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Document 61988CJ0304

    Acórdão do Tribunal de 5 de Julho de 1990.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
    Acção por incumprimento - Autorização de importação de animais vivos e carnes frescas provenientes de outros Estados-membros.
    Processo C-304/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-02801

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:284

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-304/88 ( *1 )

    I — Legislação nacional em causa e processo pré-contencioso

    A — Importações de animais vivos

    1.

    De acordo com o artigo 2.° do decreto ministerial belga de 28 de Julho de 1971, relativo à importação, trânsito, exportação e trocas comerciais de animais vivos e de determinados produtos de origem animal e vegetal entre os países do Benelux {Moniteur belge 1971, p. 13370), este aplica-se designadamente:

    aos solípedes das espécies domésticas,

    aos ovinos e caprinos,

    aos bovinos,

    às aves de capoeira, pintos do dia e ovos para chocar.

    2.

    O artigo 3.°, n.° 7, do mesmo decreto estabelece que «os animais ou os produtos a importar devem ser apresentados na fronteira exterior acompanhados de uma autorização de importação válida, se não tiver sido prevista uma autorização geral, e de um certificado de origem e de saúde válido».

    3.

    Por último, uma norma geral relativa aos diversos animais visados estabelece que «a importação definitiva... está sujeita a uma autorização prévia, emitida pelo (ou em nome do) Ministério da Agricultura» (ver o artigo 15.° para os solípedes de criação, de sela, de desporto e de competição, o artigo 20.° para os cavalos de abate, o artigo 23.° para os ovinos e caprinos vivos, o artigo 36.° para os bovinos e o artigo 64.° para as aves de capoeira).

    4.

    O decreto ministerial de 22 de Junho de 1965, relativo à importação, trânsito e exportação de animais vivos {Moniteur belge 1965, p. 10238), estabelece no artigo 5.° que «os animais das especies bovina e suína, bem como os solípedes de abate, apresentados para controlo sanitario na fronteira, devem ter sido identificados no país de origem por urna marca auricular rebitada onde esteja aposto um número de ordem».

    5.

    O artigo 6.° do mesmo decreto prevê que «o controlo sanitario comporta o exame clínico dos animais, a verificação da autenticidade dos certificados de origem e de saúde e do respectivo conteúdo, incluindo eventualmente a verificação da autorização de importação emitida pelo ministro da Agricultura...»

    B — Importações de carnes frescas

    6.

    Por decreto real de 16 de Junho de 1967{Moniteur belge 1967, p. 8120), o regulamento administrativo belga sobre a fiscalização sanitária dos animais domésticos foi modificado através da inclusão de um novo artigo 46.°-A, redigido da seguinte forma:

    «Sem prejuízo do disposto no decreto real de 12 de Março de 1965, relativo à importação de carnes, à entrada no país, mesmo em trânsito, de carnes frescas das espécies bovina, ovina, caprina e suína, de solípedes e de outras espécies de animais comestíveis, sejam ou não refrigeradas ou congeladas, e de caça abatida, qualquer que seja a apresentação, está subordinada a uma autorização especial concedida pelo ministro da Agricultura ou pelo funcionário em quem tenha sido delegada competência para o efeito.»

    C — O processo pré-contencioso

    7.

    Considerando que a exigência de uma autorização prévia de importação é contrária, no que se refere à importação de animais vivos, à Directiva 64/432/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas de fiscalização sanitária em matéria de comércio intracomunitário de animais das espécies bovina e suína (JO 121, p. 1977; EE 03 FI p. 77), e ao artigo 30.° do Tratado CEE e, no que se refere à importação de carnes frescas, à Directiva 64/433/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matéria de comércio intracomunitário de carne fresca (JO 121, p. 2012; EE 03 Fl p. 101), a Comissão, por carta de 13 de Dezembro de 1985, convidou o Governo belga a apresentar-lhe as suas observações, em conformidade com o artigo 169.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, no prazo de dois meses a contar da data de recepção da carta.

    8.

    Por carta de 14 de Abril de 1986, o Governo belga informou a Comissão de que tinha a intenção de manter a autorização prévia prevista para a importação de animais vivos, visto esta ser lícita, automaticamente emitida e desprovida de efeitos restritivos em relação às trocas comerciais; no que se refere à autorização exigida para a importação de carnes frescas, estava a ser elaborada uma modificação do decreto real de 16 de Junho de 1967 que iria no sentido das pretensões da Comissão.

    9.

    Em 9 de Março de 1987, a Comissão enviou ao Governo belga um parecer fundamentado, em conformidade com o artigo 169.°, primeiro parágrafo, do Tratado, em que lhe solicitava que adoptasse as medidas exigidas no prazo de um mês a contar da notificação do parecer. Por carta de 2 de Julho de 1987, o Governo belga tomou posição sobre o parecer, mantendo a opinião já expressa na sua carta de 14 de Abril de 1986.

    10.

    Não satisfeita com essa resposta, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento.

    II — Fase escrita do processo e pedidos das partes

    11.

    A petição da Comissão foi registada na Secretaria do Tribunal em 18 de Outubro de 1988.

    12.

    A fase escrita do processo teve uma tramitação regular. Com base no relatório do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    13.

    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    declarar que o Reino da Bélgica, ao submeter as importações de animais vivos e de carnes frescas provenientes de outros Estados-membros à exigência de uma autorização prévia, ainda que concedida automaticamente, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE e das directivas 64/432 e 64/433;

    condenar o Reino da Bélgica nas despesas.

    14.

    O Reino da Bélgica conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao pedido da Comissão na parte relativa às infracções ao artigo 30.° do Tratado CEE e à Directiva 64/432;

    condenar a Comissão nas despesas.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    A — Quanto à importação de bovinos e suínos

    15.

    A Comissão sustenta que a exigência de uma autorização prévia para a importação de bovinos e suínos é contrária à citada Directiva 64/432 do Conselho.

    16.

    Do sétimo considerando deste directiva resultaria claramente que a responsabilidade pelo respeito das exigências de ordem veterinária e sanitária impostas pela directiva incumbe ao Estado-membro exportador, que continua a assumi-la após a emissão do certificado previsto, até que os produtos cheguem ao seu destino, como o Tribunal declarou expressamente no seu acórdão de 23 de Janeiro de 1977, Bauhuis (46/76, Recueil, p. 5).

    17.

    Além disso, resultaria do acórdão de 15 de Dezembro de 1976, Simmenthal (35/76, Recueil, p. 1871), que o Estado-membro importador se deve limitar a um controlo do certificado emitido pelo Estado-membro exportador e a eventuais controlos por amostragem, sem prejuízo das competências que lhe são atribuídas nos termos da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 9.° da Directiva 64/432.

    18.

    A Comissão conclui que um sistema tão completo como este não permite a criação de autorizações de importação, ainda que automaticamente emitidas. O carácter completo da harmonização realizada pela Directiva 64/432 quanto às medidas que os Estados-membros importadores podem tomar foi aliás reconhecido pelo citado acórdão Simmenthal, de 15 de Dezembro de 1976.

    19.

    O Governo belga sublinha, a título preliminar, que a autorização de importação prevista pelo decreto ministerial de 28 de Julho de 1971 não acrescenta nenhuma medida de controlo sanitário ou qualquer diligência restritiva das trocas comerciais intracomunitárias à fiscalização prevista pela Directiva 64/432, pois a sua emissão não exige nenhuma formalidade de controlo. Por outro lado, o artigo 2.° da Directiva 81/389/CEE do Conselho impõe aos Estados-membros um controlo veterinário sistemático na fronteira, no que se refere aos animais vivos em transporte internacional. A verificação da autorização exigida ocorre ao mesmo tempo que o controlo previsto pela Directiva 81/389 e não coloca, portanto, qualquer entrave suplementar às trocas comerciais.

    20.

    Segundo o Reino da Bélgica, a autorização em questão prossegue um duplo objectivo. Em primeiro lugar, visa informar o importador de que a importação não é proibida pelas razões sanitárias que constam do artigo 9.° da Directiva 64/432. Em segundo lugar, constitui um documento de informação administrativa, na medida em que é possível, por seu intermédio: a) informar a autoridade de controlo da importação a efectuar; b) encontrar os animais após a sua importação com vista a submetê-los a determinadas intervenções sanitárias; c) fornecer ao importador algumas informações de caracter administrativo (posto fronteiriço de passagem, nome do veterinário incumbido do controlo, certificados impostos pela directiva, etc.) e recordar-lhe determinadas obrigações impostas pelo direito nacional.

    21.

    Daqui decorre que a autorização exigida permitiria suprir a falta de um sistema de informação harmonizado no âmbito da Directiva 64/432. A necessidade de pôr em prática um sistema desse tipo teria sido reconhecida pela Comissão no seu documento COM(88) 383 final (fundamentos, p. 5), que continha duas propostas de regulamentos do Conselho relativos aos controlos veterinários nas trocas comerciais intracomunitárias. Este documento revelaria igualmente que a Directiva 64/432 não regulamentou de forma exaustiva o comércio intracomunitário de bovinos e suínos vivos.

    22.

    O Governo belga afirma ainda que o artigo 7.° da Directiva 64/432 prevê expressamente, no seu n.° 1, determinadas derrogações a que podem recorrer os países destinatários, concedendo autorizações gerais ou limitadas a determinados casos, o que, de facto, é o mesmo que uma autorização individual.

    23.

    A Comissão assinala na réplica que a referência à Directiva 81/389 é irrelevante, visto esta não prever a emissão de autorizações prévias para a importação de animais.

    24.

    Quanto aos objectivos prosseguidos pela autorização exigida, sublinha que: a) é inútil informar o importador do seu direito de importar, visto ele já poder invocar esse direito nos termos da directiva; b) se as autoridades belgas pretendem dar ao importador ou recolher elas próprias determinadas informações, podem fazê-lo sem impor ao importador a obrigação de solicitar uma autorização.

    25.

    O Governo belga alega na tréplica que a referência à Directiva 81/389 é relevante, pois com ela pretende-se pôr em evidência que a verificação da autorização requerida não implica nenhum entrave para as trocas comerciais.

    26.

    Além disso, reitera o seu ponto de vista de que a autorização prevista tem por único objectivo colmatar a inexistência de um sistema de informação harmonizado.

    B — Sobre a importação de outros animais vivos, além de bovinos e suínos

    27.

    A Comissão sustenta que, no referente à importação de animais vivos não abrangidos pela Directiva 64/432, em especial os ovinos, caprinos, aves de capoeira e solípedes domésticos, a exigência de uma autorização prévia de importação é contrária ao artigo 30.° O facto de as autorizações em causa serem automaticamente emitidas não justifica, de forma alguma, a sua obrigatoriedade, pois podem potencialmente levantar entraves às trocas comerciais intracomunitárias.

    28.

    Esta medida não encontra justificação nos termos do artigo 36.°, porque é desproporcionada relativamente ao objectivo a atingir. Resulta da jurisprudência do Tribunal e, em especial, do acórdão de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, «leite UHT» (124/81, Recueil, p. 203), que um Estado-membro pode adoptar medidas menos restritivas que um regime de autorizações prévias de importação para proteger a saúde e a vida das pessoas e animais.

    29.

    O Governo belga afirma que a medida em litígio não cai sob a alçada do artigo 30.°, pois não é restritiva das trocas comerciais intracomunitárias.

    30.

    Recorda que a autorização exigida visa suprir a inexistência de um sistema de informação harmonizado, cuja necessidade teria sido reconhecida pela Comissão, mesmo para os produtos que não são objecto de medidas de harmonização. Esta conclusão resultaria do citado documento COM(88) 383 final.

    C — Sobre a importação de carnes frescas

    31.

    A Comissão considera que, no referente à importação de carnes frescas das espécies bovina, suína, ovina e caprina, bem como dos solípedes domésticos, a exigência de uma autorização prévia de importação é contrária à Directiva 64/433 do Conselho. Invoca, a este respeito, os argumentos deduzidos a propósito da Directiva 64/432, referidos supra nos n. os 16 a 18, bem como o acórdão de 6 de Outubro de 1983, Delhaize (2/82, 3/82 e 4/82, Recueil, p. 2973).

    32.

    O Governo belga não contesta este ponto de vista e assinala que o artigo 46.°-A do regulamento administrativo referente ao controlo sanitario dos animais domésticos será completado por uma disposição que suprimirá, no respeitante às trocas comerciais intracomunitárias de carnes frescas referidas no artigo 46.°-A, a exigência de uma autorização prévia de importação.

    C. N. Kakouris

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    5 de Julho de 1990 ( *1 )

    No processo C-304/88,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por René Barents, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do mesmo Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    contra

    Reino da Bélgica, representado por Jan Devadder, conselheiro adjunto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,

    demandado,

    que tem por objecto obter a declaração de que ao sujeitar as importações de animais vivos e de carnes frescas provenientes de outros Estados-membros a uma autorização prévia, ainda que concedida automaticamente, o Reino da Belgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE e das directivas do Conselho 64/432/CEE, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas de fiscalização sanitária em matéria de comércio intracomunitário de animais das espécies bovina e suína (JO 121, p. 1977; EE 03 FI p. 77) e 64/433/CEE, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matèria de comércio intracomunitário de carne fresca (JO 121, p. 2012; EE 03 FI p. 101),

    O TRIBUNAL,

    constituídos pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris e F. A. Schockweiler, presidentes de secção, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,

    advogado-geral : M. Darmon

    secretario: H. A. Rühi, administrador principal

    visto o relatório para audiencia,

    ouvidas as alegações dos representantes das partes na audiência de 21 de Fevereiro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 20 de Março de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Outubro de 1988, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção que tem por objecto obter a declaração de que ao sujeitar as importações de animais vivos e de carnes frescas provenientes de outros Estados-membros a uma autorização prévia, ainda que concedida automaticamente, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE e das directivas do Conselho 64/432, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas de fiscalização sanitária em matéria de comércio intracomunitário de animais das espécies bovina e suína (JO 121, p. 1977; EE 03 FI p. 77), e 64/433, de 26 de Junho de 1964, relativa a problemas sanitários em matèria de comércio intracomunitário de carne fresca (JO 121, p. 2012; EE 03 FI p. 101).

    2

    No que se refere às carnes frescas, a Comissão declarou na audiência que a autorização prevista tinha sido suprimida e que, portanto, desistia dessa acusação.

    3

    No que se refere aos animais vivos, resulta dos artigos 5.° e 6.° do decreto ministerial belga de 22 de Junho de 1965, relativo à importação, trânsito e exportação de animais vivos (Moniteur belge 1965, p. 10238), e dos artigos 2.°, 3.°, n.° 7, 15.°, 20.°, 23.°, 36.° e 64.° do decreto ministerial belga de 28 de Julho de 1971, relativo à importação, trànsito, exportação e trocas comerciais de animais vivos e de determinados produtos de origem animal e vegetal entre os países do Benelux (Moniteur belge 1971, p. 13370), que a importação de animais vivos das espécies bovina, suína, ovina e caprina, de solípedes domésticos e de aves de capoeira provenientes de outros Estados-membros está sujeita a uma autorização prévia, emitida pelo ministro da Agricultura.

    4

    Considerando que a exigência de uma autorização prévia de importação é contrária, no que se refere à importação de bovinos e suínos, à citada Directiva 64/432 do Conselho e, relativamente à importação de outros animais vivos, ao artigo 30.° do Tratado CEE, a Comissão, por carta de 13 de Dezembro de 1985, convidou o Governo belga a apresentar as suas observações.

    5

    Por carta de 14 de Abril de 1986, este último informou a Comissão de que tinha a intenção de manter a autorização prévia prevista para a importação de animais vivos, por ser lícita, visto ser automaticamente emitida e não ter qualquer efeito restritivo sobre as trocas comerciais.

    6

    Em 9 de Março de 1987, a Comissão enviou ao Governo belga um parecer fundamentado, no qual lhe solicitava que tomasse as medidas requeridas para pôr termo no prazo de um mês ao incumprimento que lhe era imputado. Na sua resposta de 2 de Julho de 1987, o Governo belga manteve a posição que tinha assumido na carta de 14 de Abril de 1986.

    7

    Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação do processo e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    Quanto à qualificação da autorização prévia de importação na perspectiva das disposições do Tratado CEE

    8

    O Governo belga sustenta, antes de mais, que a autorização prévia de importação não constitui uma medida restritiva, por ser concedida automaticamente.

    9

    Basta sublinhar, a este propósito, que um sistema de autorização é, em princípio, contrário ao artigo 30.° do Tratado CEE. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, esta disposição obsta à aplicação, nas relações intracomunitárias, de uma legislação nacional que mantenha a exigência, ainda que puramente formal, de licenças de importação ou de qualquer outro processo similar (acórdão de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, «leite UHT», 124/81, Recueil, p. 203).

    10

    O Governo belga alega, no entanto, que o sistema implementado prossegue um objectivo de informação em matéria sanitária. Designadamente, a autorização exigida permitiria ao importador saber que a importação não é proibida por razões sanitárias e às autoridades nacionais seguir o estado sanitário dos animais após a sua importação.

    11

    Quanto ao primeiro aspecto desta argumentação, convém observar que não é necessário informar o importador, através de uma autorização prévia de importação, de um direito que ele já sabe possuir ao abrigo do artigo 30.° do Tratado, dado que os bovinos e suínos a importar são acompanhados de um certificado sanitário emitido pelas autoridades do Estado-membro expedidor.

    12

    Quanto ao segundo aspecto, deve considerar-se que o argumento do Governo belga se destina a justificar o sistema de autorização prévia de importação face ao artigo 36.° do Tratado, segundo o qual são admitidas restrições à importação que se justifiquem, designadamente, por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais.

    13

    A este respeito, convém esclarecer que, ao contrário do que se passa em relação às trocas comerciais de outros animais vivos que ainda não são objecto de medidas de harmonização, as medidas de fiscalização sanitária relativas às trocas intracomunitárias de bovinos e suínos regulam-se pela citada Directiva 64/432 do Conselho. Ora, é de jurisprudência constante que não se justifica o recurso ao artigo 36.°, devendo as medidas de protecção passar a ser tomadas no quadro traçado pela directiva de harmonização, quando, em aplicação do artigo 100.° do Tratado, as directivas comunitárias prevejam a harmonização das medidas necessárias, designadamente, para garantir a protecção da saúde das pessoas e animais (ver acórdão de 20 de Setembro de 1988, Handelsonderneming Moormann, 190/87, Colect., p. 4689). Por conseguinte, a questão de saber se a autorização de importação prevista pela legislação belga pode ser objecto de uma derrogação deve ser examinada distinguindo-se consoante a autorização em questão incida sobre as importações de bovinos e suínos vivos ou sobre as importações de outros animais vivos.

    Sobre a importação de animais vivos, com excepção de bovinos e suínos

    14

    A este respeito, basta sublinhar que um sistema de autorização prévia de importação constitui uma medida desproporcionada para garantir a protecção da saúde e da vida das pessoas e animais. Com efeito, resulta do citado acórdão de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, que um Estado-membro pode adoptar medidas menos restritivas que um sistema de autorização prévia de importação para proteger esses interesses, limitando-se a recolher as informações que lhe sejam úteis, por exemplo, através de declarações subscritas pelos importadores, acompanhadas, eventualmente, de certificados adequados emitidos pelo Estado-membro expedidor.

    15

    Por conseguinte, a autorização exigida pela legislação belga para a importação de animais vivos, além de bovinos e suínos, não pode ser objecto de uma excepção ao abrigo do artigo 36.° do Tratado.

    Sobre a importação de bovinos e suínos

    16

    Convém sublinhar, a este respeito, que a Directiva 64/432 do Conselho realizou uma harmonização completa das medidas de fiscalização sanitária que os Estados-membros podem adoptar no quadro das trocas intracomunitárias de bovinos e suínos.

    17

    Esta harmonização foi, designadamente, efectuada pelo artigo 3.° da Directiva 64/432, que impõe aos Estados-membros a obrigação de assegurar o respeito por uma série de medidas sanitárias destinadas a garantir, designadamente, que os animais exportados não constituam uma fonte de propagação de doenças contagiosas. Com vista a fornecer às autoridades competentes dos Estados-membros destinatários a garantia de que os animais importados se encontram nas condições sanitárias previstas, o artigo 3.°, n.° 2, alínea h), da directiva exige que os animais sejam acompanhados de um certificado sanitário atestando a observância e o cumprimento dos controlos sanitários.

    18

    No que se refere, sobretudo, às medidas de que os Estados-membros importadores se podem prevalecer, convém assinalar que o artigo 6.° da directiva permite ao país destinatário proibir a entrada de animais no seu território se se tiver constatado, por ocasião de um exame praticado nos postos fronteiriços por um veterinário oficial, que esses animais se encontram, ou se suspeita que estejam, contaminados por uma doença sujeita a declaração obrigatória, ou que o disposto nos artigos 3.° e 4.° da directiva não foi observado. Além disso, de acordo como artigo 7.°, os países destinatários podem conceder autorizações gerais relativamente à entrada no seu território de bovinos que não preencham determinadas condições previstas no artigo 3.° da directiva. Por último, nos termos do artigo 9.° da directiva, em caso de aparição de uma doença epizootica ou de uma nova doença grave e contagiosa no Estado-membro expedidor, o Estado-membro destinatário pode, a título de medida de salvaguarda, proibir ou restringir temporariamente a importação de bovinos e suínos.

    19

    Em presença de um sistema tão completo, os Estados-membros destinatários não têm competência para tomar, no domínio abrangido pela directiva, outras medidas que não figurem na previsão exaustiva deste diploma.

    20

    O Governo belga sustenta que a harmonização realizada pela directiva näo é completa, porque não pôs a funcionar um sistema de informação harmonizado. A autorização exigida pela legislação belga, que, aliás, não teria o carácter de medida de controlo sanitário, visaria precisamente colmatar a inexistência de tal sistema de informação. De acordo com o Governo belga, o carácter incompleto da Directiva 64/432 a este respeito teria ficado em evidência nos fundamentos das duas propostas de regulamentos relativos aos controlos veterinários nas trocas comerciais intracomunitárias, que figuram no documento COM(88) 383 final, no qual a Comissão reconhecia a necessidade do «recurso a um sistema de informação mútuo» e do «desenvolvimento deste último».

    21

    A este respeito, convém observar, em primeiro lugar, que as propostas de regulamentos invocadas pelo Governo belga têm por premissa uma futura supressão total dos controlos veterinários na fronteira. Por conseguinte, essas propostas de regulamentos não visam harmonizar o sistema de informação que seria actualmente insuficiente, antes prevendo medidas adaptadas ao novo contexto proposto.

    22

    Convém sublinhar, em seguida, que o artigo 6.°, n.° 2, da directiva permite ao Estado-membro destinatário impor ao importador uma declaração prévia à importação, no prazo máximo de quarenta e oito horas. O Estado-membro destinatário pode, portanto, servir-se deste processo para acompanhar o estado sanitário dos animais após a sua importação.

    23

    Por conseguinte, a autorização exigida pela legislação belga para a importação de animais vivos das espécies bovina e suína não pode ser objecto de uma derrogação ao artigo 30.°

    24

    Do conjunto das considerações precedentes resulta que ao sujeitar as importações de animais vivos provenientes de outros Estados-membros a uma autorização prévia, ainda que concedida automaticamente, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE.

    Quanto às despesas

    25

    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo o Reino da Bélgica sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    decide :

     

    1)

    Ao sujeitar as importações de animais vivos provenientes de outros Estados-membros a uma autorização prévia, ainda que concedida automaticamente, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CEE.

     

    2)

    O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.

     

    Due

    Slynn

    Kakouris

    Schockweiler

    Mancini

    O'Higgins

    Rodríguez Iglesias

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 5 de Julho de 1990.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Lingua do processo: neerlandês.

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