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Document 61989CJ0059

Acórdão do Tribunal de 30 de Maio de 1991.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Directiva - Natureza das medidas de transposição para o direito interno - Poluição atmosférica - Chumbo.
Processo C-59/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-02607

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:225

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-59/89 ( *1 )

I — Matéria de facto e enquadramento legal

Através da Directiva 82/884/CEE, de 3 de Dezembro de 1982, relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera (JO L 378, p. 15; EE 15 F4 p. 17, a seguir «directiva»), o Conselho fixou um valor-limite para a concentração do chumbo na atmosfera.

O artigo l.°, n.° 1, da directiva define assim o objectivo em vista:

«A presente directiva fixa um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera com o objectivo de contribuir especificamente para a protecção dos seres humanos contra os efeitos do chumbo no ambiente.»

O artigo 2.° da directiva estabelece o seguinte:

«1.

Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por “valor-limite” a concentração de chumbo contido na atmosfera que não deve ser ultrapassada nas condições a seguir definidas.

2.

O valor-limite é de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico, expresso em concentração média anual.

3.

Os Estados-membros podem, em qualquer momento, fixar um valor mais severo que o previsto na presente directiva.»

O artigo 4.° da directiva impõe aos Estados-membros a seguinte obrigação:

«Os Estados-membros velarão pela instalação e o funcionamento de estações de medição em locais onde possa haver exposição contínua de pessoas durante um longo período e onde considerarem que existe o risco de os artigos 1.° e 2° não serem respeitados.»

Por último, o artigo 3.°, n.° 1, da directiva estabelece o seguinte:

«Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que cinco anos após a notificação da presente directiva, as concentrações de chumbo contido na atmosfera, medidas em conformidade com o artigo 4.°, não ultrapassem o valor-limite indicado no artigo 2.°»

Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da directiva, os Estados-membros deveriam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de vinte e quatro meses a contar da sua notificação. No caso em apreço, a directiva foi notificada à República Federal da Alemanha em 9 de Dezembro de 1982, devendo assim ser transposta para o direito alemão o mais tardar até 9 de Dezembro de 1984.

Por carta de 1 de Fevereiro de 1988, a Comissão informou a República Federal da Alemanha de que considerava não ter dado cumprimento integral às obrigações impostas pela directiva, formulando duas acusações.

Em primeiro lugar, a República Federal da Alemanha não cumpriu a obrigação, resultante dos artigos 1.° e 2.° da directiva, de fixar em 2 microgramas de chumbo por metro cúbico a concentração do chumbo na atmosfera e que não deve ser ultrapassada.

A República Federal da Alemanha não podia invocar, a este respeito, a primeira regulamentação administrativa geral de aplicação da lei de combate à poluição de 27 de Fevereiro de 1986 (GMB1., p. 95, a seguir «norma técnica “ar”»). É certo que esta fixa, no seu ponto 2.5.1, um valor de 2 microgramas por metro cúbico, que a concentração de chumbo na atmosfera não deve ultrapassar. No entanto, respeita apenas, segundo os próprios termos utilizados no ponto 1, primeiro parágrafo, às instalações sujeitas a autorização, na acepção do artigo 4.° da lei federal de protecção contra os efeitos nocivos para o ambiente da poluição atmosférica, dos ruídos, das vibrações e outros tipos de danos ambientais de 15 de Março de 1974 (BGBl. I, p. 721, a seguir «lei do combate à poluição»). Além disso, a norma técnica «ar» apenas se aplica a determinadas acções relativas a estas instalações, enumeradas no seu ponto 1, segundo parágrafo.

Não existe assim, em direito alemão, uma disposição aplicável em geral, que proíba a ultrapassagem do valor máximo de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico, fixado pela directiva.

Em segundo lugar, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de não ter instalado estações de medição «em locais onde possa haver exposição contínua de pessoas durante um longo período», como exige o artigo 4.° da directiva. As estações que a República Federal da Alemanha instalou procedem à medição de fenómenos de poluição com origens diversas. Não é certo, aliás, que qualquer dessas estações se encontre na proximidade imediata de uma estrada com trânsito intenso. Nestas condições, a República Federal da Alemanha não pode determinar, através de medições efectuadas nos locais «críticos», se o valor-limite fixado para o chumbo é respeitado.

Resulta, no entanto, de uma comunicação anterior da própria República Federal da Alemanha, que o valor de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico foi ultrapassado nos anos de 1985-1986, nas proximidades das fundições de chumbo e de prata de Braubach e que novas ultrapassagens eram previsíveis.

De qualquer modo, a República Federal da Alemanha não enviou à Comissão informações precisas relativamente aos locais escolhidos para a instalação de estações de medição, à natureza das operações de medição, à determinação dos valores, etc, impossibilitando assim a Comissão de verificar o cumprimento das suas obrigações.

Por carta de 31 de Maio de 1988, a República Federal da Alemanha enviou à Comissão observações, com data de 19 de Maio de 1988, em que contestava as acusações por esta formuladas.

No que respeita à primeira acusação, relativa à obrigação de transpor para direito interno o valor-limite indicado na directiva, a República Federal da Alemanha começa por alegar que os resultados concretos por ela atingidos em matéria de poluição atmosférica pelo chumbo satisfazem amplamente as exigências da directiva. Assim, em Francoforte, por exemplo, a concentração de chumbo na atmosfera foi de 2,6 microgramas por metro cúbico em 1975, tendo descido para 0,4 microgramas por metro cúbico em 1986. De uma forma geral, os resultados das medições efectuadas revelam que o valor-limite para o chumbo nunca foi ultrapassado no seu território após a adopção da directiva.

A República Federal da Alemanha alega que, de qualquer modo, transpôs o valor-limite imposto pela directiva numa disposição interna de carácter obrigatório e aplicável em todo o território nacional.

Refere, a este respeito, que o artigo 48.° da lei de combate à poluição autoriza o Governo federal a adoptar, após consultar os meios interessados e obter a aprovação do Bundesrat, disposições administrativas de caracter geral relativas, designadamente, aos valores-limite da poluição que não podem ser ultrapassados por razões de protecção da saúde.

E com base nesta disposição que o Governo federal adoptou a norma técnica «ar». Esta fixa, no seu ponto 2.5.1, um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera, de 2 microgramas por metro cúbico, o que corresponde às prescrições da directiva.

O valor-limite assim fixado é imperativo: dado que a norma técnica «ar» completa a lei do combate à poluição, tem necessariamente a mesma natureza imperativa que esta.

A jurisprudência confirma este ponto de vista.

Assim, o Bundesverwaltungsgericht decidiu, em domínio próximo, num acórdão de 19 de Dezembro de 1985 relativo à central nuclear de Wyhl (DÖV, 1986, p. 431), que a base geral de cálculo para a exposição às radiações por ocasião de emissões radioactivas no meio atmosférico ou aquático (directiva do ministro do Interior relativa ao artigo 45.° do regulamento de protecção contra as radiações de 15 de Agosto de 1979, GMB1., p. 371) tinha por função «concretizar a regra de direito» e que, contrariamente às disposições administrativas que se limitam a interpretar a regra de direito, a base geral de cálculo impunha-se aos tribunais administrativos nos limites fixados pela norma jurídica.

No que respeita em especial à norma técnica «ar», a República Federal da Alemanha cita um acórdão do Oberverwaltungsgericht do Land da Renânia do Norte-Vestefália, de 9 de Julho de 1987 (DVB1., 1988, p. 152), nos termos do qual, «enquanto “disposição administrativa que concretiza a regra de direito”, o ponto 2.5.1 da norma técnica “ar” vincula os tribunais administrativos dentro dos limites estabelecidos pela regra de direito». «Esta construção jurídica desenvolvida pelo Bundesverwaltungsgericht no acórdão que proferiu a propósito da central de Wyhl retira a sua legitimidade da atribuição de poderes para aprovar normas gerais prevista nos artigos 48.° e 51.° da lei federal de combate à poluição, a qual confere às disposições administrativas baseadas nestes dois artigos um carácter vinculante limitado.»

Por outro lado, o valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico, fixado na norma técnica «ar», é obrigatório com caracter geral, isto é, independentemente da fonte de poluição. Para a República Federal da Alemanha, de facto, a noção de «efeito nocivo sobre o ambiente», contida na lei de combate à poluição, deve ter o mesmo significado cada vez que é utilizada nesta lei ou nos regulamentos que lhe dão execução. A norma técnica «ar» concretiza esta noção de uma maneira geral ao fixar em 2 microgramas de chumbo por metro cúbico o valor-limite a partir do qual existe um efeito nocivo para o ambiente. Este valor foi estabelecido com base em estudos científicos, justificando-se por isso atribuir-lhe validade geral.

A República Federal da Alemanha alega, além disso, dispor dos instrumentos jurídicos necessários para garantir o respeito efectivo, em todo o território nacional, dos limiares de poluição fixados pela directiva.

A este respeito, começa por observar que, graças à aplicação da lei relativa ao chumbo contido na gasolina de 5 de Agosto de 1971, com as alterações introduzidas designadamente em 18 de Dezembro de 1987 (BGBl. I, p. 2810), a poluição através do chumbo resultante da circulação automóvel baixou já de 40 % em relação a 1985. A proibição de utilizar gasolina normal com chumbo, a partir de 1988, deve permitir reduzir ainda de forma mais substancial a poluição atmosférica por ele provocada.

Por outro lado, a República Federal da Alemanha salienta que, nos termos dos artigos 44.° a 47.° da lei de combate à poluição, as autoridades competentes dos Länder devem definir, em determinadas circunstâncias, «zonas críticas» e estabelecer para estas planos de protecção atmosférica.

Nos termos do artigo 44.°, n.° 2, da lei de combate à poluição, as «zonas críticas» são zonas em que se verificam ou são previsíveis fenómenos de poluição atmosférica que, devido à sua frequência e duração, à sua elevada concentração ou ao perigo de conjugação de diferentes poluições atmosféricas, podem ter efeitos particularmente nocivos para o ambiente. As zonas críticas são definidas pelas disposições regulamentares ou administrativas do Governo e dos Länder.

Na perspectiva de uma harmonização, a comissão dos Länder para a protecção contra a poluição fixou os critérios de interpretação da referida disposição. Estes critérios têm em conta, nomeadamente, o valor-limite fixado pela directiva.

Caso se verifique que, numa «zona crítica» se manifestam, ou ameaçam manifestar-se, efeitos nocivos sobre o ambiente, relacionados com a poluição atmosférica, as autoridades competentes dos Länder devem estabelecer um plano de protecção da atmosfera (artigo 47.° da lei de combate à poluição). Os planos de protecção da atmosfera devem incluir medidas destinadas a diminuir a poluição atmosférica e a prevenir o seu aparecimento.

Para a República Federal da Alemanha, o artigo 47.° da lei de combate à poluição apenas confere às autoridades dos Länder um poder de apreciação limitado quanto à decisão de aplicar ou não um plano de protecção da atmosfera. Tais autoridades são obrigadas a estabelecer ou a aplicar um plano de protecção da atmosfera quando as circunstâncias previstas no artigo 47.° da referida lei se encontram reunidas, a não ser que exista um outro meio de evitar a ultrapassagem dos limiares de poluição fixados na norma técnica «ar».

Em determinadas regiões dos Länder do Hesse, Hamburgo, Renânia do Norte-Vestefália, Renânia-Palatinado e Berlim, foram elaborados planos de protecção da atmosfera.

A República Federal da Alemanha salienta, por último, que existe um projecto de lei destinado a alterar a lei de combate à poluição no sentido de que a elaboração e a aplicação dos planos de protecção da atmosfera se torne obrigatória quando sejam ultrapassados certos limiares de poluição, e designadamente os fixados pela directiva.

No que respeita à segunda acusação, relativa à localização das estações de medição, a República Federal da Alemanha alega existir, no seu território, uma rede de cerca de 160 estações que procedem de forma contínua à medição da poluição atmosférica provocada pelo chumbo. Esta rede é particularmente densa e cobre a totalidade do território nacional. As medições efectuam-se em conformidade com o método prescrito no anexo da directiva.

A Comissão entendeu que as explicações fornecidas pela República Federal da Alemanha não eram satisfatórias, tendo por isso emitido, em 20 de Outubro de 1988, um parecer fundamentado.

Quanto à primeira acusação, relativa à transposição para o direito interno do valor-limite fixado pela directiva, a Comissão não partilha a opinião da República Federal da Alemanha, nos termos da qual a norma técnica «ar» concretiza de forma geral e vinculante a noção de «efeitos nocivos para o ambiente» no domínio da poluição atmosférica através do chumbo. Dado que o legislador alemão utilizou, na lei de combate à poluição, a noção imprecisa de «efeitos nocivos para o ambiente», ele pretendeu possibilitar a determinação, em cada caso concreto, do nível de poluição admissível. Nestas condições, o Governo federal não tinha o direito de fixar, na norma técnica «ar», um valor-limite aplicável em todas as situações e sem possibilidade de derrogação.

Ressalta, aliás, da própria letra do ponto 1, primeiro parágrafo, da norma técnica «ar», que esta apenas se aplica às instalações sujeitas a autorização, nos termos do artigo 4.° da lei de combate à poluição, isto é, às instalações especialmente susceptíveis de gerar efeitos nocivos para o ambiente. A norma apenas se aplica, por outro lado, aquando de certos actos e decisões que dizem respeito precisamente a estas instalações (ponto 1, segundo parágrafo, da norma técnica «ar»).

Quanto às instalações não sujeitas a autorização, a lei de combate à poluição dispõe apenas que os efeitos nocivos para o ambiente devem ser evitados na medida em que o estado actual da técnica o permita (artigo 22.°, n.° 1, subnúmero 1), e que as poluições inevitáveis devem ser reduzidas ao mínimo (artigo 22.°, n.° 1, subnúmero 2).

As disposições aplicáveis não permitem assim concluir que o valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico, fixado no ponto 2.5.1 da norma técnica «ar», é aplicável de forma geral a todo o território nacional como o exige o artigo 2.° da directiva.

Quanto aos planos de protecção da atmosfera que os Länder devem elaborar e aplicar nas condições previstas nos artigos 44.° a 47.° da lei de combate à poluição, a Comissão salienta que estas últimas disposições conferem largos poderes discricionários às autoridades dos Länder. Estas apenas devem elaborar planos de protecção da atmosfera para as «zonas críticas», isto é, aquelas em que os efeitos «particularmente» nocivos se manifestaram ou ameaçam manifestar-se. Nada indica que esta última noção corresponda a uma poluição que ultrapassa o valor-limite fixado na directiva. Além disso, o artigo 47.° da lei de combate à poluição prevê apenas que as autoridades dos Länder devem («sollen») elaborar planos de protecção da atmosfera nas circunstâncias previstas nesta disposição, mas não que têm («müssen») de o fazer.

A Comissão conclui do que antecede que não existe, actualmente, na República Federal da Alemanha, qualquer norma imperativa que proíba claramente, em todo o território deste Estado-membro, a ultrapassagem do valor-limite prescrito pela directiva.

Quanto à segunda acusação, relativa à instalação e ao funcionamento de estações de medição, a Comissão salienta que as 160 estações de medição referidas pela República Federal da Alemanha não se encontram necessariamente situadas em locais determinados de acordo com o artigo 4.° da directiva, ou seja, em locais onde possa haver exposição contínua de pessoas durante um longo período e onde exista o risco de o valor-limite não ser respeitado. A Comissão considera assim que a segunda acusação deve ser mantida.

A Comissão considerou, em consequência, que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 5.° e 189.° do Tratado, bem como nos artigos 2° e 4.° da directiva.

A Comissão convidou a República Federal da Alemanha a adoptar as medidas necessárias a fim de dar cumprimento ao parecer fundamentado num prazo de dois meses.

A República Federal da Alemanha não respondeu ao parecer fundamentado.

Em consequência, em 28 de Fevereiro de 1989, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, decidiu solicitar à República Federal da Alemanha e à Comissão que respondessem por escrito a algumas perguntas. Foi dada satisfação a este pedido no prazo fixado.

II — Pedidos das partes

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar que, ao não aprovar todas as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à completa transposição para direito interno da Directiva 82/884/CEE do Conselho, de 3 de Dezembro de 1982, relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera, bem como das regras de execução da directiva, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado;

condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar improcedente a acção;

condenar a Comissão nas despesas.

III — Argumentos das partes

A Comissão remete para a argumentação por si expendida no processo C-361/88, que suscita no essencial os mesmos problemas que o presente litígio, e acrescenta ainda as seguintes observações.

Alega que a directiva obriga os Estados-membros a transpor o valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico para uma norma interna clara e imperativa. Esta obrigação resulta designadamente do artigo 2°, n.° 3, da directiva, nos termos do qual «os Estados-membros podem, em qualquer momento, fixar um valor mais severo que o previsto na presente directiva»: os Estados-membros são assim obrigados, no mínimo, a fixar um valor igual ao previsto pela directiva. Não podem subtrair-se a esta obrigação alegando que este valor-limite é de facto respeitado no respectivo território.

É certo que o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão de 23 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, em especial n.° 23 (29/84, Recueil, p. 1673), que a transposição de uma directiva não exige necessariamente uma actuação legislativa em cada Estado-membro e que, designadamente, a existência de princípios gerais de direito constitucional ou administrativo podia tornar desnecessária a transposição através de medidas legislativas ou regulamentares especiais. O Tribunal de Justiça sujeitou, no entanto, esta possibilidade à dupla condição de «que esses princípios garantam efectivamente a plena aplicação da directiva pela administração nacional e que, no caso de a directiva gerar direitos para os particulares, a situação jurídica decorrente desses princípios seja suficientemente clara e precisa e que seja dada a possibilidade aos beneficiários de conhecerem todos os seus direitos e, eventualmente, de os invocarem perante os tribunais nacionais».

A norma técnica «ar», referida pela República Federal da Alemanha na sua resposta à notificação de incumprimento, não satisfaz estas condições.

Antes de mais, o âmbito de aplicação da norma técnica «ar» circunscreve-se, segundo os próprios termos do ponto 1 desta norma, às instalações sujeitas a autorização, na acepção do artigo 4.° da lei de combate à poluição. Por outro lado, ressalta deste ponto 1 que as normas estabelecidas pela norma técnica «ar» apenas devem ser respeitadas por ocasião de certas medidas administrativas bem determinadas relativas a estas instalações: autorização de construir ou modificar instalações, obrigações impostas a posteriori, inquéritos relativos à natureza e à importância dos resíduos provenientes dessas instalações, bem como dos fenómenos de poluição existentes nas zonas em que estas se encontram situadas.

A interpretação defendida pela República Federal da Alemanha, de que o âmbito da aplicação da norma técnica «ar» deve ser alargado a todas as eventuais fontes de poluição atmosférica pelo chumbo, é assim contrária à própria letra desta norma. A situação jurídica não corresponde aos requisitos de clareza e segurança formulados pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão; em consequência, não pode considerar-se que a norma técnica «ar» garante uma transposição correcta da directiva.

Por outro lado, a Comissão põe em causa o carácter vinculante da norma técnica «ar».

Tanto a jurisprudência como a doutrina reconhecem que as disposições administrativas não devem obrigatoriamente ser respeitadas quando se verifica uma situação atípica, ou seja, uma situação «que o autor das normas administrativas não pôde ou não quis regulamentar, dado que este deve adoptar uma perspectiva genérica na solução dos problemas». As autoridades administrativas têm, em tais casos, o direito de não aplicarem as prescrições administrativas.

Num acórdão recente, relativo a uma circular em matéria de direito fiscal, o Bundesverfassungsgericht decidiu expressamente que «as disposições administrativas gerais... não são leis, na acepção do artigo 20.°, n.° 3, e do artigo 97.°, n.° 1, da Lei Fundamental (isto é, no sentido de que a lei vincula o juiz)» (acórdão de 31 de Maio de 1988, NJW, 1989, p. 666). Neste mesmo acórdão, o Bundesverfassungsgericht distinguiu claramente as disposições administrativas gerais ordinárias, às quais se aplica a referida afirmação, do «caso especial da autorização prevista em direito nuclear», de que tratava o acórdão do Bundesverwaltungsgericht de 19 de Dezembro de 1985, já referido, relativo à central nuclear de Wyhl, invocado pela República Federal da Alemanha na resposta à notificação de incumprimento.

Ressalta claramente do acórdão do Bundesverfassungsgericht que as disposições administrativas não são, geralmente, reconhecidas como regras de direito. Esta solução impõe-se, aliás, à luz do artigo 80.°, n.° 1, da Lei Fundamental. Esta disposição sujeita a adopção de regras de direito pela administração a determinadas condições que não se verificam no caso em apreço. O mero facto de a norma técnica «ar» ter sido adoptada com base no artigo 48.° da lei de combate à poluição, que prevê a adopção de disposições administrativas, não basta para conferir àquela norma carácter vinculante.

Existe actualmente uma tendência, entre determinados autores, para reconhecer natureza vinculante às disposições administrativas relativas a domínios especialmente técnicos: caberia à administração, competente no plano técnico, e não ao juiz, precisar o conteúdo de determinados conceitos legais indeterminados.

Para a Comissão, esta regra deve no entanto ser reservada aos casos em que há, efectivamente, que proceder a uma apreciação das situações complexas de carácter técnico. Não é o que se passa com a norma técnica «ar». A Comissão, na opinião de Beyerlin (EUR, 1987, p. 140), considera que os valores-limite estabelecidos por aquela norma exprimem apenas «um acto de vontade política do poder executivo, baseado no parecer de peritos».

De um modo geral, a natureza vinculante das disposições administrativas de carácter técnico é vivamente discutida pela doutrina.

Por exemplo, Hill escreveu «NVwZ», 1989, p. 402) que «não existe ainda uma resposta clara no plano da dogmática jurídica à questão de saber se uma figura jurídica como a disposição administrativa que concretiza uma regra de direito deve ser reconhecida no nosso sistema de fontes de direito e quais os seus efeitos jurídicos».

Nestas condições, as dúvidas existentes quanto à norma técnica «ar», tanto no que respeita ao seu âmbito de aplicação como ao seu carácter obrigatório, devem levar o Tribunal de Justiça a declarar que aquela norma não constitui uma transposição correcta da directiva.

A Comissão defende que a República Federal da Alemanha não pode igualmente invocar os artigos 44.° a 47.° da lei de combate à poluição, que obriga as autoridades dos Lander, em determinadas circunstâncias, a delimitar «zonas críticas» e a elaborar para estas planos de protecção da atmosfera.

Em primeiro lugar, as medidas de protecção e de prevenção a adoptar no quadro destes planos de protecção da atmosfera não são válidas para todo o território nacional, mas apenas para as zonas previamente qualificadas como «zonas críticas» pelos regulamentos dos Lander. Nas informações fornecidas pela República Federal da Alemanha resulta que apenas as autoridades de determinados Lander delimitaram zonas críticas, sem que, no entanto, tenham sido elaborados planos de protecção da atmosfera para uma parte considerável do território nacional.

Em seguida, as autoridades administrativas gozam de um poder discricionário relativamente à decisão de aplicar planos de protecção da atmosfera, como resulta designadamente do artigo 44.°, n.° 2, da lei de combate à poluição. Nos termos desta disposição, as zonas críticas são aquelas em que se verificam ou são previsíveis efeitos «particularmente» nocivos para o ambiente. Além disso, o artigo 47.° da referida lei não dispõe que as autoridades competentes dos Länder têm («müssen») de elaborar, em determinadas circunstâncias, um plano de protecção da atmosfera, mas apenas que devem («sollen») fazê-lo. Na resposta à notificação de incumprimento, a República Federal a Alemanha defendeu que as autoridades dos Länder apenas podem abster-se de elaborar um plano de protecção da atmosfera caso exista outro meio de evitar a ultrapassagem dos limiares de poluição fixados pela norma técnica «ar». A Comissão verifica, no entanto, que esta última afirmação não se apoia em qualquer disposição legal ou regulamentar.

Por outro lado, os procedimentos a observar para aplicar as medidas previstas no âmbito dos planos de protecção da atmosfera são tão complicados que não permitem agir rapidamente no sentido de garantir o efectivo respeito dos valores-limite.

Por último, não resulta de qualquer disposição legal ou regulamentar que um plano de protecção da atmosfera deva obrigatoriamente ser aplicado quando se atinja o valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico. O ponto 2.5.1 da norma técnica «ar» retoma esta valor-limite, mas este apenas tem de ser respeitado, de acordo com o ponto 2.6.2.2 daquela mesma norma, na proximidade imediata das instalações causadoras da poluição atmosférica (a zona de avaliação dos efeitos da poluição depende da altura das chaminés de onde provêm os fumos). Quanto à quarta disposição administrativa geral de execução da lei de combate à poluição de 8 de Abril de 1975 (GMB1., p. 358), referida pela República Federal da Alemanha na sua contestação, apenas se aplica, segundo o seu ponto 6.1.2, à poluição causada pelas poeiras, pelo dióxido de enxofre, pelos óxidos de azoto, pelo monóxido de carbono e pelos compostos orgânicos gasosos, mas não à causada pelo chumbo.

A República Federal da Alemanha assinalou que estava em preparação uma alteração da lei de combate à poluição nos termos da qual a elaboração e a aplicação de planos de protecção da atmosfera passariam a ser obrigatórios sempre que sejam ultrapassados os valores fixados na directiva. A Comissão defende que, enquanto essas alterações não forem introduzidas na lei de combate à poluição, esta não satisfaz as exigências da directiva.

A Comissão solicita, em consequência, que o Tribunal de Justiça declare que a República Federal da Alemanha não transpôs devidamente a directiva para o direito interno.

A República Federal da Alemanha remete para a argumentação por ela expendida no processo C-361/88, no qual se colocam problemas em grande parte idênticos aos suscitados no presente litígio. Além disso, faz as seguintes observações.

Em primeiro lugar, nos termos do artigo 189.°, terceiro parágrafo, do Tratado, as directivas vinculam os Estados-membros destinatários quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

O objectivo prosseguido pela directiva aqui em causa não é a adopção, por cada Es-tado-membro, de uma norma que proíbe expressamente a ultrapassagem do valor-limite, mas o respeito efectivo deste valor-limite no território dos Estados-membros.

A República Federal da Alemanha defende que este objectivo foi atingido no seu território: os valores de poluição verificados situam-se nitidamente abaixo do valor de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico fixado pela directiva.

Assim, por exemplo, na zona «Rhein-schiene-Süd», caracterizada por uma forte industrialização e por uma circulação automóvel extremamente densa, a poluição atmosférica devida ao chumbo não atingiu sequer, em 1987, 20 % do valor-limite fixado pela directiva. Por outro lado, nas estações de medição situadas junto das vias de forte circulação, não se verificou, nestes últimos anos, nenhum caso de poluição superior a 2 microgramas de chumbo por metro cúbico.

Este resultado pôde ser atingido graças a um conjunto de medidas legislativas, regulamentares e administrativas, entre as quais figura, designadamente, a lei do teor em chumbo da gasolina, a lei de combate à poluição e a norma técnica «ar». O simples facto de o valor-limite fixado pela directiva ser respeitado constitui já uma prova de que essas disposições garantem uma correcta transposição da directiva.

A lei do teor em chumbo da gasolina proibiu, a partir de 1 de Janeiro de 1988, a utilização de gasolina normal com chumbo. Esta proibição deu origem a uma redução espectacular do nível global das emanações de chumbo e permitiu reconduzir a poluição no centro das cidades a um nível nitidamente inferior ao valor-limite fixado pela directiva.

No que respeita mais concretamente à norma técnica «ar», a República Federal da Alemanha refere que, no seu sistema jurídico, há mais de 120 anos que é tradição confiar à administração a definição do que deve entender-se por «efeitos nocivos para o ambiente». Actualmente, o artigo 48.° da lei de combate à poluição autoriza o Governo da República Federal da Alemanha a adoptar, consultados os meios interessados e obtido o acordo do Bundesrat, disposições administrativas relativas, designadamente, aos valores-limite de poluição que não podem ser ultrapassados por razões de protecção da saúde.

Ē com base nesta disposição que o Governo federal adoptou a norma técnica «ar». Esta fixa, no seu ponto 2.5.1, um valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico, correspondente ao valor-limite indicado na directiva.

A República Federal da Alemanha defende que este valor-limite se aplica de forma perfeitamente geral, ainda que os termos do ponto 1 da norma técnica «ar» pareçam restringir o seu âmbito da aplicação às instalações sujeitas a autorização.

A este respeito, a República Federal da Alemanha começa por observar que as instalações industriais que geram emanações significativas de chumbo são em geral instalações sujeitas a autorização.

De qualquer modo, as instalações não sujeitas a autorização são igualmente abrangidas pelo valor-limite fixado na norma técnica «ar».

A lei de combate à poluição prevê, de facto, no seu artigo 22.°, que as instalações não sujeitas a autorização devem ser construídas e exploradas de forma a evitar os efeitos nocivos sobre o ambiente, na medida em que o estado actual da técnica o permita. Nos termos do artigo 25.°, n.° 2, da mesma lei, as instalações não sujeitas à autorização, cujo funcionamento provoque efeitos nocivos sobre o ambiente que ponham em perigo a vida ou a saúde das pessoas, podem ser objecto de uma medida de encerramento administrativo.

Dado que a noção de «efeitos nocivos para o ambiente» deve ter o mesmo significado de cada vez que é utilizada na lei de combate à poluição e nos regulamentos de execução desta, a norma técnica «ar» concretiza de uma forma totalmente genérica a noção de «efeitos nocivos para o ambiente», ao fixar, no seu ponto 2.5.1, o valor-limite para o chumbo em 2 microgramas por metro cúbico. As instalações não sujeitas a autorização devem, em consequência, respeitar igualmente este valor-limite.

No que respeita à natureza vinculante da norma técnica «ar», a República Federal da Alemanha defende que a Comissão analisou erradamente o acórdão do Bundesverfassungsgericht de 31 de Maio de 1988, já referido. É certo que neste acórdão o Bundesverfassungsgericht decidiu que as disposições administrativas gerais não vinculam os tribunais. Esclareceu, no entanto, que esta apreciação não é aplicável ao caso especial da base geral de cálculo para a exposição às radiações. Para a República Federal da Alemanha, esta reserva deve ser alargada ao conjunto das disposições administrativas gerais em matéria de direito do ambiente. Deve, pois, reconhecer-se à norma técnica «ar» natureza obrigatória, tanto mais que foi adoptada com base numa atribuição de poderes expressamente conferida pelo artigo 48.° da lei de combate à poluição, o que não acontecia com a base geral de cálculo para a exposição de radiações. Esta análise é corroborada pela doutrina (Gerhardt, DVB1. 1989, p. 127).

Qualquer cidadão pode invocar o valor-limite fixado pela norma técnica «ar» perante o tribunal administrativo e exigir que este seja respeitado tanto na zona onde reside como no lugar de trabalho.

A objecção da Comissão, nos termos da qual a administração não é obrigada a respeitar o valor-limite fixado pela norma técnica «ar» em situações atípicas, é desprovida de qualquer fundamento. Quando se verifica um caso atípico, relativo, por exemplo, a condições topográficas ou a circunstâncias meteorológicas especiais, a administração pode apenas reforçar as exigências da norma técnica «ar», mas não diminuí-las, admitindo a ultrapassagem do valor-limite fixado nesta norma. O artigo 2.°, n.° 2, da Lei Fundamental, nos termos do qual «todas as pessoas têm direito à vida e à integridade física», não autoriza qualquer tolerância por parte da administração de uma ultrapassagem de um valor-limite fixado na norma técnica «ar», que define o limiar a partir do qual se geram «efeitos nocivos sobre o ambiente».

Para a República Federal da Alemanha, ressalta do que precede que a norma técnica «ar» transpõe de forma geral e imperativa a directiva em causa no presente caso.

Refere, por outro lado, que a norma técnica «ar» não constitui uma disposição que a administração possa modificar livremente: a inalterabilidade do seu conteúdo é garantida pelo direito comunitário.

Por outro lado, esta norma foi publicada no Gemeinsames Ministerialblatt, o que permitiu a todos, autoridades administrativas e particulares, tomarem conhecimento do seu conteúdo.

A norma técnica «ar» satisfaz assim todos os requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, já citado, para assegurar uma transposição válida da directiva.

A República Federal da Alemanha refere, por outro lado, que está em condições de garantir o respeito efectivo do valor-limite fixado pela norma técnica «ar» em todo o território nacional.

A este respeito, invoca designadamente os artigos 44.° a 47.° da lei de combate à poluição, que obrigam as autoridades competentes dos Länder a definir «zonas críticas» e a elaborar para estas planos de protecção da atmosfera. As críticas formuladas pela Comissão a propósito deste sistema são injustificadas.

No que respeita, em primeiro lugar, à acusação de que apenas foram elaborados planos de protecção da atmosfera para uma parte do território federal, a República Federal da Alemanha alega que seria perfeitamente inútil elaborar planos de protecção da atmosfera para regiões em que não existe qualquer perigo de o valor-limite ser ultrapassado.

A acusação baseada na existência de um poder discricionário da administração na aplicação dos planos de protecção da atmosfera é igualmente destituída de fundamento. O artigo 44.° da lei de combate à poluição estabelece que as autoridades regionais devem elaborar planos de protecção da atmosfera quando se verifiquem ou sejam previsíveis efeitos «particularmente» nocivos. Dado que a norma técnica «ar» define de uma forma geral a noção de «efeitos nocivos sobre o ambiente», as autoridades dos Länder têm a obrigação de aplicar planos de protecção da atmosfera quando o valor-limite fixado na norma for alcançado ou quando exista o risco de o ser. Estas apenas podem abster-se de elaborar um plano de protecção da atmosfera no caso de existir outro meio de evitar a ultrapassagem do valor-limite, por exemplo, através da adopção de medidas individuais em relação às empresas responsáveis pela poluição (artigos 17.° e 24.° da lei de combate à poluição).

Ressalta, por outro lado, do artigo 45.° da lei de combate à poluição e da quarta circular administrativa geral de execução desta lei, que o valor-limite de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico deve ser respeitado nas «zonas críticas» definidas pelas autoridades dos Länder.

A República Federal da Alemanha observa que os planos de protecção da atmosfera não desempenham um grande papel no que respeita ao combate à poluição resultante do chumbo. Existem, de facto, outras disposições legais e regulamentares que permitem manter essa poluição abaixo do valor-limite. Cita, designadamente, o artigo 5.°, n.° 1, subnúmero 2, da lei de combate à poluição, do qual resulta a obrigação de tornar salubres as instalações antigas. Invoca igualmente o décimo terceiro regulamento de execução da lei de combate à poluição, respeitante às grandes instalações de aquecimento. Recorda, por último, que graças à lei do teor em chumbo da gasolina, a poluição atmosférica resultante da circulação automóvel foi reduzida drasticamente.

A aplicação de todas as disposições legais, regulamentares e administrativas supra-referidas permitiu alcançar o objectivo da directiva, dado que a poluição atmosférica provocada pelo chumbo verificada no território federal se situa nitidamente abaixo do valor-limite fixado pela directiva.

A República Federal da Alemanha defende que, nestas condições, transpôs validamente a directiva para o direito interno, pelo que a acção deve ser considerada improcedente.

IV — Respostas às perguntas feitas pelo Tribunal de Justiça

A — Perguntas feitas à República Federal da Alemanha

Primeira pergunta

A República Federal da Alemanha é convidada a transmitir ao Tribunal de Justiça o projecto de lei relativo à alteração da lei de combate à poluição. É-lhe igualmente solicitado que indique em que estado se encontra actualmente a elaboração da alteração projectada.

Segunda pergunta

O facto de este projecto de lei prever uma obrigação expressa de aplicar planos de protecção da atmosfera quando os valores-limite fixados, designadamente, pela Directiva 82/884 sejam alcançados não constitui uma prova de que no actual direito alemão do ambiente tal obrigação não existe?

Terceira pergunta

Solicita-se que a República Federal da Alemanha envie ao Tribunal de Justiça os tipos de projectos de regulamentos antipoluição atmosférica elaborados pela comissão dos Länder de combate à poluição.

Resposta conjunta às perguntas 1, 2 e 3

A República Federal da Alemanha remete para a resposta por ela apresentada a estas perguntas no processo C-361/88.

Quarta pergunta

A República Federal da Alemanha é convidada a explicar de que modo o artigo 45.° da lei de combate à poluição e a quarta circular administrativa geral de execução desta lei de 8 de Abril de 1975 garantem o respeito do valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico de chumbo nas zonas críticas.

Resposta

A República Federal da Alemanha não deseja ver interpretada a argumentação por si expendida ao longo do processo, no sentido de que «o artigo 45.° da lei de combate à poluição e a quarta circular administrativa geral de execução desta lei de 8 de Abril de 1975 são suficientes para garantir por si sós o respeito do valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico de chumbo nas zonas críticas».

Estas disposições constituem um complemento essencial das normas regionais de combate à poluição. Este complemento permite garantir que, em cada uma das zonas críticas, definidas nos termos do artigo 44.°, n.° 2, da lei de combate à poluição, o estado da poluição atmosférica seja verificado permanentemente através de programas de medidas exactas e que se torne assim possível determinar se os valores-limite prescritos, entre os quais o de 2 microgramas por metro cúbico de chumbo, são respeitados.

A circunstância de o chumbo não ser expressamente referido, como substância nociva na quarta circular administrativa geral de execução da lei de combate à poluição deve-se ao facto de a inclusão de novas substâncias nocivas ser efectuada pelos Länder ao aplicarem os respectivos programas de medidas. O Governo alemão cita, a título de exemplo, a circular do ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Agricultura da Renânia do Norte-Vestefália. Noutros Länder, o chumbo é incluído nas medidas, na qualidade de componente do pó.

Caso se verifique uma ultrapassagem, mesmo passageira, do valor-limite para o chumbo, no âmbito do programa de medições e de vigilância previsto nas disposições do artigo 45.° da lei de combate à poluição e da quarta circular administrativa geral, são as normas de combate à poluição, tanto as de natureza regional como as relativas às instalações, que irão permitir que o valor-limite seja de novo respeitado.

Por um lado, proceder-se-á, num caso semelhante, à elaboração de um plano de protecção da atmosfera, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, segunda parte, da lei de combate à poluição. A autoridade competente nos termos da legislação do Land tem a obrigação de elaborar tal plano, mesmo nos termos da actual redacção da disposição.

Por outro lado, há que aplicar as medidas relativas às instalações. Entre estas figuram, por um lado, no que respeita às instalações sujeitas a autorização, o artigo 17.° da lei de combate à poluição e o ponto 2.5 da norma técnica «ar» e, por outro, no que respeita às instalações não sujeitas a autorização, o disposto nos artigos 25.°, n.° 2, da lei de combate à poluição, e no ponto 2.5 da norma técnica.

Estes dois tipos de disposições garantem assim o respeito efectivo do valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico para o chumbo. A estas disposições vêm juntar-se, por outro lado, as medidas previstas pela Benzin-Blei-Gesetz (lei do teor em chumbo da gasolina) da República Federal da Alemanha e a proibição de gasolina normal com chumbo a partir de 1 de Janeiro de 1988.

O facto de a Bundes-Immissionsschutzgesetz (lei de combate à poluição) ser suficiente para garantir plenamente o respeito do valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico na atmosfera é demonstrado pela circunstância de este valor não voltar, desde 1989, a ser ultrapassado na comuna de Braubach.

B — Pergunta feita à Comissão

Pergunta

Foi solicitado à Comissão que esclarecesse se a acusação relativa à instalação e ao funcionamento de estações de medição, nos termos do artigo 4.° da Directiva 82/884, que figura na notificação de incumprimento e no parecer fundamentado, foi retomada na petição ou na réplica, e, em caso afirmativo, em que partes destas foram precisamente desenvolvidos argumentos em apoio de tal acusação. Em caso afirmativo, igualmente, a Comissão é convidada a precisar os critérios segundo os quais os Estados-membros devem determinar os locais onde pode haver exposição contínua de pessoas durante um longo período.

Resposta

A petição restringe-se à acusação relativa à não fixação de um valor-limite obrigatório em todo o território. No momento em que foi intentada a acção, nada justificava que a questão da instalação de estações de medição fosse nela incluída.

R. Joliét

Juiz-relator


( *1 ) Lingua do processo: alemão.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

30 de Maio de 1991 ( *1 )

No processo C-59/89,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ingolf Pernice, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por Martin Seidel, na qualidade de agente, e Dieter Sellner, advogado de Bona, e depois apenas por este ùltimo, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da República Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile-Reuter,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não aprovar todas as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para garantir a transposição integral para o direito interno da Directiva 82/884/CEE do Conselho, de 3 de Dezembro de 1982, relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera (JO L 378, p. 15; EE 15 F4 p. 17), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: J. Mischo

secretário: D. Louterman, administradora principal

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações apresentadas pelas partes na audiência de 6 de Dezembro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de Fevereiro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Fevereiro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção com vista a obter a declaração de que a República Federal da Alemanha, por não ter aprovado todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para garantir a completa transposição para o direito interno da Directiva 82/884/CEE do Conselho, de 3 de Dezembro de 1982, relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera (JO L 378, p. 15; EE 15 F4 p. 17, a seguir «directiva»), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

2

Esta directiva, que visa proteger os seres humanos contra os riscos resultantes do chumbo, destina-se a fixar, através de um valor-limite, a concentração de chumbo contido na atmosfera que não deve ser ultrapassada em determinadas condições.

3

O artigo 2.°, n.° 2, da directiva estabelece que este valor-limite é de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico de ar, expresso em concentração média anual.

4

O artigo 3.°, n.° 1, prevê que os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, cinco anos após a notificação da directiva, as concentrações de chumbo contido na atmosfera, medidas em conformidade com o artigo 4.°, nao ultrapassem o valor-limite indicado no artigo 2.°

5

Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, da directiva, os Estados-membros eram obrigados a pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de vinte e quatro meses a contar da sua notificação. Tendo a directiva sido notificada à República Federal da Alemanha em 9 de Dezembro de 1982, ela deveria ter sido transposta para o direito alemão o mais tardar até 9 de Dezembro de 1984.

6

A Comissão acusa a República Federal da Alemanha de não ter cumprido a obrigação decorrente do artigo 2.° da directiva, de adoptar uma norma obrigatória, dotada de sanções eficazes, a fim de proibir expressamente, em todo o território nacional, a ultrapassagem do valor máximo de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico. Acusa igualmente a República Federal da Alemanha de nao ter adoptado as medidas apropriadas para garantir o respeito deste valor-limite, como exige o artigo 3.°, n.° 1, da directiva.

7

A República Federal da Alemanha responde que a protecção pretendida pela directiva corresponde à que resulta da lei federal de protecção contra os efeitos nocivos sobre o ambiente da poluição atmosférica, pelos ruídos, das vibrações e outros danos ambientais de 15 de Março de 1974 (BGBl. I, p. 721, a seguir «lei de combate à poluição»), bem como das medidas de execução desta. Acrescenta que os resultados concretos por ela atingidos em materia de poluição resultante do chumbo satisfazem largamente as exigencias da directiva.

8

Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à falta de uma norma obrigatória geral

9

O artigo 3.° da lei de combate à poluição define os efeitos nocivos sobre o ambiente como sendo «danos ambientais que, dada a sua importância ou duração, são susceptíveis de causar perigos, inconvenientes ou prejuízos importantes para o ambiente ou para as imediações». Esta lei não fixa, no entanto, o limiar a partir do qual tais danos devem ser considerados nocivos para o ambiente. Nos termos do artigo 48.°, cabe ao Governo federal aprovar, depois de ouvir os meios interessados e de recolher o acordo do Bundesrat, as «disposições administrativas gerais necessárias à aplicação» da lei.

10

Com base neste artigo 48.°, o Governo da República Federal da Alemanha adoptou, em 1974 a primeira disposição administrativa de carácter geral para execução da lei de combate à poluição (a seguir designada por «norma técnica “ar”») Esta loi alterada diversas vezes, e designadamente em 27 de Fevereiro de 1986 (GMB1 p. 95). E pacífico que o ponto 2.5.1 daquela norma fixa, em relação ao chumbo, ô vallor maximo de 2 microgramas por metro cùbico, que é indicado no artigo 2.° n. 2, da directiva.

11

A Comissão emende, no entanto, que esta norma não tem carácter obrigatório Considera, além disso, que o seu âmbito de aplicação é mais restrito que o da directiva.

12

A Comissão entende que, na ordem jurídica alemã, as circulares administrativas nao são, em geral, consideradas normas jurídicas. A lei fundamental, e em especial o seu artigo 80.°, n.° 1, sujeita a adopção de regulamentos pela administração a determinadas condições, designadamente processuais, não preenchidas no caso em apreço Alem disso, tanto a jurisprudência como a doutrina admitem que as circulares administrativas não têm obrigatoriamente que ser respeitadas quando se verifique uma situação atípica, ou seja, uma situação para a qual o autor das disposições administrativas, ao proceder a uma regulamentação genérica, não podia ou não queria fornecer uma solução.

13

Por outro lado, ainda segundo a Comissão, as prescrições da norma técnica «ar» apenas se impõem às fontes de poluição constituídas pelas instalações aí referidas e contêm apenas normas relativas à protecção da atmosfera que devem ser aplicadas aquando de determinadas medidas administrativas relacionadas com essas instalações.

14

A República Federal da Alemanha alega, a este propósito, que o quadro regulamentar destinado a fazer respeitar o valor-limite da directiva abrange todas as fontes de emanações de chumbo.

15

Este enquadramento regulamentar visa, em primeiro lugar, as instalações sujeitas a autorização, na acepção, designadamente, do artigo 4.° da lei de combate à poluição, ou seja, as instalações susceptíveis, dadas as suas características ou da respectiva exploração, de provocar efeitos particularmente nocivos para o ambiente, ou de, por qualquer outro modo, lesar ou incomodar consideravelmente a colectividade ou a vizinhança. Os limiares de poluição que essas instalações não podem ultrapassar são referidos no ponto 2.5.1 da norma técnica «ar», que retoma para o chumbo o valor-limite fixado pela directiva. Estes limiares constituem normas mínimas que devem ser respeitadas mesmo no caso das situações atípicas.

16

Em segundo lugar, este enquadramento regulamentar abrange igualmente outras instalações. De facto, nos termos do artigo 22.° da lei de combate à poluição, estas instalações devem ser construídas e geridas de forma a evitar os efeitos nocivos sobre o ambiente que o possam ser no actual estado da técnica. Ora, esta noção de efeitos nocivos sobre o ambiente foi concretizada no ponto 2.5.1 da norma técnica «ar». Nos termos do artigo 25.°, n.° 2, quando tais efeitos nocivos ponham em perigo a vida ou a saúde das pessoas, as autoridades competentes podem proibir, total ou parcialmente, a construção ou a exploração dessas instalações, se não for possível proteger de outra forma a colectividade ou a vizinhança.

17

Em terceiro lugar, as emanações de chumbo provenientes da utilização de veículos automóveis foram regulamentados pela lei do teor em chumbo da gasolina.

18

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (ver, designadamente, o acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C-131/88, Colect., p. I-825), a transposição para direito interno de uma directiva não exige necessariamente uma transcrição formal e literal das suas disposições numa norma legal expressa e específica, podendo, em função do seu conteúdo, ser suficiente uma norma jurídica geral, desde que garanta efectivamente a sua plena aplicação de torma suficientemente clara e precisa, a fim de que, na medida em que a directiva gere direitos para os particulares, os beneficiários os possam conhecer na totalidade e invocá-los, eventualmente, perante os tribunais nacionais.

19

Deve salientar-se, a este respeito, que a obrigação, imposta aos Estados-membros pelo artigo 2. da directiva, de fixar um valor-limite que não deve ser ultrapassado em determinadas condições, é estabelecida, nos termos do artigo 1.°, «com o objectivo de contribuir especificamente para a protecção dos seres humanos contra os eleitos do chumbo no ambiente». No entanto, não se aplica à exposição a esses eleitos no lugar de trabalho. Fora desta última hipótese, tal obrigação implica assim, que em todos os casos em que a ultrapassagem dos valores-limite seja susceptível de ameaçar a saúde das pessoas estas possam invocar regras obrigatórias a hm de fazer valer os respectivos direitos. Por outro lado, a fixação de um valor-limite numa disposição, cujo carácter obrigatório é incontestável, impõe-se igualmente, a fim de que todos aqueles cujas actividades podem gerar danos ambientais conheçam exactamente as obrigações a que estão sujeitos.

20

Contudo, deve, antes de mais, salientar-se que o valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico apenas é mencionado na norma técnica «ar» e que esta última tem apenas um âmbito de aplicação restrito.

21

Contrariamente ao que defende a República Federal da Alemanha, esta norma não se aplica a todas as instalações. De facto, o seu n.° 1 limita o respectivo âmbito de aplicação às instalações sujeitas a autorização na acepção do artigo 4.° da lei do combate à poluição, isto é, às que, dadas as suas características próprias ou da sua exploração, são susceptíveis de provocar efeitos particularmente nocivos para o ambiente, de pôr em perigo, lesar ou incomodar consideravelmente a colectividade ou a vizinhança. O mesmo número da norma técnica «ar» impõe apenas obrigações às autoridades administrativas, fundamentalmente, apenas no exame dos pedidos de licença de construção, de exploração ou de modificação de tais instalações, ou quando são impostas obrigações posteriormente a essas instalações ou ainda em caso de inquérito sobre a natureza e a importância das emanações provenientes de tais instalações ou sobre os danos ambientais existentes na zona em que são exploradas.

22

A norma tem, assim, por âmbito de aplicação a vizinhança imediata das construções ou de equipamentos bem determinados, enquanto a directiva tem um âmbito de aplicação territorial mais vasto, que abrange o conjunto dos territórios dos Estados-membros. O carácter geral da directiva não pode assim satisfazer-se com uma transposição declaradamente restrita a determinadas fontes da ultrapassagem do valor-limite por ela prescrito e determinados actos a adoptar pelas autoridades administrativas.

23

Em segundo lugar, há que acrescentar que a preocupação de permitir aos particulares invocar os respectivos direitos não se encontra melhor satisfeita no domínio de aplicação da norma técnica, a saber, as instalações sujeitas a autorização. A República Federal da Alemanha e a Comissão divergem, de facto, relativamente a saber em que medida a doutrina e a jurisprudência alemãs reconheceram caracter obrigatório às disposições administrativas de carácter técnico. A Comissão invocou uma jurisprudência que nega tal carácter designadamente no domínio fiscal; a República Federal da Alemanha apresentou, por seu lado, uma jurisprudência que reconhece tal carácter no domínio nuclear. E forçoso concluir que no caso particular da norma técnica «ar», a República Federal da Alemanha não indicou qualquer jurisprudência nacional que lhe reconheça explicitamente efeito directo em relação a terceiros, para além do seu efeito obrigatório em relação à administração. Em consequência, não pode afirmar-se que os particulares estejam em condições de conhecer com segurança a extensão dos seus direitos, de modo a poderem inyocá-los, eventualmente, perante os tribunais nacionais, nem que aqueles cujas actividades são susceptíveis de gerar danos ambientais estão suficientemente informados da extensão das respectivas obrigações.

24

Decorre das considerações precedentes não estar provado que a aplicação do artigo 2.°, n.° 1, da directiva tenha sido feita com carácter obrigatório incontestável, nem com a especificidade, precisão e clareza necessárias, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, para satisfazer a exigência de segurança jurídica.

Quanto à falta de medidas susceptíveis de garantirem o respeito do valor-limite

25

A Comissão acusa a República Federal da Alemanha de não ter adoptado as medidas apropnadas para garantir que o valor-limite imposto pela directiva seja efectivamente respeitado, como exige o seu artigo 3.° Salienta que os planos para protecção da atmosfera, que, nos termos dos artigos 44.° a 47.° da lei de combate à poluição, devem ser elaborados e aplicados pelos Under, quando exista o risco de a poluição atmosférica produzir efeitos nocivos para o ambiente, não garantem que o valor-limite fixado na directiva seja efectivamente respeitado. Em primeiro lugar, estas medidas apenas dizem respeito a zonas determinadas, não garantindo o respeito do valor-limite no conjunto do território. Em segundo lugar, porque as autoridades administrativas gozam de um poder discricionário relativamente à decisão de aplicar esses planos de protecção da atmosfera. Em terceiro lugar, porque os procedimentos a observar levariam tanto tempo que não seria possível garantir dicazmente e de imediato o respeito do valor-limite.

26

A— República Federal da Alemanha começa por alegar que os valores das emanações poluidoras verificadas na Alemanha se situam nitidamente abaixo do valor de 2 microgramas de chumbo por metro cúbico fixado na directiva.

27

Por outro lado, afirma estar em condições de garantir o respeito efectivo deste valor-limite. Invoca, a este respeito, designadamente os artigos 44.° a 47 ° da lei de combate à poluição, que impõem às autoridades competentes dos Under a obrigação de definir zonas críticas e de elaborar para estas planos de protecção da atmosfera. Relativamente à acusação de que tais planos apenas foram elaborados para uma parte do território federal, refere que seria perfeitamente inútil estabelecer planos para regiões em que não existe qualquer perigo de o valor-limite ser ultrapassado. Acrescenta que as autoridade administrativas não têm qualquer poder discricionário em relação à decisão de aplicar planos de protecção da atmosfera quando surgem situações de perigo concretas. Esclarece, por último, que, desde 1 de Setembro de 1990, esses planos devem respeitar os valores-limite da directiva.

28

Deve, a este respeito, antes de mais, recordar-se que a conformidade de uma prática com as exigências de protecção de uma directiva não pode justificar a não transposição desta na ordem jurídica interna através de disposições que possam estabelecer uma situação suficientemente precisa, clara e transparente, de modo a que os particulares possam conhecer os respectivos direitos e obrigações. Como decidiu o Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de Março de 1990, Comissão/Países Baixos, n.° 25 (339/87, Colect., p. I-851), os Estados-membros devem, a fim de garantir a plena aplicação das directivas no plano jurídico e não apenas na prática, estabelecer um regime legal preciso no domínio em questão.

29

Em consequêcia, o argumento da República Federal da Alemanha de que não se verificou, na prática, nenhum caso de violação da directiva nao pode ser acolhido.

30

Há, assim, que verificar se as disposições invocadas pela República Federal da Alemanha garantem uma aplicação correcta da directiva.

31

Nos termos do artigo 44.° da lei de combate à poluição, as autoridades competentes, de acordo com o direito dos Länder, devem determinar de forma permanente a natureza e a importância de determinadas poluições atmosféricas que podem provocar efeitos nocivos sobre o ambiente em determinadas zonas particularmente críticas. Nos termos do artigo 47.°, na redacção em vigor no momento da propositura da acção, se estas verificações indicarem que as poluições atmosféricas provocam efeitos nocivos sobre o ambiente ou que tais efeitos sao previsíveis no conjunto da zona crítica ou numa parte desta, essas mesmas autoridades competentes devem elaborar um plano de protecção da atmosfera para a zona.

32

O artigo 3.°, n.° 1, da directiva exige, por seu lado, que os Estados-membros tomem as medidas necessárias para garantir que as concentrações de chumbo na atmosfera não ultrapassem o valor-limite de 2 microgramas por metro cúbico.

33

Convém salientar-se, a este respeito, que as autoridades competentes dos Länder apenas devem aplicar os planos de protecção da atmosfera quando verifiquem a existência de efeitos nocivos para o ambiente. Ora, como já se referiu, a lei de combate à poluição näo especifica o limiar a partir do qual deve considerar-se que existem efeitos nocivos para o ambiente. A norma técnica «ar», por sua vez, apenas impõe obrigações às autoridades administrativas por ocasião de actos bem definidos e a propósito de determinadas instalações. Não existem, portanto, regras gerais e imperativas nos termos das quais as autoridades administrativas sejam obrigadas a adoptar medidas sempre que os valores-limite da directiva corram o risco de ser ultrapassados.

34

Em consequência, o artigo 3.° da directiva não foi transposto para a ordem jurídica interna de forma a abranger todos os casos que se podem verificar, não tendo a regulamentação nacional o carácter obrigatório necessário para satisfazer a exigência de segurança jurídica.

35

A circunstância de, posteriormente à entrada da acção, a legislação alemã ter sido alterada, não é susceptível de modificar esta apreciação. É, de facto, jurisprudência constante que o objecto de uma acção intentada nos termos do artigo 169.° do Tratado é fixado pelo parecer fundamentado da Comissão e que, mesmo na hipótese de o incumprimento ter sido suprimido posteriormente ao prazo fixado nos termos do segundo parágrafo do referido artigo, o prosseguimento da acção mantem a sua utilidade, a fim de provar o facto gerador da responsabilidade em que pode incorrer um Estado-membro, em resultado do seu incumprimento, face a outros Estados-membros, à Comunidade ou a particulares.

36

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que concluir que, ao nao adoptar no prazo prescrito todas as medidas necessárias ao cumprimento das disposições da Directiva 82/884 relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

Quanto às despesas

37

Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Federal da Alemanha sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide :

 

1)

Ao não adoptar, no prazo prescrito, todas as medidas necessárias para dar cumprimento às disposições da Directiva 82/884/CEE do Conselho, de 3 de Dezembro de 1982, relativa a um valor-limite para o chumbo contido na atmosfera, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

 

2)

A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

 

Due

Mancini

O'Higgins

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Kapteyn

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Maio de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Lingua do processo: alemão.

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