mar territorial.

    Nos termos do artigo 3.° desta convenção:

    «Na zona compreendida entre as seis e as doze milhas medidas a partir da linha de base do mar territorial, o direito de pesca é exercido exclusivamente pelo Estado ribeirinho, bem como pelas outras partes contratantes cujos barcos de pesca exerceram habitualmente a sua actividade nessa zona entre 1 de Janeiro de 1953 e 31 de Dezembro de 1962.»

    O artigo 6.° precisa que qualquer linha recta de base traçada por uma parte contratante deve ser conforme às regras do direito internacional e, designadamente, às normas da convenção sobre o mar territorial. De acordo com o estabelecido no artigo 12.° e no seu anexo I, a convenção aplica-se, no que respeita ao Reino Unido, às águas que banham todas as suas costas, incluindo as da ilha de Man e das ilhas Anglo-Normandas.

    Convém, por último, recordar que, nos termos do artigo 10.°:

    «Nenhuma disposição da presente convenção pode obstar à manutenção ou à instituição de um regime especial em matéria de pesca:

    a)

    entre os Estados-membros da Comunidade Económica Europeia e os Estados associados desta;

    ...

    d)

    entre a França e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, relativamente à baía de Granville e às ilhas Minquiers e Ecréhou;

    ...»

    Numerosos acordos bilaterais entre os Estados participantes da Convenção de Londres foram em seguida concluídos a fim de identificar as práticas habituais de pesca referidas no artigo 3.°

    Relativamente às relações entre o Reino Unido e a França, o regime geral da pesca foi definido pela convenção de delimitação das actividades de pesca nas costas dos dois países, assinada em Paris em 2 de Agosto de 1839(British and Foreign State Papers 1838-1839, volume XXVII, p. 983), completada, designadamente, pelo regulamento geral sobre as obrigações dos pescadores nos mares situados entre as costas dos dois países, assinado em Londres em 24 de Maio de 1843(British and Foreign State Papers 1842-1843, volume XXXI, p. 165), pela declaração relativa aos limites da zona reservada à pesca francesa na baía de Granville, assinada em Londres em 20 de Dezembro de 1928(Recueil des traités de la Société des nations, volume LXXXVI, p. 429), pelo acordo relativo aos direitos de pesca nas águas das ilhas Ecréhou e Minquiers, assinado em Londres em 30 de Janeiro de 1951(Recueil des traités des Nations unies, volume 121, p. 97), pela Convenção de Londres, já referida, e pela troca de correspondencia constitutiva de um acordo que especifica, em relação à Convenção de Londres, o estatuto de determinados acordos anteriores relativos à pesca (Londres, 10 de Abril de 1964, Recueil des traités des Nations unies, volume 648, p. 73).

    b) Direito comunitário

    Nos termos do artigo 7.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação deste Tratado, sem prejuízo das disposições especiais nele previstas.

    O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2141/70 do Conselho, de 20 de Outubro de 1970, relativo ao estabelecimento de uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 236, p. 1), previa que o regime aplicado por cada um dos Estados-membros ao exercício da pesca nas águas marítimas sujeitas à sua soberania ou jurisdição não podia implicar desigualdades de tratamento em relação a outros Estados-membros. Cabia, designadamente, aos Es-tados-membros garantir a igualdade das condições de acesso e de exploração dos fundos marinhos situados nessas águas entre todos os barcos de pesca com bandeira de um dos Estados-membros e matriculados no território da Comunidade. O artigo 3.° do mesmo regulamento obrigava os Estados-membros a notificarem aos outros Estados-membros e à Comissão as alterações que projectassem introduzir no regime das pescas definido nos termos do referido artigo 2.°

    O artigo 100.° do acto relativo às condições de adesão e às adaptações dos tratados, anexo ao tratado relativo à adesão à Comunidade Económica Europeia e à Comunidade Europeia da Energia Atómica do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO 1972, L 73, p. 14, a seguir «acto de adesão»), estabelece que:

    «1)

    Em derrogação do disposto no artigo 2° do Regulamento n.° 2141/70, relativo ao estabelecimento de uma política comum de estruturas no sector da pesca, e até 31 de Dezembro de 1982, os Estados-membros da Comunidade ficam autorizados a limitar o exercício da pesca nas águas sob a sua soberania ou jurisdição, situadas aquém de um limite de seis milhas marítimas, calculado a partir das linhas de base do Estado-membro ribeirinho, aos navios cuja actividade piscatória se exerça tradicionalmente nessas águas e partir dos portos da zona geográfica ribeirinha; todavia, os navios de outras regiões da Dinamarca podem continuar a exercer a sua actividade piscatória nas águas da Gronelândia, o mais tardar até 31 de Dezembro de 1977.

    Os Estados-membros, na medida em que façam uso desta derrogação, não podem adoptar disposições relativas às condições de pesca nessas águas menos restritivas do que as efectivamente aplicadas à data de adesão.

    2)

    O disposto no número anterior e no artigo 101.° não prejudica os direitos de pesca especiais que cada um dos Esta-dos-membros originários ou cada um dos novos Estados-membros podia invocar em 31 de Janeiro de 1971 em relação a um ou mais outros Estados-membros; os Estados-membros podem fazer valer esses direitos enquanto se mantiver um regime derrogatório nas zonas em questão. Todavia, no que diz respeito às águas da Gronelândia, os direitos especiais cessam nas datas previstas para esses direitos.

    3)

    Se um Estado-membro alargar os seus limites da pesca em certas zonas para doze milhas marítimas, a prática da pesca existente aquém das doze milhas marítimas deve ser mantida de maneira que não se produza nesta matéria um recuo em relação à situação existente em 31 de Janeiro de 1971.»

    Após a adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido, o Regulamento n.° 2141/70 foi substituído pelo Regulamento (CEE) n.° 101/76 do Conselho, de 19 de Janeiro de 1976, relativo ao estabelecimento de uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 20, p. 19), que contém, nos artigos 2.° e 3.°, disposições idênticas às do Regulamento n.° 2141/70, já referidas. No entanto, o sétimo considerando do Regulamento n.o 101/76 salienta que, ao aplicar esse texto, devem ter-se em conta as derrogações previstas especialmente no artigo 100.° do acto de adesão.

    O artigo 6.° do Regulamento (CEE) n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1), alterado nos termos do artigo 26.° e do anexo I, capítulo XV, n.° 8, do acto relativo às condições de adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos tratados (JO 1985, L 302, p. 23), tem a seguinte redacção:

    «1.

    A partir de 1 de Janeiro de 1983 e até 31 de Dezembro de 1992, os Estados-membros estão autorizados a manter o regime definido no artigo 100.° do acto de adesão e a alargar até às doze milhas marítimas, para o conjunto das águas sobre a sua soberania ou jurisdição, o limite de seis milhas previsto no citado artigo.

    2.

    Além das actividades exercidas no âmbito das relações de vizinhança existentes entre os Estados-membros, as actividades de pesca abrangidas pelo regime estabelecido no n.° 1 estão sujeitas às regras previstas no anexo I, que fixa, para cada um dos Estados-membros, as zonas geográficas das faixas costeiras dos outros Estados-membros onde estas actividades são exercidas e quais as espécies a que se referem.»

    Relativamente às águas costeiras do Reino Unido, o anexo I enumera uma série de zonas compreendidas entre a linha das seis milhas e a das doze milhas dentro das quais são reconhecidos direitos de pesca, para as espécies indicadas, à França, à Irlanda, à República Federal da Alemanha, aos Países Baixos e à Bélgica, respectivamente.

    2. Origem e evolução do litígio

    Com o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Territorial Sea Act (lei do mar territorial) de 1987, a extensão do mar territorial adjacente às costas do Reino Unido foi alargada para doze milhas. O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da mesma disposição prevê que as linhas de base a partir das quais é medido o mar territorial sejam fixadas através de Order in Council (decreto real). Para esse efeito, o n.° 4 do mesmo artigo remete para o Territorial Waters Order in Council (decreto do mar territorial) de 1964, e para o Territorial Waters (Amendment) Order in Council (decreto de alteração do decreto do mar territorial) de 1979, enquanto o n.° 5 esclarece que, cada vez que esses documentos se referem ao mar territorial adjacente às costas do Reino Unido, tal referência deve interpretar-se em conformidade com o artigo 1.° do Territorial Sea Act de 1987.

    O artigo 2.°, n.° 1, do Territorial Waters Order in Council de 1964 estabelece que a linha de base a ter geralmente em conta para medir o mar territorial é a linha da baixa mar ao longo da costa ou da costa de uma ilha. O n.° 2 do mesmo artigo equipara a uma ilha, para efeitos da aplicação do n.° 1, os fundos descobertos (definidos no artigo 5.°, n.° 1, como zonas naturais de terreno a descoberto, rodeadas por água, que se encontram imersas durante as marés cheias médias de águas vivas), desde que situadas, no todo ou em parte, dentro dos limites do mar territorial tal como este seria medido independentemente dos fundos.

    O Fishing Boats (European Economic Community) Designation Order (decreto da designação dos barcos de pesca — Comunidade Económica Europeia) de 1983, que indica as zonas situadas dentro dos limites de pesca do Reino Unido em que os pescadores de outros Estados-membros podem exercer actividades de pesca, retoma, no seu anexo, a lista das zonas compreendidas entre a linha das seis milhas e a das doze milhas, a partir das linhas de base, contida no anexo I do Regulamento n.c 170/83. O seu artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, esclarece que as linhas de base a ter em conta são as definidas em conformidade com o Territorial Waters Order in Council de 1964.

    Por carta de 1 de Outubro de 1987, o Governo do Reino Unido informou a Comissão da entrada em vigor na mesma data do Territorial Sea Act. Referia que, na sequência do alargamento do mar territorial, alguns fundos descobertos que se encontravam dentro dos limites das doze milhas marítimas constituíam, a partir dessa altura, os pontos de base a partir dos quais seriam medidas todas as zonas marítimas calculadas em relação às linhas de base do mar territorial, incluindo o próprio mar territorial e as zonas de pesca das seis e das doze milhas. A carta informava que estas alterações tinham sido explicadas numa nota dirigida aos navegantes, de que se juntava um exemplar em anexo, e que os Estados-membros e outros países interessados tinham sido informados do facto através dos respectivos governos centrais.

    As autoridades competentes em matéria de pesca dos Estados-membros em causa receberam aparentemente cartas, também com data de 1 de Outubro, com informações mais pormenorizadas, bem como cartas que referiam os novos limites, acompanhadas do pedido de envio dessas cartas às organizações de pescadores, cujos membros pudessem ser afectados pelas alterações. As autoridades britânicas assinalavam igualmente que os seus serviços de protecção da pesca tinham recebido instruções para relembrarem a alteração da situação a qualquer navio que pescasse ilegalmente aquém dos novos limites. Este período de sensibilização devia durar de dois a três meses, podendo no entanto qualquer barco reincidente ser apreendido para instauração de processo.

    A partir de 1 de Outubro de 1987, as autoridades britânicas competentes no domínio da pesca começaram a afastar os pescadores de outros Estados-membros das zonas que se encontravam a partir de então aquém da linha das seis milhas. Verificaram-se em seguida protestos dos pescadores e das autoridades dos Estados-membros afectados.

    Por telex de 27 de Outubro de 1987, a Comissão solicitou ao Reino Unido que não aplicasse, enquanto aguardava a análise aprofundada da situação e a adopção de medidas apropriadas por parte da própria Comissão, a nova legislação quando os barcos dos Estados-membros pescassem nas zonas em que a regulamentação comunitária autoriza tais actividades. Foram efectuadas posteriormente negociações entre a Comissão, o Reino Unido, a Bélgica e a França. Na sequência dessas negociações, o Governo do Reino Unido anunciou, em 8 de Dezembro de 1987, na Câmara dos Comuns que o ministro das Pescas tinha dado instruções às autoridades encarregadas de aplicar a legislação da pesca no sentido de se absterem de qualquer medida susceptível de agravar ou alargar o conflito até que seja resolvida questão jurídica.

    Por carta de 11 de Dezembro de 1987, a Comissão, após referir que a comunicação de novas medidas nacionais com repercussões sobre o regime de pescas nas águas marítimas sujeitas à jurisdição dos Estados-membros é obrigatória nos termos dos artigos 2.°, n.° 2, e 3.° do Regulamento n.° 101/76, explicou às autoridades britânicas os efeitos dessas novas medidas. Reconhecendo embora a competência dos Estados-membros para definirem, nos termos do direito internacional, o respectivo mar territorial, bem como as linhas de base a partir das quais ele é medido, a Comissão considerava que a aplicação de novas linhas de base ao regime fixado pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 170/83 implicava determinadas consequências contrárias ao direito comunitário. Por outro lado, a Comissão alegava que o alargamento da zona das doze milhas reduzia as zonas em que era possível pescar peixes abrangidos pelas quotas atribuídas pelos regulamentos comunitários, podendo assim afectar a utilização destas. A Comissão concluía convidando o Governo do Reino Unido a apresentar observações, nos termos do artigo 169.° do Tratado.

    Na resposta que enviou em 7 de Janeiro de 1988, desenvolvida e rectificada por cartas de 11 e 19 de Janeiro, o Governo do Reino Unido informou da existência de determinadas comunicações informais enviadas aos serviços da Comissão a partir de Janeiro de 1987, anteriormente portanto à adopção das novas medidas, e até à apresentação destas, as quais não suscitaram qualquer reacção desfavorável por parte da Comissão. Quanto aos efeitos das novas medidas, o Reino Unido contestava as afirmações da Comissão e rejeitava as suas acusações.

    Em 9 de Junho de 1988, a Comissão dirigiu ao Reino Unido o parecer fundamentado previsto no artigo 169.° do Tratado. Neste alegava que as comunicações informais enviadas pelas autoridades britânicas antes de 1 de Outubro de 1987 não podiam ser tidas como comunicações para efeitos do artigo 3.° do Regulamento n.° 101/76, não tendo assim o Reino Unido cumprido as obrigações que lhe impõem os artigos 2°, n.° 2, e 3.° do referido regulamento. A Comissão reitera a acusação relativa à incompatibilidade entre as medidas adoptadas pelo Reino Unido e as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.°, n.° 2, e do anexo I do Regulamento n.° 170/83. Quanto às medidas aplicadas entre o antigo e o novo limite das doze milhas, a Comissão reservava-se o direito de examinar a sua compatibilidade com o direito comunitário.

    Em carta de 29 de Julho de 1988, rectificada por uma outra de 8 de Agosto do mesmo ano, o Governo do Reino Unido começou por manifestar a sua surpresa em relação à acusação da Comissão de falta de notificação das alterações ao regime da pesca. Por um lado, o ponto de vista defendido no parecer fundamentado ia manifestamente além do indicado na notificação de incumprimento de 11 de Dezembro de 1987. Por outro lado, o Reino Unido informara, diversas vezes, a Comissão da sua intenção de alargar o mar territorial bem como das consequências das novas medidas sobre as linhas de base e as actividades pescatorias. Além disso, o Governo do Reino Unido rejeitou as acusações formuladas pela Comissão em relação à compatibilidade das novas disposições nacionais com o regime das pescas definido pelo artigo 6.°, n.° 2, e pelo anexo I do Regulamento n.° 170/83. Em consequência, o Governo do Reino Unido não podia aceitar o parecer fundamentado nem dar-lhe cumprimento.

    II — Tramitação do processo e pedidos das partes

    A petição da Comissão deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Abril de 1989.

    Por despacho de 4 de Outubro de 1989, foi admitida a intervenção da República Francesa em apoio dos pedidos apresentados pela demandante. Quanto ao resto, a fase escrita do processo decorreu nos termos legais.

    O Tribunal de Justiça, com base no relatório do juiz relator, e ouvido o advogado-geral, decidiu dar início à fase oral sem instrução.

    A Comissão das Comunidades Europeias conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    declarar que, ao aplicar em determinadas zonas, para efeitos das regras de pesca definidas para as águas costeiras do Reino Unido, pelas disposições combinadas do anexo I e pelo artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 170/83, novas linhas de base mais afastadas das costas que as em vigor em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições;

    condenar o Reino Unido nas despesas.

    A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    declarar que, ao aplicar em determinadas zonas, para efeitos das regras de pesca definidas para as águas costeiras do Reino Unido, pelas disposições combinadas do anexo I e artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 170/83, novas linhas de base mais afastadas das costas que as que se encontravam em vigor em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições;

    condenar o Reino Unido nas despesas, incluindo as da parte interveniente.

    O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    julgar a acção improcedente;

    condenar a demandante nas despesas.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    A Comissão, depois de relembrar que o artigo 3.odo Regulamento n.° 101/76 obriga os Estados-membros a notificarem os Esta-dos-membros e a Comissão das alterações que pretendam introduzir no regime de pescas definido pelo artigo 2.°, alega, por um lado, que a carta de 1 de Outubro não constituía uma notificação atempada e que, por outro, não referia claramente as consequências das medidas adoptadas pelo Reino Unido relativamente à execução das regras estabelecidas pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 170/83. Por outro lado, dada a sua natureza intencionalmente informal, as cartas dirigidas, em Janeiro de 1987, pelo Reino Unido a alguns funcionários da Comissão não podiam ser consideradas notificações nos termos legais. A Comissão renuncia, no entanto, a fim de ter em conta a intenção manifestada pelo Reino Unido de procurar resolver globalmente o diferendo sem confrontações, a suscitar essa questão no actual processo.

    Relativamente à compatibilidade das medidas em causa com o artigo 6.° e o anexo I do Regulamento n.c 170/83, a Comissão defende que estas disposições, na medida em que autorizam os Estados-membros a manterem as regras definidas no artigo 100.° do acto da adesão, embora generalize o alargamento para doze milhas do limites de seis milhas previsto pelo referido artigo 100.°, constituem uma derrogação temporária ao princípio geral da não discriminação, tal como se encontra consagrado no artigo 7° do Tratado e aplicado, ao sector das pescas, pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 2141/70, mais tarde substituído pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 101/76.

    O regime previsto pelo artigo 100.° compõe-se de duas partes indissociáveis: sempre que os Estados-membros pretendam exercer o direito de limitar a igualdade de tratamento e, designadamente, a igualdade de acesso e de exploração dos fundos situados nas águas marítimas sujeitas à sua jurisdição, deverão respeitar os direitos de pesca especiais e os usos de pesca que pudessem ser invocados pelos outros Estados-membros em 31 de Janeiro de 1971. Antes de 1983, os direitos e as actividades de pesca a respeitar não tinham sido definidos com tanta precisão. O anexo I do Regulamento n.° 170/83 constitui um importante elemento novo na medida em que estabelece um inventário baseado na situação existente em 31 de Janeiro de 1971, que inclui, no entanto, diversas alterações negociadas aos direitos e práticas protegidos.

    Na medida em que constitui um inventário negociado, redefinido e codificado, o anexo refere-se necessariamente às zonas geográficas definidas aquando da adopção do regulamento, em 25 de Janeiro de 1983. Como os limites destas zonas geográficas são calculados a partir das linhas de base dos Estados ribeirinhos em questão, as faixas costeiras mencionadas no anexo devem ser medidas a partir das linhas de base que existiam em 25 de Janeiro de 1983.

    A Comissão não contesta que o traçado das linhas de base continua a ser da competência dos Estados-membros, mas rejeita a tese do Reino Unido segundo a qual os Estados-membros podem, alterando as respectivas linhas de base, modificar unilateralmente a natureza das actividades de pesca protegidas ao abrigo do direito comunitário. De facto, a natureza material dessas actividades depende da situação geográfica das águas em que são exercidas. Ora, as novas medidas adoptadas pelo Reino Unido afastaram os pescadores de outros Estados-membros de fundos marinhos mais próximos da costa, onde estavam anteriormente autorizados a pescar e que frequentemente são mais ricos em peixe e de mais fácil exploração.

    A tese do Reino Unido, que invoca a finalidade do Regulamento n.° 170/83 para defender que o artigo 6.° e o anexo I constituem o prolongamento de um regime de direitos de pesca especiais aplicável a faixas costeiras traçadas a partir de linhas de base móveis é contrária à letra e ao espírito destas disposições. Em primeiro lugar, a letra destas não se refere a direitos de pesca especiais, mas a actividades piscatórias, e fornece uma definição completa da natureza dessas actividades, especificando as zonas geográficas e as espécies abrangidas, bem como eventuais restrições sazonais. Em segundo lugar, o anexo I constitui uma derrogação, por um período de dez anos, do princípio fundamental da não discriminação e da igualdade de condições de acesso, que tem como contrapartida o respeito pelos Estados ribeirinhos dos direitos e usos de pesca que os restantes Estados-membros podiam invocar anteriormente. Para tanto, as referidas disposições precedem a uma repartição pormenorizada das actividades da pesca nas águas costeiras para todo o decénio 1983-1992 e constituem um elemento bastante importante do acordo global alcançado no Conselho sobre a repartição de todos os recursos marinhos, incluindo a distribuição das quotas da pesca.

    Os Estados-membros ribeirinhos não podem alterar unilateralmente esta repartição cuidadosamente equilibrada, mesmo alterando as respectivas linhas de base. Ainda que estas últimas se encontrem fixadas em conformidade com o direito internacional, estes não podem impedir a Comunidade de prever que, para a aplicação das regras de pesca prevista no anexo I do Regulamento n.° 170/83, as zonas geográficas sejam calculadas a partir das linhas de base existentes numa determinada data. Por outro lado, ao adoptarem o Regulamento n.° 170/83, o Conselho e a Comissão reconheceram, numa declaração comum, cujo texto consta do processo, que o anexo I seria alterado, a pedido conjunto dos Estados-membros directamente interessados, através de um regulamento aprovado pelo Conselho sob proposta da Comissão.

    A Comissão não vê qual a relação que possa existir entre o acórdão de 16 de Fevereiro de 1978, Comissão/Irlanda (61/77, Recueil, p. 417), citado pelo Governo do Reino Unido, e o presente processo. Não contesta que os Estados-membros podem alargar a sua jurisdição em matéria de pescas alterando as respectivas linhas de base em conformidade com o direito internacional, nem que tal acção estende automaticamente o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 101/76. Mas o anexo I do Regulamento n.° 170/83 apenas abrange determinadas águas costeiras sujeitas à jurisdição dos Estados-membros, nada existindo que possa impedir a Comunidade de definir essas águas em relação às linhas de bases existentes numa determinada data.

    É certo que vários textos comunitários mencionam a expressão «linhas de base». No entanto, a Comissão não defende que cada uma destas referências tenha a ver necessariamente com as linhas de base existentes no momento da adopção desses textos. Pelo contrário, admite que os textos comunitários em matéria de pescas se referem normalmente às linhas de base existentes no momento considerado, em conformidade com o direito internacional. Tal só não acontece com a aplicação das regras previstas no artigo 6.° e no anexo I do Regulamento n.° 170/83, dada a especial natureza do regime estabelecido por essas disposições. A própria frequência das alterações das linhas de base por razões naturais, para a qual o Governo do Reino Unido chama a atenção, reforça a ideia de que a manutenção, nos termos deste regulamento, das linhas de base em vigor em 25 de Janeiro de 1983 serve melhor os interesses dos pescadores em causa, tanto do ponto de vista da segurança jurídica e prática como da estabilidade econòmica e operacional das actividades de pesca protegidas.

    O Reino Unido não pode invocar, neste contexto, disposições da Convenção de Londres. De acordo com uma jurisprudência constante, nas relações entre os Estados-membros, o direito comunitário prevalece sobre o conjunto dos direitos e obrigações invocáveis por esses Estados com base em acordos internacionais internos (acórdãos de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, 812/79, Recueil, p. 2787, e de 8 de Dezembro de 1981, Crujeiras Tome e outros, 180/80 e 266/80, Recueil, p. 2997). Além disso, o mesmo princípio encontra-se expressamente previsto no artigo 10.° da Convenção de Londres. Se, em contrapartida, a tese britânica consiste antes em dizer que a Convenção de Londres afecta a interpretação das disposições do Regulamento n.° 170/83 por as actividades de pescas protegidas por este regulamento terem a sua origem nos usos de pesca reconhecidos nos termos do artigo 3.° da Convenção de Londres, a Comissão alega que o regime comunitário de acesso às águas e aos recursos marinhos é baseado em princípios diametralmente opostos aos da referida convenção.

    De facto, esta última assenta no princípio da jurisdição do Estado ribeirinho em matéria de pesca nas águas costeiras, constituindo os direitos de pesca de outros Estados uma excepção. O direito comunitário, pelo contrário, baseia-se no princípio da igualdade de acesso e de tratamento de todos os Estados-membros em todas as águas marítimas. Neste sistema, o elemento derrogatório já não é o direito de pesca especial de outros Estados, mas o direito dos Estados ribeirinhos de reservar determinadas águas costeiras às actividades dos pescadores locais. Esta derrogação tem carácter temporário e é atenuada pela obrigação do Estado-membro ribeirinho de respeitar os direitos de pesca especiais e os usos de pesca dos outros Estados-membros, tal como existiam em 31 de Janeiro de 1971.

    É possível que as actividades assim protegidas tenham a sua origem em usos de pesca reconhecidos nos termos do artigo 3.° da Convenção de Londres e definidos pelos acordos bilaterais celebrados, no que respeita ao presente processo, entre o Reino Unido e vários Estados-membros. No entanto, após a adesão do Reino Unido, essas actividades já não são regidas por essas disposições convencionais e por princípios anexos (como a mobilidade das linhas de base), mas sim pelo regime comunitário estabelecido pelo artigo 100.° do acto de adesão. Neste contexto, o acesso preferencial às águas costeiras deve ser objecto de uma interpretação restritiva, dado constituir uma derrogação ao princípio fundamental da igualdade de acesso.

    Resulta daí que a Convenção de Londres e o princípio das linhas de base móveis não podem desempenhar qualquer papel útil na interpretação do regime das actividades de pesca de outros Estados-membros nas águas costeiras do Reino Unido. A preferência desta tese parece ainda mais evidente nas relações entre os seis Estados-membros iniciais, nos quais o regime da Convenção de Londres foi substituído, a partir de 1 de Fevereiro de 1971, pelo regime comunitário de igualdade de acesso previsto no artigo 2.° do Regulamento n.° 2141/70. Em contrapartida, a derrogação relativa ao acesso exclusivo do Estado ribeirinho às suas águas costeiras, atenuada pela protecção de determinadas actividades de pesca de outros Estados-membros, apenas foi introduzida em 1 de Janeiro de 1973 pelo acto de adesão. A escolha de 31 de Janeiro de 1971 como data de referência para a manutenção das actividades de outros Estados-membros resulta directamente desta situação: de facto, o estabelecimento do regime de igualdade de acesso em 1 de Fevereiro de 1971 pôs fim a todos os direitos de pesca especiais existentes ao abrigo do anterior regime da jurisdição exclusiva do Estado ribeirinho.

    Relativamente ao limite externo das faixas costeiras em que é possível aos Estados-membros estabelecer derrogações à igualdade de acesso, a aplicação das linhas de base móveis criaria problemas para os quais o artigo 100.° do acto de adesão não fornece aparentemente qualquer solução. O n.° 3 desta disposição não abrange os casos em que a jurisdição de um Estado-membro é alargada mediante deslocamento das linhas de base para o largo. Ora, a própria natureza do regime estabelecido pelo artigo 100.° exige que sejam respeitadas as práticas de pesca que os outros Estados-membros pudessem invocar em 31 de Janeiro de 1971. Sendo assim, as linhas de base móveis são incompatíveis com o espírito e a finalidade do regime instituído pelo artigo 100.°, não apenas para definir os direitos de pesca especiais e a prática de pesca existente, mas igualmente para definir o limite externo da zona em que os Estados ribeirinhos podem utilizar a derrogação à igualdade de acesso. A aplicação da mesma conclusão ao regime estabelecido pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 170/83 é inevitável.

    A Comissão contesta, por outro lado, que os limites das zonas em que eram exercidos os direitos de pesca especiais referidos no n.° 2 do artigo 100.° devessem ser medidas a partir das linhas de base em vigor em cada momento considerado. Uma interpretação igualmente possível, e mais plausível, consiste em dizer que esses limites devem ser calculados a partir das linhas de base existentes na altura, ou seja, em 31 de Janeiro de 1971. O artigo 100.° prevê a manutenção de um statu quo cujo conteúdo concreto depende da zona de pesca definida em relação às linhas de base em vigor nessa data.

    No que respeita à técnica utilizada pelo legislador comunitário, a Comissão não pode subscrever a afirmação do Reino Unido de que a designação de faixas costeiras constitui um meio inapropriado para definir zonas marítimas imutáveis. Embora tivesse sido útil, e mesmo preferível, que o legislador comunitário precisasse expressamente que as zonas geográficas definidas no anexo I devem ser medidas a partir das linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983, a falta de tal disposição expressa para esse efeito não permite rejeitar a interpretação defendida pela Comissão, por incompatibilidade com o princípio da segurança jurídica.

    O exemplo citado pelo Reino Unido da chamada zona «Shetland area», relativamente à qual o artigo e o anexo II do Regulamento n.° 170/83 prevêem um sistema de licença de pesca estabelecido pela Comissão, não é significativo. Como esta zona, definida por necessidades de conservação, engloba águas situadas tanto nos limites como fora dos limites da faixa costeira das doze milhas do Reino Unido, torna-se indispensável defini-la através de pontos de latitude e de longitude. É igualmente plausível que, nos dois lugares em que as linhas assim definidas tocam os limites de pesca do Reino Unido, se tenha feito referência à linha das doze milhas a fim de evitar qualquer divergência entre o regime de conservação instituído na Shetland area e o regime de acesso em vigor na faixa costeira das doze milhas. A questão de saber se tais referências visam uma linha de base móvel ou a em vigor em 25 de Janeiro de 1983 excede o quadro do presente processo.

    No entanto, nenhuma das considerações desenvolvidas pela Comissão para restringir o alcance da excepção do princípio da igualdade de acesso se aplica no caso das medidas de conservação aplicáveis às zonas marítimas definidas em relação às linhas de base [ver, por exemplo, o Regulamento (CEE) n.° 3094/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986, que prevê determinadas medidas técnicas de conservação dos recursos da pesca, JO L 288, p. 1]. Dado que tais medidas se aplicavam sem distinção nessas zonas a todos os navios de todos os Estados-membros, pode admitir-se que, em tal contexto, as referências a linhas de base devem normalmente ser entendidas no sentido de que designam as linhas de base existentes no momento considerado, nos termos do direito internacional.

    A Comissão salienta ainda que o recurso às linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983 apenas para efeitos da aplicação do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, enquanto que as linhas de base móveis são tidas em conta para outros fins, não deve gerar nem a confusão entre os pescadores, nem dificuldades administrativas para as autoridades competentes em matéria de pesca, como receia o Reino Unido. A prova disso mesmo é fornecida pelo decreto real belga de 28 de Janeiro de 1988, relativo a medidas nacionais complementares em matéria de conservação e de gestão dos recursos da pesca {Moniteur belge de 4.2.1988, p. 1737): as disposições conjugadas dos artigos l.°, n.° 7, e 15.° deste diploma reservam aos barcos que arvorem pavilhão belga a pesca nas águas compreendidas pelo limite das doze milhas marítimas a contar das linhas de base a partir das quais o mar territorial foi medido no momento da realização do regime comunitário da conservação e da gestão dos recursos da pesca.

    Por último, a Comisssão salienta que o comportamento do Reino Unido levanta igualmente o problema das obrigações que incumbem a este Estado por força do artigo 100.°, n.os 2 e 3, do acto de adesão, no que respeita às práticas de pesca que os outros Estados-membros podiam invocar em 31 de Janeiro de 1971 nas águas situadas entre os antigos e os novos limites das doze milhas. No entanto, enquanto a exclusão dos pescadores de outros Estados-membros das zonas definidas no anexo I do Regulamento n.° 170/83 provocou violentos protestos dos pescadores afectados, apoiados pelas respectivas autoridades nacionais, o outro aspecto do problema, relativo às águas situadas entre os antigos e os novos limites das doze milhas, não recebeu a mesma atenção, mal sendo conhecido o efeito das novas medidas sobre a prática de pesca dos navios que operam nessas águas. E por essa razão que a Comissão, embora considere que a aplicação das novas medidas à zona assim definida é igualmente incompatível com o regime estabelecido pelo artigo 100.° do acto de adesão, decidiu não dar início ao processo previsto no artigo 169.° do Tratado relativamente a este aspecto do problema, ficando a aguardar informações mais completas sobre as actividades de pesca exercidas anteriormente nessas águas pelos pescadores de outros Estados-membros.

    O Governo francês começa por lembrar que os seus pescadores têm direitos de pesca históricos ao largo das costas britânicas. Estes direitos foram reconhecidos em várias convenções internacionais, e as autoridades britânicas procederam ao seu inventário através do Fishing Boats (França) Designation Order (decreto sobre a designação dos navios de pesca — França) de 1964.

    O Governo francês considera que as novas medidas britânicas põem em causa disposições comunitárias, designadamente o artigo 100.°, n.° 3, do acto de adesão e o artigo 6.° do Regulamento n.° 170/83. Com efeito, o n.° 1 do referido artigo 100.° introduz uma derrogação temporária do princípio geral da não discriminação, que tem como contrapartida a manutenção das práticas de pesca existentes exigida pelos n.os 2 e 3 da mesma disposição. O n.° 3, que estabelece que, se um Estado-membro alargar os seus limites de pesca para doze milhas marítimas, não deve verificar-se qualquer recuo na prática da pesca existente aquém das doze milhas em relação à situação existente em 31 de Janeiro de 1971, visa muito especialmente a hipótese do actual processo.

    Quanto ao Regulamento n.° 170/83, o seu anexo I faz um inventário pormenorizado, estabelecido após negociações que então se efectuaram, de todos os direitos de pesca invocáveis por cada Estado-membro em 25 de Janeiro de 1983. Ao adoptar, em Outubro de 1987, medidas destinadas a impedir o acesso de pescadores franceses às zonas indicadas no anexo I do Regulamento n.° 170/83, e portanto o exercício de direitos de pesca reconhecidos pelo direito comunitário, o Reino Unido violou as suas obrigações comunitárias. Não pode acolher-se a tese segundo a qual os direitos de pesca foram mantidos, exercendo-se agora em zonas geográficas mais ao largo. Com efeito, as novas zonas que as autoridades britânicas pretendem atribuir aos pescadores franceses apresentam condições diferentes relativamente aos fundos e à corrente, sendo claramente menos ricas em peixe. Além disso, os pescadores franceses e os dos outros Estados-membros já pescam nas novas zonas, situadas mais ao largo, definidas pelo Governo do Reino Unido. Não há assim apenas diminuição das capturas potenciais devido ao deslocamento das zonas, mas igualmente diminuição ou supressão de direitos históricos existentes nas novas zonas e de risco de sobreexploração destas últimas.

    Um Estado-membro não pode modificar unilateralmente a natureza das actividades de pesca nas zonas abrangidas pelo anexo I do Regulamento n.° 170/83, dado que o artigo 100.° do acto de adesão prevê expressamente a manutenção dos direitos existentes. Mesmo que se admita que novas zonas semelhantes pudessem ser determinadas, teria sido necessário um novo regulamento do Conselho para alterar o anexo I, em conformidade com a declaração comum emitida aquando da adopção do Regulamento n.° 170/83 e relembrada pela Comissão. Importa garantir o respeito da intangibilidade das zonas geográficas definidas no Regulamento n.° 170/83 e evitar o risco de ver disposições claras e precisas serem a pouco esvaziadas de sentido, em resultado de alterações que os Estados-membros pudessem impor à delimitação das águas territoriais e, portanto, ao traçado das linhas de base que determinam as zonas de pesca.

    Os princípios da não retroactividade e da segurança jurídica elaborados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 12 de Outubro de 1978, Belbouab, 10/78, Recueil, p. 1915; e de 8 de Outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen, 80/86, Colect., p. 3969; em matèria de pescas, acórdão de 10 de Julho de 1980, Comissão//Reino Unido, 32/79, Recueil, p. 2403) devem ser aplicáveis em tal hipótese. No que respeita ao princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 7° do Tratado, o Governo francês recorda que, nos termos do acórdão de 5 de Maio de 1981, Comissão/Reino Unido (804/79, Recueil, p. 1045), os pescadores da Comunidade devem dispor, sem prejuízo das derrogações aprovadas, de igualdade de acesso aos fundos marinhos sujeitos à jurisdição dos Esta-dos-membros. Cabe apenas ao Conselho o poder de estabelecer as regras desse acesso, não podendo os Estados-membros alterar tal situação jurídica através de medidas unilaterais. Por último, é óbvio que o direito comunitário, primário ou derivado, prevalece, nas relações entre os Estados-membros, sobre as disposições da convenção sobre o mar territorial ou da Convenção de Londres.

    O Governo do Reino Unido começa por referir que o presente processo tem origem numa divergência de opiniões entre a Comissão e o Reino Unido quanto à interpretação do artigo 6.°, n.° 2, e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, a qual apenas pode ser resolvida através de um acórdão do Tribunal de Justiça. A propositura pela Comissão de uma acção nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE constitui o meio mais indicado para levar o Tribunal de Justiça a pronunciar-se. Deve, no entanto, salientar-se que o actual processo é levado ao conhecimento do Tribunal de Justiça com um espírito de cooperação, testemunhado pelas instruções dadas pelas autoridades britânicas aos funcionários encarregados da fiscalização da pesca, a fim de prevenir qualquer acto susceptível de agravar ou alargar o conflito até que o problema jurídico seja resolvido.

    O Governo do Reino Unido recorda que os limites das águas marítimas sujeitas à soberania ou à jurisdição dos Estados-membros, às quais se aplica a política comum de estruturas no sector da pesca, são definidas em relação às linhas de base utilizadas para a delimitação das águas territoriais dos Estados-membros. Ora, as linhas de base devem ser determinadas pelas autoridades nacionais em conformidade com o direito internacional público. Em consequência, essas linhas não são estabelecidas a título definitivo, podendo variar em determinadas circunstâncias e, designadamente, na sequência do aparecimento ou desaparecimento de fundos descobertos ou da extensão do mar territorial, quando este venha a englobar fundos anteriormente situados fora das águas territoriais.

    A Comissão admite que as alterações destas linhas de base têm consequências a nível da aplicação de determinadas disposições comunitárias. O Governo do Reino Unido, por sua vez, considera que tais modificações são susceptíveis de gerar igualmente efeitos no que respeita à localização da zona de seis a doze milhas na qual são protegidas as actividades da pesca de barcos de outros Es-tados-membros que não sejam o Estado ribeirinho.

    É certo que o presente processo deve ser julgado com base no direito comunitário. O Governo do Reino Unido invoca, no entanto, o direito nacional, pela dupla razão de que as linhas de base utilizadas para delimitar as faixas marítimas ao longo das costas dos Estados-membros devem ser fixadas em conformidade com o direito internacional e de que o actual processo diz respeito à preservação, em direito comunitário, dos direitos de pesca especiais baseados no direito internacional.

    Quanto ao primeiro aspecto, resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 101/76 que as zonas marítimas de um Estado-membro em relação às quais é garantida a igualdade de acesso aos barcos de outros Estados-membros são as águas marítimas sujeitas à sua soberania ou jurisdição, tais como se encontram definidas pelas leis em vigor em cada Estado-membro.

    Quando, a partir de 1 de Janeiro de 1977, os Estados-membros alargaram os limites das respectivas zonas de pesca para 200 milhas ao largo das suas costas do mar do Norte e do Atlântico Norte, em conformidade com o direito internacional, a Irlanda defendeu que a extensão das águas marítimas definida pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 101/76 se limitava às águas sujeitas à soberania ou à jurisdição dos Estados-membros no momento da entrada em vigor desse regulamento. Esta tese foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Fevereiro de 1978, Comissão/Irlanda, já citado, onde decidiu que o referido artigo 2.° deve ser entendido no sentido de que se refere à delimitação do âmbito de aplicação do conjunto do direito comunitário, tal como este se apresenta em cada momento e que, portanto, qualquer extensão das águas marítimas em questão implica automaticamente uma extensão análoga do âmbito de aplicação do regulamento. Do mesmo modo, segundo o Governo do Reino Unido, uma alteração das linhas de base deve ter consequências automáticas no que respeita ao limite externo da zona dentro da qual o Estado-membro ribeirinho goza de direitos de pesca exclusivos, sem prejuízo dos direitos especiais dos barcos de outros Estados-membros. E tanto é assim que esta zona é definida em relação às faixas costeiras de seis a doze milhas, e não segundo as técnicas utilizadas pelo direito comunitário para definir as zonas marítimas específicas e fixas para efeito da política comum de estruturas, que se baseiam na indicação da latitude e da longitude.

    A prática seguida pelo Reino Unido no traçado das suas linhas de base é e foi sempre conforme ao direito internacional. Sendo estas linhas de base, por natureza, instáveis em determinado número de zonas, em que se baseiam em grande medida em bancos de areia imersos que formam fundos descobertos, sofreram numerosas alterações no passado, e designadamente a partir de 1972, que conduziram alternadamente à aproximação ou ao afastamento da costa da faixa de seis a doze milhas, o que deu regularmente lugar à publicação de avisos aos homens do mar, de novas cartas, ou de novas edições das cartas existentes.

    Por outro lado, todos os Estados marítimos podem (e devem, em caso de erosão dos fundos descobertos) proceder a rectificações das respectivas linhas de base, nos termos do direito internacional, o que implicaria alterações das zonas de seis a doze milhas para efeitos da política comum da pesca. A prática dos Estados-membros vai igualmente nesse sentido: desde 31 de Janeiro de 1971, a França, a Dinamarca, a República Federal da Alemanha e os Países Baixos alteraram as suas linhas de base, designadamente nas zonas em que os pescadores dos outros Estados-membros benefeciam de direitos de pesca especiais. A Bélgica e a Irlanda, por seu lado, alargaram o respectivo mar territorial para doze milhas em 1987 e em 1988, respectivamente. O Governo do Reino Unido não foi informado de que as alterações das linhas de base daí resultantes não se repercutiram no domínio da pesca.

    Quanto ao segundo ponto, o de saber qual a relação entre o regime comunitário e o direito internacional, o Governo do Reino Unido alega que a soberania e a jurisdição do Estado ribeirinho sobre a zona das doze milhas resulta do poder de jurisdição em matéria de pescas previsto pela Convenção de Londres e da extensão do mar territorial resultante do direito internacional comum. Do mesmo modo, os direitos de pescas especiais visados no artigo 6.°, n.° 2, e no anexo I do Regulamento n.° 170/83 têm a sua origem na prática habitual de pesca reconhecida pelo artigo 3.° da Convenção de Londres, que incidia sobre as zonas compreendidas entre as seis e as doze milhas ao largo da costa, medidas em relação às linhas de base existentes em cada momento, de acordo com o direito internacional e, em consequência, sobre as zonas susceptíveis de serem alteradas na sequência das modificações das linhas de base. Essas ligações entre o regime instituído pela Convenção de Londres e o regime comunitário foram reconhecidas pelo próprio Governo francês nas observações que apresentou como interveniente. Além disso, nada há de anormal em interpretar um acto comunitário com base no regime resultante de um tratado internacional por ele substituído (acórdão de 23 de Novembro de 1977, Enka, 38/77, Recueil, p. 2203).

    A prática de pesca referida pelo artigo 3.° da Convenção de Londres foi objecto de uma definição mais detalhada na sequência dos acórdãos bilaterais entre os Estados participantes. Dado que a prova da natureza e da extensão das práticas de pesca se baseou em larga medida mais em presunções do que numa documentação precisa, tais acordos necessitaram de discussões e de negociações, o que reveste uma determinada importância no entender do Governo do Reino Unido. Em todos os acordos celebrados pelo Reino Unido, a localização dos direitos de pesca foi efectuada com base, por um lado, em linhas laterais traçadas a partir de pontos situados na costa adjacente e, por outro, em faixas costeiras de seis e doze milhas medidas em relação às linhas de base susceptíveis de variação em conformidade com o direito internacional. Esta técnica não apresenta qualquer diferença em relação à utilizada no anexo I do Regulamento n.° 170/83.

    O Governo do Reino Unido não defende que a Convenção de Londres põe de modo algum em causa a validade e a plena eficácia do direito comunitário. Esta forneceu simplesmente a base de habilitação para o exercício, pelos Estados-membros, da sua soberania ou jurisdição sobre o espaço compreendido entre as seis e as doze milhas a partir das costas, bem como para a extensão dos limites da pesca efectuada nos termos do artigo 100.°, n.° 3, do acto de adesão. O facto de a Convenção de Londres e o direito comunitário se basearem em princípios diametralmente opostos no que respeita ao acesso não impede as linhas de base móveis de serem comuns aos dois regimes.

    Na altura em que o acto de adesão entrou em vigor, existiam duas bases legais diferentes que permitiam aos Estados alargarem para doze milhas os limites da sua jurisdição em matéria de pescas, a primeira era o exercício dos direitos reconhecidos pelo artigo 3.° da Convenção de Londres, e a segunda o alargamento do respectivo mar territorial. Em ambos os casos, todas as zonas costeiras resultantes do exercício, pelos Estados-membros, de competências baseadas no direito internacional podiam ser determinadas a partir de linhas de base móveis. Dado que as disposições dos artigos 100.° e 101.° do acto de adesão eram destinadas a aplicar-se em zonas sujeitas à soberania ou à jurisdição dos Estados-membros, faziam necessariamente referência aos limites traçados a partir das linhas de base existentes no momento considerado.

    Quando o artigo 100.° do acto de adesão autorizou os Estados-membros a derrogarem o princípio da igualdade de acesso consagrado no Regulamento n.° 2141/70, salvaguardando no entanto os direitos de pesca especiais invocáveis por outros Estados-membros em 31 de Janeiro de 1971, tornava-se claro que esses direitos especiais eram os que se exerciam na zona compreendida entre as seis e as doze milhas, calculadas a partir das linhas de base existentes em cada momento considerado. É igualmente significativo que o n.° 3 do referido artigo 100.° tenha indicado 31 de Janeiro de 1971 como data de referência para a identificação da prática de pesca existente, no caso de os Estados-membros que não tinham aplicado o regime das doze milhas previsto pela Convenção de Londres (República Federal da Alemanha, Bélgica, Itália e Países Baixos) alargarem aos respectivos limites de pesca para doze milhas. Assim, a situação resultante da Convenção de Londres e dos acordos bilaterais concluídos com base nela antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 2141/70 foi mantida e inserida no direito comunitário tanto pelos seis Estados-membros iniciais como pelos novos Estados-membros. A Comissão não tem assim razão em defender que, nas relações entre os Estados-membros iniciais, a situação em 31 de Janeiro de 1971 era já regulada pelas disposições do artigo 2.o do Regulamento n.° 2141/70.

    O Governo do Reino Unido considera que a negociação e a consolidação dos direitos de pesca protegidos ao abrigo do anexo I do Regulamento n.° 170/83 não tiveram efeitos sobre a definição das linhas de base. Conduziram simplesmente a uma definição mais precisa das linhas laterais que marcam os limites das zonas terrestres ao largo das quais esses direitos especiais podiam ser exercidos, marcando assim uma evolução lógica, no contexto comunitário, dos acordos negociados até aí numa base bilateral. Não pode estar-se perante um novo ponto de partida, tal como entende a Comissão.

    Os considerandos do Regulamento n.° 170/83 referem-se claramente à manutenção da situação jurídica resultante do acto de adesão. Exprimem assim uma intenção incompatível com a afirmação segundo a qual se encontrava prevista uma alteração fundamental no que respeita à definição das faixas de seis e doze milhas.

    Se, no anexo I do Regulamento n.° 170/83, o Conselho tivesse efectivamente pretendido estabelecer os limites terrestres dessas zonas de outro modo que não fosse em relação às linhas de base móveis, não teria procurado fazê-lo em relação às linhas de base. Com efeito, o legislador comunitário tem conhecimento da necessidade de definir, em determinados casos, zonas marítimas especiais de forma imutável, e da conveniência em utilizar, para esse efeito, a latitude e a longitude. Um bom exemplo disso é fornecido pelo próprio Regulamento n.° 170/83, dado que a chamada zona «Shetland area», para qual o artigo 7° prevê um sistema de licenças administrado pela Comissão, é precisamente definida, no anexo II, através de pontos de latitude e de longitude, excepto em dois lugares onde se recorre à linha das doze milhas, a fim de assegurar a continuidade entre a «Shetland area» e o regime especial aplicável dentro da zona das doze milhas. Deve notar-se que este último objectivo não seria atingido se a referência feita pelo anexo II à linha das doze milhas não fosse interpretada no sentido de que se refere à linha medida a partir das linhas de base existentes em cada momento. Por outro lado, se existissem duas zonas de doze milhas, uma baseada nas linhas de base fixas para a delimitação da Shetland area, e a outra sobre as linhas móveis para efeitos da protecção das actividades de pesca dos Esta-dos-membros não ribeirinhos, teria sido necessário que o legislador adoptasse medidas para tratar a questão dessas duas zonas que, sendo diferentes, se sobreporiam. Ora, o Regulamento n. 170/83 não contém qualquer disposição desse tipo.

    Além disso, o recurso a linhas «congeladas» e não móveis teria sido tão inabitual que seria de esperar que o Regulamento n.° 170/83 indicasse expressamente que as zonas costeiras e as respectivas linhas de base eram aí utilizadas numa acepção especial, diferente da que prevalecia na centena de casos em que as zonas de seis e de doze milhas medidas a partir das «linhas de base» eram mencionadas nos actos comunitários. Qualquer outra conclusão é incompatível com o princípio da segurança jurídica.

    E dificilmente imaginável que o Conselho tenha tido a intenção de estabelecer duas zonas de doze milhas diferentes, uma calculada a partir das linhas de base existentes em 23 de Janeiro de 1983, destinada à protecção das actividades de pesca dos outros Es-tados-membros além do Estado-membro ribeirinho, e a outra medida a partir das linhas de base móveis, a ter em conta para outros aspectos da política comum da pesca. Tais zonas sobrepor-se-iam, sem coincidir, o que criaria uma situação de confusão para os particulares, dificuldades administrativas para as pessoas encarregadas de fiscalizar a execução das regras comunitárias e complicações para apresentação das cartas naúticas, as quais deviam distinguir as duas zonas de doze milhas e indicar o regime jurídico aplicável a cada uma delas.

    O decreto real belga de 28 de Janeiro de 1988, citado pela Comissão para demonstrar a viabilidade de uma situação em que duas zonas de doze milhas coexistem, não é significativo. Em primeiro lugar, foi adoptado após se terem verificado acontecimentos que deram lugar ao actual processo, e de a Bélgica se ter alinhado pelas posições defendidas neste pela Comissão. Em segundo lugar, o facto de a Bélgica manter as linhas de base de 1983 para medir as suas zonas de seis e de doze milhas é pouco relevante: a costa belga é bastante curta, praticamente rectilínea, com poucos fundos descobertos situados ao largo, e próximos das costas, de forma que as alterações da linha de baixa-mar ocorridas durante os últimos anos, aliás de pouca importância, não tiveram incidência significativa sobre os limites das seis ou das doze milhas. Sendo assim, os organismos belgas competentes não têm dificuldades de maior em controlar os dois limites de pesca, dado que estes praticamente coincidem.

    A Comissão reconhece que a zona das doze milhas à qual se refere o Regulamento n.° 3094/86 deve ser medida a partir de linhas de base móveis, mas não aceita tal conclusão no contexto do Regulamento n.° 170/83. Para o Governo do Reino Unido, a explicação mais plausível é a de que existe apenas uma zona de doze milhas. E o que ressalta igualmente do preâmbulo do Regulamento n.° 3094/86, que se refere designadamente ao Regulamento n.° 170/83 e que menciona expressamente a zona costeira das doze milhas.

    O Governo do Reino Unido salienta que a alteração das linhas de base não pode ser vista como um comportamento unilateral. As únicas linhas de base que podem ser utilizadas são as que resultam do direito internacional e a própria Comissão admite que, noutros contextos, devem ter-se em conta as linhas de base móveis.

    A tese do Governo francês, de que a prática do Reino Unido que consiste em reportar-se às linhas de base móveis no contexto do Regulamento n.° 170/83 é contrária aos princípios da não retroactividade e da segurança jurídica, não deve ser acolhida. O Reino Unido elabora regularmente e com precisão mapas que indicam os limites das zonas das seis e das doze milhas, que são publicados para os pescadores. Não existe qualquer elemento de incerteza ou de retroactividade no facto de aplicar de forma equitativa e de boa fé, durante muitos anos, criterios objectivos com vista à determinação das zonas costeiras.

    O argumento da Comissão, de que o ponto de vista do Reino Unido leva a pôr fim às actividades de pesca existentes em 31 de Janeiro de 1971 e prosseguidas entre os novos e os antigos limites das doze milhas, sem que possam ser salvaguardadas pelo artigo 100.°, n.° 3, do acto de adesão, suscita algumas dificuldades. Mas o facto de a Comissão parecer admitir que o artigo 100.°, n.° 3, não é aplicável quando um Estado-membro altera as suas linhas de base em conformidade com o direito internacional significa apenas que o legislador comunitário presumiu que esses problemas poderiam ser resolvidos atempadamente por outros meios. Em consequência, a questão de saber se o artigo 100.°, n.° 3, é ou näo aplicável à situação resultante da promulgação do Territorial Sea Act de 1987 é irrelevante para a interpretação do regulamento n.° 170/83.

    O Governo do Reino Unido defende ainda que as linhas de base móveis não têm o efeito discriminatório invocado pela Comissão. Não há, com efeito, qualquer discriminação em razão da nacionalidade, nem qualquer efeito discriminatório inerente, mas apenas um tratamento diferenciado de situações diferentes, com base em critérios objectivos conformes ao direito comunitário, tais como o exercício da pesca a partir de portos situados na zona geográfica costeira ou a existência de direitos de pesca especiais.

    Por último, o Governo do Reino Unido repete que não existe qualquer violação do direito comunitário e observa que eventuais dificuldades encontradas pelos pescadores de outros Estados-membros têm a sua origem no regime estabelecido por acto de adesão e pelo Regulamento n.° 170/83. As reivindicações daí decorrentes incidem mais sobre um interesse do que sobre um direito. Mas, não é possível solicitar ao Tribunal de Justiça a adaptação de compromissos complexos, que afectam todo um sector económico, de cada vez que um grupo particular alega ter sofrido uma desvantagem.

    G. F. Mancini

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    9 de Julho de 1991 ( *1 )

    No processo C-146/89,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Robert Caspar Fischer, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    apoiada por

    República Francesa, representada por Jean-Pierre Puissochet, director dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por Claude Chavance, attaché principal da administração central junto do mesmo ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na sede da Embaixada de França, 9, boulevard du Prince-Henri,

    interveniente,

    contra

    Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por Susan J. Hay, do Treasury Solicitor's Department, e depois por H. A. Kaya, igualmente do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agentes, e por Derrick Wyatt, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

    demandado,

    em que é pedido que seja declarado que, ao aplicar em determinadas zonas, para efeito das regras de pesca estabelecidas para as águas costeiras do Reino Unido pelas disposições combinadas do anexo I e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), novas linhas de base mais afastadas das costas do que as existentes em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral : C. O. Lenz

    secretario: J. A. Pompe, secretário adjunto

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 9 de Janeiro de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 19 de Fevereiro de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Abril de 1989, a Comissão intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao aplicar em determinadas zonas, para efeitos do regime de pesca estabelecido para as águas costeiras do Reino Unido pelas disposições conjugadas do artigo 6.°, n.° 2, e pelo anexo I do Regulamento (CEE) n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), novas linhas de base mais afastadas das costas do que as existentes em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    2

    Segundo os princípios comuns do direito internacional, tal como se encontram designadamente codificados nos artigos 3.°, 4.° e 11.° da convenção sobre o mar territorial e a zona contígua, assinada em Genebra em 29 de Abril de 1958(Recueil des traités des Nations unies, vol. 516, p. 205, a seguir «convenção sobre o mar territorial»), bem como nos artigos 5.°, 7.° e 13.° da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, assinada em Montego Bay em 10 de Dezembro de 1982 (UN Doc A/CONF 62/122, com errata, Tractatenblad van het Koninkrijk der Nederlanden, 1983, n.° 83, a seguir «convenção sobre o direito do mar», a linha de base normal a partir da qual é medida a largura do mar territorial é a linha da maré baixa ao longo da costa, conforme marcada nas cartas marítimas em grande escala, oficialmente reconhecidas pelo Estado ribeirinho (artigo 3.° da convenção sobre o mar territorial e artigo 5.° da convenção sobre o direito do mar).

    3

    Nas zonas em que a linha da costa apresenta recortes profundos e reentrâncias, ou se existir um grupo de ilhas ao longo da costa na proximidade imediata desta, poderá adoptar-se o método das linhas de base rectas ligando os pontos apropriados para o traçado da linha de base a partir da qual é medida a largura do mar territorial. O traçado das linhas de base rectas não deve afastar-se de forma apreciável da direcção geral da costa e as extensões de mar situadas dentro dessas linhas devem ser suficientemente ligadas ao domínio terrestre para serem submetidas ao regime das águas interiores. Aquelas linhas de base não são traçadas em direcção ou a partir de pontos descobertos na maré baixa, ou seja, de elevações naturais de terreno rodeadas pelo mar, a descoberto na maré baixa, e cobertas na maré alta, a não ser que tenham sido construídos sobre esses pontos faróis ou instalações semelhantes que se encontrem permanentemente acima do nível do mar, ou que o traçado de tais linhas de base não tenha sido objecto de reconhecimento internacional generalizado (artigos 4.°, n.os 1 a 3, da convenção sobre o mar territorial, e 7.°, n.os 1, 3 e 4, da convenção sobre o direito do mar).

    4

    Quando fundos altos descobertos se encontram, total ou parcialmente, a uma distância do continente ou de uma ilha não superior à largura do mar territorial, a linha de baixa-mar sobre esses fundos poderá ser tomada como linha de base para medição da largura do mar territorial. Quando esses mesmos fundos descobertos se encontram em toda a sua extensão a uma distância do continente ou de uma ilha superior à largura do mar territorial, não têm mar territorial próprio (artigos 11.° da convenção sobre o mar territorial e 13.° da convenção sobre o direito do mar).

    5

    Antes da adesão do Reino Unido à Comunidade, as relações entre este Estado e os Estados-membros da Comunidade em matéria de pescas eram reguladas pela convenção sobre a pesca, assinada em Londres em 9 de Março de 1964(Recueil des traités des Nations unies, vol. 581, p. 76, a seguir «Convenção de Londres»). O artigo 2.° desta convenção reconhece ao Estado ribeirinho o direito exclusivo de pesca e a jurisdição exclusiva em matéria de pesca na zona das seis milhas marítimas medidas a partir da linha de base do mar territorial. Nos termos do artigo 3.° da mesma convenção, na zona compreendida entre as seis e as doze milhas, o exercício do direito de pesca cabe apenas ao Estado ribeirinho, e às outras partes contratantes cujos navios tenham habitualmente praticado a pesca nessa zona entre 1 de Janeiro de 1953 e 31 de Dezembro de 1962.

    6

    Relativamente ao direito comunitário, o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2141/70 do Conselho, de 20 de Outubro de 1970, que estabelece uma política comum no sector da pesca (JO L 236, p. 1), previa que o regime aplicado por cada um dos Estados-membros ao exercício da pesca nas águas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição não podia implicar divergências de tratamento em relação aos outros Estados-membros. Os Estados-membros tinham designadamente obrigação de garantir a igualdade de condições de acesso e de exploração dos fundos situados nessas águas relativamente a todos os navios de pesca com pavilhão de um dos Estados-membros e matriculados no território da Comunidade.

    7

    O artigo 100.° do acto relativo às condições de adesão e às adaptações dos tratados, anexo ao tratado relativo à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte à Comunidade Econômica Europeia e à Comunidade Europeia da Energia Atòmica (JO 1972, L 73, p. 14, a seguir «acto de adesão») autorizou os Estados-membros a limitarem, em derrogação ao disposto no artigo 2° do Regulamento n.° 2141/70, já citado, até 31 de Dezembro de 1982, o exercício da pesca nas águas sob a sua soberania ou jurisdição situadas aquém de um limite de seis milhas marítimas, calculado a partir das linhas de base do Estado-membro ribeirinho, aos navios cuja actividade piscatória se exerça tradicionalmente nessas águas e a partir dos portos da zona geográfica ribeirinha (n.° 1, primeiro parágrafo). Especificava-se que essa disposição não prejudicava os regimes mais favoráveis aplicados à data da adesão (n.° 1, segundo parágrafo) e que, se um Estado-membro alargasse os seus limites de pesca em determinadas zonas para doze milhas marítimas, a prática da pesca existente aquém das doze milhas marítimas não devia sofrer qualquer recuo em relação à situação existente em 31 de Janeiro de 1971 (n.° 3).

    8

    Mais tarde, o Regulamento n.° 2141/70 foi substituído pelo Regulamento (CEE) n.° 101/76 do Conselho, de 19 de Janeiro de 1976, que estabelece uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 20, p. 19; EE 04 Fl p. 16), que contém, no artigo 2.°, disposições idênticas às do já referido Regulamento n.° 2141/70. No entanto, o sétimo considerando do Regulamento n.° 101/76 relembra que, ao aplicar esse texto, devem ter-se em conta as derrogações previstas, designadamente, no artigo 100.° do acto de adesão.

    9

    O artigo 6.° do Regulamento n.° 170/83 do Conselho, já citado, autoriza os Estados-membros a manterem até 31 de Dezembro de 1992 o regime definido no artigo 100.° do acto de adesão e alargar até às doze milhas marítimas o limite de seis milhas previsto no citado artigo. No entanto, as actividades da pesca abrangidas por este regime estão sujeitas às regras previstas no anexo I, que fixa, para cada um dos Estados-membros, as zonas geográficas das faixas costeiras dos outros Estados-membros onde estas actividades são exercidas e quais as espécies a que se referem.

    10

    Relativamente às águas costeiras do Reino Unido, o anexo I enumera uma série de zonas compreendidas entre a linha das seis milhas e das doze milhas nas quais a França, a Irlanda, a República Federal da Alemanha, os Países Baixos e a Bélgica podem exercer determinadas actividades de pesca.

    11

    Quando aderiu às Comunidades, o Reino Unido tinha um mar territorial de três milhas e reivindicava uma zona de pesca exclusiva de doze milhas, sem prejuízo dos direitos de pesca tradicionais de outros Estados, nos termos da Convenção de Londres. O seu mar territorial foi alargado para doze milhas pelo artigo 1.°, n.° 1, do Territorial Sea Act (lei sobre o mar territorial) de 1987. Este texto indica que as linhas de base a partir das quais é medido o mar territorial são determinadas por Order in Council (decreto real). O n.° 4 do mesmo artigo remete para o efeito para o Territorial Waters Order in Council de 1964, com as alterações posteriormente introduzidas; no entanto, o n.° 5 do referido artigo esclarece que, sempre que esses documentos se referem ao mar territorial adjacente às costas do Reino Unido, tal referência deve ser interpretada em conformidade com o artigo 1.° do Territorial Sea Act de 1987.

    12

    O Territorial Waters Order in Council de 1964 estabelece que a linha de base a ter normalmente em conta para medir o mar territorial é a linha da maré baixa ao longo da costa, incluindo a costa das ilhas. Para tanto, são equiparadas a ilhas os fundos altos descobertos, definidos como zonas naturais de terreno descoberto, rodeadas por água, que se encontram submersas durante as marés cheias médias de águas-vivas, desde que se situem, no todo ou em parte, no mar territorial, medido sem ter em conta os baixios.

    13

    O Fishing Boats (European Economic Community) Designation Order (decreto sobre a designação dos navios de pesca — Comunidade Económica Europeia) de 1983, que enumera as zonas situadas dentro dos limites de pesca do Reino Unido em que os pescadores de outros Estados-membros podem exercer actividades de pesca, reproduz a lista das zonas compreendidas entre a linha das seis milhas e a das doze milhas que consta do anexo I do Regulamento n.° 170/83, já citado. Estipula-se aí expressamente que as linhas de base a ter em conta são as definidas nos termos do Territorial Waters Order in Council de 1964.

    14

    Por carta de 1 de Outubro de 1987, o Governo do Reino Unido informou as autoridades competentes em matéria de pesca dos Estados-membros envolvidos, bem como a Comissão, da entrada em vigor, nesse mesmo dia, do Territorial Sea Act. Salientava designadamente que, na sequência do alargamento do mar territorial, determinados fundos altos descobertos situados dentro dos limites das doze milhas passariam a constituir os pontos a partir dos quais seriam traçadas as linhas de base do mar territorial, em relação aos quais se mediriam igualmente as zonas de pesca das seis e das doze milhas. Os novos limites eram indicados nas cartas marítimas enviadas às autoridades dos Estados-membros em questão, às quais se solicitava que transmitissem as cartas às organizações de pescadores que pudessem ser afectadas pela alteração. Anunciava-se igualmente que, durante um período de sensibilização de dois a três meses, o serviço de protecção da pesca chamaria a atenção de qualquer navio que pescasse aquém dos novos limites para a alteração da situação, podendo, no entanto, qualquer barco reincidente ser apreendido com vista à instauração de um processo.

    15

    Em 27 de Outubro de 1987, na sequência de protestos dos pescadores e das autoridades dos outros Estados-membros envolvidos, a Comissão solicitou ao Reino Unido que não aplicasse, enquanto não fosse concluída uma análise aprofundada da situação, a nova regulamentação aos navios dos Estados-membros que pescassem em zonas onde o exercício de tais actividades é autorizado pelo direito comunitário. Após negociações efectuadas entre o Reino Unido, a Bélgica, a França e a Comissão, em 8 de Dezembro de 1987, o Governo do Reino Unido anunciou ter dado às autoridades competentes em matéria de pesca instruções no sentido de se absterem de qualquer acto que pudesse agravar o conflito.

    16

    Por carta de 11 de Dezembro de 1987, a Comissão convidou o Governo do Reino Unido a apresentar observações, nos termos do artigo 169.° do Tratado. Na sua resposta de 7 de Janeiro de 1988, esclarecida e rectificada em 11 e 19 de Janeiro do mesmo ano, o Governo do Reino Unido contestou as teses da Comissão, rejeitando as suas acusações. Em 9 de Junho de 1988, a Comissão emitiu o parecer fundamentado previsto no referido artigo 169.° Por cartas de 29 de Julho e de 8 de Agosto de 1988, o Governo do Reino Unido comunicou que não podia aceitar o parecer fundamentado nem dar-lhe cumprimento.

    17

    Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida em que sejam necessários à fundamentação do Tribunal de Justiça.

    18

    Convém observar, a título liminar, que a Comissão não contesta a conformidade das novas disposições britânicas com as regras de direito internacional relativas à delimitação do mar territorial e ao traçado das linhas de base.

    19

    Em segundo lugar, deve ter-se em conta que o litígio entre as partes incide essencialmente sobre a interpretação das disposições combinadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, já referido, que determinam as zonas aquém da linha das doze milhas em que os pescadores de outros Estados-membros podem exercer determinadas actividades piscatórias. A Comissão, apoiada pelo Governo francês, considera que as zonas aí indicadas, e designadamente as compreendidas entre as linhas das seis e das doze milhas nas águas costeiras do Reino Unido, devem ser medidas a partir das linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983, data da adopção do referido Regulamento n.° 170/83. Para o Governo do Reino Unido, em contrapartida, as linhas de base a ter em conta para o efeito são as existentes em cada momento, tal como resultam do seu traçado em conformidade com o direito internacional pelo Estado-membro em causa.

    20

    Deve, assim, o Tribunal de Justiça proceder à análise dos argumentos invocados pelas partes em apoio das respectivas teses. A Comissão retira essencialmente os seus argumentos da sistematização geral do Regulamento n.° 170/83, dos objectivos prosseguidos pelo legislador comunitário e das consequências práticas das medidas adoptadas pelas autoridades britânicas. O Governo do Reino Unido baseia-se na letra das disposições em questão, dos nexos entre estas, no acto de adesão e as convenções internacionais interiores, na prática seguida aquando das anteriores alterações das linhas de base, na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às consequências do alargamento das zonas de pesca nacionais, bem como nas dificuldades práticas que resultariam da interpretação defendida pela Comissão, designadamente para a apresentação das cartas maritimas, a actividade dos serviços encarregados da aplicação do direito comunitário em matéria de pescas e finalmente para a gestão da chamada zona «Shetland Area».

    A sistematização geral do Regulamento n.° 170/83 e os objectivos prosseguidos pelo legislador comunitário

    21

    A Comissão defende que, ao adoptar o Regulamento n.° 170/83, o legislador comunitário pretendeu estabelecer um inventário consensual das actividades dos pescadores de outros Estados-membros além do Estado reibeirinho. Estes Estados-membros não podem, através da alteração das respectivas linhas de base, modificar unilateralmente o âmbito da protecção conferido pelo direito comunitário para determinadas actividades piscatórias, cuja natureza depende da situação geográfica das águas em que se exercem. A aplicação às zonas definidas pelo Regulamento n.° 170/83 das novas disposições britânicas sobre o mar territorial teria como efeito afastar os pescadores de outros Estados-membros de zonas ricas em peixe e de fácil exploração.

    22

    Deve antes de mais notar-se, a este respeito, que o Regulamento n.° 170/83 consagra um equilíbrio cuidadosamente obtido entre, por um lado, o regime da exclusividade de acesso dos pescadores ribeirinhos às águas costeiras, que prorroga em derrogação ao princípio geral da igualdade de acesso e cuja generalização autoriza nas zonas situadas aquém da linha das doze milhas e, por outro, a protecção de determinadas actividades de pescadores de outros Estados-membros nas zonas indicadas no anexo I.

    23

    Em segundo lugar, torna-se claro que estas actividades se encontram indissociavelmente ligadas à natureza e à profundidade dos fundos em que são exercidas, bem como às características gerais da área marítima em questão, tais como os contornos da costa na região, a presença de ilhas, rochedos ou fundo altos, a existência e as características das marés e das correntes, as condições meteorológicas que se fazem sentir na zona, o estado de poluição das águas ou ainda a circulação de navios. Resulta daqui que as finalidades do Regulamento n.° 170/83 podem ficar comprometidas se as zonas em que se exercem as actividades de pesca por ele definidas e autorizadas forem deslocadas — de algumas milhas marítimas, no caso em apreço —, vindo englobar áreas caracterizadas por fundos, condições naturais e intensidade de circulação maritima consideravelmente diferentes.

    24

    O âmbito do anexo I do referido regulamento não pode assim ser alterado unilateralmente por um Estado-membro. Por outro lado, a declaração comum do Conselho e da Comissão, constante da acta elaborada pelo Conselho aquando da adopção do Regulamento n.° 170/83 e junta aos autos, prevê que o referido anexo I seja alterado, a pedido conjunto dos Estados-membros directamente interessados, através de regulamento adoptado pelo Conselho sob proposta da Comissão.

    25

    A objecção do Governo do Reino Unido de que o Territorial Sea Act de 1987 não pode ser considerado acto unilateral, dado ser conforme às regras do direito internacional, não é de acolher. Com efeito, o direito internacional limita-se a autorizar os Estados-membros a alargarem o respectivo mar territorial até à doze milhas e a traçarem, em determinadas circunstâncias, as linhas de base utilizadas para medir a largura do mar territorial em direcção e a partir dos fundos altos nele situados. Nestas condições, a decisão de recorrer às faculdades resultantes das regras do direito internacional e de alargar os efeitos das novas disposições à fixação das zonas descritas do anexo I, já citado, é da exclusiva responsabilidade das autoridades britânicas, que alteraram assim unilateralmente o âmbito de aplicação das disposições do Regulamento n.° 170/83.

    Quanto às consequências das medidas adoptadas pelas autoridades britânicas.

    26

    A interpretação das disposições combinadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83 no sentido de que se referem às linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983 é corroborada pela análise das consequências potenciais das medidas adoptadas pelas autoridades britânicas.

    27

    A Comissão e o Governo francês salientaram, com razão, que a aplicação das referidas medidas levaria ao afastamento dos pescadores de outros Estados-membros das zonas em que até agora pescaram, as quais se situam junto das costas e se caracterizam frequentemente pela existência de fundos altos, pela riqueza em peixe e pela sua natureza relativamente abrigada e afastada dos grandes eixos da circulação maritima, relegando esses pescadores para outras zonas em que, dadas as condições substancialmente diversas, o exercício da pesca é geralmente menos rentável ou até impossível.

    28

    Tal resultado estaria em contradição com os objectivos do Regulamento n.° 170/83. Em primeiro lugar, este propõe-se justamente salvaguardar as actividades dos referidos pescadores, no quadro de um complexo equilíbrio entre essas actividades e os direitos exclusivos reconhecidos, a título temporário, aos pescadores ribeirnhos. Deste ponto de vista, as novas medidas britânicas viriam sem dúvida enfraquecer o efeito útil das disposições do Regulamento n.° 170/83.

    29

    Além disso, as referidas disposições visam igualmente garantir a estabilidade relativa das actividades piscatórias, como revelam os seus quinto, sexto e sétimo considerandos. Este último objectivo seria posto em causa se os Estados-membros pudessem alterar unilateralmente a natureza e o âmbito das actividades dos pescadores de outros Estados-membros.

    30

    Por último, como salienta o Governo francês, os pescadores dos outros Estados-membros afectados podiam já exercer a respectiva actividade nas novas zonas definidas pelas disposições britânicas. Com efeito, essas zonas situavam-se para além da linha das doze milhas existente em 25 de Janeiro de 1983, não estando assim sujeitas ao regime de acesso exclusivo dos pescadores ribeirinhos. Assim, não só havia deslocamento, mas eliminação de zonas em que se exerciam actividades de pescadores de outros Estados-membros. Ora, o regulamento em questão deve ser interpretado de forma a evitar, na medida do possível, tais consequências.

    Quanto à letra do artigo 6.° do anexo I do Regulamento n.° 170/83

    31

    O Governo do Reino Unido considera que a letra do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, referindo-se sem mais precisões aos limites das seis e das doze milhas, apenas pode ter em vista os limites medidos a partir das linhas de base que em cada momento se encontram definidas pelo Estado-membro em causa, nos termos das regras do direito internacional (linhas de base móveis), e não a partir das linhas de base existentes no momento da adopção do regulamento em causa (linhas de base fixas).

    32

    Segundo o Reino Unido, o conceito de linhas de base é utilizado em numerosos textos comunitários, reconhecendo a própria Comissão que aquela noção se refere invariavelmente a linhas de base móveis. É difícil imaginar que só assim não seja com as disposições do Regulamento n.° 170/83 que, aliás, não contêm qualquer indicação nesse sentido.

    33

    Por último, ainda segundo o Reino Unido, o método da referência a linhas de base, necessariamente móveis, é totalmente inadequado para determinar as zonas marítimas especiais de forma permanente. Se o Conselho tivesse pretendido de facto designar as faixas costeiras compreendidas entre as seis e as doze milhas sem se basear em linhas de base móveis, teria utilizado a técnica das linhas traçadas entre pontos de latitude e de longitude, como fez no anexo II do mesmo Regulamento n.° 170/83 ao delimitar a região chamada «Shetland Area», em relação à qual o artigo 7.° prevê um sistema de licenças de pesca gerido pela Comissão em nome da Comunidade.

    34

    Nenhum dos argumentos invocados pelo Governo do Reino Unido parece decisivo. E certo que, como a própria Comissão admite, teria sido desejável que o Conselho, ao referir-se às linhas de base nas disposições em causa, tivesse indicado expressamente que tinha em vista as linhas de base existentes à data da adopção do regulamento. No entanto, a falta de tal precisão não obsta a uma interpretação nesse sentido, dado ser esta a única que permite atingir os objectivos prosseguidos pelo regulamento em questão.

    35

    Por outro lado, a circunstância de outros textos comunitários utilizarem a mesma noção de linha de base com significado diferente explica-se pelo facto de prosseguirem objectivos diferentes, que se prendem em geral com a conservação dos recursos da pesca, sem terem qualquer ligação com a protecção de determinadas actividades piscatórias em regiões determinadas.

    36

    Finalmente, a utilização da técnica das linhas traçadas entre pontos sucessivos de latitude e de longitude, sugerida pelo Governo do Reino Unido a fim de determinar as regiões marítimas fixas, é manifestamente inadequada para a definição de faixas costeiras. Com feito, estas devem seguir fielmente o contorno, frequentemente acidentado, do litoral, sem prejuízo do recurso às linhas de base rectas quando o direito internacional o autorize, de modo que seria necessário um número bastante grande de pontos de latitude e de longitude, tornando a delimitação assim efectuada de difícil compreensão.

    37

    Em consequência, nenhum elemento do texto das disposições combinadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83 se opõe a que as noções, delas constantes, de limites das seis e das doze milhas sejam interpretadas no sentido de que se referem a limites medidos a partir das linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983.

    As relações existentes entre o Regulamento n.° 170/83, o acto de adesão e as convenções internacionais anteriores

    38

    O Governo do Reino Unido alega, por um lado, que o regime da exclusividade de acesso dos pescadores do Estado ribeirinho às águas costeiras situadas aquém da linha das doze milhas, bem como o das actividades dos pescadores de outros Estados-membros, a que se refere o artigo 100.° do acto de adesão e as disposições em causa do Regulamento n.° 170/83, tem a sua origem no regime previsto pela Convenção de Londres e nos acordos bilaterais celebrados entre os Estados-membros envolvidos com vista à definição das práticas de pesca tradicionais na zona compreendida entre a linha das seis e das doze milhas, cuja manutenção era autorizada pela referida convenção. Todas as zonas marítimas referidas nestes instrumentos foram definidas em relação a linhas de base móveis. Ora, disposições que, como as do artigo 100.° do acto de adesão e do Regulamento n.° 170/83, substituíram disposições convencionais anteriores devem, no entender do Reino Unido, ser interpretadas à luz destas, tal como fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de Novembro de 1977, Enka (38/77, Recueil, p. 2203). Deve, assim, concluir-se que as disposições do Regulamento n.° 170/83 se referem, tal como as disposições convencionais anteriores, a linhas de base móveis.

    39

    Por outro lado, o Governo do Reino Unido observa que, aquando da adesão, os Estados-membros tinham o direito de exercerem a respectiva soberania ou jurisdição em matéria de pescas na zona situada aquém das doze milhas, quer através do alargamento para doze milhas do seu mar territorial, quer ao abrigo dos direitos reconhecidos ao Estado ribeirinho pela Convenção de Londres. Em ambos os casos, as zonas costeiras sob jurisdição reconhecida pelo direito internacional apenas podiam ser determinadas em relação às linhas de base existentes em cada momento, em conformidade com o direito internacional. As disposições do artigo 100.° do acto de adesão, que se destinavam a aplicar-se nas zonas sujeitas à soberania ou à jurisdição dos Estados-membros, bem como os artigos do Regulamento n.° 170/83 que prorrogaram o regime deste acto, referem-se assim necessariamente à mesmas linhas de base móveis.

    40

    Relativamente ao primeiro argumento, deve salientar-se que se, no acórdão de 23 de Novembro de 1977, Enka, invocado pelo Governo do Reino Unido, o Tribunal de Justiça interpretou um regulamento comunitário em conformidade com uma convenção internacional da qual reproduzia grande parte das disposições, as relações entre o Regulamento n.° 170/83 e a convenção sobre a pesca não justificam tal atitude. Com efeito, enquanto a Convenção de Londres atribuía direitos de pesca exclusivos ao Estado ribeirinho, o Regulamento n.° 170/83 baseia-se sobre o princípio oposto da igualdade de acesso dos pescadores comunitários aos recursos das águas sujeitas à soberania ou à jurisdição dos Estados-membros, sem prejuízo de determinadas derrogações temporárias.

    41

    Por outro lado, as disposições da Convenção de Londres, aplicáveis entre os Estados-membros de origem até 31 de Janeiro de 1971, foram substituídas a partir desta data, no que respeita às relações entre esses Estados, pelo regime estabelecido pelo Regulamento n.° 2141/70, já citado, que atribuía aos pescadores comunitários um direito de igualdade de acesso e de exploração dos fundos situados nas águas sujeitas à jurisdição ou à soberania dos Estados-membros, sem excepções para as águas costeiras. Daqui resulta que o artigo 100.° do acto de adesão, que restabeleceu, a título temporário, os direitos exclusivos do Estado ribeirinho na zona das seis milhas, sem prejuízo dos direitos de pescas especiais que pudessem ser invocados pelos Estados-membros em 31 de Janeiro de 1971, tem sem dúvida conexões com a Convenção de Londres, mas não pode ser considerado como um prolongamento desta no âmbito do direito comunitário.

    42

    A falta de continuidade entre o regime da Convenção de Londres, por um lado, e o do acto de adesão e do Regulamento n.° 170/83, por outro, pode igualmente provar-se pelo facto de que o primeiro reconhecia, aquém dos limites das seis ou das doze milhas, direitos exclusivos de pesca ao Estado ribeirinho, quaisquer que fossem os barcos utilizados, enquanto o segundo reserva determinadas actividades de pesca costeira apenas aos navios cuja actividade se exerce tradicionalmente nessas águas e a partir de portos da zona geográfica ribeirinha.

    43

    Por último, o Regulamento n.° 170/83, ao contrário do acto de adesão, não menciona os direitos de pesca especiais existentes à data de 31 de Janeiro de 1971, protegendo no entanto certas actividades da pesca que enumera com pormenor no seu anexo I e que não correspondem necessariamente aos direitos de pesca dos outros Estados além do Estado ribeirinho tutelados pela Convenção de Londres. Sendo assim, as disposições deste regulamento não podem ser interpretadas à luz da referida convenção.

    44

    Quanto ao segundo argumento, basta recordar que, nos termos da resolução adoptada em Haia em 30 de Outubro de 1976 e formalmente aprovada pelo Conselho em 3 de Novembro de 1976, os Estados-membros alargaram, a partir de 1 de Janeiro de 1977, os limites das respectivas zonas de pesca para 200 milhas ao longo das suas costas do mar do Norte e Atlântico Norte. Em consequência, a zona das doze milhas definida em relação às linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983 encontra-se, de qualquer forma, compreendida nas águas sujeitas à jurisdição ou à soberania dos Estados-membros, donde resulta ficar excluída a possibilidade de qualquer conflito com as regras do direito internacional.

    45

    Em consequência, os argumentos que o Governo do Reino Unido extrai das relações entre o Regulamento n.° 170/83, o acto de adesão e as convenções internacionais anteriores não fornecem qualquer indício que leve a concluir que as disposições combinadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83 se referem a linhas de base móveis.

    Quanto à prática dos Estados-membros em matéria de alterações das linhas de base

    46

    O Governo do Reino Unido salienta ter procedido desde 1972 a numerosas alterações das linhas de base para ter em conta fenómenos naturais e defende que a França, a Dinamarca, a República Federal da Alemanha e os Países Baixos efectuaram alterações semelhantes, designadamente em zonas em que os pescadores de outros Estados-membros exercem actividades de pesca ao abrigo das disposições combinadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83. Por outro lado, a Bèlgica e a Irlanda alargaram o seu mar territorial em 1987 e 1988, respectivamente, parecendo que as alterações das linhas de base daí resultantes não eram de todo estranhas ao domínio da pesca.

    47

    A este respeito, deve antes de mais recordar-se que, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver, designadamente, o acórdão de 26 de Fevereiro de 1976, Comissão/Itália, 52/75, Recueil, p. 277), um Estado-membro não pode justificar a falta de cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado pelo facto de outros Estados-membros terem deixado de cumprir e de não cumprirem igualmente as respectivas obrigações. Com efeito, na ordem juridica criada pelo Tratado, a aplicação do direito comunitário pelos Estados-membros não pode ser sujeita a uma condição de reciprocidade. Os artigos 169.° e 170.° do Tratado prevêem meios jurisdicionais adequados para fazer face ao incumprimento por parte dos Estados-membros das obrigações decorrentes do Tratado.

    48

    Em segundo lugar, no caso da Bélgica, o decreto real de 28 de Janeiro de 1988, que estabelece medidas nacionais complementares em matéria de conservação e de gestão dos recursos de pesca, invocado pela Comissão, esclarece expressamente que se encontra reservada aos barcos que arvorem pavilhão belga a pesca nas águas marítimas até ao limite de doze milhas das linhas de base a partir das quais o mar territorial foi medido quando do estabelecimento do regime comunitário da conservação e da gestão dos recursos da pesca, ou seja, em 25 de Janeiro de 1983,

    49

    Resulta, por último, de uma jurisprudência constante (ver, designadamente, o acórdão de 21 de Março de 1991, Comissão/Itália, C-209/89, Colect., p. I-1575) que a acção por incumprimento é de natureza objectiva e que a Comissão aprecia apenas a oportunidade da sua propositura no Tribunal de Justiça. A Comissão podia assim abster-se de instaurar um processo nos termos do artigo 169.° do Tratado quando as alterações das linhas de base devidas a fenómenos naturais apenas tivessem efeitos limitados sobre as actividades de pesca, e de decidir, ao invés, intentar a presente acção a propósito de uma alteração resultante do alargamento do mar territorial com importantes repercussões sobre as actividades de pesca.

    50

    Os argumentos baseados na prática dos Estados-membros em matéria de alteração das linhas de base não podem assim ser acolhidos.

    Quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às consequências do alargamento das zonas marítimas dos Estados-membros

    51

    O Governo do Reino Unido invoca o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 16 de Fevereiro de 1978, Comissão/Irlanda (61/77, Recueil, p. 417), em apoio da alegação de que qualquer alteração das águas marítimas dos Estados-membros implica automaticamente uma correspondente alteração do âmbito de aplicação dos regulamentos comunitários. Conclui daí que a alteração, por um Estado-membro, das suas linhas de base deve repercutir-se automaticamente sobre os limites da zona em que os pescadores ribeirinhos gozam de um direito de pesca exclusivo, sem prejuízo das actividades dos navios de outros Estados-membros protegidas pela regulamentação comunitária.

    52

    Este argumento deve ser rejeitado. Como observou o advogado-geral no n.° 45 das suas conclusões, o Regulamento n.° 101/76 do Conselho, de 19 de Janeiro de 1976, que estabelece uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 20 p. 19; EE 04 Fl p. 16), sobre o qual incidiu o acórdão de 16 de Fevereiro de 1978, Comissão/Irlanda, já citado, estabelece um regime para as actividades piscatorias que se aplica indistintamente a todos os interessados e no àmbito do qual não se coloca qualquer problema de protecção de determinadas actividades de pesca. A argumentação expendida pelo Tribunal de Justiça no refendo acórdão não pode assim ser transposta para o caso em apreço.

    Dificuldades práticas decorrentes da tomada em consideração de duas linhas de base diferentes

    53

    No entender do Reino Unido, a tomada em consideração de linhas de base como as existentes em 25 de Janeiro de 1983 apenas para efeitos das actividades de pesca protegidas pelas disposições conjugadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, já citado, mesmo que as linhas de base móveis definidas em conformidade com o direito internacional continuassem a ser geralmente aplicáveis, apresentaria vários inconvenientes de ordem prática. Em primeiro lugar, tornar-se-ia extremamente complicada a apresentação das cartas marítimas. Em segundo lugar, os serviços encarregados da aplicação do direito comunitário seriam confrontados com a necessidade de ter em conta duas delimitações diferentes das zonas costeiras. Em terceiro e último lugar, a gestão da zona conhecida por «Shetland Area», sujeita a um regime de licenças de pesca gerido pela Comissão em nome da Comunidade, correria o risco de interferir com o regime da pesca costeira baseado no artigo 6.° e anexo I, já referidos. O anexo II do Regulamento n.° 170/83 define, em dois lugares, a referida zona em relação à linha das doze milhas a partir das linhas de base, precisamente para evitar qualquer sobreposição dos dois regimes. Tal sobreposição verificar-se-ia, pelo contrário, se a linha tida em conta para delimitar a Shetland Area fosse móvel, atendendo a que a zona costeira entre as seis e as doze milhas tinha de ser definida em relação a linhas de base fixas.

    54

    Quanto ao primeiro ponto, basta salientar que as técnicas cartográficas permitem desenhar com bastante facilidade cartas marítimas com duas linhas de doze milhas que não coincidem em determinados pontos. Caberá aos serviços cartográficos britânicos indicar, nos novos mapas, que as linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983 devem ser tidas em conta para efeitos da aplicação do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83, já citado.

    55

    Quanto ao segundo ponto, a Comissão apresentou no decurso do presente processo o decreto real belga de 28 de Janeiro de 1988, já citado, que faz precisamente referência às linhas de base existentes na data da adopção do Regulamento n.° 170/83. Nenhum elemento aponta no sentido de que a aplicação deste decreto tenha causado dificuldades às autoridades belgas competentes em matéria de pescas. Por outro lado, dada a existência de regimes de pesca diferentes conforme as zonas, o exercício de actividades de vigilância costeira exige, de qualquer modo, uma precisão extrema por parte das autoridades competentes quando estas determinem as zonas em que se encontram os navios sujeitos a fiscalização. O Governo do Reino Unido não conseguiu provar que a tomada em consideração de linhas de base como as existentes em 25 de Janeiro de 1983 exige um grau de diligência superior ao normalmente exigido às autoridades competentes.

    56

    Por último, relativamente à zona chamada «Shetland Area», o Governo do Reino Unido salienta acertadamente que deve evitar-se qualquer confusão e sobreposição entre o regime de licenças de pesca previsto para esta zona pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 170/83 e o regime da pesca costeira definido pelo artigo 6.° do mesmo regulamento. É, aliás, com esse objectivo que, no anexo II do referido regulamento, o Conselho, que em geral delimitou a Shetland Area com base em pontos de latitude e de longitude, recorreu à linha das doze milhas medidas a partir de linhas de base em dois locais, em que o traçado das duas zonas corria o risco de se sobrepor.

    57

    No entanto, contrariamente ao que defende o Governo do Reino Unido, nenhum risco de interferência entre os dois regimes resulta do facto de a zona costeira vizinha da Shetland Area ser delimitada com base em linhas de doze milhas medidas a partir das linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983, dado que a mesma linha das doze milhas deve ser tida em conta, nos dois pontos em causa, com vista à delimitação da Shetland Area. Com feito, esta zona está sujeita a um regime ditado por exigências de conservação específicas, que não podem variar em resultado de uma alteração das linhas de base, designadamente quando tal alteração não se deva a fenómenos naturais, como acontece no caso em apreço.

    58

    Em consequência, os argumentos baseados nas dificuldades práticas que resultariam da tomada em consideração de duas linhas de base diferentes carecem de fundamento.

    59

    Resulta do conjunto das considerações precedentes que as disposições conjugadas do artigo 6.° e do anexo I do Regulamento n.° 170/83 devem ser interpretadas no sentido de que se referem às linhas de base existentes em 25 de Janeiro de 1983. O Tribunal de Justiça deve assim declarar que, ao aplicar em determinadas zonas, para efeitos das regras de pesca definidas para as águas costeiras do Reino Unido pelas referidas disposições, novas linhas de base mais afastadas das costas do que as existentes em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    Quanto às despesas

    60

    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o n.° 3 do mesmo artigo, o Tribunal de Justiça pode determinar, em caso de circunstâncias excepcionais, que as partes suportem as respectivas despesas, no todo ou em parte. No caso em apreço, deve ter-se em conta o comportamento exemplar do Governo do Reino Unido, que voluntariamente suspendeu a aplicação das medidas impugnadas na sequência dos contactos que manteve com os governos de certos Estados-membros interessados e com a Comissão, sem que esta tenha tido necessidade de solicitar ao Tribunal de Justiça a adopção de medidas provisórias. Em consequência, cada parte, incluindo a interveniente, é condenada a suportar as respectivas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    Ao aplicar em determinadas zonas, para efeito das regras de pesca definidas para as águas costeiras do Reino Unido pelas disposições conjugadas do anexo I e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca, novas linhas de base mais afastadas das costas do que as existentes em 25 de Janeiro de 1983, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

     

    2)

    Cada parte, incluindo a interveniente, suportará as respectivas despesas.

     

    Due

    Mancini

    Moitinho de Almeida

    Rodríguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Slynn

    Kakouris

    Joliét

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 9 de Julho de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Língua do processo: ingles.

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