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Document 61989CC0292

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 8 de Novembro de 1990.
The Queen contra Immigration Appeal Tribunal, ex parte Gustaff Desiderius Antonissen.
Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
Livre circulação dos trabalhadores - Direito de residência - Procura de emprego - Limitação no tempo.
Processo C-292/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00745

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:387

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MARCO DARMON

apresentadas em 8 de Novembro de 1990 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

A High Court submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos de uma decisão de 14 de Junho de 1989, duas questões prejudiciais relativas à interpretação de disposições do direito comunitário relativas à livre circulação dos trabalhadores, a propósito da situação em que um nacional de um Estado-membro pretende aceder a uma actividade salarial no território de outro Estado-membro. O juiz a quo interroga o Tribunal mais especificamente sobre as condições jurídicas da permanência da pessoa em causa no Estado em que procura emprego.

2. 

Com efeito, no processo principal, G. Antonissen, nacional belga, recorreu para a High Court da decisão do Immigration Appeal Tribunal que negou provimento a um recurso que tinha por objecto uma decisão de expulsão adoptada em 27 de Novembro de 1987 pelo Secretary of State. O interessado, que entrara no Reino Unido em Outubro de 1984, ainda aí não exercera qualquer emprego quando, em Setembro de 1986, foi preso por posse e venda de cocaína. Condenado em 30 de Março de 1987 a uma pena de prisão pela Crown Court de Liverpool, cumpria ainda a pena quando teve lugar a decisão de expulsão. G. Antonissen saiu em liberdade condicional em 21 de Dezembro de 1987. Abandonou o território do Reino Unido em 14 de Junho de 1989. ( 1 )

3. 

A decisão no processo principal está dependente do direito comunitário na medida em que os poderes das autoridades nacionais em matéria de expulsão sofrem limitações especiais relativas aos nacionais de outros Estados-membros que beneficiam de um direito de residência, nos termos da livre circulação dos trabalhadores. Recorde-se, em especial, que, embora o direito de residência num Estado-membrO para aí se exercer uma actividade laboral, previsto no n.° 3, alínea c), do artigo 48.° do Tratado CEE, possa ser objecto de limitações «justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública» decorre do artigo 3.° da Direttiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964 ( 2 ), que as medidas de ordem pública ou segurança pública, que podem consistir em medidas de afastamento, «devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa» e que «a mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento à aplicação de tais medidas». Assim, abstraindo de determinados aspectos da situação de G. Antonissen, levados em conta pelo Secretary of State para ordenar a sua expulsão, importa determinar em que medida um nacional de um Estado-membro que procura emprego no território de outro Estado-membro se pode prevalecer das disposições de protecção contidas no regime da livre circulação dos trabalhadores.

4. 

Pela primeira questão, o órgão jurisdicional a quo pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se as disposições de direito comunitário que regem a livre circulação dos trabalhadores obstam a que a legislação de um Estado-membro preveja que um nacional de outro Estado-membro, entrado no território do primeiro Estado para aí procurar emprego, possa ser obrigado, sem prejuízo do seu direito de recurso, a abandonar esse território se não tiver aí conseguido um emprego, decorridos seis meses. Com efeito, a decisão de expulsão em causa foi tomada com base numa legislação desse tipo. A segunda questão visa averiguar que importância deve ser atribuída pelo órgão jurisdicional nacional à declaração do Conselho que consta da acta da reunião em que aprovou a Directiva 68/360/CEE ( 3 ). Como se verá, a resposta a dar a esta segunda questão insere-se naturalmente na discussão iniciada pela primeira questão.

5. 

A mera exegese dos termos do artigo 48.° do Tratado CEE pode conduzir a que se duvide de que o nacional de um Estado-membro que procure emprego no território de outro Estado-membro beneficie, ao abrigo da livre circulação dos trabalhadores, de um direito de nele residir. O direito de livre deslocação no território dos Estados-membros, referido na alínea b) do n.° 3 da mesma disposição, está organizado para se responder, de acordo com a alínea a), «a ofertas de emprego efectivamente feitas», o que não coincide com a procura de emprego. Contudo, o legislador comunitário, encarregado da realização progressiva da livre circulação dos trabalhadores ( 4 ), não parece ter-se atido a tal exegese, que consagraria, na verdade, uma concepção muito limitada, muito pouco realista, das condições em que é possível aceder a um emprego.

6. 

O Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968 ( 5 ), prevê, no n.° 1, do artigo 1.°, que «os nacionais de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, têm o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado-membro, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais deste Estado». No artigo 5.° do mesmo diploma, inserido como o artigo 1.° no Título I, designado «Do acesso ao emprego», dispõe-se que «os nacionais de um Estado-membro que procurem emprego no território de outro Estado-membro devem aí receber o mesmo apoio que os serviços de emprego deste Estado concedem aos seus nacionais que procuram emprego». Pode já notar-se, nesta fase, que os nacionais de um Estado-membro que procuram emprego noutro Estado-membro são incluídos no grupo de pessoas que têm o «direito de aceder a uma actividade assalariada» no território de outro Estado-membro, referido no artigo 1.° do Regulamento n.° 1612/68. De acordo com o segundo considerando, este regulamento visa adoptar as «disposições que permitam atingir os objectivos fixados nos artigos 48.° e 49.° do Tratado no domínio da livre circulação». A procura de emprego por um nacional de um Estado-membro no território de outro Estado-membro inscreve-se, pois, no âmbito da livre circulação de trabalhadores. Dito isto, terá esse nacional o direito de residir no território do Estado em que procura emprego?

7. 

Os termos claros do Regulamento n.° 1612/68, acima recordados, conduzem a concluir que um nacional de um Estado-membro que procure emprego no território de outro Estado-membro pode invocar o beneficio do n.° 3, alinea b), do artigo 48.° do Tratado, ou seja, «deslocar-se livremente» no referido território. Mas será possível equiparar o direito de deslocação a um direito de residência? No contexto do Tratado, o direito de deslocação no território em causa está consagrado no citado n.° 3, alínea b), do artigo 48.°, enquanto o direito de residência consta da alínea c) do mesmo artigo, e visa a hipótese de exercício de uma actividade laboral. O Regulamento n.° 1612/68 não permite, a priori, integrar os nacionais comunitários que procuram emprego entre os beneficiários desse direito de residência. As disposições do regulamento relativas à procura de emprego integram-se, como referimos, no título I expressamente dedicado ao acesso ao emprego, enquanto o exercício do emprego é tratado no título II. Não esqueçamos, contudo, que a questão da deslocação e residência dos beneficiários da livre circulação dos trabalhadores foi objecto de regulamentação específica através da Directiva 68/360, já referida ( 6 ). Será que este acto de direito derivado contém precisões sobre a questão que nos ocupa?

8. 

O objectivo da Directiva 68/360 é, nos termos do seu primeiro considerando, «adoptar, no que diz respeito à supressão das restrições ainda existentes em matéria de deslocação e permanência na Comunidade, medidas adequadas aos direitos e faculdades reconhecidos pelo (Regulamento n.° 1612/68) aos nacionais de cada Estado-membro que se desloquem a fim de exercer uma actividade assalariada...». O artigo 1.° determina que «os Estados-membros suprimirão, nas condições previstas no presente directiva, as restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos referidos Estados... aos quais de aplica o Regulamento (CEE) n.° 1612/68». Uma vez que os nacionais comunitarios que procuram emprego se integram, como já referimos, no âmbito de aplicação do título I do Regulamento n.° 1612/68, têm pois, a priori, vocação para serem abrangidos pelas «condições previstas na... directiva». Será que essa vocação se concretiza?

9. 

De acordo com o artigo 3.° da directiva, «os Estados-membros admitirão no seu território as pessoas abrangidas pelo artigo 1.° mediante a simples apresentação de um bilhete de identidade ou passaporte válido». Sem dúvida, os nacionais comunitários que procuram emprego, a exercer no território de outro Estado-membro, beneficiam do direito de acesso a esse território nas condições do artigo 3.° Concretiza-se, assim, um dos aspectos do seu direito de deslocação. Mas quanto ao direito de residência propriamente dito?

10. 

O artigo 4.° da directiva dispõe que «os Estados-membros reconhecerão o direito de permanência no seu território às pessoas abrangidas pelo artigo 1.° que possam apresentar os documentos referidos no n.° 3», sendo esse direito de permanência «confirmado» pela emissão de um «cartão de residência». O n.° 3 do artigo 4.° distingue os documentos a apresentar para efeitos de emissão do cartão de residência consoante se trate de um «trabalhador» ou de um «membro da família de um trabalhador». O «trabalhador» deve estar em condições de apresentar o «documento ao abrigo do qual entrou no seu território», bem como «uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho». Por definição, a pessoa que procura emprego não está em condições de apresentar uma declaração de contrato ou um certificado de trabalho; parece, pois, que não pode beneficiar do disposto no artigo 4.°, ou seja, do reconhecimento de um direito de residência cuja validade não pode ser inferior a cinco anos e que é automaticamente renovável, nos termos do artigo 6.° da directiva. Significa isto que a directiva não prevê qualquer direito de residência para o nacional comunitário que procura emprego?

11. 

No n.° 3 do artigo 6.° a directiva prevê um direito de residência mais limitado para o trabalhador que ocupa um emprego durante um período superior a três meses e inferior a um ano, caso em que o Estado-membro de acolhimento emitirá em seu favor uma «autorização temporária de residência cujo prazo de validade pode ser limitado à duração prevista para o emprego». Além disso, de acordo com o artigo 8.°, «os Estados-membros reconhecem o direito de permanência no seu território, sem que haja lugar a emissão do cartão de residência», a determinadas categorias de pessoas que exercem empregos de curta duração ou residem parcialmente no território de um Es-tado-membro diverso do de emprego, ou exercem um trabalho sazonal. Pelo contrário, nenhuma disposição da directiva se refere, em matéria de direito de residência, à hipótese de um nacional comunitário em busca de emprego.

12. 

Assim, do ponto de vista do exame dos diplomas, chega-se à constatação de que um nacional comunitário que procura um emprego para exercer no território de outro Estado-membro beneficia, atendendo às disposições expressas do Regulamento n.° 1612/68, do direito de se deslocar nesse território, previsto no artigo 48.° do Tratado, e de que a Directiva 68/360 consagrou formalmente o seu direito de acesso ao referido território. Pelo contrário, nenhuma disposição desta directiva, ou de qualquer outro texto de direito comunitário, prevê formalmente, em favor desse nacional, um direito de residência. Terá de se concluir que esse direito não existe?

13. 

Não foi essa a conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça. Sem decidir directa e especificamente sobre um direito de residência dos nacionais comunitários no Estado-membro em que procuram emprego, o Tribunal de Justiça referiu, de forma incidental mas inequívoca, a existência desse direito. Assim, no acórdão de 8 de Abril de 1976, Royer ( 7 ), o Tribunal de Justiça considerou que

«o direito dos nacionais de um Estado-membro de entrarem no território de outro Estado-membro e aí residirem, para os efeitos pretendidos pelo Tratado — designadamente para nele procurarem ou exercerem uma actividade profissional, assalariada ou independente... — constitui um direito directamente conferido pelo Tratado ou, conforme os casos, pelas disposições tomadas em sua execução» ( 8 ).

Mais recentemente, o acórdão de 23 de Março de 1982, Levin ( 9 ), salientou que

«... os direitos resultantes da livre circulação dos trabalhadores e, mais especificamente, o direito de entrar e residir no território de um Estado-membro, prendem-se... respectivamente, com a qualidade de trabalhador ou de pessoa que exerce ou pretende exercer uma actividade assalariada...» ( 10 ).

14. 

Tendo em conta estes acórdãos, parece-nos errado sustentar, como faz o Governo alemão, que não existe qualquer direito de residência de que possa beneficiar o nacional comunitário que procura emprego noutro Estado-membro. Parece-nos que o Tribunal de Justiça acolheu o princípio da existência desse direito, sem precisar, contudo, a sua origem formal. Atendendo ao aparente silêncio da Directiva 68/360, é mais tentador procurar essa origem nos artigos l.° e 5.° do Regulamento n.° 1612/68, conjugados com o n.° 3 do artigo 48.° do Tratado. Será ainda necessario determinar se o direito de residência em causa, refendo pelo Tribunal de Justiça, se inclui no direito de deslocação ou se constitui uma espécie de seu acessório indispensável. Mas impõe-se outra constatação, a de que o direito de residência do nacional comunitário que procura emprego noutro Estado-membro, consagrado enquanto princípio, não foi expressamente objecto de regulamentação pormenorizada no direito comunitário, nem, estranhamente, no direito derivado. Em especial, nem o Tratado nem a Directiva 68/360 precisaram formalmente se o direito de residência em causa era objecto de limitação no tempo. Ora, é precisamente sobre esta questão que o órgão jurisdicional a quo interroga o Tribunal. A este compete, assim, aprofundar a análise jurídica, para além da mera letra das disposições até agora referidas e da concisão dos anteriores acórdãos do Tribunal.

15. 

Chegados a estė ponto, somos levados a definir o papel que poderia desempenhar, na interpretação solicitada ao Tribunal, a declaração, constante da acta do Conselho, aquando da ¡reunião em que foram aprovados o Regulamento n.° 1612/68 e a Directiva 68/360.

16. 

Essa declaração, reproduzida na matéria «de facto» do referido acórdão Levin ( 11 ), tem a seguinte redacção:

«Os nacionais de um Estado-membro referidos no artigo 1.° (da directiva) que se desloquem a outro Estado-membro para nele procurar emprego dispõem, para esse efeito, de um prazo mínimo de três meses; no caso de, decorrido esse prazo, não terem encontrado emprego, poderá ser posto fim à sua permanência no território do segundo Estado.

Contudo, se as pessoas acima referidas tiverem, no período citado, de ser postas a cargo da assistência pública (segurança social) do segundo Estado, podem ser convidadas a abandonar o seu território.»

17. 

A declaração emana dó Conselho, e não de um ou de diversos Estados-membros. Foi adoptada por unanimidade dos membros do Conselho. Este autorizou, em 17 de Abril de 1989, a sua apresentação em juízo na High Court, mas fora já também apresentada ao Tribunal de Justiça, no âmbito dos processos Levin ( 12 ) e Lebon ( 13 ).

18. 

Aquando da adopção desta declaração, os trabalhos do Conselho regiam-se por um «Regulamento Interno provisório». De acordo com o primeiro parágrafo do respectivo artigo 18.°, o princípio consistia em que «as deliberações do Conselho estão sujeitas ao segredo profissional», esclarecendo o segundo parágrafo do mesmo artigo que o Conselho podia «autorizar a apresentação em juízo de uma cópia ou de um extracto das suas actas» ( 14 ). Estas disposições foram retomadas textualmente no artigo 18.° do Regulamento Interno aprovado pelo Conselho em 24 de Julho de 1979 ( 15 ). Pelo contrário, o disposto no n.° 1 do artigo deste último diploma, em que se estabelece que será lavrada acta de cada sessão do Conselho, de que constarão, em regra, relativamente a cada assunto da ordem do dia, as decisões tomadas, bem como «as declarações feitas pelo Conselho e aquelas cuja inscrição tenha sido pedida por um membro do Conselho ou pela Comissão», é novo, pois o referido Regulamento Interno provisório não fazia qualquer referência às declarações do Conselho. Verifica-se assim que o Regulamento Interno aplicável aquando da aprovação do regulamento e da directiva de 15 de Outubro de 1968 não atribuía qualquer estatuto particular às declarações do Conselho, apenas se ocupando do alcance da natureza secreta das actas de que constavam. Desta forma, parece difícil tirar daí conclusões essenciais quanto aos efeitos jurídicos da declaração em causa.

19. 

Da jurisprudência do Tribunal de Justiça parecem decorrer indicações mais precisas quanto ao alcance das declarações constantes da acta do Conselho.

20. 

No acórdão de 18 de Fevereiro de 1970, Comissão/Itália ( 16 ), o Tribunal de Justiça referiu, a propósito de uma declaração da Itália aquando da elaboração da decisão do Conselho dita de «aceleração», de 26 de Julho de 1966, que

«o alcance e efeito (da referida decisão) devem ser apreciados de acordo com o seu teor, não podendo ser limitados por reservas ou declarações eventualmente feitas no decurso da elaboração da medida em causa» ( 17 ).

21. 

O acórdão de 7 de Fevereiro de 1979, Vincent Auer ( 18 ), permitiu ao Tribunal de Justiça precisar a sua posição, a propósito, desta vez, não de uma declaração unilateral de um dos Estados-membros representados no Conselho, mas do Conselho no seu conjunto. Referindo resultar da economia global, tanto dos programas gerais adoptados em execução dos artigos 54.° e 63.° do Tratado como das directivas que lhes dão execução, que o âmbito de aplicação pessoal das medidas de liberalização em matéria de estabelecimento e de serviços é sempre determinado sem qualquer distinção em função da nacionalidade dos interessados, o Tribunal de Justiça acrescentou que esta concepção havia sido, no que se refere ao exercício da profissão de veterinário,

«plenamente confirmada por uma declaração relativa à definição dos beneficiários das directivas, retomada na acta da sessão do Conselho em que foram aprovadas as directivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas e à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à actividade de veterinário» ( 19 ).

22. 

Num acórdão de 15 de Abril de 1986, Comissão/Bélgica ( 20 ), o Tribunal de Justiça teve de responder à argumentação do Es-tado-membro demandado que, baseando-se no facto de uma declaração inscrita na acta do Conselho aquando da aprovação da Directiva 77/187/CEE, de 14 de Fevereiro de 1977 ( 21 ), prever que os Estados-membros devem notificar à Comissão as categorias de trabalhadores excluídas do benefício do disposto no n.° 1, primeiro parágrafo, do artigo 4.° da directiva, nos termos do segundo parágrafo do mesmo número, entendia que, tendo notificado à Comissão a exclusão de determinadas categorias sem que esta tivesse reagido, agira em condições tais que obstavam a que viesse ulteriormente a ser acusado de ter, na realidade, excluído categorias de trabalhadores que não preenchiam as condições a que o referido segundo parágrafo da directiva subordinava tal medida. O Tribunal de Justiça referiu a esse respeito, que, nos termos da sua jurisprudência constante,

«o âmbito de aplicação objectivo das normas de direito comunitário apenas pode resultar dessas mesmas normas, tendo em conta o seu contexto»,

e «não poderia, portanto, ser afectado» por uma declaração como a invocada pela Bélgica ( 22 ).

23. 

A luz dos acórdãos que acabamos de recordar, parece-nos difícil subscrever a tese de que uma declaração do Conselho, constante da acta de uma das suas sessões, não tem, em princípio, qualquer papel a desempenhar na interpretação das disposições de direito comunitário. A referência expressa feita, aliás, por um recente acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho ( 23 ), aos «actos preparatórios» ( 24 ) e aos «trabalhos preparatórios» ( 25 ) é testemunho de que existe efectivamente lugar, na interpretação de um acto de direito derivado, para a tomada em consideração dos trabalhos que prepararam ou acompanharam a sua aprovação. Dito isto, cabe precisar as condições e limites da referência às declarações do Conselho constantes da acta de uma das suas reuniões.

24. 

Parece-nos que um primeiro limite a colocar decorre da preocupação pelo respeito da noção de trabalhos preparatórios. Com efeito, pensamos que uma declaração constante das actas do Conselho apenas pode constituir uma referência de interpretação quando tenha sido formulada por ocasião da adopção de um acto de direito derivado da competência do Conselho, e quando lhe diga exclusivamente respeito. Com efeito, não foi atribuída competência ao Conselho, no contexto dos tratados, para proceder à interpretação dos mesmos tratados. É certo que o Conselho, pelas próprias necessidades da sua actividade normativa, é conduzido a interpretar os tratados, para determinar o contexto da sua acção. Mas não pode transformar os meios em fins para formular interpretações susceptíveis de, em seguida, vincularem o Tribunal de Justiça ou os órgãos jurisdicionais nacionais. Aliás, entendemos não poder ser atribuída a uma declaração a posteriori do Conselho, relativa a um acto de direito derivado adoptado no passado, a importância que apenas cabe aos trabalhos preparatórios da adopção desse acto e que pressupõe uma anterioridade ou simultaneidade relativamente a essa adopção.

25. 

Um segundo limite, claramente assinalado pelo Tribunal de Justiça, consiste em que uma declaração constante das actas do Conselho não pode ser invocada quando o seu teor se revele contrário aos termos claros do acto de direito derivado a que diz respeito, ou com eles incompatível. Este aspecto não precisa, ao que nos parece, de mais amplo desenvolvimento.

26. 

Um terceiro limite decorre do respeito obrigatório, no direito institucional comunitário, das formas exigidas pelos tratados para a elaboração e adopção dos actos de direito derivado. Traduz-se na impossibilidade, para o Conselho, de completar, por intermédio de uma declaração constante das suas actas, as disposições de um acto de direito derivado. Tal declaração não pode, com efeito, constituir uma forma de legislação paralela. Ora, na realidade seria essa a situação a que se chegaria caso se admitisse que o conteúdo de tal declaração pudesse acrescer às disposições de um regulamento ou directiva, ou preencher uma sua lacuna, se se aceitasse que pudesse constar das actas do Conselho a regulamentação que ele se absteve de inserir no próprio acto normativo. O que deve ser objecto de regulamentação terá de constar do acto adoptado, devendo ter sido elaborado nos termos das regras formais exigidas para adopção desse acto na matéria em causa. Caso contrário, estar-se-ia a permitir que o Conselho legislasse numa matéria parcialmente de acordo com as formas exigidas para a válida adopção de um regulamento ou directiva, incontestavelmente sujeitas a uma fiscalização de legalidade, e parcialmente preterindo-as, contentando-se em inserir uma declaração nas suas actas. Isto parece-nos tanto menos admissível quanto estas são em princípio secretas, só o Conselho podendo autorizar a sua apresentação aos órgãos jurisdicionais nacionais.

27. 

Chegamos assim à conclusão de que uma declaração do Conselho constante das suas actas apenas pode servir de referência para a interpretação de disposições contidas num acto de direito derivado cuja elaboração ou adopção a suscitaram, na medida em que se trate de esclarecer o sentido dessas disposições, por hipótese ambíguo ou equívoco. Não pode, pelo contrário, servir para preencher lacunas dessas disposições. Deve acrescentar-se ainda, para se ter em conta o referido acórdão Vincent Auer, que essa declaração não pode servir de única referência, devendo ser conjugada com outras, no sentido de se verificar se confirma a interpretação decorrente, para além dela, do teor das disposições em causa e do respectivo contexto.

28. 

Analisada sob este ângulo, não nos parece que a declaração a que se refere a segunda questão do órgão jurisdicional a quo possa fornecer a menor referência útil para a determinação da medida em que o direito comunitário consagra, em benefício do nacional comunitário que procura emprego no território de outro Estado-membro, um direito de nele residir. Com efeito, quanto ao princípio de um direito de residência, a declaração ou significa que, pela fixação de um prazo de três meses, os Estados-membros pretenderam implicitamente reconhecer esse direito, o que mais não faz do que confirmar o que deixou de ser passível de dúvidas depois dos já referidos acórdãos Royer e Levin, ou significa que os Estados-membros apenas pretenderam criar uma mera tolerância, o que parece incompatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Quanto às modalidades da residência, tal como as concebe a declaração, deve referir-se que em nada vêm precisar as decisões da Directiva 68/360, que não comporta qualquer modalidade dessa residência. Com efeito, a declaração configura — ou, antes, tende a configurar — um regime jurídico exaustivo da residência em causa, preenchendo uma lacuna da regulamentação comunitária que, nem nos tratados nem no direito derivado, prevê qualquer prazo ou limitação atinente à assunção de encargos financeiros a título da assistência pública. Esta forma de «legislação paralela», por via de declaração constante das actas, não pode ser levada em consideração, nem sequer a título de interpretação. Assim, entendemos dever responder-se à segunda questão prejudicial dizendo que a declaração em causa não pode ser tomada em consideração para efeitos de determinar as condições em que um nacional comunitário pode residir num Estado-membro onde procura emprego.

29. 

Na impossibilidade de nos referirmos a essa declaração, deve notar-se que, mesmo depois de se ter recorrido aos meios de interpretação, nenhuma disposição de direito comunitário pode ser tida como regulando as modalidades de direito de residência reconhecido, enquanto princípio, pela jurisprudência dq Tribunal de Justiça. Terá então de se concluir que esta situação confere aos Estados-membros a plena faculdade de regularem, no seu território, naquilo que a cada um diz respeito, as modalidades em causa? Uma resposta negativa, parece decorrer, sem margem para dúvidas, da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em matéria de livre circulação dos trabalhadores, o Tribunal referiu, com efeito, desde o acórdão de 19 de Março de 1964, Unger ( 26 ), que as expressões «trabalhadores» e «actividade assalariada» não podem ser definidas por remissão para as legislações dos Estados-membros, tendo pelo contrário um alcance comunitário, e recordou essa posição no acórdão Levin, esclarecendo que:

«A não ser assim, as normas comunitárias relativas à livre circulação dos trabalhadores seriam postas em causa, pois o conteúdo dos seus termos poderia ser unilateralmente fixado e modificado, sem controlo das instituições comunitárias, pelas legislações nacionais, que teriam assim a possibilidade de excluir, conforme entendessem, certas categorias de pessoas do benefício do Tratado ( 27 ).»

Ora, admitir no presente processo que as legislações nacionais têm plena latitude para determinar as modalidades da residência significaria, em definitivo, atribuir-lhes a incumbência de definir o próprio conteúdo do estatuto, do nacional comunitário que procura emprego no território de outro Estado-membro, conteúdo esse susceptível, como é evidente, de variar consideravelmente de país para país. A partir do momento em que o prazo a partir do qual deixaria de ser possível invocar a qualidade de nacional comunitário que procura emprego, na acepção do regime de livre circulação dos trabalhadores, passasse a ser definido por cada Estado-membro, pessoas em situações idênticas poderiam vir a ser objecto de tratamentos diferentes quanto ao gozo dos direito atribuídos nos termos dessa livre circulação, quer dizer, haveria uma variação de um Estado-membro para outro do âmbito de aplicação radone personae das normas comunitárias na matéria, situação essa que a jurisprudência do Tribunal de Justiça proíbe. O facto de, como foi referido na audiência, determinado número de Estados-membros aplicar o mesmo prazo mínimo de três meses, respeitando assim o acordo político consignado na declaração adoptada pelo Conselho, não modifica, a este respeito, a análise jurídica decorrente da jurisprudência do Tribunal. Além disso, parece-nos que a aplicação pelo Reino Unido de um prazo mínimo de seis meses ilustra perfeitamente os riscos por nós evocados quanto à não uniformidade do conteúdo do direito de residência, ainda que inscrito no contexto de uma liberdade fundamental, na acepção do Tratado, a de circulação dos trabalhadores. Não é, pois, de todo em todo admissível a remissão para os direitos nacionais na matéria que nos ocupa.

30. 

Poderá, assim sendo, na ausência de regulamentação comunitária e na impossibilidade de remeter para os direitos nacionais para efeitos da sua delimitação, entender-se que o direito de residência do nacional comunitário que procura emprego no território de outro Estado-membro é absolutamente ilimitado? Não nos parece que se possa admitir essa possibilidade, visto que essa solução seria geradora de incoerências no regime jurídico global da livre circulação dos trabalhadores. Como o Governo do Reino Unido sublinhou justificadamente, as disposições comunitárias não podem ter tido como objectivo, nem ter como resultado, atribuir maior número de direitos a quem jamais tenha exercido um emprego do que a quem exerça uma actividade temporária ou sazonal no Estado em causa. Ora, o n.° 3 do artigo 6.° da Directiva 68/360, já referida, dispõe que o direito de residência de um trabalhador que ocupa noutro Estado-membro um emprego durante um período superior a três meses e inferior a um ano pode ser limitado à duração prevista para o emprego. Do artigo 8.° do mesmo diploma decorrem também limitações para o direito de residência de determinadas categorias de trabalhadores, em função da natureza temporária ou sazonal do emprego. Nestas condições, parece difícil consagrar um direito de residência, sem qualquer tipo de limite, em favor de quem não tenha qualquer emprego.

31. 

Chegamos assim à constatação de que é necessária uma qualquer limitação ao direito de residência do nacional comunitário que procura emprego. Mas como encontrar essa limitação? Será admissível que o próprio Tribunal de Justiça fixe o limite de tempo máximo para além do qual um nacional comunitário que não tenha ainda encontrado emprego no território de outro Estado-membro deixe de poder prevalecer-se do direito de nele residir? Pondo imediatamente de parte a hipótese da fixação de um prazo ex nibilo, que é da competência do legislador, cabe perguntar se a solução não pode ser encontrada na posição adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz ( 28 ). Interrogado sobre os efeitos do atraso da Comissão em tomar posição relativamente aos projectos de auxílio que lhe são notificados ou em iniciar o processo de declaração da sua incompatibilidade com o mercado comum, ou da omissão dessa intervenção, no âmbito da fiscalização preventiva dos auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça foi conduzido a recordar que, nos termos do artigo 93.° do Tratado, a Comissão devia ser informada dos projectos de auxílio «em tempo útil para que possa apresentar as suas observações» e que, caso entendesse que um projecto não é compatível com o mercado comum, deveria iniciar «sem demora» um processo contraditório, não podendo o Estado-membro interessado dar execução às medidas projectadas antes de esse processo ter uma decisão final. O Tribunal observou em seguida que, embora os diplomas legais visassem conferir à Comissão um prazo útil para tomar posição sobre os projectos de auxílio, não tinha havido fixação desse prazo por via de regulamento. O Tribunal declarou então que os Estados-membros não podiam, contudo, pôr fim unilateralmente à fase preliminar necessária à Comissão para cumprir a sua missão, mas que se não podia também entender que a Comissão agira com a devida diligência caso não tomasse posição num prazo razoável, antes de concluir ser adequado «inspirar-se nos artigos 173.° e 175.° do Tratado que, aplicando-se a situações comparáveis, prevêem um prazo de dois meses» ( 29 ), e que, decorrido esse prazo, o Estado-membro em causa podia dar execução ao projecto após ter dado um pré-aviso à Comissão.

32. 

No presente processo, contudo, a aplicação de um raciocínio análogo encontraria uma dificuldade intransponível, decorrente da inexistência de uma situação claramente comparável susceptível de servir de inspiração, como o prazo dos artigos 173.° e 175.°, para a fixação de um prazo razoável imposto à Comissão nos termos do artigo 93.° O direito de residência de um nacional de um Estado-membro que procura emprego noutro Estado-membro não se presta facilmente a comparações úteis no direito comunitário. Disso constitui boa ilustração a referência, sugerida pelo Reino Unido, ao prazo de três meses previsto no artigo 69.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 ( 30 ). Com efeito, não se descortina verdadeiramente qualquer similitude, ou mesmo analogia, entre a regra editada por esta disposição, que impõe a manutenção durante três meses das prestações em matéria de desemprego devidas por força da legislação de um Estado-membro a quem se desloque a outro Estado-membro para aí procurar emprego, e o limite a aplicar ao direito de residência de quem procura emprego no território de outro Estado-membro. Não descortinamos a relação necessária, no plano jurídico, entre o direito às prestações de desemprego no Estado-membro de origem e o direito de residência no Estado-membro de acolhimento. Sublinhe-se, de passagem, que o direito de residência em causa pode perfeitamente beneficiar quem não tenha direito a prestações de desemprego no Estado de origem, por exemplo por se encontrar à procura do primeiro emprego. Além disso, também não parece que o prazo de três meses referido no n.° 1, alínea a), do artigo 8.° da Directiva 68/360, igualmente invocado pelo Reino Unido, possa constituir referência mais convincente. Não cremos que o facto de se saber que os Estados-membros reconhecem o direito de residência, sem emissão do cartão de residência, aos trabalhadores que exerçam uma actividade assalariada com duração prevista não superior a três meses possa fornecer suporte lógico para uma solução que pretenda que quem procure emprego há três meses e um dia no território de outro Estado-membro deixa de nele beneficiar do direito de residência.

33. 

Acrescente-se que nos parece difícil acolher a referência ao prazo de três meses que figura na declaração constante da acta do Conselho. Com efeito, para além da incoerência que consistiria em atribuir, infine, a essa declaração um alcance jurídico que anteriormente dissemos não nos parecer existir, será necessário ter em conta que, mesmo no plano dos meros dados de facto, o prazo em causa pode dar lugar a controvérsia. Será adequado reportarmo-nos a um prazo previsto por seis Estados-membros em 1968 quando, na Europa alargada do final dos anos 80, o mercado de trabalho apresenta diferenças significativas relativamente ao do final dos anos 60? A duração média da procura da emprego aumentou muito provavelmente entre 1968 e o presente. Atermo-nos ao prazo de três meses tido em conta pelos Estados-membros em 1968 levaria a desprezar esta realidade. Por nossa parte, não podemos decidir-nos a fazê-lo.

34. 

Verifica-se, pois, não existirem referências incontestáveis que permitam consagrar uma noção de prazo razoável sem deixar totalmente aos Estados-membros a tarefa de o precisar. É certo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem também invocado prazos razoáveis não acompanhados de precisões baseadas em comparações com prazos regular e expressamente estabelecidos. Assim, no acórdão de 7 de Julho de 1976, Watson e Beimann, o Tribunal referiu, quanto ao prazo para a declaração de entrada dos nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro, que

«as disposições do Tratado apenas seriam violadas no caso de o prazo não ser fixado dentro de limites razoáveis» ( 31 ).

Mas tratando-se, como sucede no caso vertente, da questão de saber se alguém beneficia ou não do direito de residência previsto, enquanto princípio, pelo direito comunitario, e não, como no citado acórdão, de saber em que medida pode ser dada execução, nos termos de uma legislação nacional, a modalidades de exercício que não põem directamente em causa um direito de residência atribuído pelo Tratado, parecem-nos excessivos os inconvenientes jurídicos de uma remissão para limites cuja razoabilidade resulta mais de um desejo do que de uma definição. Tratar-se-ia, com efeito, de deixar, de forma mal disfarçada, ao legislador nacional o cuidado de fixar o alcance do direito de residência de quem procura emprego e de voltar assim costas às posições assumidas pelo Tribunal de Justiça quanto à necessidade de uma definição comunitária do âmbito de aplicação das normas relativas à livre circulação dos trabalhadores.

35. 

É verdade que, ao reservar para si a fiscalização da natureza não desrazoável dos prazos impostos pelas legislações nacionais, poder parecer que o Tribunal de Justiça não deixa pura e simplesmente aos Estados-membros a determinação do alcance do direito de residência em causa. Existiria, dessa forma, um enquadramento comunitário* mínimo da fixação dos prazos nacionais. Tal solução não representaria, contudo, mais do que uma ligeira atenuação, e a posteriori, uma remissão para os direitos nacionais, contestável enquanto princípio. Na medida do possível, o Tribunal de Justiça deve possibilitar, pelas suas interpretações, que as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais situem, com certeza e segurança, as garantias do direito comunitário. Devem evitar-se, tanto quanto possível, interpretações que levem a longas hesitações, pois é evidente que se traduziriam em alterações duradouras da uniformidade que deve presidir à aplicação do direito comunitário.

36. 

É, pois, legítimo perguntar se a única solução, ao mesmo tempo admissível pelo estado actual das disposições do direito comunitário e justificada pela atenção que se deve prestar à evolução do mercado do emprego no decurso dos dois últimos decénios, não consistiria na adopção de uma concepção realista do limite do direito de residência. Não poderia, com efeito, admitir-se que esse direito fosse reconhecido ao nacional comunitário que procura emprego no território de outro Estado-membro enquanto ele se dedique a essa tarefa de forma activa e com constância e seriedades Nesta óptica, a falta reiterada de disponibilidade para as ofertas feitas ao interessado e que correspondam às suas aptidões pessoais e à qualificação seria, por exemplo, susceptível de ser tomada em consideração pelas autoridades nacionais para o convidar a abandonar o território, sem que o facto de ele ter direito, nos termos da legislação do Estado-membro de acolhimento, à assistência pública possa justificar essa medida, independentemente das considerações atinentes à inexistência de efectiva procura de emprego.

37. 

A orientação que acabámos de esboçar está, em certa medida, de harmonia com a instituída pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, ilustrada pelos acórdãos Levin, já referido, e Kempf ( 32 ), bem como pela recente decisão de 31 de Maio de 1989 no processo Bettray ( 33 ), em que o Tribunal salientou, para definição do âmbito de aplicação das normas relativas à livre circulação dos trabalhadores, que elas apenas abrangem o exercício de actividades reais e efectivas. Ao fazê-lo, o Tribunal de Justiça está efectivamente a convidar as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais a procederem a um exame concreto da realidade das actividades levadas a cabo por quem invoca o benefício da situação de trabalhador. Haveria, de certa forma, no domínio da procura de emprego, que ligar o direito de residência à procura «real e efectiva de uma actividade real e efectiva». Existirão outros obstáculos sérios à consagração desta análise?

38. 

O primeiro em que se pensa baseia-se no risco de pessoas se deslocarem para o território de outro Estado-membro para, sob a aparência de uma procura de emprego efectivamente pouco activa, nele beneficiarem das prestações sociais previstas na legislação deste Estado. Diga-se desde já que nos parece que este risco é bastante reduzido. Com efeito, no acórdão Lebon, de 18 de Junho de 1987, o Tribunal de Justiça parece ter delimitado claramente o alcance do princípio da igualdade dos trabalhadores migrantes e nacionais quanto às vantagens sociais, ao precisar que essa igualdade de tratamento, estabelecida pelo n.° 2 do artigo do Regulamento n.° 1612/68, apenas aproveita «aos trabalhadores e não aos nacionais de Estados-membros que se desloquem para procurar emprego» ( 34 ). Isto parece significar que quem procura emprego, ainda que autorizado nos termos da livre circulação dos trabalhadores a aceder ao território de outro Estado-membro e a nele residir, não pode prevalecer-se da igualdade de tratamento quanto aos benefícios sociais consagrada no âmbito dessa liberdade. Da mesma forma, mesmo tendo em conta uma tendência recente para atribuir um alcance extensivo à noção de âmbito de aplicação do Tratado CEE e, por via de consequência, ao efeito do princípio da não discriminação instituído no artigo  ( 35 ), não parece que, no estado actual do direito comunitário, quem procura emprego no território de outro Estado-membro possa invocar, nos termos desse direito, uma igualdade de tratamento quanto aos benefícios sociais previstos na legislação desse Estado. Assim sendo, não cremos que a eventualidade, no âmbito dos benefícios sociais, de um abuso de residência prolongada no território de um Estado-membro possa ser determinante para a solução a adoptar no presente processo.

39. 

Deve acrescentar-se que a execução pelas autoridades nacionais da fiscalização da procura séria, efectiva e constante de um emprego deveria, em qualquer caso, permitir detectar as pessoas que não procuram verdadeiramente um emprego. Essas pessoas não poderiam então, saliente-se, prevalecer-se de um direito de residência, mesmo que tenham chegado há pouco tempo ao território do Estado-membro de acolhimento, nem, por consequência, abusar de benefícios sociais resultantes do direito nacional.

40. 

É evidente que não escondemos o que pode existir de inconveniente, do ponto de vista da simplicidade das medidas a executar na prática, em acolher uma solução que implica o exame concreto da situação do nacional comunitário em causa, em vez de — uma solução formal «fixa», baseada na mera expiração de um prazo. Será, contudo, necessário atender a que tais controlos não constituiriam uma total inovação para as administrações nacionais. Com efeito, as legislações que estabelecem prestações em caso de desemprego fazem depender, na maioria dos casos, a sua manutenção da efectiva procura de emprego, instituindo, a esse respeito, medidas de controlo. Tal controlo é, aliás, referido no n.° 1, alínea b), do artigo 69.° do Regulamento n.° 1408/71.

41. 

Assim, entendemos que, ainda que implique por parte das autoridades nacionais maior esforço do que o decorrente da leitura de um calendàrio, a solução de um direito de residência ligado à procura séria e efectiva de emprego não encontraria objecções sérias. Deverá ser preferida à que remete para a fixação, pelos Estados-membros, de um prazo razoável, de que o Tribunal de Justiça teria um certo controlo através do reenvio pelos órgãos jurisdicionais nacionais? Parece-nos que sim. Com efeito, estamos convencidos de que, na ausência de uma regulamentação comunitária da residência na hipótese de procura de emprego no território de outro Estado-membro, a via realista é a que se afasta o menos possível do estado actual do direito comunitário, em especial se tivermos em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à natureza necessariamente comunitária das noções que determinam o âmbito de aplicação da livre circulação dos trabalhadores. Além disso, esta solução apresenta a vantagem, não desprezível a nosso ver, de não ser indiferente à realidade do mercado de emprego do Estado-membro de acolhimento. Assim sendo, somos conduzidos a sugerir que o Tribunal de Justiça adopte esta via.

42. 

Antes de terminarmos estas conclusões, necessário é referir determinados desenvolvimentos legislativos recentes em matéria de direito de residência dos nacionais de um Estado-membro noutro Estado-membro. Em 28 de Junho de 1990, o Conselho adoptou três directivas relativas, respectivamente, ao «direito de residência» ( 36 ), ao «direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua actividade profissional» ( 37 ), e ao «direito de residência dos estudantes» ( 38 ). A primeira determina que os Estados-membros concederão o direito de residência aos nacionais comunitários que não beneficiem desse direito por força de outras disposições de direito comunitário, na condição de disporem de um seguro de doença e de recursos suficientes. A validade do cartão de residência concedido a esses nacionais pode ser limitada a um prazo de cinco anos renovável, podendo os Estados-membros, se o considerarem necessário, solicitar a revalidação do cartão no termo dos dois primeiros anos de residência. As outras duas directivas fazem depender também o direito que instituem a uma condição de recursos suficientes, para se não tornarem uma «sobrecarga para a assistência social do Estado-membro de acolhimento». A data fixada para os Estados-membros darem cumprimento a estas directivas é 30 de Junho de 1992. Refira-se, também, que a primeira directiva concede um direito de residência de duração apreciável, sem que seja necessário provar a existência de uma actividade económica. Além disso, saliente-se que as três directivas fazem da existência de recursos suficientes uma condição sine qua non do direito de residência.

43. 

Não nos parece possível a partir desta última posição do Conselho, relativa a três categorias específicas de nacionais comunitários, fazer um juízo sobre as condições colocadas pelo direito comunitário relativamente a outra categoria, a das pessoas que procuram emprego. É certo que, relativamente a estas, a declaração adoptada pelo Conselho em 15 de Outubro de 1968 referia, pelo menos implicitamente, uma condição de recursos suficientes. Já vimos, contudo, que tal declaração não pode ser tomada em consideração para efeitos de interpretação do direito comunitário, no que se refere ao direito de residência controvertido no presente processo. Não divisamos qualquer motivo de ordem jurídica para introduzir, desta vez à luz das directivas de 28 de Junho de 1990, uma condição de recursos suficientes relativamente a nacionais comunitários cujas modalidades de direito de residência o Conselho se absteve de regulamentar até ao presente. De resto, o enunciado jurisprudencial de uma condição nos termos da qual quem procura emprego deve dispor de recursos suficientes para não ficar a cargo da assistência social do Estado-membro de acolhimento não deixaria de colocar problemas de conciliação com a declaração contida no acórdão Kempf, já referido, segundo o qual o alcance comunitário das noções que delimitam a extensão do âmbito de aplicação da livre circulação dos trabalhadores ficaria comprometido se o gozo dos direitos atribuídos ao abrigo dessa livre circulação fosse «excluído a partir do momento em que o interessado recorre a prestações a cargo dos fundos públicos, concedidos ao abrigo da legislação nacional do Estado de acolhimento» ( 39 ). Desta forma, não nos parece que as recentes directivas do Conselho em matéria de direito de residência possam justificar uma modificação da orientação das nossas conclusões.

44. 

Em definitivo, sugerimos que o Tribunal de Justiça declare que:

«1)

O nacional de um Estado-membro que procure emprego no território de outro Estado-membro beneficia, ao abrigo da livre circulação dos trabalhadores, do direito de aí residir enquanto essa procura se revelar efectiva e séria, não podendo as autoridades do Estado-membro de acolhimento opor-lhe o mero decurso de um prazo previsto pela lei nacional para o convidar a abandonar o território sem ter verificado que ele deixou efectivamente de procurar emprego.

2)

A declaração adoptada pelo Conselho em 15 de Outubro de 1968 não pode fornecer elementos susceptíveis de serem tomados em consideração pelo órgão jurisdicional nacional para determinar as modalidades do direito de residência referido no número anterior.»


( *1 ) Língua original: francês.

( 1 ) Artigo 48.°, n.° 3, do Tratado CEE.

( 2 ) Para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 56, p. 850; EE 05 FI p. 36).

( 3 ) Directiva de 15 de Outubro de 1968 relativa à supressão das restrições å deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 FI p. 88).

( 4 ) Artigo 49.do Tratado CEE.

( 5 ) Regulamento relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77).

( 6 ) Ver nota 3.

( 7 ) 48/75, Recueil, p. 497.

( 8 ) N.31, sublinhado nosso.

( 9 ) 53/81, Recueil, p. 1035.

( 10 ) N.° 9, sublinhado nosso.

( 11 ) Recueil 1982, p. 1043.

( 12 ) Já referido.

( 13 ) Acórdão de 18 de Junho de 1987 (316/85, Calece, p. 2811).

( 14 ) Texto reproduzido em Waelbroeck, M., Louis, J. V., Vignes, D., Dewost, J. L., Amphoux, J., e Verges, J.: Le droit ae la Communauté économique européenne, vol. 9, parte «anexos», p. 20, ULB, 1979.

( 15 ) JO L 268, p. 1; EE 01 F3 p. 12.

( 16 ) 38/69, Recueil, p. 47.

( 17 ) N. 12.

( 18 ) 136/78, Recueil, p. 437.

( 19 ) 136/78, já referido, n.° 25.

( 20 ) 237/84, Colea., p. 1247.

( 21 ) Directiva relativa à aproximação das legislações dos Esta-dos-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferencia de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122).

( 22 ) 237/84, n.° 17.

( 23 ) 131/86, Colect., p. 905.

( 24 ) N.° 26.

( 25 ) N.° 27.

( 26 ) 75/63, Recueil, p. 347.

( 27 ) 53/81, já referido, n.° 11.

( 28 ) 120/73, Recueil, p. 1471.

( 29 ) N.° 4.

( 30 ) Regulamento do Conselho de 14 de Junho de 1971 relativo å aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98).

( 31 ) N.° 19 (118/75, Recueil, p. 1185), sublinhado ņosso; ver também acórdão de 12 de Dezembro de 1989, Lothar Messner, n.° 12 (C-265/88, Colect., p. 4209).

( 32 ) Acórdão de 3 de Junho de 1986 (139/85, Colect., p. 1741).

( 33 ) 344/87, Colecc, p. 1621.

( 34 ) N.° 3 (316/85, Colea., p. 2811,2832).

( 35 ) Ver acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Cowañ (186/87, Colect., p. 195).

( 36 ) Directiva 90/364/CEE (JO L 180, p. 26).

( 37 ) Directiva 90/365/CEE QO L 180, p. 28).

( 38 ) Directiva 90/366/CEE (JO L 180, p. 30).

( 39 ) 139/85, já referido, n.° 15.

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