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Document 61988CJ0303

    Acórdão do Tribunal de 21 de Março de 1991.
    República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios de Estado a empresas do sector têxtil/vestuário.
    Processo C-303/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-01433

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:136

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-303/88 ( *1 )

    I — Factos

    A decisão impugnada, tomada pela Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, declara, no seu artigo 1.°, que os auxílios no montante de 260,4 mil milhões de LIT concedidos entre 1983 e 1987 ao grupo ENI-Lanerossi, sob a forma de injecções de capital nas filiais que fabricam vestuário para homem, são ilegais, por terem sido concedidos em violação do disposto no n.° 3 do artigo 93.° do Tratado CEE, sendo também incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado. Nos termos do artigo 2.° da decisão, os referidos auxílios devem ser objecto de recuperação.

    A situação das filiais da ENI-Lanerossi

    Resulta dos considerandos da decisão que a empresa Lanerossi foi tomada, em 1962, pela holding estatal italiana Ente Nazionale Idrocarburi (a seguir «ENI») com o duplo objectivo de criar um grupo têxtil verticalmente integrado e resolver as dificuldades económicas e financeiras de algumas sociedades privadas que a Lanerossi tinha tomado para esse efeito. Os prejuízos que continuavam a sofrer quatro dessas filiais, Lanerossi confezioni, Intesa, Confezioni di filottrano e Confezioni monti (a seguir «filiais»), foram compensados pelo Governo italiano para lhes permitir prosseguir as suas actividades.

    Em 1979, a Comissão recebeu uma queixa da Associação Europeia da Indústria do Vestuário, que considerava que a compensação constante dos prejuízos de exploração podiam falsear o jogo da concorrência no mercado comum. Após exame, a Comissão considerou que as intervenções em questão deviam ser consideradas auxílios, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CEE. Por carta de 26 de Junho de 1980, comunicou que essas medidas só poderiam beneficiar de derrogação à regra da incompatibilidade referida no artigo 92.°, n.° 1, se o auxílio fosse'limitado no tempo e fizesse parte de um programa de reestruturação.

    Entre 1980 e 1982, os prejuízos registados pelas filiais ultrapassaram 150 mil milhões de LIT e o programa de reestruturação de 1983-1986 notificado à Comissão previa novas intervenções pelos poderes públicos. Por cartas de 20 de Maio e de 22 de Julho de 1983, a Comissão comunicou às autoridades italianas que não se opunha à concessão de auxílios até ao fim de 1982, tendo em conta a importância, no plano regional e social, das empresas em questão, mas que não poderia considerar compatível com o mercado comum qualquer novo auxílio a seu favor.

    Por carta de 2 de Novembro de 1983, o Governo italiano confirmou que não estava previsto qualquer auxílio do Estado a favor das filiais e que, considerando a direcção da ENI-Lanerossi impossível a reestruturação, o programa de reestruturação para 1983-1986 não seria aplicado.

    Em resposta, a Comissão, por carta de 7 de Dezembro de 1983, confirmou a posição expressa nas suas cartas de 20 de Maio e de 22 de Julho. Alertada pela imprensa do facto de as filiais continuarem em actividade, a Comissão pediu em seguida por diversas vezes ao Governo italiano que a informasse da situação real. Resulta de uma carta de 30 de Agosto de 1984 do Governo italiano que os prejuízos de exploração para o ano de 1983 (78 mil milhões de LIT) tinham sido compensados e que os prejuízos continuariam a ser compensados de futuro.

    Após exame, a Comissão considerou esses auxílios ilegais em virtude de não terem sido notificados. A Comissão considerou igualmente que eram contrários à sua decisão comunicada nas cartas de 20 de Maio e de 22 de Julho de 1983. Por conseguinte, iniciou o processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Tratado CEE e, por carta de 14 de Dezembro de 1984, notificou o Governo italiano para apresentar as suas observações.

    Nas observações apresentadas por carta de 28 de Maio de 1985, o Governo italiano dava conta dos esforços de viabilização feitos pelas quatro sociedades. Argumentou também que o direito italiano, que exige a compensação imediata dos prejuízos, tornou impossível a notificação nos termos do artigo 93.°, n.° 3.

    Entre 1985 e 1988, o Governo italiano forneceu, a pedido da Comissão, indicações quanto ao estado de adiantamento do novo programa de reestruturação e de reconversão. Resulta dessas indicações que os prejuízos foram compensados no montante de 56.8 mil milhões de LIT relativamente a 1984, 42,2 mil milhões relativamente a 1985, 45.9 mil milhões relativamente a 1986 e 37,5 mil milhões relativamente a 1987, montantes quase equivalentes aos volumes de negócios realizados pelas quatro empresas durante os referidos anos. Finalmente, por carta de 22 de Julho de 1988, o Governo italiano confirmou que a transferência das fábricas para o sector privado tinha terminado em Março de 1988 e que uma parte da produção havia sido reconvertida. A Comissão adoptou alguns dias mais tarde a decisão impugnada.

    A fimdamentação da decisão impugnada

    A Comissão fundamentou a sua decisão essencialmente da forma seguinte.

    As entradas de capital que compensaram os prejuízos das filiais prolongaram artificialmente a vida de fábricas não competitivas num sector já confrontado com graves problemas em virtude dos seus excessos de capacidade estruturais. A situação financeira e económica das empresas era tal que nenhum investidor privado teria agido como agiram a ENI-Lanerossi e o Governo italiano. Resulta daí que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, as contribuições de capital em causa constituem auxílios do Estado.

    Não tendo o Governo italiano notificado os auxílios em questão, os mesmos eram ilegais desde a sua aplicação. A Comissão tem razão para exigir a sua recuperação por via de reembolso porque são incompatíveis com o mercado comum.

    A indústria têxtil e do vestuário caracteriza-se por uma forte concorrência. A produção italiana representa 38,6 % da produção comunitária e as quatro filiais em questão representaram 2,5 % da produção italiana em 1983. Numa indústria largamente composta de pequenas empresas, as filiais distinguiam-se pela sua dimensão (3563 trabalhadores). Os auxílios concedidos, ao restabelecerem o equilíbrio financeiro das sociedades, reforçaram a sua posição em relação às sociedades concorrentes no mercado comum. Por isso, esses auxílios são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros e de falsear a concorrência favorecendo as sociedades beneficiárias, na acepção do artigo 92.°, n.° 1.

    Os auxílios também não podem beneficiar de uma das derrogações ao princípio da incompatibilidade enunciadas no artigo 92.°, n.° 3.

    Em primeiro lugar, quanto à derrogação prevista no n.° 3, alínea c), do artigo 92.°, a favor dos auxílios sectoriais, a Comissão lembra que os auxílios em questão estão sujeitos às condições que regem os auxílios à indústria têxtil e do vestuário. Segundo as orientações comunitárias de 1971 e 1977, os auxílios neste sector:

    devem melhorar a estrutura da indústria eliminando os excessos de capacidade e encorajando a reconversão das actividades marginais para outros sectores;

    não devem ser de longa duração e devem assegurar um nível de competitividade suficiente para garantir o êxito do beneficiário no mercado comum;

    devem ser destinados a operações específicas e não devem ser utilizados, de forma geral, para melhorar a situação financeira das fábricas;

    não devem afectar a concorrência e as trocas comerciais mais do que o necessário.

    Nenhuma destas orientações foi respeitada no caso dos autos.

    Da mesma forma, revestindo os auxílios em questão a natureza de um auxílio de emergência, deveriam respeitar as condições dos auxílios de emergência estabelecidas na carta que a Comissão dirigiu aos Estados-membros em 24 de Janeiro de 1979. Segundo essas condições, os auxílios de emergência:

    devem ter a forma de garantias de empréstimo ou de empréstimos a juro normal;

    só podem ser atribuídos durante o período necessário para elaborar medidas de reestruturação;

    não podem ter um efeito desfavorável na situação industrial de outros Estados-membros;

    devem ser previamente notificados à Comissão quando se trata de casos significativos.

    Também neste campo, o auxílio concedido às quatro filiais não preenchia as condições previstas.

    O Governo italiano tinha também argumentado que, após a transferência das empresas para o sector privado, apenas 45 % da capacidade de produção inicial (1983) ficaram no sector do vestuário para homem, encontrando-se por isso reduzida a pressão que pesava sobre esse sector. Contudo, não é certo que a capacidade de produção tenha realmente diminuído em 55 %, já que a redução da mão-de-obra pode ser compensada por uma melhor produtividade. Por outro lado, as reconversões fizeram-se para outros subsectores da indústria do têxtil e do vestuário, que também eram muito sensíveis.

    No que respeita ao artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) e c), relativo aos auxílios destinados a favorecer ou a promover o desenvolvimento regional, deve declarar-se que apenas algumas das zonas abrangidas têm um nível de vida muito baixo e sofrem de uma grave situação de subemprego, na acepção do artigo 92.°, n.° 3, alínea a). Mais genericamente, os auxílios nem implicaram investimentos novos nem garantiram o emprego. Não contribuíram, por isso, para promover o desenvolvimento económico das regiões abrangidas, na acepção do artigo 92.°, n.° 3.

    Finalmente, tendo em conta a gravidade da infracção e a importância dos auxílios concedidos, impõe-se a recuperação do montante total por via de reembolso.

    II — Tramitação processual

    O recurso da República Italiana foi registado na Secretaria do Tribunal em 18 de Outubro de 1988.

    Em 26 de Janeiro de 1989, o Governo italiano apresentou um pedido de medidas provisórias, destinado a obter a suspensão da execução do artigo 2.° da decisão em questão. Esse pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de 17 de Março de 1989.

    Por despacho de 15 de Março de 1989, o Tribunal admitiu o Governo espanhol como interveniente em apoio dos pedidos do Governo italiano. As observações do Governo espanhol foram apresentadas em 12 de Maio de 1989.

    O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Contudo dirigiu perguntas às partes.

    III — Pedidos das partes

    A recorrente, apoiada pelo interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    a título principal, anular toda e cada uma das partes da decisão impugnada da Comissão de 26 de Julho de 1988;

    a título subsidiário, anular o disposto no artigo 2° da citada decisão, respeitante à recuperação dos pretensos auxílios;

    condenar a recorrida nas despesas.

    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    julgar improcedente o recurso interposto pelo Governo da República Italiana contra a decisão da Comissão de 26 de Julho de 1988, tomada em conformidade com o artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CEE;

    condenar a República Italiana nas despesas.

    IV — Fundamentos e argumentos das partes

    1. A compensação dos prejuízos não pode ser considerada um «auxílio de Estado»

    O Governo italiano lembra que, de acordo com a Lei n.° 136, de 10 de Fevereiro de 1953, e com a Lei n.° 1539, de 22 de Dezembro de 1956, o ENI tem a aparência de uma holding plurisectorial que gere as participações em sociedades por acções regidas pelo direito privado, como a Lanerossi. Nos termos da lei de 1956, o ENI deve trabalhar segundo critérios de auto-suficiência de gestão, o que significa que a sua actividade deve alimentar-se dos seus próprios recursos, sem tocar no fundo de dotação inicial. Assim, em 1983, o fundo de dotação representava apenas 18,80 % do total do conjunto das suas disponibilidades financeiras. A título de fundo de dotação destinado ao conjunto do sector têxtil, sem indicação de sociedades, o ENI recebeu 45 mil milhões de LIT em 1983 e 76 mil milhões de LIT em 1985. Em 1986 e 1987, o ENI não recebeu fundos de dotação.

    A afirmação da Comissão contida no ponto IV da sua decisão, segundo a qual as intervenções do Estado italiano a favor da ENI-Lanerossi (associação que não existe) eram destinadas «expressa e especificamente» a compensar os prejuízos das filiais, é, por isso, falsa.

    A Comissão não provou que os recursos utilizados para compensar os prejuízos proviessem de fundos de dotação do ENI e, por conseguinte, que as contribuições de capital fossem abrangidas pela noção de auxílios de Estado.

    Mesmo que os recursos em questão tivessem provindo do fundo de dotação recebido pelo ENI em 1983 e 1985, a intervenção teria sido mínima porque esses fundos deveriam suprir as necessidades de todo o sector têxtil. Além disso, o fundo de dotação representava apenas 18,80 % dos recursos financeiros do ENI.

    O Governo italiano sustenta, citando o acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/França (290/83, Recueil, p. 439), que a Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75), quando fala em auxílios concedidos por intermédio de «empresas públicas» se refere exclusivamente aos organismos públicos ou privados instituídos ou designados pelo Estado para gerir os auxílios. Da mesma forma, o caso presente distingue-se dos citados pela Comissão no ponto XI da sua decisão [Decisão 85/380/CEE relativa ao regime francês de imposições parafiscais aplicáveis à indústria têxtil e do vestuário (JO L 217, p. 20); Decisão 85/305/CEE relativa ao regime de auxílios à indústria têxtil e do vestuário proposto pelo Reino Unido (JO L 155, p. 55); Decisão 84/564/CEE relativa ao regime belga de auxílios à indústria têxtil e do vestuário (JO L 312, p. 27)] bem como do processo Boussac (ver Decisão 87/585/CEE, JO L 352, p. 42), visto que os regimes em questão previam auxílios expressamente financiados através de recursos do Estado.

    A Comissão responde que a cobertura dos prejuízos foi efectuada pelo ENI que, para esse efeito, recebeu do Estado, entre 1983 e 1986, dotações de capital no montante de 3221 mil milhões de LIT e, além disso, beneficiou de empréstimos obrigacionistas no montante de 655 mil milhões LIT durante o mesmo período. Na sua opinião, a procura de uma relação específica entre as dotações pagas pelo Estado ao ENI para o sector têxtil e para as filiais não tem qualquer pertinência, porque resulta da jurisprudência do Tribunal (e designadamente do acórdão de 30 de Janeiro de 1985, já referido) que intervenções efectuadas através de um organismo, mesmo privado, cujas actividades estão sujeitas ao controlo do Estado podem ser qualificadas como auxílios. Além disso, a participação do Estado nas filiais, que não é contestada pelo Governo italiano, não podia ser outra coisa senão um auxílio de emergência quando as sociedades em questão registaram, entre 1983 e 1988, défices de exploração no montante de 260,4 mil milhões de LIT, o que ameaçava conduzi-las à falência.

    Na réplica, o Governo italiano contesta que o ENI tenha recebido dotações de capital, entre 1983 e 1986, com o objectivo de cobrir os prejuízos das quatro filiais. De facto, os prejuízos foram compensados, em grande parte, pelos recursos próprios do ENI.

    No que respeita ao acórdão no processo 290/83, citado pela Comissão em apoio dos seus argumentos, o Governo italiano esclarece que, nesse processo, que é muito semelhante ao caso dos autos, a Comissão admitiu que não se podia falar de auxílio do Estado, visto que os recursos provinham de um organismo privado.

    A Comissão, na tréplica, sustenta que a cobertura dos prejuízos (mesmo que fosse através de recursos integralmente próprios) pelo ENI, empresa pública, controlada a 100 % pelo Estado e que agiu segundo critérios políticos e não segundo critérios económicos de um investidor privado, só pode ser considerada como um auxílio. Invoca uma jurisprudência abundante e constante do Tribunal respeitante aos auxílios realizados indirectamente pelos Estados-membros, agindo através de organismos públicos ou privados, cujas actividades estão sujeitas ao controlo do Estado.

    Nas observações apresentadas em apoio da sua intervenção, o Governo espanhol sublinha que, embora o conceito de auxílio deva ter uma interpretação extensiva, isso não significa que qualquer participação do Estado no capital de uma empresa seja em si mesma contrária ao Tratado. Da mesma forma, resulta do acórdão do Tribunal de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, Recueil, p. 3809), que o pagamento de dívidas antigas, destinado a salvaguardar a existencia de uma empresa, não tem necessariamente por efeito alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. Por conseguinte, é necessário provar que a participação do ENI nas filiais falseia o mecanismo da concorrência e afecta as trocas comerciais entre os Estados-membros.

    Além disso, o Governo espanhol sustenta que a comunicação da Comissão sobre a participação das autoridades públicas no capital das empresas de 17 de Setembro de 1984, em que se baseia uma parte da decisão impugnada, tem apenas caracter indicativo e não pode alterar as regras de base em matéria de auxílios.

    2. Desigualdade de tratamento entre empresas públicas e empresas privadas

    O Governo italiano contesta a conclusão da Comissão segundo a qual nenhum investidor privado trabalhando nas condições normais de mercado teria coberto os prejuízos de exploração durante tanto tempo. Sublinha, a título preliminar, que o ENI e a Lanerossi não são entidades públicas, mas entidades económicas que funcionam segundo os princípios do mercado.

    Seguidamente, o Governo italiano faz a distinção entre um investidor privado e um empresário privado: enquanto o primeiro se move exclusivamente pela procura do lucro, o segundo prossegue uma estratégia mais completa a mais longo prazo a nível do grupo. Esta pode compreender, como no caso dos autos, transferências de recursos entre filiais. Toma em consideração tanto as exigências de caracter social como as exigências respeitantes à economia regional, bem como a perda de confiança que provocaria a falência de um membro do grupo.

    Segundo o Governo italiano, decorre do acórdão de 14 de Novembro de 1984, atrás referido, que, para apreciar se uma intervenção financeira do Estado teria sido feita por uma empresa privada, é preciso ter como pontos de referência não apenas a operação particular mas todas as operações efectuadas pelo empresário.

    Daí resulta que a decisão se traduz numa desigualdade de tratamento entre empresários públicos e privados. A fundamentação da Comissão é, aliás, inadequada porque não reflecte a complexidade real das situações dos grandes grupos industriais privados ou públicos.

    A Comissão sublinha que a razoabilidade do critério baseado no comportamento de um investidor privado foi confirmada pelo Tribunal no seu acórdão de 10 de Julho de 1986, no processo Meura (Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263), que teve contudo em conta a situação de um associado privado. A análise seguida pela Comissão na decisão ora impugnada está em conformidade com essa jurisprudência.

    Segundo o Governo espanhol, o artigo 90.° do Tratado CEE estabelece o princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e empresas privadas. Este princípio foi confirmado na comunicação da Comissão sobre a participação das autoridades públicas nos capitais das empresas de 17 de Setembro de 1984. As disposições do Tratado respeitantes à concorrência são aplicáveis sem olhar à natureza pública ou privada de uma empresa (sem prejuízo do disposto no artigo 9.°, n.° 2, que não está em questão no caso dos autos). Daí resulta que uma holding pública pode compensar os prejuízos de uma das suas empresas nas mesmas condições que uma holding privada, sem que isso seja considerado um auxílio do Estado. Com efeito, uma holding pública pode ter interesse em assegurar a sobrevivência de uma empresa deficitária através de injecções de capital proveniente de outras empresas do grupo.

    O Governo espanhol considera que é notório que as vendas a um preço inferior ao custo de produção (o que acarreta prejuízos) são por vezes necessárias para assegurar o crescimento dos lucros a longo prazo. Para estar em condições de praticar uma tal estratégia de preços, uma empresa deve poder contar com outras actividades, o que explica em parte a existência dos grupos de empresas. Por outro lado, a teoria financeira moderna demonstra que a falência ocasiona custos importantes: pode prejudicar a reputação do grupo e, assim, atentar contra a sua actividade económica. É por essa razão que os grupos privados preferem evitar declarações de falencia e desinvestir progressivamente. Devendo essa pràtica ser também admitida para os grupos públicos, o Governo espanhol aprova a tese da República Italiana no que respeita à necessidade de considerar as transferências financeiras efectuadas no seio do grupo ENI como uma prática normal das empresas.

    O Governo espanhol sustenta também que a aplicação do princípio da igualdade deve ter em conta as características específicas dos grupos públicos. Como estes compreendem frequentemente sociedades juridicamente independentes, a compensação dos prejuízos exige transferências financeiras entre as sociedades. Pelo contrário, quando várias actividades são exercidas no seio de uma única sociedade, as actividades não rendíveis podem ser compensadas por transferências internas e, por isso, invisíveis. Seria absurdo qualificar como auxílios do Estado as transferências entre sociedades (o que é mais frequentemente o caso dos grupos públicos) e não as transferências no interior de uma única e mesma sociedade pública.

    O critério que permite determinar se uma contribuição de capital deve ou não ser considerada um auxílio, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal e da prática da Comissão, é, na opinião do Governo espanhol, inexacto. Esse critério, o do investidor privado, abstrai de qualquer consideração de carácter social ou de política regional ou sectorial. Ora, o investidor privado, tal como o investidor público, toma em consideração numerosos factores e não se limita a avaliar o proveito económico imediato.

    Finalmente, a fundamentação da Comissão é ilegal na medida em que se baseia numa simples suposição. O ponto IV da decisão declara que «é improvável que as fábricas em questão tivessem podido» obter no mercado privado os capitais necessários para assegurar a sua sobrevivência. Na opinião do Governo espanhol, essa fundamentação é insuficiente, à luz do acórdão de 8 de Março de 1988, Exécutif regional wallon e Glaverbel/Comissão (62/87 e 72/87, Colect., p. 1573), no qual o Tribunal declarou que uma fundamentação baseada numa evidência deve ser considerada insuficiente.

    3. Outros argumentos respeitantes à compatibilidade do pretenso auxílio com o mercado comum

    a) Inexistência de prejuízo para as trocas comerciais e para a concorrência intracomunitária

    Na opinião do Governo italiano a fundamentação da decisão impugnada é, no que respeita a estes aspectos, inadequada.

    Resulta do acórdão de 13 de Março de 1985, Países Baixos e outros/Comissão (296/82 e 318/82, Recueil, p. 817), que o facto de não se indicarem os dados relativos aos fluxos de trocas comerciais dos produtos em questão entre os Estados-membros constitui falta de fundamentação. O Governo italiano observa, por outro lado, que a produção das filiais representava apenas 2,5 % da produção do sector em Itália, 0,33 % da exportação italiana e 0,11 % da exportação da CEE, o que não pode ter causado prejuízo à produção comunitária. Nos acórdãos de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão (234/84 e 40/85, Colect., p. 2263 e 2321), foram consideradas importantes para as trocas comunitárias quotas de exportação de 40 % e 70 %. O número de pessoas empregadas pelas filiais, indicado pela Comissão em apoio doś seus argumentos, prova apenas uma importância abstracta que não é concludente para apreciar o impacto da sua actividade no mercado comum.

    Além disso, a Comissão não provou que o aumento da produção italiana entre 1983 e 1987 fosse imputável ao Governo italiano.

    Finalmente, a própria regulamentação comunitária inclui, entre as operações susceptíveis de serem financiadas pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, a criação de novas empresas ou a adaptação das empresas existentes às potencialidades do mercado. O Governo italiano apoia-se, a esse respeito, no Regulamento (CEE) n.° 219/84 do Conselho, de 18 de Janeiro de 1984, que institui uma acção comunitária específica de desenvolvimento regional para contribuir para a eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento de novas actividades económicas em certas zonas afectadas pela reestruturação da indústria têxtil e do vestuário (JO L 27, p. 22; EE 14 Fl p. 80).

    A Comissão considera a sua decisão suficientemente fundamentada quanto a este aspecto.

    No que respeita ao volume das exportações das quatro filiais, a Comissão sustenta que a influência dessas exportações não pode ser relacionada com o quantitativo do seu volume, mas deve ser apreciada no âmbito de um mercado caracterizado por excesso de capacidade e por uma forte concorrência. A esse respeito, lembra que, no seu acórdão de 13 de Julho de 1988 no processo SEB (França/Comissão, 102/87, Colect., p. 4067), o Tribunal considerou que uma empresa que não participa por si própria nas exportações pode contudo falsear a concorrência porque a sua produção, mantida ou aumentada em virtude de um auxílio, diminui as oportunidades das empresas estabelecidas noutros Estados-membros de exportarem os seus produtos para o Estado-membro em questão.

    Na réplica, o Governo italiano observa que a Comissão não contesta os dados por ele aduzidos em apoio deste fundamento. Para este Governo, o montante das exportações continua determinante para apreciação da influência das exportações. O acórdão de 13 de Julho de 1988, citado pela Comissão, deve ser aplicado à situação concreta: sendo a contribuição das quatro filiais igual a 2,5 % da produção italiana, é impensável que a contribuição tenha podido concorrer para obstar às exportações dos outros Estados-membros para Itália.

    A este respeito, a Comissão observa na tréplica que, como resulta do acórdão do Tribunal de 11 de Novembro de 1987, França//Comissão (259/85, Colect., p. 4393), um auxílio de importância relativamente fraca pode alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum quando o sector em questão é caracterizado por uma viva concorrência e margens de lucro muito reduzidas.

    b) Desenvolvimento regional

    O Governo italiano não compreende por que razão uma empresa, para beneficiar da derrogação prevista no artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) ou c), deve ter todos os seus estabelecimentos em regiões economicamente deprimidas. Em todo o caso, duas das quatro filiais correspondem a essa exigência. Além disso, a província de Arezzo, região que a Comissão não considera economicamente deprimida, consta, no artigo 2.° do Regulamento n.° 219/84, já referido, entre as zonas susceptíveis de beneficiar do auxílio comunitário.

    c) As perspectivas de reestruturação/reconversão

    A Comissão reconhece, no início da sua decisão, que «com os anos e mediante um esforço de reestruturação considerável, algumas destas empresas voltaram a ser viáveis, tendo sido de novo transferidas para o sector privado».

    Para o Governo italiano, era este também o caso das filiais que foram objecto da decisão impugnada, tendo apenas sido mais longo o esforço de viabilização. A esse respeito, cita o artigo 3.°, n.° 6, do Regulamento n.° 219/84, que prevê um programa especial de intervenção com a duração de cinco anos, demonstrando assim que esse período é necessário para um processo de reconversão válido. Pelo contrário, a decisão, sem aduzir qualquer outra razão, tem por adquirido que a reconversão deveria ter-se processado num período breve.

    Em resposta às alíneas b) e c), a Comissão esclarece, a título preliminar, que nunca foi indiferente aos problemas sociais das zonas em que se encontram as quatro filiais. Foi por essa razão que não se opôs à concessão dos auxílios até ao fim de 1982, o que, aliás, resulta claramente da sua carta de 7 de Dezembro de 1983.

    Para a Comissão, o recurso ao Regulamento FEDER n.° 219/84 é totalmente injustificado. Este regulamento diz apenas respeito à reestruturação, que as próprias autoridades italianas julgaram impossível no caso das filiais. O regulamento não visa, portanto, simples auxílios de emergência que se destinam a assegurar a cobertura dos prejuízos sine die. Mais especificamente, nem as condições materiais referidas no artigo 4.° do regulamento atrás citado nem as regras de processo referidas no seu artigo 3.° foram respeitadas.

    Finalmente, a Comissão sublinha que, embora o regulamento preveja operações de reestruturação com uma duração de cinco anos, não se deve esquecer que as quatro filiais beneficiaram de intervenções públicas desde os anos 60.

    A esse respeito, o Governo italiano precisa, na réplica, que não exigiu a aplicação do Regulamento n.° 219/84, tendo-se limitado a tomá-lo como parâmetro para demonstrar a ilegalidade da pretensão da Comissão segundo a qual a reconversão deveria ter lugar «num breve período de tempo». A duração quinquenal deve ser encarada a partir de 1983, primeiro ano tomado em conta no processo administrativo, e não a partir dos anos 60.

    A Comissão responde que as quatro filiais beneficiaram de prazos muito mais longos que os cinco anos previstos pelo regulamento.

    d) Política sectorial

    O Governo italiano sustenta que a reconversão e a privatização das filiais contribuíram para realizar os objectivos prosseguidos pela política econômica europeia no sector da confecção para homem. Embora, na sua decisão, a Comissão reconheça que em consequência da reconversão as pressões que pesavam sobre a indústria de vestuário foram atenuadas, ela acusa contudo o Governo italiano de um pretenso aumento da pressão noutros sectores. Ora, como o Governo italiano já explicou [ver acima, alínea a)], as dificuldades desses outros sectores não podem ser-lhe imputadas.

    4. Violação do artigo 93.°, n.° 2, e do princípio da confiança legítima

    Aquando dos contactos entre a Comissão e o Governo italiano que começaram em 1983 e continuaram após a carta de notificação de 14 de Dezembro de 1984, o prolongamento dos prazos do processo e a atitude da Comissão geraram, na opinião do Governo italiano, a convicção razoável da legalidade dos auxílios. A este propósito, o Governo italiano cita o acórdão de 24 de Novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, Colect., p. 4617), no qual o Tribunal considerou, por um lado, que, ao deixar decorrer 26 meses antes de pôr fim ao processo, a Comissão tinha ultrapassado as regras da boa administração e, por outro lado, que, tendo o sector em questão beneficiado anteriormente de auxílios autorizados, o atraso da Comissão em adoptar a sua decisão gerara uma confiança legítima susceptível de impedir a Comissão de ordenar a recuperação do auxílio. No caso dos autos, a convicção sentida pelo Governo italiano foi reforçada pela inexistência de processo formal até Dezembro de 1984 e pelos termos do Regulamento n.° 219/84.

    A Comissão sustenta que um Estado-membro não deve poder invocar o princípio da confiança legítima quando ele próprio tenha provocado a situação criticada, violando o direito comunitário.

    A título subsidiário, a Comissão explica que, consciente das exigências que decorrem do acórdão de 24 de Novembro de 1987, atrás referido, dedicou um lugar importante na sua decisão às razões que a impediram de encerrar mais rapidamente o processo.

    De forma geral, o comportamento dilatório do Governo italiano, descrito na decisão impugnada, e a ausência de informações que resultava desse comportamento impediram a Comissão de adoptar uma decisão. Em especial, as informações relativas à reestruturação e à reconversão, recebidas no início do ano de 1988, eram determinantes porque poderiam ter levado a Comissão a autorizar os auxílios em questão. Além disso, a carta da Comissão de 7 de Dezembro de 1983 pôs claramente em evidência a sua posição negativa quanto a novas intervenções de natureza cautelar a favor das quatro filiais. Nessa mesma carta, a Comissão reservou-se expressamente o direito de iniciar os processos destinados a obter a restituição dos financiamentos.

    Seguidamente, a Comissão considera que as condições de incompatibilidade dos auxílios concedidos no sector têxtil são de notoriedade pública. Na sua opinião, não há que falar em confiança legítima; pelo contrário, considera que o Governo italiano faltou ao dever de cooperação leal, resultante do artigo 5.° do Tratado CEE.

    Na réplica, o Governo italiano sustenta que a excepção quanto à admissibilidade desta acusação, deduzida pela Comissão, não procede. A Comissão argumenta que um Estado-membro não pode invocar o princípio da confiança legítima quando ele próprio é culpado de violações do direito comunitário. Mas, na opinião do Governo italiano, a questão da culpabilidade do Estado-membro é precisamente uma questão de fundo e não de admissibilidade da acusação.

    Por outro lado, o Governo italiano não considera convincentes os argumentos da Comissão. Dispondo a Comissão, desde o fim de 1984, dos dados relativos ao exercício de 1983, ela podia ter adoptado uma decisão respeitante ao ano de 1983 sem esperar pelos números dos anos posteriores. Da mesma forma, teria sido possível adoptar uma decisão em 1986 relativamente aos anos de 1983-1985.

    Além disso, o Governo italiano considera-se apoiado no seu argumento pelo facto de a Comissão ter admitido que esperou até 1988 a fim de poder eventualmente autorizar os auxílios. Se a Comissão pensava, até ao momento da adopção da sua decisão, que a autorização não estava excluída, o Governo italiano podia razoavelmente alimentar também a mesma confiança.

    Finalmente, esta explicação do atraso retira, segundo o Governo italiano, qualquer fundamento à acusação da Comissão respeitante à violação do artigo 5.° do Tratado CEE.

    5. Violação do artigo 93.°, n.° 3: a pretensa inexistência de notificação

    O Governo italiano contesta que a falta de notificação das intervenções em questão as torne irremediavelmente ilegais.

    Entende, além disso, sem contestar os factos considerados pela Comissão, ter respeitado, em substância, o artigo 93.°, n.° 3. O Governo italiano considera que a Comissão foi informada em tempo útil para apresentar as suas observações. Tal como resulta da decisão impugnada, a Comissão acompanhou de muito perto a evolução da situação das filiais e recebeu diversos documentos do Governo italiano. Da mesma forma, a efectivação das intervenções antes da decisão da Comissão justifica-se pela inexistência de tomada de posição por parte da Comissão durante quatro anos. Como o facto de não se reconstituir o capital das filiais teria conduzido à sua liquidação, impunha-se à Comissão uma decisão urgente.

    A Comissão considera em primeiro lugar que a ilegalidade dos auxílios concedidos sem notificação ou autorização é definitiva e não pode ser sanada a posteriori, nem por ela mesma nem pelo Tribunal de Justiça.

    Seguidamente, não admite que os objectivos do artigo 93.°, n.° 3, tenham sido substancialmente realizados. A esse respeito, cita de novo a sua carta datada de 7 de Dezembro de 1983, na qual considerou, baseando-se nos esclarecimentos fornecidos pelo Governo italiano, que nenhuma intervenção estava prevista a favor das quatro filiais. Ora, tal como resulta da sua carta de notificação de 14 de Dezembro de 1984, foram apesar disso realizadas intervenções financeiras quer relativamente ao ano de 1983 quer relativamente ao ano de 1984. Todos os auxílios concedidos entre 1983 e 1987 foram pagos sem notificação prévia e a Comissão foi colocada perante o facto consumado.

    Finalmente, não cabe no direito comunitário a suposição de realização substancial dos objectivos prosseguidos pelo artigo 93.°, n.° 3, a não ser que as condições enunciadas no acórdão de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Recueil, p. 1471), estejam preenchidas, o que não é o caso.

    O Governo italiano, na réplica, declara existir uma incompatibilidade entre a afirmação da Comissão respeitante à ilegalidade definitiva de um auxílio não notificado e os argumentos que aduziu para explicar o atraso ocorrido no processo. Se, em 1988, existia ainda uma possibilidade de autorizar os auxílios, não se pode declarar agora uma ilegalidade definitiva. O facto de a Comissão ter esperado até ao fim de 1988 para tomar a sua decisão significa também, na opinião do Governo italiano, que a Comissão autorizou implicitamente o pagamento dos auxílios sem prejuízo de verificar o respectivo resultado.

    6. Violação do artigo 93.°, n.os 2 e 3, e do princípio da confiança legítima: a recuperação dos auxílios

    O Governo italiano sustenta que a recuperação dos pretensos auxílios é jurídica e objectivamente impossível. Não tem qualquer título para recuperar montantes que de forma alguma foram tomados em consideração nas condições de venda das filiais. Por outro lado, não tendo qualquer montante de proveniência estatal sido especialmente destinado às filiais, o Estado italiano não tem legitimidade para proceder à recuperação dos pretensos auxílios.

    Além disso, o Governo italiano lembra, a este respeito, os argumentos aduzidos em apoio do seu quarto fundamento e invoca o reconhecimento de uma confiança legítima susceptível de impedir a Comissão de ordenar a restituição de um auxílio.

    Em último lugar, o Governo italiano argumenta que a decisão de exigir a recuperação do auxílio implica o exercício de um poder de apreciação e deve, por isso, ser fundamentada. No caso dos autos, nenhuma das razões apresentadas pela Comissão (montante considerável dos auxílios; gravidade e extensão da infracção) justifica a ordem de recuperação. Essa ordem não pode ser considerada uma sanção; a ordem no caso dos autos está claramente em contradição com as acções comunitárias que visam a privatização do sector têxtil. Além disso, a decisão abstrai totalmente das consequências prováveis da recuperação, que, em caso extremo, aniquilaria o processo de reestruturação.

    No que respeita às críticas relativas à fundamentação, a Comissão remete para os termos do artigo 93.°, n.° 2, que contém uma obrigação de «suprimir» os auxílios ilegais. Por consequência, não é obrigada a fundamentar a ordem de recuperação.

    Quanto à existência de uma confiança legítima, a Comissão lembra que informou constantemente o Governo italiano do risco de ter de recuperar os auxílios (nomeadamente nas suas cartas de 7 de Dezembro de 1983 e de 14 de Dezembro de 1984). Além disso, o Governo italiano nunca contestou o princípio da supressão dos auxílios no decurso do processo administrativo instaurado em conformidade com o artigo 93.°

    No que respeita à impossibilidade da recuperação do auxílio, a Comissão tem dificuldade em acreditar que o grupo ENI-Lanerossi tenha violado as normas do Código Civil italiano ao esconder aos adquirentes das quatro filiais a existência de uma dívida de 260,4 mil milhões de LIT, que era, aliás, de notoriedade pública. A Comissão pediu, além disso, na sua carta de 7 de Dezembro de 1983, que o risco de restituição dos auxílios fosse levado ao conhecimento das quatro filiais.

    Na réplica, o Governo italiano menciona a dificuldade de determinar a identidade das pessoas obrigadas a executar a ordem de recuperação. Embora, na fundamentação da decisão, se fale nos «beneficiários» dos auxílios, na parte decisória faz-se referência ao grupo ENI-Lanerossi. Pelo contrário, resulta implicitamente da contestação que, na opinião da Comissão, a ordem de recuperação visava as filiais, enquanto, segundo um telex de 23 de Novembro de 1988, a mesma se referiu, aquando dos contactos com a representação governamental italiana, a um crédito sobre o ENI. Segundo o Governo italiano, esta incerteza quanto aos destinatários da ordem de recuperação é suficiente para a tornar ilegal.

    Além disso, o Governo italiano considera que não se pode acusar o grupo ENI-Lanerossi de não ter posto em evidência face aos compradores das quatro filiais uma dívida de 260,4 mil milhões de LIT quando a própria Comissão continuou até 1988 a admitir a possibilidade de autorizar o auxílio.

    Finalmente, o Governo italiano contesta que a Comissão não seja obrigada a fundamentar o exercício do seu poder de ordenar a recuperação dos auxílios. Na sua opinião, o termo «suprimir» não equivale a «recuperar a posteriori», o que se reflecte na carta de notificação da Comissão de 14 de Dezembro de 1984, na qual a Comissão lembrou que um auxílio ilegal «poderá» ser objecto de pedido de reembolso. Da mesma forma, na sua comunicação publicada em 24 de Novembro de 1983 (JO C 318, p. 3), a Comissão indica que qualquer beneficiário de um auxílio ilegal «poderá» ser obrigado a restituí-lo. Finalmente, no seu acórdão de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha (70/72, Recueil, p. 813), o Tribunal também decidiu que a supressão de um auxílio «pode implicar a obrigação» de exigir o seu reembolso.

    V — Perguntas formuladas pelo Tribunal

    A solicitação do Tribunal, a Comissão forneceu um quadro estatístico demonstrando a evolução dá produção italiana no sector têxtil/vestuário e uma cópia das suas cartas de 26 de Junho de 1980 e de 20 de Maio de 1983, dirigidas ao Governo italiano.

    Convidado a fornecer uma cópia do telex de 24 de Junho de 1983 e da carta de 2 de Novembro de 1983, o Governo italiano encontra-se momentaneamente na impossibilidade de fornecer os documentos em questão.

    Ainda a pedido do Tribunal, forneceu um resumo do programa de reestruturação realizado nas filiais e os elementos que provam a redução da capacidade de produção dessas empresas.

    Convidado pelo Tribunal a declarar se mantém os seus argumentos relativos à incerteza quanto à identidade das pessoas obrigadas a realizar a ordem de recuperação, o Governo italiano respondeu afirmativamente. A troca de pontos de vista com a Comissão aquando da audiência de medidas provisórias não permitiu dissipar a incerteza que suscitou sobre este ponto.

    Finalmente, o Governo italiano informou o Tribunal de que, na sequência do indeferimento do seu pedido de medidas provisórias, iniciou um inquérito sobre a situação material e jurídica actual das filiais. Esse inquérito conclui que a fragmentação das referidas empresas, que resulta do programa de reestruturação, torna muito difícil, senão impossível, a determinação dos responsáveis pela restituição dos montantes a recuperar, bem como a determinação das diferentes partes da recuperação. Todavia, os elementos que resultam do inquérito são objecto de um estudo por parte das autoridades competentes, com vista às decisões a tomar no futuro.

    Gordon Slynn

    Juiz-relator


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    21 de Março de 1991 ( *1 )

    No processo C-303/88,

    República Italiana representada por Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático, na qualidade de agente, assistido por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adelaide,

    recorrente,

    apoiada por

    Reino de Espanha representado por Javier Conde de Saro, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado, membro do Serviço Jurídico do Estado para o contencioso no Tribunal de Justiça, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard Emmanuel-Servais,

    interveniente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Antonino Abate, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão 89/43/CEE da Comissão, de 26 de Julho de 1988, relativa aos auxílios concedidos pelo Governo italiano à ENI-Lanerossi (JO 1989, L 16, p. 52),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodriguez Iglesias, M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral: W. Van Gerven

    secretário: H. A. Rühi, administrador principal

    visto o relatório para audiencia,

    ouvidas as alegações das partes na audiencia de 12 de Julho de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 11 de Outubro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Outubro de 1988, a República Italiana, nos termos do artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado CEE, pediu a anulação da Decisão 89/43/CEE da Comissão, de 28 de Julho de 1988, relativa aos auxílios concedidos pelo Governo italiano à ENI-Lanerossi. Esta decisão, notificada ao Governo italiano por carta de 10 de Agosto de 1988, foi publicada no Jornal Oficial de 20 de Janeiro de 1989 (JO L 16, p. 52).

    2

    Nessa decisão, a Comissão declarou que os auxílios concedidos, entre 1983 e 1987, ao grupo ENI-Lanerossi sob a forma de injecção de capital nas suas filiais que fabricam vestuário para homem, infringiam o disposto do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, e eram incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado. Os mesmos deviam, por isso, ser objecto de recuperação.

    3

    Resulta da fundamentação da decisão controvertida que o ENI (Ente nazionale idrocarburi), que é uma holding do Estado, tomou o controlo da sociedade Lanerossi (a seguir «Lanerossi») em 1962. Os prejuízos sofridos entre 1974 e 1979 por quatro filiais da Lanerossi no sector do vestuário para homem, ou seja, a Lanerossi Confezioni (Arezzo, Macerata, Orvieto), a Intesa (Maratea, Nocera, Gagliano), a Confezioni di filottrano (Ancona) e a Confezioni monti (Pescara) (a seguir «quatro filiais»), foram compensados pelo Estado italiano. Tendo recebido uma queixa a este propósito, a Comissão comunicou ao Governo italiano, por carta de 26 de Junho de 1980, que esses auxílios apenas poderiam beneficiar de uma derrogação à regra geral de incompatibilidade prevista no artigo 92.°, n.° 1, do Tratado se fossem limitados no tempo e se o programa de reestruturação que lhe fora notificado fosse executado de forma a que as sociedades abrangidas recuperassem a curto prazo a sua viabilidade e autonomia.

    4

    Persistindo as dificuldades das filiais, a Comissão comunicou, por carta de 20 de Maio de 1983, que, embora em virtude da importância social e regional destas empresas não se tivesse oposto à concessão dos auxílios até ao fim de 1982, duvidava que os mesmos pudessem continuar a ser concedidos sem prejudicar o bom funcionamento do mercado comum. Após ter recordado a obrigação que incumbe aos Estados-membros, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, de notificar os projectos que visam instituir ou alterar auxílios, a Comissão convidou o Governo italiano a comunicar-lhe as suas intenções num prazo de duas semanas a contar da recepção da carta. Por telex de 24 de Junho de 1983, o Governo italiano confirmou a sua intenção de notificar qualquer intervenção futura a favor das filiais. Por carta de 2 de Novembro de 1983, informou a Comissão de que não estava previsto qualquer novo auxílio a essas filiais, já que a direcção da ENI-Lanerossi considerava a sua reestruturação impossível.

    5

    Alertada pela imprensa de que a compensação dos prejuízos das filiais continuava, quando não lhe tinha sido notificado qualquer projecto nesse sentido, e considerando que esta situação infringia as decisões que havia comunicado àquele Governo, a Comissão iniciou o processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Tratado e, por carta de 19 de Dezembro de 1984, notificou o Governo italiano para apresentar as suas observações. Este processo levou, em 26 de Julho de 1988, à decisão impugnada.

    6

    Em 26 de Janeiro de 1989, o Governo italiano apresentou um pedido de medidas provisórias com vista a obter a suspensão da execução do artigo 2.° da Decisão 89/43, já referida, que ordena a recuperação dos auxílios pagos. Esse pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de 17 de Março de 1989.

    7

    Por despacho de 15 de Março de 1989, o Tribunal admitiu o Governo espanhol como interveniente em apoio dos pedidos do Governo italiano.

    8

    Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    9

    O Governo italiano argumenta que a decisão controvertida foi tomada em violação dos artigos 92.° e 93.° do Tratado. Invoca, a esse respeito, diversos fundamentos baseados sucessivamente na inexistência de auxílios do Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 2, do Tratado, na violação do princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e empresas privadas, na inexistência de efeitos do auxílio em litígio nas trocas comerciais e na concorrência comunitárias, na violação do artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) e c), na violação do princípio da confiança legítima, na ilegalidade dos efeitos atribuídos à pretensa falta de notificação e na insuficiência de fundamentação do pedido de restituição dos auxílios. Invoca, finalmente, um argumento baseado na impossibilidade prática de recuperar o auxílio em litígio.

    Quanto à inexistência de um auxílio do Estado, na acepção do artigo 92.° do Tratado

    10

    O Governo italiano alega que a Comissão não provou, na decisão controvertida, que os 260,4 mil milhões de LIT, utilizados para compensar os prejuízos de exploração sofridos pelas filiais de 1983 a 1987, provinham de fundos estatais e, por consequência, que essas entradas de capital eram abrangidas pela noção de auxílio de Estado. A este respeito, esclarece que, segundo as leis que o criaram, o ENI deve funcionar, sem utilizar o fundo de dotação do Estado, graças aos seus recursos próprios provenientes do autofinanciamento e do recurso aos mercados de capitais nacional e estrangeiro. Acrescenta que, embora o ENI tenha recebido fundos de dotação em 1983 e 1985 destinados ao sector têxtil, a Comissão não demonstrou de forma alguma que os recursos utilizados para cobertura dos prejuízos das quatro filiais proviessem desses fundos.

    11

    Acerca deste ponto, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante (ver, nomeadamente o acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy, n.° 35, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219), não se deve fazer distinção entre os casos em que o auxílio é concedido directamente pelo Estado ou por organismos públicos ou privados que o Estado institui ou designa para gerir o auxílio. No caso vertente, vários elementos dos autos demonstram que as entradas de capital eram resultado de um comportamento imputável ao Estado italiano.

    12

    Segundo a Lei n.° 136, de 10 de Fevereiro de 1953 (GURI 1953, n.° 72), relativa à criação do ENI, este último é um organismo público controlado pelo Estado italiano, sendo os membros do seu conselho e do comité executivo nomeados por decreto do presidente do Conselho de Ministros. Além disso, embora o ENI deva funcionar segundo critérios económicos, não dispõe de autonomia plena e completa, dado que deve ter em conta as orientações emanadas do comitato interministeriale per la programmazione economica (CIPE). Estes elementos, considerados no seu conjunto, demonstram que o ENI funciona sob o controlo do Estado italiano.

    13

    Além disso, o ENI pode, com autorização do ministro das Participações Estatais, emitir obrigações cujo reembolso em capital e juros é garantido pelo Estado. Sem que seja necessário apreciar a questão de saber se essa garantia constitui em si mesma um auxílio do Estado, a sua existência distingue os empréstimos contraídos pelo ENI dos empréstimos contraídos normalmente por uma empresa privada.

    14

    Nestas condições, a Comissão podia, com razão, qualificar os fundos fornecidos pelo ENI às quatro filiais, através da sociedade Lanerossi, como intervenções estatais podendo constituir auxílios. Contrariamente ao que foi sustentado pelo Governo italiano, não é necessário provar que o fundo de dotação recebidp pelo ENI do Estado italiano se destinava expressa e especificamente a compensar os prejuízos das quatro filiais. Basta concluir, a esse respeito, que, em todo o caso, o facto de receber fundos de dotação permitiu ao ENI libertar outros recursos para compensar os prejuízos das quatro filiais.

    15

    Deve, pois, rejeitar-se o primeiro fundamento invocado pelo Governo italiano.

    Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas

    16

    Os governos italiano e espanhol sustentaram que a decisão controvertida infringia o princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas, consagrado pelo artigo 90.° do Tratado CEE.

    17

    Argumentam que é normal, no seio dos grupos industriais privados, encontrar casos de transferências financeiras entre sociedades que servem para compensar os prejuízos sofridos por um dos membros do grupo. Essas transferências explicam-se quer pela preocupação de proteger a reputação do grupo, quer por uma estratégia de preços decidida ao nível do grupo, o que pode levá-lo a suportar prejuízos num sector das suas actividades durante um certo período, ou ainda, por uma decisão de desinvestir progressivamente, o que pode levar o grupo a suportar os prejuízos sofridos durante os últimos anos de actividade de um dos seus membros. Por isso, uma holding pública deveria ser autorizada a compensar os prejuízos de um dos seus membros nas mesmas condições que uma holding privada.

    18

    Ainda segundo estes dois governos, o critério do investidor privado, utilizado pela Comissão para determinar se a compensação dos prejuízos se fez nas condições normais do mercado, é demasiado restrito. Em apoio deste argumento, sustentam que se deve distinguir entre, por um lado, o investidor privado, que é movido exclusivamente pela procura do lucro, e, por outro, um empresário privado, como uma holding industrial, cujas decisões podem ser condicionadas não apenas pelas possibilidades de rendibilidade a curto prazo mas também por considerações de ordem social ou regional.

    19

    Convém, a este propósito, lembrar que a Comissão se mostrou consciente das implicações do princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas na comunicação aos Estados-membros de 17 de Setembro de 1984, respeitante à participação das entidades públicas nos capitais das empresas (publicada no Boletim das CE de Setembro de 1984). A Comissão declara aí, com razão, que a sua acção não pode prejudicar ou favorecer os poderes públicos quando realizam contribuições de capital.

    20

    Resulta deste mesmo princípio da igualdade de tratamento que os capitais postos, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado. No caso dos autos, deve, pois, apreciar-se se, em circunstâncias semelhantes, um grupo industrial privado poderia também proceder à compensação dos prejuízos de exploração das quatro filiais nos anos de 1983 a 1987.

    21

    A este propósito, convém recordar que, como o Tribunal decidiu no acórdão de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, n.° 15 (234/84, Colect., p. 2263), um sócio privado pode razoavelmente contribuir com o capital necessário para assegurar a sobrevivência de uma empresa que conhece dificuldades passageiras, mas que, eventualmente, após uma reestruturação, esteja em condições de recuperar a rendibilidade. Por isso, deve admitir-se que uma sociedade-mãe também pode, durante um período limitado, suportar os prejuízos de uma das suas filiais a fim de permitir a cessação da actividade desta última nas melhores condições. Essas decisões podem ser motivadas não somente pela probabilidade de tirar disso um proveito material indirecto mas também por outras preocupações, como a de manter a imagem de marca do grupo ou de reorientar as suas actividades.

    22

    Contudo, quando as contribuições de capital de um investidor público não têm em conta qualquer perspectiva de rendibilidade, mesmo a longo prazo, essas contribuições devem ser consideradas auxílios na acepção do artigo 92.° do Tratado, e a sua compatibilidade com o mercado comum deve ser apreciada apenas à luz dos critérios previstos por esta disposição.

    23

    No presente processo, deve observar-se que as quatro filiais sofreram prejuízos continuados de 1974 a 1987 e que os prejuízos de exploração compensados entre 1983 e 1987 eram quase equivalentes ao volume de negócios das quatro filiais durante esse mesmo período. Por outro lado, a direcção da ENI-Lanerossi declarou, em 1983, que estava convencida da impossibilidade de uma reestruturação das quatro filiais, mas, em seguida, iniciou um exercício de reconversão que levou, em Janeiro de 1988, à sua transferência para o sector privado. É, aliás, pacífico que o sector a que pertenciam estas filiais, o do vestuário para homem, estava em situação de crise caracterizada por graves problemas de adaptação em virtude do excesso de capacidade estrutural, do baixo nível dos preços e de uma forte concorrência quer no interior quer no exterior da Comunidade.

    24

    Nestas condições, e tendo em conta a duração do período em que a ENI-Lanerossi manteve o seu apoio financeiro às quatro filiais, a Comissão pôde, com razão, considerar que a compensação dos prejuízos foi feita em condições que teriam sido inaceitáveis para um investidor privado trabalhando nas condições normais do mercado e que nenhum investidor privado, nem mesmo uma holding industrial, teria tomado em conta as preocupações a que fazem referência os governos italiano e espanhol e que foram recordadas acima. A Comissão pôde, portanto, concluir que nenhum investidor privado teria coberto perdas de capital de tal amplitude durante um período tão longo. Deve considerar-se, por conseguinte, que as intervenções do ENI constituíam auxílios do Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CEE.

    25

    Deve, pois, rejeitar-se o segundo fundamento aduzido pelo Governo italiano.

    Quanto à ausência de efeitos do auxílio em litígio nas trocas comerciais e na concorrência comunitárias

    26

    O Governo italiano sustenta que a Comissão não fundamentou de forma suficiente a sua conclusão segundo a qual os auxílios às quatro filiais eram susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros e de falsear a concorrência. A este propósito, observa que a produção das filiais, que representava apenas 2,5 % da produção italiana no sector do vestuário para homem e 0,33 % da exportação italiana neste mesmo sector, era demasiado baixa para ter impacto nas trocas comerciais comunitárias e designadamente para obstar às exportações dos outros Estados-membros para Itália.

    27

    Convém observar desde já que, como o Tribunal decidiu no acórdão de 13 de Julho de 1988, França/Comissão, n.° 19 (102/87, Colect., p. 4067), um auxílio pode ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros e de falsear a concorrência mesmo que a empresa beneficiária, que se encontra em concorrência com os produtores de outros Estados-membros, não participe por si própria nas exportações; com efeito, quando um Estado-membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode, por esse facto, manter-se ou aumentar, com a consequência de as possibilidades de as empresas estabelecidas noutros Estados-membros exportarem os seus produtos para o mercado desse Estado-membro ficarem por esse motivo sensivelmente diminuídas. Aliás, os auxílios de importância relativamente pequena são, apesar disso, susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre os Estados-membros quando o sector em questão se caracteriza por uma forte concorrência (acórdão de 11 de Novembro de 1987, França/Comissão, n.° 24, 259/85, Colect., p. 4393).

    28

    No caso vertente, a Comissão observou no acto impugnado que, no decurso do período tomado em consideração (1983-1987), a indústria têxtil tinha sido atingida pela estagnação da procura, baixa de preços e excesso de capacidade de produção. No comércio intracomunitário deste sector verificou-se uma forte progressão, na medida em que o mesmo representou 19,3 % em 1983 e 29,1 % em 1986 da produção comunitária, dando assim provas de uma viva concorrência. Os auxílios concedidos pelo ENI mantiveram artificialmente as filiais em actividade depois de 1982 e restabeleceram a sua situação financeira, facilitando assim a respectiva reconversão e a liquidação de certas unidades de produção de que a ENI-Lanerossi teria normalmente de assumir o custo.

    29

    Face a estes elementos, a apreciação da Comissão segundo a qual os auxílios conferiram às quatro filiais uma vantagem muito substancial sobre os seus concorrentes e eram, por isso, susceptíveis de afectar as trocas comerciais e de falsear a concorrência na acepção do artigo 92.°, n.° 1, dö Tratado, está suficientemente fundamentada e não se mostra errada. Por isso, deve rejeitar-se o fundamento invocado a esse respeito pelo Governo italiano.

    Quanto à violação do artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) e c), do Tratado

    30

    O Governo italiano considera que a decisão impugnada foi tomada violando, por um lado, o artigo 92.°, n.° 3, alíneas a) e c), do Tratado, em virtude de os auxílios em questão permitirem favorecer ou promover o desenvolvimento regional e sectorial e, por outro, violando o dever de fundamentar.

    31

    Contesta, em primeiro lugar, a afirmação da Comissão segundo a qual apenas alguns dos estabelecimentos das quatro filiais exerciam as suas actividades em regiões nas quais o nível de vida era anormalmente baixo ou nas quais se verificava uma grave situação de subemprego, na acepção do artigo 92.°, n.° 3, alínea a). Argumenta a esse propósito, por um lado, que todos os estabelecimentos de duas das quatro filiais se encontravam em zonas qualificadas pela Comissão como tendo um nível de vida muito baixo e sofrendo de grave subemprego e, por outro, que a província de Arezzo, que, no ponto X, segundo parágrafo, da decisão impugnada, a Comissão considerou como não tendo nem um nível de vida anormalmente baixo nem grave subemprego, é incluída entre as zonas susceptíveis de beneficiar da ajuda comunitária nos termos do Regulamento (CEE) n.° 219/84 do Conselho, de 18 de Janeiro de 1984, que institui uma acção comunitária específica de desenvolvimento regional para contribuir para a eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento de novas actividades económicas em certas zonas afectadas pela reestruturação da indústria têxtil e do vestuário (JO L 27, p. 22; EE 14 Fl p. 80).

    32

    De forma mais genérica, a recorrente alega que os esforços de reestruturação e de reconversão feitos a respeito das quatro filiais facilitaram o desenvolvimento das actividades económicas no sector têxtil e nas regiões em questão. Põe em causa a conclusão da Comissão segundo a qual qualquer reconversão deveria fazer-se num curto período e cita como exemplo o período de cinco anos previsto para os programas especiais de intervenção que constam do artigo 3.°, n.° 6, do Regulamento n.° 219/84, atrás referido, e que corresponde aos cinco anos (1983-1987) a que se refere a decisão impugnada. O Governo italiano sustenta finalmente que a reconversão das quatro filiais contribuiu para realizar os objectivos da política europeia no sector da confecção para homem pela redução da produção neste sector.

    33

    No que respeita às afirmações do Governo italiano, deve notar-se que a Comissão não contestou as que dizem respeito à implantação, em zonas desfavorecidas, de duas das quatro filiais nem a afirmação que diz respeito à situação económica da província de Arezzo.

    34

    Em primeiro lugar, deve recordar-se que, nos termos do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação cujo exercício envolve apreciações de ordem econòmica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, n.° 49, C-301/87, Colect., p. I-307).

    35

    Em seguida, deve observar-se que, embora a decisão apenas diga respeito aos auxílios concedidos às quatro filiais entre 1983 e 1987, é ponto assente que os prejuízos sofridos por essas empresas foram compensados a partir do ano de 1974, ou seja, durante um período global de catorze anos.

    36

    Resulta claramente da decisão impugnada que a apreciação negativa da Comissão respeitante à compatibilidade dos auxílios com o mercado comum se baseava não apenas na duração dos auxílios, mas também na sua natureza. Na decisão, a Comissão observa, com razão, que os auxílios em questão não respeitavam nem as orientações comunitárias que regulam os auxílios à indústria têxtil e do vestuário, comunicadas aos Estados-membros por cartas de 30 de Julho de 1971 e 4 de Fevereiro de 1977, nem as orientações que regulam os auxílios de emergência, comunicadas aos Estados-membros por carta de 24 de Janeiro de 1979.

    37

    As orientações respeitantes à indústria têxtil admitem a concessão de auxílios durante um período curto e quando se destinam a operações específicas, que tenham nomeadamente por objectivo conferir ao beneficiário um nível de competitividade suficiente para assegurar o seu êxito no mercado comunitário. No caso dos autos, os auxílios foram utilizados, de modo geral, para melhorar a situação financeira das quatro filiais e para manter artificialmente a sua produção. No que respeita aos auxílios de emergência, resulta das orientações comunitárias que estes devem tomar a forma de empréstimos ou de garantias de empréstimos e que apenas podem ser pagos durante o período, com a duração máxima de seis meses, necessário para elaborar um plano de recuperação. Os auxílios concedidos no presente processo não são manifestamente conformes com estes critérios e, por isso, não podem ser qualificados como favorecendo o desenvolvimento económico das regiões e das actividades abrangidas.

    38

    Deve declarar-se, finalmente, que resulta claramente da decisão impugnada que o argumento do Governo italiano, segundo o qual a reconversão das quatro filiais contribuiu para realizar os objectivos comunitários no sector do vestuário para homem, foi examinado pela Comissão no decurso do processo. A esse respeito, o Governo italiano tinha invocado uma redução da capacidade de produção da ordem dos 55 %, baseando-se numa redução correspondente da mão-de-obra das quatro filiais. Todavia, como a decisão afirma correctamente, essa redução de mão-de-obra não conduz automaticamente a uma diminuição correspondente da capacidade de produção, designadamente quando é acompanhada por um aumento de produtividade. Por outro lado, mesmo admitindo que as reconversões das quatro filiais tenham tido como efeito reduzir a produção no sector da confecção para homem, é sabido que 17 % da capacidade de produção foi reconvertida para outros subsectores da indústria têxtil e do vestuário, aumentando assim as pressões que já pesavam sobre estes subsectores.

    39

    Nestas circunstâncias, deve concluir-se que o Governo italiano não apresentou elementos que permitam concluir que a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de apreciação ao considerar que os auxílios em questão não respeitavam as condições que permitem beneficiar de uma das derrogações previstas no artigo 92.°, n.° 3.

    Quanto à violação do princípio da confiança legítima

    40

    O Governo italiano sustenta que a forma de agir da Comissão entre 1983 e 1987 originou uma confiança legítima quanto à legalidade dos auxílios que, pelo menos, seria susceptível de impedir a Comissão de ordenar a respectiva restituição. A esse propósito, a recorrente sublinha antes de mais a ausência de processo formal entre 20 de Maio de 1983, data em que a Comissão retomou o contacto a propósito das filiais da ENI-Lanerossi, e 19 de Dezembro de 1984, data em que a notificou formalmente para apresentar as suas observações. Em seguida, argumenta que, ao deixar decorrer 55 meses antes de pôr fim ao processo, a Comissão fez nascer uma convicção razoável quanto à legalidade dos auxílios.

    41

    Este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, o Governo italiano não pode sustentar que foi levado a considerar que os auxílios em questão eram compatíveis com o mercado comum pelo simples facto de a Comissão não ter iniciado o processo previsto no artigo 93.° do Tratado numa data anterior, quando, em Junho de 1983, confirmou à Comissão a sua intenção de lhe notificar qualquer intervenção futura a favor das quatro filiais e em Novembro de 1983 assegurou à Comissão que não previa qualquer auxílio a favor dessas empresas.

    42

    Seguidamente, deve declarar-se que o Governo italiano nunca notificou a Comissão da sua intenção de continuar a conceder auxílios às quatro filiais, que no decurso do processo de análise solicitou frequentemente prazos suplementares para responder aos pedidos de informação da Comissão e que os números respeitantes aos auxílios relativamente aos anos de 1986 e 1987 só foram comunicados quatro dias antes da decisão final.

    43

    Quando um Estado-membro que concede um auxílio violando o dever de notificação previsto no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado e em seguida se mostra reticente em fornecer as informações úteis à Comissão, é ele próprio responsável pelo prolongamento do processo de exame; não pode, por isso, retirar da duração do referido processo argumentos para invocar uma confiança legítima quanto à compatibilidade dos auxílios em questão com o mercado comum. Admitir essa possibilidade significaria, como o Tribunal declarou no acórdão de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha (C-5/89, Colect., p. I-3437), privar os artigos 92.° e 93.° do Tratado de qualquer efeito útil, na medida em que as autoridades nacionais poderiam assim basear-se no seu próprio comportamento ilegal ou negligência para frustrar a eficácia das decisões tomadas pela Comissão nos termos dessas disposições do Tratado.

    44

    O fundamento baseado na violação do princípio da confiança legítima deve, por isso, ser rejeitado.

    Quanto à ilegalidade dos efeitos atribuídos à falta de notificação

    45

    Em primeiro lugar, o Governo italiano contesta que a falta de notificação dos auxílios torne os mesmos irremediavelmente ilegais, como sustenta a Comissão no ponto V, segundo parágrafo, da decisão impugnada. Em segundo lugar, declara, apesar de tudo, ter respeitado a obrigação referida no artigo 93.°, n.° 3, na medida em que a Comissão foi informada da evolução da situação das quatro filiais em tempo útil para apresentar as suas observações.

    46

    Convém observar que as consequências da violação do artigo 93.°, n.° 3, foram esclarecidas nos n.os 12 e seguintes do acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, C-301/87, já referido. O Tribunal declarou nesse acórdão que a Comissão, quando conclui que um auxílio foi instituído sem ter sido notificada, dispõe de um poder de injunção. Pode, após ter notificado o Estado-membro em questão para se pronunciar, intimá-lo, através de decisão provisória e enquanto se aguarda o resultado do exame do auxílio, a suspender imediatamente o pagamento deste e a fornecer-lhe, no prazo que fixar, todos os documentos, informações e dados necessários para examinar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum.

    47

    Quando o Estado-membro cumpra inteiramente a injunção da Comissão, esta é obrigada a examinar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum, em conformidade com o processo previsto pelo artigo 93.°, n.os 2 e 3, do Tratado. Pelo contrário, se o Estado-membro, apesar da intimação da Comissão, não fornecer essas informações, esta tem o poder de pôr fim ao processo e de tomar a decisão declarando a compatibilidade ou a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum com base nos elementos de que dispõe.

    48

    Se o Estado-membro não suspender o pagamento do auxílio, apesar da intimação da Comissão, esta tem o direito, ao mesmo tempo que prossegue o exame do auxílio quanto ao fundo, de recorrer directamente ao Tribunal de Justiça para obter a declaração dessa violação do Tratado.

    49

    Todavia, no caso dos autos, verifica-se que a Comissão procedeu a um exame da compatibilidade dos auxílios em questão com o mercado comum e que em seguida declarou, no artigo Io da decisão impugnada, que estes eram incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 92.° do Tratado. Esse exame pode, por isso, ser objecto de fiscalização jurisdicional.

    50

    O fundamento baseado na ilegalidade dos efeitos atribuídos à falta de notificação deve, por conseguinte, ser rejeitado sem necessidade de se responder ao segundo argumento aduzido pelo Governo italiano.

    Quanto à insuficiência de fundamentação da restituição dos auxílios

    51

    O Governo italiano sustenta antes de mais que a decisão de ordenar a recuperação assenta num poder discricionário da Comissão cujo exercício deve ser fundamentado. Ora, no caso dos autos, a Comissão não indicou qualquer razão que justifique a restituição dos auxílios.

    52

    Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de uma decisão deve fornecer ao interessado as indicações necessárias para saber se a decisão é ou não correcta e permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que o seu destinatário possa ter em receber explicações (ver, designadamente, o acórdão de 20 de Março de 1985, n.° 46, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873).

    53

    A este respeito, deve notar-se que, aquando da instauração do processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, a Comissão informou o Governo recorrente de que qualquer auxílio eventualmente concedido antes da decisão que pusesse termo ao processo poderia originar um pedido de restituição e que essa mesma possibilidade foi referida numa comunicação da Comissão publicada no Jornal Oficial de 24 de Novembro de 1983 (JO C 318, p. 3).

    54

    Resulta do acto impugnado que a restituição do montante total dos auxílios foi fundamentada pela «gravidade e... extensão da violação«. Embora esta justificação, considerada isoladamente, possa parecer de um laconismo criticável, convém sublinhar que a mesma ocorre no âmbito de uma decisão que explica, de forma circunstanciada, o impacto dos auxílios em questão num sector em crise, como o do têxtil e do vestuário.

    55

    Resulta daí que o fundamento do Governo italiano baseado na insuficiência de fundamentação deve ser rejeitado.

    Quanto à impossibilidade de recuperar o auxílio

    56

    A recorrente alegou que a execução do artigo 2.° da decisão, relativo à recuperação dos auxílios em questão, era impossível. A este respeito, explica, em primeiro lugar, que a identidade incerta dos destinatários da ordem de recuperação basta só por si para tornar essa ordem ilegal. Quanto a este ponto, põe em destaque divergências entre os fundamentos da decisão impugnada, que visam a recuperação junto dos «beneficiário» dos auxílios, o seu artigo 1.°, que faz referência ao grupo ENI-Lanerossi, e um telex da Comissão de 23 de Novembro de 1988, que se refere a um crédito sobre o ENI. Sustenta, em segundo lugar, que, segundo o direito italiano, não tem qualquer legitimidade para recuperar dos compradores das quatro filiais montantes que não foram tomados em consideração nas condições de venda das empresas em questão.

    57

    Convém notar, no que respeita à alegada incerteza quanto à identidade dos destinatários da ordem de restituição, que resulta claramente da decisão impugnada que os auxílios deviam ser recuperados das empresas que efectivamente deles aproveitaram, ou seja, as quatro filiais.

    58

    Se o Governo italiano tinha dúvidas sérias a este respeito, poderia, como qualquer Estado-membro que encontra dificuldades imprevistas na execução de uma ordem de recuperação, submeter estes problemas à apreciação da Comissão. Nesse caso, a Comissão e o Estado-membro interessado devem, com efeito, em conformidade com o dever de cooperação leal, expresso nomeadamente no artigo 5.° do Tratado, colaborar de boa fé com vista a ultrapassar as dificuldades no pleno respeito das disposições do Tratado e nomeadamente das relativas aos auxílios (ver o acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, n.° 9, 94/87, Colect., p. 175).

    59

    Finalmente, qualquer incerteza quanto à identidade dos destinatários da ordem de recuperação foi dissipada na audiência relativa às medidas provisórias pedidas no presente processo, que teve lugar em 13 de Março de 1989, quando o agente da Comissão declarou que o pedido de recuperação visava exclusivamente as quatro filiais.

    60

    No que respeita ao segundo ponto, há que notar que, mesmo que, nos termos do direito italiano, o ENI não possa recuperar os montantes que não foram tomados em consideração nas condições de venda das quatro filiais, este facto não obsta à plena aplicação do direito comunitário e, por isso, não tem qualquer influência na obrigação de proceder à recuperação dos auxílios em questão.

    61

    Daqui resulta que o último argumento do Governo italiano deve ser rejeitado.

    62

    Não tendo sido acolhido qualquer dos fundamentos aduzidos pelo Governo italiano, deve julgar-se o recurso improcedente na sua totalidade.

    Quanto às despesas

    63

    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, incluindo as do processo de medidas provisórias. Tendo a recorrente sido vencida, deve ser condenada nas despesas da Comissão. O Governo do Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    O recurso é julgado improcedente.

     

    2)

    A República Italiana suportará as despesas da Comissão, incluindo as do processo de medidas provisórias.

     

    3)

    O Governo do Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

     

    Due

    Mancini

    O'Higgins

    Moitinho de Almeida

    Rodríguez Iglesias

    Diez de Velasco

    Slynn

    Kakouris

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 21 de Março de 1991.

    O secretario

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O.Due


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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