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Document 61989CJ0086

    Acórdão do Tribunal de 6 de Novembro de 1990.
    República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Ajudas estatais - Sector vitivinícola - Ajuda à utilização de mostos de uvas concentrados rectificados.
    Processo C-86/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03891

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:373

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-86/89 ( *1 )

    I — Factos e tramitação processual

    1. Enquadramento jurídico

    a) Comunitário

    1.

    O artigo 18.o do Regulamento (CEE) n.o 822/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, que estabelece a organização comum do mercado vitivinícola (JO L 84, p. 1), dispõe que quando as condições climáticas o justifiquem em certas zonas vitícolas da Comunidade, os Estados-membros em causa podem autorizar o aumento do título alcoométrico volúmico natural das uvas frescas, do mosto de uvas, do mosto de uvas parcialmente fermentado, do vinho novo ainda em fermentação, do vinho apto a dar vinho de mesa, bem como do vinho de mesa. Resulta do artigo 19.o do regulamento que o aumento do título alcoométrico volúmico natural se efectua, nomeadamente, por adição de sacarose, de mosto de uvas concentrado ou de mosto de uvas concentrado rectificado.

    2.

    De acordo com o artigo 45.o do regulamento, é instituído um regime de ajuda a favor dos mostos de uvas concentrados e dos mostos de uvas concentrados rectificados produzidos na Comunidade, quando utilizados para aumentar o título alcoométrico referido no artigo 18.o

    Nos termos do n.o 3 do artigo 45.o, o montante da ajuda será fixado em ecus por % vol. em potência e por hectolitro de mostos de uvas concentrados ou de mostos concentrados rectificados, tendo em conta a diferença entre os custos do enriquecimento obtido pelos produtos acima referidos e pela sacarose.

    O n.o 4 do artigo 45.o prevê que, de acordo com o procedimento do «comité de gestão», seja fixado anualmente, antes de 31 de Agosto, o montante da ajuda e sejam adoptadas as condições para a concessão da ajuda e as outras regras de execução do mesmo artigo.

    Finalmente, segundo o artigo 76.o do regulamento, e sem prejuízo de disposições em contrário, os artigos 92.o, 93.o e 94.o do Tratado são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos regidos pelo regulamento.

    3.

    Com o Regulamento (CEE) n.o 2287/87, de 30 de Julho de 1987 (JO L 209, p. 26), a Comissão fixou a ajuda à utilização na vinificação de mostos de uvas concentrados e de mostos concentrados rectificados para a campanha de 1987/1988. O artigo 1.o do regulamento dispõe que será concedida uma ajuda aos produtores de vinho de mesa ou de vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas que utilizem mostos concentrados ou mostos concentrados rectificados produzidos na Comunidade para aumentar o teor alcoólico natural em volume dos produtos referidos no artigo 18.o do Regulamento n.o 822/87. De acordo com o terceiro considerando do regulamento, o montante de ajuda deve ser fixado tendo em conta a diferença entre os custos do enriquecimento obtido pelos mostos concentrados rectificados e pela sacarose. Com base nos dados de que dispunha, a Comissão diferenciou o montante da ajuda de acordo com o produto utilizado para o enriquecimento, bem como de acordo com a proveniencia das uvas utilizadas para a preparação do mosto.

    b) Nacional

    4.

    O artigo 1.o do Decreto-Lei italiano n.o 370, de 7 de Setembro de 1987 (GURI n.o 211, de 10.9.1987), é do seguinte teor:

    «1.

    Nas campanhas vitivinícolas em relação às quais, tendo em conta as condições climáticas desfavoráveis, é autorizado, nos termos do artigo 18.o do Regulamento (CEE) n.o 822/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, o aumento do título alcoométrico das uvas frescas, do mosto de uvas, do mosto de uvas parcialmente fermentado e do vinho novo ainda em fermentação, os produtores de mosto concentrado rectificado, tal como definido no anexo I do referido Regulamento (CEE) n.o 822/87, obtido de uvas produzidas em Itália, podem beneficiar de uma ajuda fixada por decreto do ministro da Agricultura e das Florestas no início da cada campanha, por título alcoométrico volúmico potencial e por hectolitro do mosto concentrado rectificado por eles produzido. Para a campanha de 1987/1988, o referido decreto ministerial será promulgado no prazo de quinze dias a contar da publicação na Gazzeta Ufficiale da lei de conversão do presente decreto.

    2.

    O preço máximo de venda do mosto concentrado rectificado para cuja produção é concedida a ajuda é fixado no decreto referido no número anterior, depois de ouvidos os organismos nacionais do sector.

    3.

    (omissis)

    4.

    A ajuda, cujo montante inclui a soma correspondente à ajuda fixada pela CEE, que a Azienda di Stato per gli interventi nel mercato agricolo (AIMA) (organismo estatai encarregado das intervenções no mercado agrícola) deve pagar adiantadamente aos diversos produtores de mosto concentrado rectificado, com base no programa de intervenção aprovado pelo CIPE (Comité interministerial para a programação económica), nos termos do n.o 3 do artigo 1.o da Lei n.o 610, de 14 de Agosto de 1982.

    5.

    Para a campanha vitivinícola de 1987/1988, a ajuda referida no n.o 1 é atribuída directamente aos produtores de vinho de mesa, de vinhos de denominação de origem controlada (DOC) e de vinhos de denominação de origem controlada e garantida (DOCG), desde que seja demonstrada a utilização do mosto concentrado rectificado para o aumento do título alcoométrico referido no n.o LO decreto ministerial referido no n.o 1 determina as condições a preencher para que seja efectuada aquela demonstração.»

    O decreto-lei foi convertido, com algumas modificações, na Lei n.o 460, de 4 de Novembro de 1987, que introduziu novas normas em matéria de produção e de comercialização de produtos vitivinícolas, bem como sanções para o desrespeito dos regulamentos comunitários em matéria agrícola (GURI n.o 262, de 9.11.1987).

    Pelo Decreto n.o 480 do ministro da Agricultura, de 21 de Novembro de 1987, a ajuda aos produtores de mosto foi fixada, para a campanha de 1987/1988, em 3300 liras por grau de álcool e por litro de mosto concentrado rectificado.

    2. Antecedentes do litígio

    5.

    Por carta de 14 de Setembro de 1987, o Governo italiano deu conhecimento à Comissão do Decreto-Lei n.o 370. Por carta de 11 de Dezembro de 1987, a Comissão comunicou ao Governo italiano que tinha decidido abrir o processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE. No seu entender, a ajuda prevista pelo decreto-lei devia ser considerada uma ajuda ao funcionamento, incompatível com o mercado comum. Não podia beneficiar de nenhuma das excepções previstas no artigo 92.o do Tratado. Por outro lado, a Comissão considerou também que a ajuda aos produtores de mostos, bem como a fixação de um preço máximo de venda do mosto, constituíam medidas que infringiam o disposto no Regulamento n.o 822/87. Esta regulamentação, que forma um sistema completo e exaustivo, exclui qualquer possibilidade de medidas complementares por parte dos Estados-membros. De seguida, a Comissão pediu ao Governo italiano que apresentasse observações.

    6.

    O Governo italiano respondeu por carta de 22 de Janeiro de 1988, na qual anunciou a conversão em lei do Decreto n.o 370. No que respeita às medidas instauradas, o Governo explicou que estas se destinam a corrigir, dentro da Comunidade, as distorções que resultam da coexistência de dois métodos de enriquecimento do título alcoométrico dos vinhos através da utilização, quer de sacarose quer de mosto concentrado e de mosto concentrado rectificado. Com efeito, o enriquecimento com estes dois últimos produtos é mais oneroso que o que assenta no uso de sacarose. No seu entender, a ajuda prevista pela Comissão para os produtores que utilizem mosto concentrado e mosto concentrado rectificado é insuficiente. O Governo italiano pediu, por nota de 12 de Setembro de 1987, a atribuição de uma ajuda comunitária que viria completar a que tinha sido concedida, nos termos do Regulamento n.o 2287/87. Naquela nota, por outro lado, o ministro da Agricultura afirmava que, se uma ajuda desta natureza representasse um encargo excessivo para o orçamento comunitário, o problema podia ser resolvido com a utilização de fundos nacionais. Todavia, esta proposta não foi seguida pela Comissão. As autoridades italianas, confrontadas, segundo afirmam, com uma situação em que se impunham medidas urgentes, encontraram-se na obrigação de atacar o problema à escala nacional. De acordo com o Governo, a medida de ajuda em causa não pode ser considerada incompatível com o n.o 1 do artigo 92.o do Tratado. Dado que se trata de uma ajuda ditada por razões de caracter essencialmente técnico, não pode afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros. Também não favorece a produção de vinho italiano em relação ao vinho de outros países produtores da Comunidade. Por outro lado, o Governo afirma que a ajuda em causa pode ser considerada compatível com o mercado do vinho, pois tem por finalidade favorecer o desenvolvimento económico do sector vitivinícola de certas regiões, graças à maior utilização de mosto para a fabricação de mosto concentrado rectificado. Isto tem como efeito a diminuição do volume dos excedentes de vinho, sem alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum.

    7.

    Em resposta aos argumentos do Governo italiano, a Comissão entendeu, com base nos dados disponíveis, que o montante da ajuda prevista pelo Regulamento n.o 2287/87 era suficiente. O pedido do Governo italiano de aumento da ajuda comunitária foi considerado injustificado. Segundo a Comissão, não compete às autoridades italianas tomar, a nível nacional, medidas autónomas à margem da aplicação da organização comum de mercado.

    3. A decisão da Comissão

    8.

    Na respectiva decisão, a Comissão começa por dar indicações relativas à produção, exportação e importação de vinho e de mosto de uvas em Itália. Durante a campanha de 1986/1987, a produção de vinho em Itália (76 milhões de hectolitros) representou cerca de 36 % da produção comunitária. As exportações italianas de vinho totalizam 10,8 milhões de hectolitros (14,2 % da produção), dos quais cerca de 2,8 milhões de litros foram exportados para países terceiros e oito milhões para os outros Estados-membros. As importações italianas de vinho totalizam 448000 hectolitros, dos quais 443000 provêm dos outros Estados-membros. Em 1987, as exportações italianas de mosto de uvas alcançaram 664000 hectolitros, dos quais cerca de 580000 hectolitros foram exportados para os outros Estados-membros. A Itália é o segundo maior exportador comunitário de mosto, com uma quota de mercado de 24 % do total das exportações comunitárias, tendo importado cerca de 190000 hectolitros de mosto dos outros Estados-membros.

    Em seguida, a Comissão observa que, nos termos do artigo 76.o do Regulamento n.o 822/77, os artigos 92.o a 94.o do Tratado aplicam-se à produção e ao comércio dos produtos vitivinícolas. Segundo a Comissão, a ajuda em causa dá uma vantagem particular aos produtores de mosto, ao facilitar artificialmente uma maior utilização do mosto para a fabricação de mosto concentrado rectificado.

    Por outro lado, dado que na campanha de 1987/1988 foi atribuída directamente aos utilizadores de mosto concentrado rectificado, a ajuda dá uma vantagem financeira aos produtores de vinhos, ao reduzir os respectivos custos de produção. Esta vantagem repercute-se indirectamente sobre os produtores de mosto concentrado, na medida em que encoraja artificialmente a utilização deste produto. Esta medida falseia desde logo a concorrência entre os produtores italianos que beneficiem da ajuda e os produtores dos mesmos produtos na Comunidade. Na medida em que só poderão ser utilizados os mostos produzidos com uvas de origem italiana, a ajuda também beneficiará em termos exclusivos os produtores italianos de uvas. Em consequência, a ajuda poderá também afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros em matéria de mosto concentrado e de vinho. Com base nestas considerações, a Comissão entende que a medida em causa corresponde aos critérios referidos no n.o 1 do artigo 92.o do Tratado.

    Segundo a Comissão, as derrogações à incompatibilidade previstas no n.o 2 do artigo 92.o não são, manifestamente, aplicáveis à ajuda em causa.

    Quanto ao n.o 3 do artigo 92.o, a Comissão afirma que a ajuda deve ser considerada auxílio de funcionamento para as empresas em causa, cuja atribuição não está ligada a condições específicas previstas neste preceito. Em seguida, a Comissão recorda que, em matéria de produtos submetidos a uma organização comum de mercado, há limites à capacidade de intervenção dos Estados-membros no funcionamento destas organizações, as quais têm um sistema de preço comum, da competência exclusiva da Comunidade. A atribuição da ajuda em causa ignora o princípio de que os Estados-membros já não têm poderes para decidir unilateralmente sobre os rendimentos dos agricultores.

    Finalmente, a Comissão observa que, dado que a ajuda começou a funcionar antes do encerramento do processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o dò Tratado, foi atribuída em violação do n.o 3 do mesmo artigo.

    Em consequência, o artigo 1.o da decisão dispõe que a ajuda prevista pelo Governo italiano é ilegal por violação do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Por outro lado, é incompatível com o mercado comum e deve ser abolida.

    4. Tramitação processual

    9.

    A petição do Governo italiano deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Março de 1989.

    A fase escrita do processo seguiu o curso normal.

    Com base no relatório do juiz relator, e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    II — Pedidos das partes

    10.

    O Governo italiano, recorrente, conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

    anular a decisão da Comissão das Comunidades Europeias de 30 de Novembro de 1988 relativa ao Decreto-Lei, n.o 370/87 do Governo italiano, de 7 de Setembro de 1987, convertido na Lei n.o 460, de 4 de Novembro de 1987;

    condenar a Comissão nas despesas do processo.

    A Comissão, recorrida, conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

    negar fundamento ao recurso;

    rejeitar as críticas dirigidas à Comissão pelo recorrente;

    condenar o recorrente nas despesas do processo.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    11.

    Na petição inicial, o Governo italiano começa por recordar os antecedentes do litígio.

    Em seguida, sublinha a natureza urgente da medida contestada. Com efeito, a ajuda comunitária permite a subsistência de uma diferença sensível de custos em benefício de quem utilizar a sacarose, com repercussões graves sobre o mercado dos mostos e dos vinhos de lote, enquanto o Regulamento n.o 822/87, no artigo 45.o, se destina a salvaguardar as correntes de trocas comerciais destes produtos. No seu entender, deve considerar-se que a ajuda facilita o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, nos termos do n.o 3 do artigo 92.o do Tratado. Por outro lado, a ajuda suplementar italiana seria mínima, concretamente 591 liras por grau de álcool em potência e por hectolitro de mosto concentrado rectificado.

    O Governo italiano afirma também que a insuficiência da ajuda comunitária para a campanha de 1987/1988 é demonstrada pelo facto de a Comissão ter aumentado o montante da ajuda à utilização dos mostos concentrados rectificados para a campanha de 1988/1989.

    No entender do Governo, está assim justificada a criação pelas autoridades italianas da ajuda suplementar nacional, a qual tem exclusivamente por finalidade o reequilíbrio da situação, aliás puramente local, engendrada pela autorização comunitária de aumento do título alcoométrico e pela impossibilidade de utilizar sacarose em Itália.

    12.

    Na contestação, a Comissão observa, preliminarmente, que a ajuda em causa foi considerada ilegal, nomeadamente porque o Governo italiano violou o n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, ao dar execução às medidas de ajuda antes de ter havido alguma decisão no processo iniciado nos termos do n.o 2 do artigo 93.o

    Os argumentos apresentados pelo recorrente não põem de forma alguma em causa a apreciação feita pela Comissão da medida em litígio. Resulta claramente da fundamentação da decisão impugnada que a ajuda em questão coloca em vantagem, quer os produtores de mosto quer os produtores de vinho italianos, por forma a falsear a concorrência. Por outro lado, aquela medida, enquanto auxílio ao funcionamento, não podia beneficiar de qualquer das derrogações previstas no n.o 3 do artigo 92.o do Tratado.

    No que respeita à alegada insuficiência do nível da ajuda comunitária, a Comissão observa ainda que há também produtores franceses e gregos que se encontram em situação idêntica à dos produtores italianos. Todavia, os produtores daqueles dois países não beneficiaram de qualquer ajuda nacional.

    Finalmente, a Comissão entende que, se o Governo italiano considerava a ajuda comunitária insuficiente, devia ter impugnado o próprio Regulamento n.o 2287/87.

    13.

    Na réplica, o Governo italiano afirma, em relação à violação do n.o 3 do artigo 93.o, que nada na fundamentação da decisão permite concluir que tenha havido execução antecipada da medida de ajuda.

    Em seguida, observa que o texto do decreto-lei foi comunicado à Comissão por carta datada de 14 de Setembro de 1987, tendo sido só por carta de 11 de Dezembro do mesmo ano que aquela decidiu dar início ao processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o Entretanto, o decreto-lei tinha sido convertido na Lei n.o 460, de 4 de Novembro de 1987, ou seja, praticamente no termo do prazo de 60 dias exigido pela Constituição italiana, e só em 21 de Novembro de 1987, ou seja, no último dia do prazo de quinze dias previsto a partir da publicação da lei de conversão, foi aprovado o decreto ministerial necessário para a aplicação concreta da disposição legislativa relativa à ajuda. Entretanto, a decisão definitiva da Comissão só foi tomada em 30 de Novembro de 1988. Ora, as operações de enriquecimento podem ser efectuadas entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro. É claro que a atribuição da ajuda nacional tinha que ser decidida antes de 31 de Dezembro, para poder ser eficaz.

    No que respeita aos produtores franceses e gregos, o Governo observa que nos seis meses precedentes, como nos seis meses subsequentes à aprovação do decreto ministerial, não se verificou qualquer variação importante em Itália dos preços dos vinhos no mercado. Assim, a concessão de ajudas não teve qualquer consequência negativa para os produtores franceses e gregos.

    14.

    A Comissão responde que a violação do n.o 3 do artigo 93.o resulta explicitamente das considerações que se encontram no início da decisão. Por outro lado, na carta de 11 de Dezembro de 1987, com a qual deu início ao processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o, a Comissão tomou uma posição expressa em relação à violação do n.o 3 daquele artigo. A Comissão verifica, por outro lado, que o Governo italiano lhe comunicou, não um projecto de ajuda, mas um decreto-lei. Este constitui uma medida legislativa provisoriamente executória que, se convertida em lei, produz efeitos desde o início.

    De seguida, a Comissão afirma que o Governo italiano não demonstrou, nem tentou, sequer, demonstrar que, ao tomar a decisão em causa, a Comissão, por exemplo, baseou em dados errados a apreciação que lhe está subjacente, cometeu um erro manifesto ou um desvio de poder, ou forneceu uma fundamentação inadequada. Seriam esses os fundamentos que poderiam normalmente levar à anulação da decisão.

    P. J. G. Kapteyn

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    6 de Novembro de 1990 ( *1 )

    No processo C-86/89,

    República Italiana, representada pelo Prof. Luigi Ferrari Bravo, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Thomas F. Cusack e por Sergio Fabro, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão de 30 de Novembro de 1988, relativa ao Decreto-Lei n.o 370/87 do Governo italiano, de 7 de Setembro de 1987, convertido na Lei n.o 460, de 4 de Novembro de 1987, relativa à produção e à comercialização — e contendo, nomeadamente, novas normas em matéria de produção e de comercialização — dos produtos vitivinícolas (JO 1989, L 94, p. 38),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    constituído pelos Srs. O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : C. O. Lenz

    secretario: D. Louterman, administradora principal

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações dos representantes das partes na audiência de 5 de Julho de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Julho de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 16 de Março de 1989, a República Italiana pediu, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 173.o do Tratado CEE, a anulação da Decisão 89/228/CEE da Comissão, de 30 de Novembro de 1988, relativa ao Decreto-Lei n.o 370/87 do Governo italiano, de 7 de Setembro de 1987, convertido na Lei n.o 460, de 4 de Novembro de 1987, relativa à produção e à comercialização — e contendo, nomeadamente, novas normas em matéria de produção e de comercialização — dos produtos vitivinícolas. Esta decisão, notificada ao Governo italiano por carta de 6 de Janeiro de 1989, foi publicada no Jornal Oficial de 7 de Abril de 1989 (JO L 94, p. 38).

    2

    O artigo 45.o do Regulamento (CEE) n.o 822/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, que estabelece a organização comum de mercado vitivinícola (JO L 84, p. 1), instituiu um regime de ajudas a favor dos mostos de uvas concentrados e dos mostos de uvas concentrados rectificados produzidos na Comunidade, quando forem, nos termos do artigo 18.o do mesmo regulamento, utilizados para aumentar o título alcoométrico volúmico natural das uvas frescas, do mosto de uvas e de certos tipos de vinho. O mesmo artigo 18.o especifica as condições e as regras para este aumento. O n.o 3 do artigo 45.o prevê que o montante da ajuda seja fixado em função da diferença entre os custos de aumento do título alcoométrico obtido pela adição de sacarose e os do aumento obtido pela adição de mosto de uvas concentrado ou de mosto de uvas concentrado rectificado.

    3

    Através do Regulamento (CEE) n.o 2287/87, de 30 de Julho de 1987 (JO L 209, p. 26), a Comissão fixou o montante da ajuda à utilização na vinificação de mostos de uvas concentrados e de mostos de uvas concentrados rectificados para a campanha de 1987/1988.

    4

    Entendendo que a ajuda comunitaria era insuficiente, o Governo italiano, depois de ter em vão tentado obter uma ajuda complementar da Comissão, criou um regime de ajuda suplementar nacional.

    5

    Para esse efeito, o Decreto-Lei italiano n.o 370/87, de 7 de Setembro de 1987 (GURI n.o 211, de 10.9.1987), convertido na Lei n.o 460, em 4 de Novembro de 1987 (GURI n.o 262, de 9.11.1987), prevê que durante as campanhas vitivinícolas em relação às quais seja autorizado o aumento do título alcoométrico, nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 822/87, já citado, os produtores de mosto concentrado rectificado possam beneficiar de uma ajuda fixada por decreto do Ministério da Agricultura e das Florestas. Para a campanha de 1987/1988, todavia, o decreto prevê que a ajuda seja atribuída directamente aos produtores de vinho, desde que seja demonstrada a utilização do mosto concentrado rectificado para o aumento do título alcoométrico. O montante da ajuda para esta campanha foi fixado por decreto do ministro da Agricultura, com data de 21 de Novembro de 1987.

    6

    Por carta de 14 de Setembro de 1987, o Governo italiano deu conhecimento à Comissão do Decreto-Lei n.o 370/87. Por carta de 11 de Dezembro de 1987, a Comissão comunicou ao Governo italiano que tinha decidido abrir o processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE. Este conduziu à decisão que é objecto do presente recurso.

    7

    Resulta dos considerandos desta decisão que a ajuda suplementar italiana dá uma vantagem particular aos produtores de mosto de uvas, ao facilitar de forma artificial a sua utilização para a fabricação de mosto concentrado rectificado, bem como aos produtores de vinho que utilizem o mosto para o aumento do título alcoométrico. Assim, a ajuda favorece, directa e indirectamente, a produção italiana de mosto de uvas e de vinho e falseia a concorrência entre os produtores italianos e os outros produtores dos mesmos produtos na Comunidade. Como indicam os dados quantitativos sobre a exportação e a importação de mostos de uvas e de vinho na Itália, esta ajuda afecta igualmente as trocas comerciais comunitárias destes diferentes produtos.

    8

    De acordo com esta mesma decisão, não são aplicáveis as derrogações à proibição do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado previstas nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo. A ajuda em causa, particularmente, sendo uma ajuda ao funcionamento, não pode beneficiar de qualquer das derrogações previstas no n.o 3, as quais sujeitam a atribuição de ajudas a condições específicas.

    9

    Finalmente, resulta dos considerandos da decisão impugnada que a ajuda italiana foi posta em execução antes do encerramento do processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado.

    10

    Com base nestas considerações, a Comissão verifica que a ajuda italiana foi criada em violação do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, é incompatível com o mercado comum e deve ser abolida.

    11

    Para mais ampla exposição dos factos e antecedentes do litígio, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para fundamentar a decisão do Tribunal.

    12

    O Governo italiano invoca dois fundamentos com os quais contesta a fundamentação da decisão em causa. Sustenta, por um lado, que a Comissão fez uma aplicação errônea das disposições do artigo 92.o e, por outro, que a violação das disposições do n.o 3 do artigo 93.o, alegada pela Comissão, não se encontra demonstrada nem suficientemente fundamentada.

    13

    Em apoio do primeiro fundamento o Governo italiano afirma, em primeiro lugar, que a Comissão não teve razão ao considerar aplicável o n.o 1 do artigo 92.o Sustenta que a ajuda em causa não favorece os produtores italianos e não afecta as trocas comerciais entre os Estados-membros. Esta ajuda tem por finalidade o reequilíbrio das distorções da concorrência, resultantes do nível insuficiente da ajuda comunitária, entre as regiões nas quais o aumento do título alcoométrico é realizado através da adição de sacarose e aquelas nas quais aquele aumento se realiza com mostos concentrados rectificados. Por outro lado, o montante desta ajuda suplementar é mínimo, e não causou qualquer variação importante dos preços dos vinhos no mercado italiano.

    14

    É necessário salientar antes de mais a este respeito que, de acordo com a análise contida na decisão impugnada, a ajuda em causa dá uma vantagem particular, nomeadamente aos produtores italianos de mostos de uva. Na medida em que é concedida directamente aos utilizadores de mosto concentrado rectificado, a ajuda dá uma vantagem financeira directa aos produtores de vinhos. Por outro lado, estimula artificialmente a produção de mosto de uvas em Itália. Nestas circunstâncias, uma medida deste tipo é susceptível de falsear a concorrência entre os produtores italianos e os produtores de outros Estados-membros, nomeadamente da França e da Grécia, onde alguns produtores procedem ao aumento do título alcoométrico dos produtos em causa utilizando igualmente mosto de uvas concentrado.

    15

    E necessário observar em seguida que, de acordo com os valores contidos na decisão impugnada, relativos à produção de vinho em Itália, às exportações de vinho italiano para os outros Estados-membros, às importações pela Itália de vinho proveniente de outros Estados-membros, às exportações de Itália de mosto de uvas e às importações pela Itália de mosto de uvas proveniente de outros Estados-membros, a ajuda em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais de mosto de uvas e de vinho entre Estados-membros. Verifica-se que o Governo italiano não contestou qualquer das indicações assim fornecidas pela Comissão.

    16

    Consequentemente, foi com razão que a Comissão considerou a ajuda suplementar italiana um auxílio, na acepção do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado.

    17

    O Governo italiano afirma, em segundo lugar, que a alínea c) do n.o 3 do artigo 93.o podia ter sido aplicada, pois a ajuda em causa deve ser entendida como uma medida que facilita o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, nomeadamente o desenvolvimento económico do sector vitivinícola das regiões que apresentam fortes excedentes de vinho.

    18

    Este argumento não pode ser aceite. Com efeito, é necessário sublinhar que a Comissão demonstrou que a ajuda em questão, atribuída sem condições específicas e unicamente em função das quantidades utilizadas, devia ser considerada uma ajuda de funcionamento para as empresas em causa e, enquanto tal, altera as condições das trocas comerciais de maneira a contrariar o interesse comum. O Governo italiano não apresentou qualquer elemento convincente para desmentir esta tese.

    19

    E também necessário recordar que, de acordo com jurisprudência constante (ver, nomeadamente, o acórdão de 14 de Julho de 1988, Zoni, 90/86, Colect., p. 4285), a partir do momento em que a Comunidade estabelece uma organização comum de mercado em determinado sector, é àquela que compete procurar soluções para os problemas, como os colocados pelos excedentes de vinho, no quadro da política agrícola comum. Nesta medida, os Estados-membros estão obrigados a abster-se de qualquer medida unilateral, mesmo que esta seja de molde a servir de apoio à política comum da Comunidade.

    20

    Decorre das considerações precedentes que o fundamento da decisão em questão, relativo à incompatibilidade da ajuda com as disposições do artigo 92.o do Tratado, é procedente. Este fundamento essencial é, por si só, suficiente para justificar legalmente a decisão da Comissão. Nestas condições, os vícios de que pudesse padecer o outro fundamento da decisão, relativo ao desrespeito, pelo Governo italiano, das disposições do n.o 3 do artigo 93.o, não tem, em nenhum caso, qualquer influência sobre a legalidade desta decisão. Consequentemente, o fundamento invocado pelo Governo italiano, com o qual este contesta aquele último fundamento da decisão, é inoperante e deve, por esta razão, ser julgado improcedente.

    21

    Daqui resulta que deve ser negado provimento ao recurso.

    Quanto às despesas

    22

    Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A República Italiana é condenada nas despesas.

     

    Due

    Mancini

    O'Higgins

    Moitinho de Almeida

    Diez de Velasco

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Kapteyn

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 6 de Novembro de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Lingua do processo: italiano.

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