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Document 61988CJ0126

Acórdão do Tribunal de 27 de Março de 1990.
Boots Company plc contra Commissioners of Customs and Excise.
Pedido de decisão prejudicial: High Court of justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
IVA - Sexta directiva - Matéria colectável.
Processo C-126/88.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-01235

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:136

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-126/88 ( *1 )

I — Ambito normativo

1.

O artigo 2.o da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (adiante «sexta directiva»), dispõe que:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado :

1)

as entregas de bens ... efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

...»

2.

O artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva dispõe que:

«No território do país

1.

A matéria colectável é constituída:

a)

no caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), e) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações;

b)

...

c)

...

d)

...»

3.

Os n.os 2 e 3 do mesmo artigo definem o que deve ou não ser incluído na matéria colectável. Segundo a alínea b) do n.° 3 desse artigo, não se devem incluir na matéria colectável «os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza».

II — Matéria de facto e tramitação processual

4.

Resulta do despacho de reenvio que a sociedade Boots Company pic, sociedade-mãe de um grupo (adiante «Boots»), e as suas filiais vendem a retalho diferentes produtos por intermédio de lojas espalhadas pelo Reino Unido. Procedem conjuntamente (sendo a Boots Company pic a representante do grupo) a uma declaração comum de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 29.° do Value Added Tax Act de 1983.

5.

A Boots leva a cabo vários esquemas de promoção, entre os quais um que comporta cupões que o cliente apenas pode obter comprando nas lojas Boots artigos de certa categoria (os «artigos com cupão»). O cupão é impresso nos artigos em questão, ou colocado dentro da respectiva embalagem. O cliente que adquire o artigo obtém o cupão sem qualquer pagamento extra. Seguidamente, pela apresentação do cupão, o cliente tem direito a uma redução do preço nas compras posteriores efectuadas nas lojas Boots dos artigos indicados no cupão («artigos com bónus»), que podem ser diferentes ou não dos artigos com cupão.

6.

As promoções que utilizam os artigos com cupão e os artigos com bónus podem ainda ser divididas em três subcategorias:

a)

as que envolvem artigos fornecidos à Boots por outros fabricantes, nas quais o custo da promoção é suportado pelo produtor em questão através do reembolso à Boots da quantia expressa nos cupões recuperados;

b)

aquelas em que o custo da promoção (que pode incluir artigos fabricados pela Boots ou por outros fabricantes) é suportado inteiramente pela Boots; e

c)

as que envolvem artigos fornecidos por outros fabricantes e em que uma parte do custo fica a cargo do fabricante, ficando o restante a cargo da Boots.

7.

A Boots, sujeito passivo do IVA, procede do seguinte modo:

a)

no caso em que a Boots suporta a totalidade dos custos da redução de preço pelas compras dos artigos com bónus, inclui na «receita bruta»:

o produto da venda dos artigos com cupão e

o produto da venda dos artigos com bónus;

b)

no caso em que a Boots suporta parcialmente os custos da redução de preço pelas compras dos artigos com bónus, inclui na «receita bruta» :

o produto da venda dos artigos com cupão,

o produto da venda dos artigos com bónus e

todos os pagamentos efectuados pelos fabricantes dos artigos com bónus referentes aos cupões entregues para obter redução do preço.

8.

Os Commissioners of Customs and Excise (adiante «Commissioners»), considerando que a contrapartida dos artigos com bónus comercializados pela Boots não consiste apenas em certa quantia em dinheiro, mas é uma combinação da quantia em dinheiro recebida e da entrega do cupão, entenderam ser aplicável o n.° 3 do artigo 10.° du Value Added Tax Act de 1983.

9.

O n.° 3 desse artigo dispõe que:

«Se o produto fornecido não tiver uma contrapartida, ou se a contrapartida não for, no todo ou em parte, paga em dinheiro, será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado.»

10.

Acresce que o n.° 5 do artigo 10.° da Value Added Tax Act de 1983 dispõe que:

«Para as finalidades da presente lei, o valor de mercado de um fornecimento de bens ou serviços será considerado como sendo o montante que pelo seu valor deveria ser considerado como a contrapartida nos termos do n.° 2 do presente artigo, caso a entrega ou o fornecimento tivesse uma contrapartida pecuniária exigível da pessoa que não tivesse, com um qualquer terceiro, uma relação de natureza a influenciar essa contrapartida.»

11.

Segundo os cálculos dos Commissioners, a Boots devia rectificar a sua receita bruta, acrescentando às receitas em dinheiro a diferença entre o pagamento recebido pelos artigos com bónus e o respectivo «valor de mercado», sendo essa diferença o montante da redução do preço de compra dos artigos com bónus concedida contra a entrega dos cupões. Nas suas decisões, os Commissioners avaliaram o IVA devido em cerca de 10500 UKL para o ano civil de 1984.

12.

A Boots interpôs recurso no Value Added Tax Tribunal, que confirmou, por decisão de 18 de Março de 1986, a avaliação efectuada pelos Commissioners. No recurso que contra essa decisão interpôs no High Court of Justice, a Boots não contestou estar sujeita a IVA relativamente aos pagamentos efectuados pelos fabricantes, em contrapartida dos cupões que lhes tenham sido enviados pela Boots, a título de reembolso dos custos da promoção, quando estes são suportados, nos termos dos respectivos contratos, na totalidade ou em parte, pelos fabricantes. Pelo contrário, quando os custos da promoção são, na totalidade ou em parte, suportados pela Boots, esta contesta estar sujeita a IVA quanto ao valor de mercado dos artigos com bónus, sustentando que a matéria colectável para a entrega de artigos com bónus é constituída pelo preço reduzido efectivamente pago pelo cliente. Defendeu os seguintes argumentos:

os cupões entregues pelos clientes nas compras dos artigos com bónus não têm valor e não fazem parte da contrapartida dessas aquisições, na acepção da sexta directiva;

a redução de preço dos artigos com bónus é um «desconto» ou um «abatimento» do preço, na acepção do artigo 11.°, parte A, n.° 3, alínea b), da sexta directiva e, por conseguinte, não faz parte da contrapartida;

em todo o caso, o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 é incompatível com o artigo 11.° da referida directiva, dado que faz depender o cálculo da materia colectável do valor de mercado.

13.

Entendendo que o litigio comporta urna interpretação da legislação comunitaria em causa, o High Court of Justice, por despacho de 17 de Dezembro de 1987, decidiu submeter ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho ser interpretado no sentido de que a expressão “tudo o que constitui a contrapartida que um fornecedor ou um prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro” inclui apenas o pagamento em dinheiro pelo cliente?

2)

O retalhista recebe uma contrapartida, no sentido do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho, quando aceita do cliente um cupão que permite a este um desconto numa compra dos artigos indicados no mesmo, cupão esse que foi dado pelo retalhista ao comprador aquando de uma compra de outros bens feita ao preço normal?

3)

A expressão “descontos e abatimentos concedidos ao aquirente no momento em que a operação se realiza”, no artigo 11.°, parte A, n.° 3, alínea b), da sexta directiva do Conselho, deve ser interpretada de forma a abarcar a diferença entre o preço a retalho normal dos produtos vendidos e a quantia efectivamente recebida pelo retalhista por esses produtos, no caso de um cupão, emitido nos termos acima descritos, ser entregue ao mesmo tempo?

4)

No caso de um retalhista fornecer artigos com bónus a um cliente por uma quantia que é menor do que o preço a retalho normal desses artigos, porque, na altura da compra, o cliente entrega um cupão obtido aquando da compra de outros bens ao mesmo retalhista:

a)

a matéria colectável, nos termos do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho é a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista pelos artigos com bónus; ou é

b)

a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista pelos artigos com bónus acrescida do valor do cupão; e nesse caso, como é que deve ser determinado o valor do cupão?

c)

Se nenhuma destas hipóteses se aplica, qual é a matéria colectável nessas circunstâncias?

5)

Se a noção de “contrapartida” incluir não apenas o pagamento em dinheiro mas também a entrega do cupão ao vendedor dos artigos em causa, proíbem as disposições do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), um Estado-membro de calcular a matéria colectável por referência ao preço que o comprador teria de pagar para obter os bens caso a contrapartida fosse integralmente realizada em dinheiro?

6)

Uma disposição da lei nacional, em vigor em 1 de Janeiro de 1978, estabelecendo que “se o produto fornecido não tiver uma contrapartida, ou se a contrapartida não for, no todo ou em parte, paga em dinheiro, será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado”, constitui uma derrogação ao estabelecido no artigo 11.° da sexta directiva do Conselho que, nos termos do seu artigo 27.°, tinha de ser notificada à Comissão das Comunidades Europeias até 1 de Janeiro de 1978?»

14.

O despacho do High Cout of Justice foi registado na Secretaria do Tribunal em 11 de Julho de 1988.

15.

Em conformidade com o disposto no artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas em 19 de Julho de 1988, substituídas em 18 de Outubro de 1988, pela Boots, patrocinada por J. P. Lawton, QC, mandatado por Loveli White Durrant, em 20 de Julho de 1988, pela Comissão, representada pelo seu consultor jurídico, Johannes Føns Buhl, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, Centro Wagner, Kirchberg e, em 1 de Agosto de 1988, pelo Reino Unido, representado por S. J. Hay, Treasury Solicitor, na qualidade de agente.

16.

O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Tendo o Reino Unido pedido que o processo fosse julgado, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 95.° do Regulamento Processual, em sessão plenária, o Tribunal acedeu.

III — Observações escritas apresentadas ao Tribunal

As observações escritas versam essencialmente os seguintes pontos.

Quanto à primeira questão

17.

O Reino Unido, analisando a jurisprudência do Tribunal, observa que o termo «contrapartida», na sua acepção comunitária, deve ser objecto de uma interpretação autònoma e uniforme no conjunto da Comunidade. Terá um significado semelhante na segunda e na sexta directivas IVA; assim, o Reino Unido entende que, embora o artigo 37.° da sexta directiva IVA tenha procedido à revogação da segunda directiva IVA, a definição do termo «contravalor», que consta do anexo A desta última directiva, tal como foi esclarecida pela jurisprudência do Tribunal, conserva a mesma importância para as finalidades da sexta directiva IVA e para a solução a dar às questões submetidas no presente processo.

18.

Segundo o Reino Unido, o termo «contrapartida» deve ser objecto de uma interpretação teleológica, de forma a ter em conta os factos reais de cada caso concreto. Além disso, o Reino Unido observa que deve existir um «nexo directo» entre os bens fornecidos ou os serviços prestados e a «contrapartida» recebida, devendo esta ser susceptível de expressão pecuniária e avaliação subjectiva. Segundo o Reino Unido, a «contrapartida» deve ser determinada em conformidade com o valor ou com o benefício que dela resulta para quem a recebe, ou seja, para o fornecedor. Mas, na opinião do Reino Unido, o sentido do termo «contrapartida» não pode ir ao ponto de englobar uma situação em que não exista um nexo de causalidade directo entre os bens fornecidos ou os serviços prestados e o facto de se receber essas prestações. Todavia, o Reino Unido entende que a «contrapartida» deve ser interpretada nos termos mais latos possíveis, de modo a sujeitar ao imposto a totalidade do que o sujeito passivo recebe como contrapartida dos bens fornecidos ou dos serviços prestados no quadro de uma transacção comercial.

19.

Invocando a jurisprudência do Tribunal, a Comissão e a Boots observam igualmente que o termo «contrapartida» é uma expressão de direito comunitário que deve ter um significado único e de alcance comunitário, aplicável em todos os casos. A alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva não difere do sistema que estava em vigor sobre o império da segunda directiva IVA; a segunda directiva exprime o mesmo princípio que está expresso no n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva.

20.

A Comissão e a Boots, corn base na jurisprudência do Tribunal, são concordantes em afirmar que a «contrapartida» deve apresentar as seguintes características:

a)

deve ter um valor que possa ser expresso em dinheiro;

b)

deve ser entendida de modo «subjectivo», no sentido de que apenas pode dizer respeito à contrapartida efectivamente recebida;

c)

deve estar directamente relacionada com a entrega dos artigos.

21.

O Reino Unido propõe que se dê à primeira questão resposta negativa; na opinião do Reino Unido, a determinação da «matéria colectável» unicamente por referência ao preço pago pelos artigos com bónus não terá em conta a natureza da transacção e a jurisprudência do Tribunal.

22.

A Comissão propõe que se responda à primeira questão da forma seguinte:

«A matéria colectável a que se refere a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho deve ser interpretada como compreendendo outras contrapartidas para além do pagamento de uma quantia em dinheiro, mas quando, de facto, a contrapartida apenas consista ou apenas possa ser avaliada em termos de contrapartida pecuniária, a matéria colectável apenas se compõe dessa contrapartida pecuniária.»

23.

A Boots propõe que à primeira questão se dê a seguinte resposta:

«A alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho não deve ser interpretada no sentido de que “tudo que constitui a contrapartida que um fornecedor recebeu ou deve receber do adquirente, do destinatário ou de um terceiro” consista necessariamente apenas no pagamento de uma quantia em dinheiro por parte do cliente. Contudo, um elemento diferente do pagamento de uma quantia em dinheiro por parte do cliente apenas constituirá uma “contrapartida” se tiver valor pecuniário, for efectivamente recebido pelo fornecedor e tiver, portanto, um valor subjectivo e um nexo directo com o fornecido.»

Quanto à segunda questão

24.

O Reino Unido observa que, dado prever a alínea a) do n.c 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva ser a matéria colectável constituída «por tudo o que constitui a contrapartida...», a única conclusão que pode resultar de uma análise correcta da transacção é de que a contrapartida se compõe, em parte, de uma quantia em dinheiro e, em parte, da entrega do cupão. O Governo do Reino Unido, apoiando-se na matéria de facto dada por estabelecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, afirma que o comprador estava obrigado a fazer duas coisas em troca do fornecimento dos artigos com bónus: em primeiro lugar, adquirir o cupão e entregá-lo à Boots; em segundo, pagar à Boots o preço normal de venda a retalho dos bens, descontada a quantia em dinheiro que figura no cupão. É evidente, segundo o Reino Unido, que os artigos com bónus apenas podiam ser, e eram, vendidos a preço reduzido contra a entrega do cupão por parte do comprador. O Reino Unido entende, em primeiro lugar, que a natureza e a finalidade das operações de promoção levadas a cabo pela Boots são tais que, no circunstancialismo do caso vertente, a Boots retira da entrega do cupão por parte do comprador uma vantagem certa sob a forma de um aumento das vendas quer dos artigos com cupão quer dos artigos com bónus. Alega que a Boots obtém essa vantagem económica em contrapartida pela entrega do cupão. Em segundo lugar, o Reino Unido sustenta que a entrega do cupão pelo comprador à Boots é susceptível de ser expressa em termos pecuniários: com efeito, o próprio cupão contém a indicação de um valor pecuniário expresso. Em terceiro lugar, existe realmente um «nexo directo» entre o fornecimento dos artigos com bónus e a entrega dos cupões por parte do cliente. Por conseguinte, o Reino Unido entende que a entrega do cupão faz parte da contrapartida obtida pelo fornecimento dos artigos com bónus e deve ser incluída na matéria colectável, em conformidade com as disposições claras e precisas da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva IVA. O Reino Unido invoca ainda a versão em língua francesa da sexta directiva IVA, a qual, pela utilização do termo «contrepartie» no artigo 11.°, mostra muito claramente que a «contrapartida» não se limita apenas ao pagamento de uma quantia em dinheiro.

25.

A Boots alega que os cupões entregues pelos clientes que compram artigos com bónus não fazem parte da contrapartida dessas compras, dado que, para si, não têm qualquer valor. Quando o esquema promocional é inteiramente financiado pela Boots, os cupões apenas autorizam a pessoa que os apresenta a obter um desconto na compra dos artigos do retalhista que os emitiu e não podem ser utilizados, entregues ou negociados com qualquer outro fornecedor. Nesse caso, os cupões são devolvidos à Boots e de seguida destruídos. Não apresentando esses cupões, manifestamente, qualquer valor para a Boots, não podem, por conseguinte, em termos da sua natureza «subjectiva», fazer parte da contrapartida por esta recebida da parte do cliente dos artigos com bónus. Acresce que, na opinião da Boots, o conceito de nexo directo entre o fornecimento dos artigos e a contrapartida recebida significa que apenas se pode ter em conta a venda dos artigos com bónus. A contrapartida recebida no momento do fornecimento desses artigos é exclusivamente constituída pela quantia reduzida recebida. O facto do cliente ter anteriormente comprado outros artigos ao mesmo fornecedor não é relevante para esse conceito. Em todo o caso, os cupões constituem um meio de incitação legítima para persuadir a clientela a comprar quer artigos com cupão quer artigos com bónus, pelo que é incorrecto considerar que se prendem apenas com a venda dos artigos com bónus. Segundo a Boots, aplicam-se os mesmos princípios aos esquemas inteira ou parcialmente financiados pelos fabricantes, com a única diferença da Boots receber do fabricante uma certa quantia em termos de reembolso. A Boots não contesta estar sujeita ao pagamento do imposto sobre o valor acrescentado pelas quantias recebidas dos fabricantes a título de reembolso (no todo ou em parte) dos custos da promoção.

26.

Segundo a Comissão, a contrapartida pode comportar mais de que o preço pago pelos bens, como demonstra a utilização da palavra «tudo» na alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A. Todavia, isso não significa que tudo o que o fornecedor obtém faça parte da contrapartida.

27.

No que se refere à relevância do direito inglês para a definição do conceito de «contrapartida», o Reino Unido não contesta que o significado dado ao termo «consideration» («contrapartida») na jurisprudência inglesa não é determinante para a sua interpretação no direito ou na jurisprudência comunitária.

28.

A Boots observa que, devido à acepção única do termo «contrapartida», este näo pode ser interpretado de acordo com o direito de um Estado-membro. Donde se conclui que os Estados-membros não têm qualquer margem de apreciação para a interpretação desse termo. Por conseguinte, as normas inglesas que disciplinam o conceito de contrapartida são irrelevantes no contexto do artigo 11.° da sexta directiva. Além disso, em direito inglês, diferentemente do que ocorre no direito escocês, o conceito de «contrapartida» tem importância para a verificação da existência de um contrato juridicamente válido; o significado de «contrapartida» em direito inglês não tem qualquer relevância no contexto da sexta directiva.

29.

O Reino Unido propõe que se dê à segunda questão uma resposta afirmativa, nos seguintes termos:

«Fazendo a entrega do cupão, em troca dos artigos com bónus, parte da “contrapartida” obtida pelo seu fornecimento deve ser incluida na “matéria colectável”, em conformidade com o que, em termos claros, dispõe a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva. É tanto o preço pago pelos artigos com bónus como a entrega do cupão (que tem igualmente valor económico) o que deve ser considerado como “... tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber... do adquirente, do destinatário ou de um terceiro ... ”»

30.

A Boots entende que, à segunda questão, se deve dar a seguinte resposta:

«Um retalhista não obtém de um cliente uma contrapartida, na acepção da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho, quando aceita do cliente um cupão que lhe dá direito a uma redução de preço na compra dos artigos indicados no mesmo, cupão esse que foi dado pelo retalhista ao comprador aquando de uma compra de outros bens feita ao preço normal de venda a retalho.»

31.

A Comissão propõe que se responda à segunda questão pela negativa.

Quanto à terceira questão

a) Aspectos económicos

32.

Na opinião do Reino Unido, deve distinguir-se o presente caso do exemplo típico do desconto e do abatimento, em que o comprador apenas paga ao retalhista o preço dos artigos que comprou e nada lhe entrega que tenha valor ou lhe proporcione um benefício. O Reino Unido sustenta que, no caso vertente, as reduções, concedidas contra a entrega dos cupões, dos preços pagos pelos artigos com bónus não constituem «descontos» ou «abatimentos», na acepção da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva IVA.

33.

A Boots sustenta que a redução do preço dos artigos com bónus constitui um «desconto» ou um «abatimento», na acepção da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho. A Boots considera que, do ponto de vista económico, o esquema de promoção com a utilização do cupão é assimilável a um desconto e é comparável aos esquemas de distribuição gratuita de cupões ou da sua distribuição por via da imprensa, nos quais a redução de preço dos artigos comprados equivale a um desconto. A Boots afirma que nada recebe em troca dos cupões, a não ser a perspectiva do aumento do seu volume de negócios, pela qual pagará normalmente o respectivo IVA. A Boots afirma ainda que esquemas simiłares são tidos como desconto noutros Estados-membros (França, República Federal da Alemanha, Países Baixos e Bélgica).

34.

Na opinião da Comissão, a alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, precisa expressamente que os descontos não devem ser tributados. Se se aplicar as disposições do direito comunitário ao sistema de promoção utilizado pela Boots, verifica-se, segundo a Comissão, que o preço de venda dos «artigos com cupão» constitui a matéria colectável dessa operação, dado que é a contrapartida que o fornecedor obtém da parte do comprador pela venda desses artigos. Na venda dos «artigos com bónus», o fornecedor obtém o preço reduzido e um cupão que continha a embalagem do artigo anteriormente vendido como «artigo com cupão». Nessa situação, o cupão surge como um simples meio de conceder um desconto, na acepção da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, e, mesmo que por qualquer razão o não seja, uma vez que foi devolvido ao fornecedor que o tinha anteriormente oferecido, este não recebeu qualquer quantia tangível por essa operação estando assim a Boots protegida pelas disposições da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A.

b) Aspectos linguísticos

35.

A Boots considera que os termos «desconto» ou «abatimento» devem ser entendidos no seu sentido corrente, como consta do Oxford English Dictionary, que descreve o «desconto» como sendo «any deduction or abatement from the nominal value or price» (qualquer redução ou abatimento do valor ou do preço nominal e um «abatimento» como sendo «a redution from a sum of money to be paid, a discount» (uma redução da quantia em dinheiro a ser paga, um desconto). Ora, a redução do preço, segundo a Boots, constitui um desconto, pelo que não deve ser incluída na matéria colectável.

36.

Segundo o Reino Unido, é certo que o Oxford English Dictionary conta efectivamente entre as suas definições do termo «discount» (desconto) a seguinte: «qualquer redução ou abatimento do valor ou preço nominal»; mas, quando essa dedução ou esse abatimento depende da aquisição e da entrega de um cupão, que tem valor e que faz parte da contrapartida dada pelo fornecimento de artigos cujo preço em dinheiro é objecto de redução, a definição do dicionário, segundo o Reino Unido, não pode ser aplicada sem mais.

c) Aspectos jurídicos

37.

Sobre a questão de saber se os cupões devem ser considerados como «descontos» ou «abatimentos», o Reino Unido entende que a resposta deve ser negativa. Retoma a esse propósito certas observações do órgão jurisdicional de reenvio segundo as quais, dado a aquisição e a entrega dos cupões constituírem a condição necessária para se poder beneficiar da redução do preço, a redução não apresenta os sinais de um verdadeiro desconto ou abatimento. O Reino Unido entende que as observações do órgão jurisdicional de reenvio constituem uma interpretação correcta do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva IVA. Na sua opinião, o n.° 3 do artigo 11.°, parte A, deve ser lido em conjugação com a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A. A noção de «matéria colectável» a que se refere o artigo 11.° implica a sua identificação com o «preço» ou a «contrapartida» efectivamente recebida pela entrega. A utilização do termo «preço» leva a pensar que a alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, apenas visa o elemento pecuniário da «contrapartida». Por conseguinte, na opinião do Reino Unido, é apenas quando o «preço» é efectivamente reduzido em vinude da subtracção do desconto ou do abatimento que a matéria colectável deve sofrer um abatimento proporcional. Quando é necessário, para beneficiar do desconto ou do abatimento, entregar ao fornecedor, em suplemento do preço, um benefício (no presente caso: a entrega do cupão) e quando esse benefício faz parte da contrapartida dada pelo fornecimento dos artigos com bónus, a diferença entre o preço nominal de venda a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos não pode, na opinião do Reino Unido, ser considerada como um verdadeiro desconto ou abatimento na acepção da alínea b) do n.c 3 do artigo 11.°, parte A. Qualquer conclusão contrária irá contra as disposições expressas da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, pane A.

38.

A Boots considera errada a tese segundo a qual não se tratará de desconto quando a redução ou o abatimento do preço esteja condicionada pela aquisição e entrega de um cupão que, em direito inglês, faz parte da contrapanida. Segundo a Boots, há casos em que o pagamento a pronto é em si mesmo uma das condições da concessão de um desconto, o que permite quer o direito inglês quer a alínea a) do n.° 3 do artigo 11.°, pane A. Acresce que o n.° 3 do artigo 11.°, parte A, não se refere a uma contrapanida anterior ou de natureza condicional e não estabelece que quando haja uma contrapartida não pode haver um desconto. O artigo apenas refere que o desconto ou abatimento não deve ser incluído na matéria colectável. Ainda que o cupão que atesta o direito do cliente a uma redução do preço tenha sido adquirido como contrapartida, o n.° 3 do artigo 11.°, parte A, terá por efeito excluir o montante dessa redução da matéria colectável quando se trate de um desconto.

39.

A Comissão considera que o esquema de promoção equivale à concessão de descontos.

40.

O Reino Unido propõe que se dê à terceira questão uma resposta negativa, nos seguintes termos:

«A expressão “descontos e abatimentos” que consta da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, não cobre a diferença entre o preço normal de venda a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos quando um cupão (obtido desse modo) é entregue ao mesmo tempo.»

41.

A Boots propõe que se responda à terceira questão da forma seguinte:

«A expressão “os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza”, que consta da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que se aplica à diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos quando um cupão, obtido nos termos acima descritos, lhe é entregue simultaneamente.»

42.

Para a Comissão, a resposta à terceira questão deverá ser afirmativa.

Quanto à quarta questão

43.

O Reino Unido observa que, na sua legislação nacional, a noção «valor de mercado» não é concebida como uma noção abstrata ou fictícia, dissociada dos termos da operação ou transacção em questão. Os n.os 3 e 5 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 prendem-se com o valor comercial normal da entrega de bens ou do fornecimento de serviços («... será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado»), o que implica a noção de valor de mercado dos bens ou dos serviços para as transacções efectuadas entre operadores que actuem nesse mercado. Assim, na opinião do Reino Unido, a sua legislação nacional implica, para a sua aplicação prática, a determinação e a avaliação do valor efectivo atribuído pelas próprias partes à contrapartida no contexto da transacção em questão e não a utilização de uma medida teórica que não apresente qualquer nexo com os termos da relação sinalagmática que une as partes. Por conseguinte, no presente caso, os Commissioners, em conformidade com o disposto no artigo 11.°, utilizaram a estrutura de preços da própria Boots para calcular o valor efectivo dos fornecimentos em relação com o seu valor de mercado. O valor efectivo atribuído pela Boots à entrega do cupão corresponde à diferença existente entre o preço normal de venda a retalho do artigo (tal como é praticado nas lojas da Boots e não noutros comércios a retalho) e o preço efectivamente pago pelo adquirente pelos artigos com bónus, ou seja, a quantia pecuniária indicada no próprio cupão. O Reino Unido entende que, quando a contrapartida não é pecuniária, a determinação da matéria colectável em função do valor de mercado dos bens entregues é o método mais justo e mais defensável que permite assegurar que a matéria colectável tem em conta de forma adequada o valor que o próprio fornecedor atribui à contrapartida que recebe em troca dos seus bens, no presente caso, o valor que a Boots atribui à entrega do cupão por parte do comprador. O Reino Unido entende ainda que é isso que se deve entender por «valor subjectivo» e por «... a contrapartida realmente recebida e não o valor calculado segundo critérios objectivos», expressões utilizadas pelo Tribunal no acórdão de 5 de Fevereiro de 1981 (154/80, Recueil 1981, p. 445, processo dito «das batatas holandesas»). Ora, a legislação do Reino Unido determina efectivamente o valor da contrapartida recebida por referência ao valor dos bens que o fornecedor entregou em troca e é, por conseguinte, inteiramente compatível com a legislação comunitária.

44.

A Boots observa que o conceito de valor de mercado analisa os esquemas de promoção por cupão de forma artificial e economicamente errada. Repete que os cupões não têm para a Boots qualquer valor e são finalmente destruídos. Se a distribuição dos cupões é gratuita, o seu valor nominal não é incluído nas receitas brutas; nesse caso, se o retalhista recebe uma quantia em dinheiro e o cupão, apenas está sujeito ao imposto sobre o valor acrescentado pela quantia efectivamente recebida. Esta posição é conforme, segundo a Boots, ao direito comunitário e à jurisprudência do Tribunal. A Boots repete que não há qualquer diferença entre um cupão entregue gratuitamente ou inserido num jornal e um cupão entregue pelo retalhista aquando da compra de artigos. A utilização do cupão constitui efectivamente um meio de selecção dos clientes que reúnem as condições requeridas para a compra de artigos com redução de preço; ora, a imposição do critério do valor de mercado traduz-se, na realidade, em cobrar um imposto sobre o que a Boots não recebeu e tem como resultado ter a Boots de pagar imposto sobre o valor acrescentado sobre quantias em dinheiro superiores às que ela recebeu. A finalidade da promoção por meio de cupões é a de aumentar o volume de negócios e o imposto sobre o valor acrescentado será cobrado sobre o aumento do volume de negócios. Ora, observa a Boots, não pode de modo algum reaver o imposto sobre o valor acrescentado extra que seja cobrado devido aos cupões recebidos dos clientes.

45.

Segundo a Comissão, a matéria colectável pode ser composta pelo preço reduzido mais o cupão, mas quando o cupão não tenha qualquer valor ou não seja susceptível de avaliação, a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista constitui, de facto, a única matéria colectável. Se é verdade que a matéria colectável pode comportar mais de que o preço pago pelo comprador, daí não resulta que tudo o que é obtido pelo fornecedor constitua uma contrapartida.

46.

O Reino Unido propõe que se dê à quarta questão a seguinte resposta:

«a)

A matéria colectável não é constituída apenas pela contrapartida pecuniária recebida pelo retalhista.

b)

A matéria colectável é constituída pela soma da contrapartida pecuniária e o valor do cupão: o valor do cupão pode ser estabelecido por referência ao valor de mercado dos artigos com bónus, subtraindo-se a contrapartida pecuniária recebida.

c)

Não existe qualquer outra forma de cálculo da matéria colectável.»

47.

A Boots considera que a resposta à quarta questão deve ser a seguinte:

«Quando um retalhista fornece artigos com bónus a um cliente por quantia em dinheiro inferior à do preço de venda normal a retalho desses artigos, devido a esse cliente lhe entregar aquando do fornecimento um cupão adquirido pela compra de outros artigos ao mesmo retalhista, a matéria colectável na acepção da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho apenas é constituída pela quantia em dinheiro recebida pelo retalhista pelos artigos com bónus.»

48.

A Comissão propõe que se responda à quarta questão da seguinte forma:

«a)

O preço reduzido obtido pela venda constitui a matéria colectável ao nível do retalhista, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva do Conselho, desde em que esse preço de venda comporte tudo o que o retalhista obtém de todas as fontes, incluindo o comprador.

b)

A matéria colectável pode ser composta pelo preço reduzido mais o cupão, mas quando o cupão não tenha qualquer valor ou não seja susceptível de avaliação, a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista constitui, de facto, a matéria colectável.

c)

A matéria colectável pode comportar mais de que o preço pago pelo comprador, mas daí não resulta que tudo o que é obtido pelo fornecedor constitua uma contrapartida.»

Quanto à quinta questão

49.

A Boots responde a essa questão para o caso de ser acolhida a tese de que o esquema de promoção não constitui um desconto. Considera que o n.° 3 do artigo 10.do Value Added Tax Act de 1983 é incompatível com o artigo 11.° da sexta directiva. Segundo a Boots, o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 tem um alcance mais vasto do que o do artigo 11.° da sexta directiva. Dado que o alcance do artigo 11.° da sexta directiva é claro e está exactamente definido, os Estados-membros não dispõem de um poder discriminatório na sua aplicação. A Boots entende que o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 impõe, na realidade, um critério que remete para o valor de mercado quando a contrapartida não consista ou não consista inteiramente numa quantia em dinheiro. Na opinião da Boots, esse critério é incompatível com as características da contrapartida, ou seja, um valor subjectivo (o que é efectivamente recebido) e expresso numa quantia em dinheiro, dado ter por efeito ficar o sujeito passivo obrigado a pagar imposto sobre quantias que não foram efectivamente recebidas. Segundo a Boots, aos Estados-membros não foi deixado qualquer poder discricionário para substituir ao valor do que foi fornecido o valor da contrapartida entregue pelo cliente.

50.

A Boots apoia-se igualmente nos trabalhos preparatórios referentes à sexta directiva. Com efeito, aquando da discussão da proposta no Parlamento Europeu, a Comissão referia o valor do mercado como base de cálculo, mas essa proposta não foi aceite pela Comissão de Orçamentos do Parlamento, por entender que o critério do valor de mercado não era satisfatório.

51.

O Reino Unido entende que a contrapartida não tem que ser apenas pecuniária. Donde, segundo o Reino Unido, se conclui claramente que a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, permite a avaliação da contrapartida não pecuniária. O Reino Unido alega ainda que, embora o termo «contrapartida» deva receber uma interpretação comum e uniforme no conjunto da Comunidade e essa interpretação não possa ser deixada à discrição de cada Estado-membro, a determinação e a avaliação dos elementos constitutivos da contrapartida em determinado fornecimento concreto insere-se na competência dos Estados-membros, dado não estar especificado o método de cálculo de uma contrapartida não pecuniária. A alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, limita-se, na opinião do Reino Unido, a identificar os elementos que devem ser calculados, mas não precisa o modo como deve ser avaliada a contrapartida não pecuniária. O Reino Unido entende, a esse propósito, que o elemento decisivo da transacção em causa é a entrega à Boots pelo comprador de um cupão em troca do fornecimento a preço reduzido dos artigos com bónus. Razão pela qual o Reino Unido optou calcular a contrapartida não pecuniária por referência ao «valor de mercado» dos fornecimentos, nos termos do n.° 3 do artigo 10.° da Value Added Tax Act de 1983. O Reino Unido alega que o valor efectivamente atribuido pela Boots à entrega do cupão deve ser calculado, indirectamente, por referência ao preço normal de venda a retalho do artigo. Desse modo, o valor subjectivo atribuído pelas partes a esse elemento da transacção tem o mesmo resultado que o que se obteria com base no «valor de mercado» e corresponde à quantia em dinheiro impressa no próprio cupão. Na opinião do Reino Unido, a avaliação dos elementos constitutivos da «contrapartida» por referência ao «valor de mercado», como prevê o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983, conduz a resultado idêntico ao que se chega quando se procede ao cálculo da «matéria colectável» nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva IVA. Assim, o Reino Unido entende que a sua legislação nacional é compatível com o espírito e a finalidade das disposições comunitárias e partilha da mesma lógica.

52.

Para fundamentar o seu ponto de vista de que a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, permite uma margem de poder discricionário aos Estados-membros, o Reino Unido funda-se numa conjugação do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, com o disposto nas alíneas b), c) e d) do n.° 1 do mesmo artigo; procede também à conjugação da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, com a alínea b) do n.° 1 do artigo 11.°, parte B. As disposições das alíneas b) a d) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, visam todas, segundo o Reino Unido, a matéria colectável aplicável às operações assimiladas às entregas de bens ou prestações de serviços, ou seja, situações em que não pode existir uma verdadeira contrapartida. Nesse caso, as disposições comunitárias devem necessariamente, na opinião do Reino Unido, exigir que a matéria colectável seja determinada de forma uniforme e precisa. Contudo, na alínea a) desse artigo, a matéria colectável é determinada por referência à contrapartida efectivamente recebida de acordo com os termos da transacção acordada entre as partes. Além disso, no contexto da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.°, parte B, a noção do imposto sobre o valor acrescentado na importação é, segundo o Reino Unido, completamente distinta da do imposto sobre o valor acrescentado nos fornecimentos: a segunda está fundada na existência de uma «contrapartida», enquanto que a primeira não o está.

53.

Nesse contexto, o Reino Unido, referindo-se às actas da reunião do Comité do Parlamento Europeu de 14 de Março de 1974, observa que o Parlamento Europeu propôs duas alíneas distintas para a avaliação da contrapartida inteiramente pecuniária e da contrapartida não pecuniária ou não inteiramente pecuniária. O Parlamento Europeu, segundo alega o Reino Unido, apoiou a prosposta da Comissão de que o valor de mercado se deve aplicar aos casos dos fornecimentos cuja contrapartida não é unicamente pecuniária. Em resultado disso, afirma o Reino Unido, o Conselho parece ter combinado os dois parágrafos distintos do Parlamento num único parágrafo e resolveu especificamente excluir a noção de «valor de mercado» da disposição finalmente adoptada. A razão dessa exclusão encontra-se no documento COM(74) 795, de 26 de Julho de 1974, ou seja, as alterações apresentadas pela Comissão à proposta da sexta directiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios. Na rubrica «matéria colectável no território do país», a Comissão refere que «... a noção consagrada na alínea a), que visa os casos ‘normais’ das entregas de bens e das prestações de serviços, baseia-se na «contrapartida» efectiva, critério concreto já consagrado na segunda directiva. Assim, devem entender-se como compreendidas na matéria colectável não apenas as quantias em dinheiro obtidas ou a obter mas também o valor dos bens ou serviços obtidos ou a obter, bem como tudo o que pessoa diferente do comprador ou do destinatário possa conceder ao fornecedor ou prestador em virtude da operação em causa». O Reino Unido alega que esse documento conforta a sua argumentação de que a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva IVA deixa aos Estados-membros uma certa margem de apreciação em dois aspectos principais: embora seja claro não ter a Comissão pretendido adoptar quanto ao «valor de mercado» uma regra definitiva que os Estados-membros fossem obrigados a adoptar, as modificações que propôs demonstram, sem dúvida alguma, que a «contrapartida» não se limita a uma simples quantia em dinheiro; resulta, além disso, claramente das propostas da Comissão que a contrapartida não pecuniária deve ser calculada, embora não se defina de modo preciso a forma exacta como deve ser quantificada.

54.

A Comissão observa que as normas da sexta directiva estão definidas de forma precisa e não deixam aos Estados-membros qualquer margem de apreciação que lhes permita substituir a matéria colectável existente referente à entrega de bens por outra; por conseguinte, não se pode recusar aos particulares o direito de invocar as obrigações impostas aos Estados-membros por essas disposições. Na opinião da Comissão, ninguém contesta no presente processo o efeito directo do artigo 11.° da sexta directiva, pelo que, em caso de conflito entre essa disposição e o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983, é o artigo 11.° da sexta directiva que prima, no que se refere à determinação da materia colectável.

55.

A Boots propõe que se responda à quinta questão da seguinte forma:

«Embora a “contrapartida” possa compreender não apenas o pagamento de uma quantia em dinheiro mas também a entrega do cupão ao fornecedor dos artigos em causa, as disposições da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, impedem a um Estado-membro que calcule a matéria colectável em função do preço que o cliente deveria pagar pelos artigos se a contrapartida consistisse inteiramente numa quantia em dinheiro.»

56.

O Reino Unido propõe que se dê à quinta questão uma resposta negativa, do seguinte teor:

«As disposições da alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, não impedem a um Estado-membro que calcule a matéria colectável por referência ao preço que o cliente deveria pagar pelos artigos se a contrapartida consistisse inteiramente numa quantia em dinheiro.»

57.

Segundo a Comissão, a resposta à quinta questão deverá ser afirmativa.

Quanto à sexta questão

58.

A Boots considera que, sendo o n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 incompatível com o artigo 11.°, a Comissão deveria ter sido informada desse facto, em conformidade com o disposto no artigo 27.° da sexta directiva, antes de 1 de Janeiro de 1978 e essa omissão, de que é responsável o Reino Unido, tem por efeito não poder este invocar contra a Boots perante os órgãos jurisdicionais nacionais o n.° 3 do artigo 10.°

59.

A Boots observa ainda que os n.os 3 e 5 do artigo 10.° da Value added Tax Act de 1983 retomam literalmente o disposto no artigo 10.° do Finance Act de 1972, a lei que instituiu o IVA no Reino Unido, não tendo o conteúdo dessa disposição sofrido alteração. Além disso, a Boots observa que o artigo 27.° da sexta directiva prevê, designadamente, que os Estados-membros que adoptem ou aplicassem até 1 de Janeiro de 1977 medidas especiais derrogativas das disposições da sexta directiva, para simplificar a cobrança do imposto ou evitar certas fraudes ou evasões fiscais, devem notificar essas medidas à Comissão caso as tenham adoptado (n.° 1 do artigo 27.°) ou deviam tê-las notificado à Comissão antes de 1 de Janeiro de 1978 se já existissem em 1977 (n.° 5 do artigo 27.°). O artigo 27.° dispõe igualmente que as medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não devem influir no montante do imposto devido no estádio do consumo final.

60.

A Boots observa que o n.° 3 do artigo 10.° é assimilável a uma «medida especial», na acepção do artigo 27.° Substitui a tributação da contrapartida efectivamente obtida, prevista no artigo 11.°, pela aplicação do critério do «valor de mercado», com o objectivo manifesto de evitar uma diminuição das receitas, aumentando a matéria colectável, ao fazer entrar em linha de conta mais do que a contrapartida obtida pelo fornecedor da parte do seu cliente. Portanto, querendo o Reino Unido invocar o n.° 3 do artigo 10.°, deve conformar-se com o disposto no artigo 27.° Por outro lado, se o n.° 3 do artigo 10.° pretende ser uma medida de simplificação, não pode ser autorizado ou mantido ao abrigo do artigo 27.°, dado que afecta sensivelmente o montante do imposto devido no estádio do consumo final. A Boots conclui, portanto, que a determinação da matéria colectável não com base na contrapartida efectivamente recebida mas no «valor de mercado» de um fornecimento é uma medida que deve ser autorizada ou mantida nos termos do artigo 27.° da sexta directiva.

61.

A Comissão partilha dessa opinião.

62.

O Reino Unido, pelas razões já expostas nas suas observações, sustenta que as disposições nacionais que constam do n.° 3 do artigo 10.° do Value Added Tax Act de 1983 são compatíveis com as disposições do artigo 11.° da sexta directiva IVA; por conseguinte, não será necessária qualquer autorização derrogatória nos termos do disposto no artigo 27.° ou em qualquer outra disposição da directiva.

63.

A Boots propõe que se responda a esta questão da seguinte forma:

«Uma disposição nacional em vigor em 1 de Janeiro de 1977, que prevê que “se o produto fornecido não tiver uma contrapartida, ou se a contrapartida não for, no todo ou em parte, paga em dinheiro, será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado”, constitui uma derrogação ao disposto no artigo 11. da sexta directiva do Conselho que, no termos do artigo 27.° dessa directiva, tinha de ser notificada à Comissão das Comunidacdes Europeias até 1 de Janeiro de 1978.»

64.

A Comissão propõe que se responda à sexta questão nos seguintes termos:

«Uma disposição nacional, em vigor em 1 de Janeiro de 1978, que constitui uma derrogação às disposições do artigo 11.° da sexta directiva do Conselho, deveria ter sido notificada até essa data por força do artigo 27.° dessa mesma directiva, sendo certo que, ainda que notificada, uma derrogação apenas será válida nas condições e na medida estabelecidas no referido artigo.»

65.

O Reino Unido entende que se deve responder à sexta questão pela negativa.

C. N. Kakouris

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

27 de Março de 1990 ( *1 )

No processo C-126/88,

que tem por objecto um pedido apresentado ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo High Court of Justice, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Boots Company pic

e

Commissioners of Customs and Excise,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, R. JoHet, T. F. O'Higgins, G. C. Rodríguez Iglesias, juízes;

advogado-geral: W. Van Gerven

secretario: H. A. Rühi, administrador principal

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por Susan J. Hay, na qualidade de agente, assistida por John Laws e Robert Jay, barristers,

em representação da Comissão, por Johannes Fons Buhl, consultor jurídico, na qualidade de agente,

em representação da sociedade Boots Company pic, por J. P. Lawton, QC, mandatado por Loveli White Durrant, solicitors,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as observações apresentadas na audiência de 30 de Novembro de 1989 pela sociedade Boots Company pic, o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Janeiro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 17 de Dezembro de 1987, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 25 de Abril de 1988, o High Court of Justice submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, seis questões prejudiciais relativas à interpretação de determinadas disposições da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54, de ora em diante «sexta directiva»).

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Boots Company pic e suas filiais (de ora em diante «Boots») aos Commissioners of Customs and Excise (de ora em diante «Commissioners»), no que se refere às decisões destes últimos respeitantes ao cálculo do imposto sobre o valor acrescentado (de ora em diante «IVA») que a Boots deve pagar sobre certas operações de promoção de vendas realizadas em 1984.

3

Resulta do despacho de reenvio e dos autos que a Boots pratica a venda a retalho de vários tipos de artigos por intermédio de lojas espalhadas pelo Reino Unido. A Boots utiliza, designadamente, um esquema de promoção que comporta cupões impressos na embalagem de certos artigos que distribui (de ora em diante «artigos com cupão»). Esses cupões são adquiridos gratuitamente pelos clientes aquando da compra dos referidos artigos e dão direito a quem os apresente na compra posterior na Boots do mesmo artigo ou de artigos diferentes mencionados no cupão (de ora em diante «artigos com bónus»), a uma redução do seu preço no montante do valor nominal indicado no cupão.

4

O custo dos esquemas de promoção levados a cabo pela Boots é, segundo os casos, ou suportado na totalidade seja pela Boots seja pelos seus fornecedores, caso em que estes, em aplicação de contratos concluídos com a Boots, lhe reembolsam o valor nominal que consta dos cupões que lhes são restituídos, ou ainda em parte pela Boots e em parte pelos seus fornecedores.

5

Na declaração fiscal apresentada em conformidade com o artigo 29.° do Value Added Tax Act de 1983 (de ora em diante «VAT Act»), a Boots incluiu, a propósito desses cupões, nas suas «receitas brutas», apenas as quantias recebidas dos seus fornecedores em troca dos cupões que lhes foram devolvidos e referentes às vendas para as quais os fornecedores suportavam na totalidade ou em parte o custo do esquema de promoção. Não incluiu o valor nominal daqueles cupões que destrói quando suporta ela própria na totalidade ou em parte o custo da promoção, considerando que nesses casos a contrapartida dos artigos com bónus se limitava ao montante efectivamente pago pelo comprador.

6

Pelo contrário, os Commissioners consideraram que a contrapartida dos artigos com bónus compreende não apenas a quantia em dinheiro paga mas também o valor do cupão entregue. Consideraram que o n.° 3 do artigo 10.° do VAT Act é aplicável; esse artigo dispõe que «se o produto fornecido não tiver uma contrapartida, ou se a contrapartida não for, no todo ou em parte, paga em dinheiro, será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado». Em aplicação desse artigo, os Commissioners decidiram impor à Boots uma rectificação das suas «receitas brutas», acrescentando às receitas em dinheiro a diferença entre o pagamento recebido pelos artigos com bónus e o respectivo valor de mercado; nas suas decisões, os Commissioners impuseram-lhe uma liquidação adicional no montante de 10727,30 UKL para o ano civil de 1984.

7

O London Value Added Tax Tribunal, para o qual a Boots interpôs recurso contra essas decisões dos Commissioners, confirmou, por decisão de 18 de Março de 1986, a liquidação que estes efectuaram. Contra essa decisão, a Boots interpôs recurso para o High Court of Justice, contestando estar sujeita ao pagamento de IVA sobre o valor de mercado dos artigos com bónus, na medida em que o custo desse esquema de promoção seja na totalidade ou em parte suportado por si própria.

8

Perante o High Court of Justice, a Boots sustentou que, no que se refere à venda dos artigos com bónus, deveria ter sido tributada com base no preço reduzido efectivamente pago pelo comprador; designadamente, alegou que os cupões, que não têm para si qualquer valor, não fazem parte da contrapartida, na acepção da sexta directiva, e que a redução de preço dos artigos com bónus constitui um «desconto» ou um «abatimento», na acepção da alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva; sustentou igualmente que o n.° 3 do artigo 10.° do VAT Act, ao abrigo do qual os Commissioners tinham calculado o IVA devido, é incompatível com o artigo 11.° da sexta directiva.

9

Considerando que o litígio implica uma interpretação da legislação comunitária em causa, o High Court of Justice decidiu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, suspender a instância até que o Tribunal se pronuncie sobre as seguintes questões :

«1)

Deve o artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho ser interpretado no sentido de que a expressão “tudo o que constitui a contrapartida que um fornecedor ou um prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro” inclui apenas o pagamento em dinheiro pelo cliente?

2)

O retalhista recebe uma contrapartida, no sentido do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho, quando aceita do cliente um cupão que permite a este um desconto numa compra dos artigos indicados no mesmo, cupão esse que foi dado pelo retalhista ao comprador aquando de uma compra de outros bens feita ao preço normal?

3)

A expressão “descontos e abatimentos concedidos ao adquirente no momento em que a operação se realiza”, empregada no artigo 11.°, parte A, n.° 3, alínea b), da sexta directiva do Conselho, deve ser interpretada de forma a abarcar a diferença entre o preço de retalho normal dos produtos vendidos e a quantia efectivamente recebida pelo retalhista por esses produtos, no caso de um cupão, emitido nos termos acima descritos, ser entregue ao mesmo tempo?

4)

No caso de um retalhista fornecer artigos com bónus a um cliente por uma quantia que é menor do que o preço a retalho normal desses artigos, porque, na altura da compra, o cliente entrega um cupão obtido aquando da compra de outros bens ao mesmo retalhista:

a)

a matéria colectável, nos termos do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), da sexta directiva do Conselho é a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista pelos artigos com bónus; ou é

b)

a quantia em dinheiro recebida pelo retalhista pelos artigos com bónus acrescida do valor do cupão; e nesse caso, como é que deve ser determinado o valor do cupão?

c)

Se nenhuma destas hipóteses se aplica, qual é a matéria colectável nessas circunstâncias?

5)

Se a noção de “contrapartida” incluir não apenas o pagamento em dinheiro mas também a entrega do cupão ao vendedor dos artigos em causa, proíbem as disposições do artigo 11.°, parte A, n.° 1, alínea a), um Estado-membro de calcular a matéria colectável por referência ao preço que o comprador teria de pagar para obter os bens caso a contrapartida fosse integralmente realizada em dinheiro?

6)

Uma disposição da lei nacional, em vigor em 1 de Janeiro de 1978, estabelecendo que “se o produto fornecido não tiver uma contrapartida, ou se a contrapartida não for, no todo ou em parte, paga em dinheiro, será considerado como valor do fornecimento o seu valor de mercado”, constitui uma derrogação ao estabelecido no artigo 11.° da sexta directiva do Conselho que, nos termos do seu artigo 27.°, tinha de ser notificada à Comissão das Comunidades Europeias até 1 de Janeiro de 1978?»

10

Para mais ampla exposição da matéria de facto do litígio na causa principal, das disposições comunitárias e nacionais em questão, da tramitação processual e das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto às características dos cupões

11

Para responder utilmente ao problema de interpretação suscitado pelas questões submetidas, é necessário circunscrevê-lo à luz dos factos dados como assentes pelo tribunal nacional sobre o que representa o cupão nas relações entre a Boots e o comprador seu cliente, de um ponto de vista económico e jurídico.

12

Resulta dos autos que, pelo cupão entregue ao cliente aquando da venda dos artigos com cupão, a Boots se compromete a conceder ao portador deste, na compra posterior de um dos artigos nele indicados, uma redução de preço no montante do valor nominal indicado igualmente no cupão. Portanto, este cupão materializa o direito do portador a uma redução do preço na medida da quantia nele indicada.

13

Do ponto de vista económico, fazendo a obrigação assumida pela Boots parte de um esquema de promoção cujo custo ela própria suporta, não lhe proporciona outra vantagem que não seja a perspectiva de um aumento do seu volume de negócios, pelo aumento do volume das suas vendas de artigos com cupão e com bónus. É apenas quando o cupão entregue à Boots é seguidamente entregue ao seu fornecedor, quando este suporta, na totalidade ou em parte, o custo do esquema de promoção, que este representa para a Boots um valor pecuniário de medida igual à quantia efectivamente paga à Boots pelo fornecedor nos termos do contrato celebrado entre eles. No caso vertente, o cupão apenas representa para a Boots a obrigação de conceder uma redução do preço, assumida com a finalidade de atrair os clientes.

14

À luz desses factos, convém agora recordar o que essencialmente dispõem as regras da sexta directiva no que se refere à matéria colectável.

Quanto à matéria colectável

15

Segundo a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva, a matèria colectável no território do país é constituída, para as transmissões de bens, por tudo o que constitua a contrapartida que o fornecedor recebeu ou deva receber da parte do adquirente. Os n.os 2 e 3 do mesmo artigo enumeram o que deve ou não ser incluído na matéria colectável. Ora, segundo a alínea b) do n.° 3 desse artigo, não devem ser incluídos na matéria colectável «os descontos e os abatimentos concedidos ao adquirente... no momento em que a operação se realiza». Portanto, os elementos a que se refere o n.° 2 são considerados pela própria directiva como constituindo a «contrapartida» e, portanto, a matéria colectável, e os elementos a que se refere o n.° 3 são excluídos, igualmente ex lege, dessa noção de contrapartida.

16

Daí resulta que, sempre que nos encontremos perante a questão da qualificação de um elemento concreto, é necessário analisar, antes de mais, se este cai numa das categorias a que se referem os n.os 2 e 3, e apenas quando a resposta seja negativa há que remeter para a noção geral a que se refere a alínea a) do n.° 1.

17

No presente caso, tendo em conta a matéria de facto descrita pelo órgão jurisdicional nacional e os argumentos apresentados pela Boots, que sustenta que o esquema de promoção baseado no cupão mais não constitui do que um desconto ou abatimento, convém analisar em primeiro lugar a terceira questão prejudicial.

Quanto à terceira questão

18

Há que referir que os «descontos e abatimentos», que, segundo a alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva, não se incluem na matéria colectável, constituem uma redução do preço a que um artigo é licitamente oferecido ao cliente, dado que o vendedor aceita privar-se de receber a quantia que o abatimento representa, justamente com a finalidade de incitar o cliente a comprar esse artigo.

19

Essa disposição mais não é que uma aplicação da regra estabelecida na alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva, tal como foi interpretada pela jurisprudência do Tribunal (ver, em último lugar, o acórdão de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, Colect., p. 6365), segundo o qual a matéria colectável é constituída pela contrapartida realmente recebida.

20

O Reino Unido sustenta que o esquema de promoção utilizado pela Boots se deve distinguir do exemplo típico do descontó e do abatimento, dado que a redução oferecida ao comprador se faz em troca de um cupão que representa um valor.

21

Esse ponto de vista não pode ser acolhido. Com efeito, resulta das características jurídicas e económicas do cupão, anteriormente descritas, que, embora esteja indicado no cupão um «valor nominal», este não é adquirido pelo comprador a título oneroso e mais não constitui do que um documento que incorpora a obrigação assumida pela Boots de conceder ao seu portador e em troca deste uma redução de preço na compra de artigos com bónus. O «valor nominal» mais não exprime, portanto, que o montante da redução prometida.

22

Há, pois, que responder à terceira questão que a alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva deve ser interpretada no sentido de que a expressão «os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ... no momento em que a operação se realiza» se aplica à diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos, quando este aceita do cliente um cupão que lhe foi dado pelo retalhista aquando de uma compra anterior efectuada ao preço de venda normal a retalho.

Quanto às outras questões

23

Face à resposta dada à terceira questão, não há que responder às outras questões.

Quanto às despesas

24

As despesas efectuadas pelo Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo High Court of Justice, por despacho de 17 de Dezembro de 1987, declara:

 

A alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretada no sentido de que a expressão «os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente... no momento em que a operação se realiza» se aplica à diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos, quando este aceita do cliente um cupão que lhe foi dado pelo retalhista aquando de uma compra anterior efectuada ao preço de venda normal a retalho.

 

Due

Slynn

Kakouris

Schockweiler

Koopmans

Mancini

Joliét

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 27 de Março de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: inglés.

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