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Document 61988CJ0116

Acórdão do Tribunal (Quarta Secção) de 7 de Março de 1990.
André Hecq contra Comissão das Comunidades Europeias.
Funcionários - Atribuição de funções - Reafectação.
Processos apensos C-116/88 e C-149/88.

Colectânea de Jurisprudência 1990 I-00599

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:98

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado nos processos apensos C-116/88 e C-149/88 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

1. Antecedentes do litígio

André Hecq exerce funções nos serviços técnicos da Comissão desde 1967. Inicialmente agente local, foi titularizado em 1975, e classificado no grau B 5 no lugar de assistente técnico adjunto. A partir de 1 de Agosto de 1982, foi colocado no serviço especializado «gestão dos imóveis e equipamento»; desde Fevereiro de 1984, ocupa o lugar de assistente técnico do grau BT 3. Após um incidente ocorrido no fim de 1984, as relações de A. Hecq com os seus colegas e com o seu superior hierárquico, senhor Brusset, deterioraram-se. A situação deu lugar a uma troca de notas de tom muito pessoal.

Após ter recebido duas notas do senhor Brusset sobre a situação no referido sector, em 3 de Janeiro de 1986, o senhor Pratley, director da administração geral, comunicou a J. de Hoe, chefe do serviço «gestão dos imóveis e equipamento» que se devia pôr imediatamente termo à troca de notas. O senhor Pratley propunha a saída de A. Hecq do sector «imóveis» e que lhe fosse confiada a responsabilidade em matéria de «climatização e instalações sanitárias» de alguns imóveis da Comissão. J. de Hoe deu seguimento a essa proposta através da decisão de 23 de Janeiro de 1986, na qual definiu também as novas tarefas de A. Hecq. Após ter ouvido J. de Hoe e A. Hecq, o senhor Pratley esclareceu, numa nota de 5 de Março de 1986, quais os imóveis confiados à responsabilidade de A. Hecq. Em 11 de Março de 1986, A. Hecq enviou uma nota ao senhor Pratley pedindo-lhe para pôr uma equipa de técnicos à sua disposição, porque lhe era impossível efectuar sozinho um trabalho consciencioso e impecável. Em 24 de Março de 1986, o senhor Pratley decidiu retirar alguns edifícios da responsabilidade de A. Hecq para facilitar as suas tarefas. Em 2 de Abril de 1986, A. Hecq apresentou uma reclamação contra as decisões de 3 e 23 de Janeiro e 5 de Março de 1986. Em 30 de Outubro de 1986, a Comissão indeferiu essa reclamação. Em 26 de Janeiro, A. Hecq interpôs um recurso no Tribunal pedindo, por uma lado, a anulação das citadas decisões e, por outro lado, o reconhecimento de todos os direitos estatutários de que gozava antes de 1 de Fevereiro de 1986. Este processo foi registado na Secretaria do Tribunal com o n.o 19/87. Por acórdão de 23 de Março de 1988, o Tribunal, Quarta Secção, julgou o recurso improcedente.

Alguns dias após a apresentação da petição de recurso no processo 19/87, A. Hecq tomou conhecimento da existência de uma nota de 27 de Janeiro de 1987 do senhor Brusset a um senhor Scocci, segundo a qual um dos cinco edifícios de que ele era responsável, o da Square Frère Orbán, lhe tinha sido retirado. Em 18 de Fevereiro de 1987, A. Hecq apresentou uma reclamação contra esta decisão que, aliás, nunca lhe fora comunicada. Tendo a Comissão reagido a esta reclamação tardiamente (em 29 de Setembro), A. Hecq interpôs, em 22 de Setembro de 1987, um recurso de anulação no Tribunal (processo 280/87). Este recurso foi julgado improcedente por acórdão de 14 de Dezembro de 1988.

Entretanto, de 6 de Fevereiro a 4 de Maio de 1987, A. Hecq esteve ausente do seu trabalho por razões de saúde. Durante esse período, B. Petersen, chefe do serviço «imóveis», atribuiu a outros funcionários a responsabilidade dos edifícios confiados a A. Hecq. No regresso deste da sua licença por doença, B. Petersen atribuiu-lhe uma nova tarefa, a «realização duma inspecção do complexo de Overijse». Na sua nota de 22 de Abril de 1987, esclarecia que a inspecção deveria fazer a análise exaustiva do complexo, por especialidades profissionais, e propor eventuais acções de renovação para melhor funcionalidade do estabelecimento. Em 13 de Julho de 1987, A. Hecq apresentou uma reclamação contra esta decisão que foi indeferida pela Comissão em 25 de Novembro de 1987. A decisão comunicada em 22 de Abril de 1987 e a decisão de indeferimento da sua reclamação são objecto do processo C-116/88.

Em 22 de Julho de 1987, A. Hecq participou numa reunião com o director-geral do Pessoal e da Administração, R. Hay, entre outros, no decurso da qual foi discutida a necessidade da sua reafectação. Em nota de 29 de Julho de 1987, R. Hay propôs-lhe duas novas funções e comunicou-lhe as descrições das tarefas eventualmente a cumprir. A. Hecq tinha à sua escolha o serviço TER em Bruxelas e a Divisão LX-E-2 («imóveis e equipamento») no Luxemburgo. Todavia, não tendo nunca A. Hecq dito qual era a sua escolha entre as duas propostas, R. Hay comunicou-lhe, em 31 de Julho de 1987, a sua decisão de o afectar a partir de 1 de Novembro de 1987 à Direcção IX-E da Comissão, no Luxemburgo, com o lugar B 3/2. Em 28 de Outubro de 1987, A. Hecq apresentou uma reclamação contra essa decisão, mas a Comissão só respondeu em 27 de Maio de 1988. O recurso que constituiu o processo C-149/88 foi interposto da decisão de 31 de Julho de 1987 e da decisão tácita de indeferimento da reclamação.

2. Tramitação Processual

A petição de A. Hecq no processo C-116/88 foi registado na Secretaria do Tribunal em 14 de Abril de 1988. A petição relativa ao processo C-149/88 foi registada em 25 de Maio de 1988.

No processo C-116/88, a Comissão não apresentou a tréplica no prazo previsto. Argumentou que se tratava de um caso fortuito e pediu uma prorrogação do prazo de cinco semanas. O presidente da Quarta Secção, por decisão de 9 de Setembro de 1988, indeferiu o pedido, considerando que as circunstâncias invocadas pela Comissão não constituíam um caso fortuito ou de força maior previsto no artigo 42.o do estatuto do Tribunal de Justiça da CEE.

No processo C-116/88, em petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 20 de Dezembro de 1988, A. Hecq pediu, nos termos do artigo 91.o do Regulamento Processual, a apresentação pela Comissão de dois documentos, ou voluntariamente ou por exigência do Tribunal. Além disso, pediu a concessão a cada uma das partes de novo prazo de trinta dias para apresentarem observações escritas respeitantes ao conteúdo dos dois documentos acima mencionados. Em 24 de Janeiro de 1989, a Comissão apresentou os documentos em causa. Por decisão de 13 de Março de 1989, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu a junção do pedido do recorrente à apreciação de mérito sem ter concedido novo prazo para apresentação de memorandos escritos.

Por despacho de 17 de Abril de 1989, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu apensar os dois processos para efeitos de julgamento.

Em petição entrada na Secretaria do Tribunal em 25 de Maio de 1989, A. Hecq pediu, nos termos do artigo 91.o do Regulamento Processual, que fosse ordenada à Comissão a apresentação do documento BS. A(89)D/260. A Comissão apresentou voluntariamente o documento, mas, ao mesmo tempo, pediu que o mesmo não fosse discutido.

Por despacho de 28 de Junho de 1989, o Tribunal excluiu o documento da discussão.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Contudo, convidou as partes a responder por escrito a uma questão.

II — Conclusões das partes

No processo C-116/88, A. Hecq, recorrente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão contida numa carta de 22 de Abril de 1987 do chefe do serviço «imóveis» de retirar ao recorrente a responsabilidade em matéria de climatização e instalações sanitárias dos edifícios da Comissão situados em Bruxelas;

anular a decisão, da mesma data e do mesmo funcionário, de lhe atribuir como função exclusiva a «realização duma inspecção, por especialidades profissionais, do complexo de Overijse»;

anular a decisão expressa de indeferimento da sua reclamação administrativa, contida numa carta de 22 de Dezembro de 1987;

decidir que seja reconhecida ao recorrente a totalidade dos direitos estatutários de que gozava antes das decisões impugnadas;

condenar a recorrida nas despesas.

A Comissão, recorrida, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso inadmissível ou, pelo menos, improcedente;

declarar o recurso abusivo;

condenar o recorrente nas despesas.

No processo C-149/88, A. Hecq, recorrente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão do director-geral do Pessoal e da Administração, que consta duma carta de 31 de Julho de 1987, de o colocar na Divisão «Administração» da Direcção «Pessoal e Administração no Luxemburgo e Serviços Gerais» no Luxemburgo, a partir de 1 de Novembro de 1987;

anular a decisão tácita de indeferimento da sua reclamação administrativa, registada em 29 de Outubro de 1987;

determinar que o recorrente seja restabelecido na plenitude dos direitos estatutários de que gozava antes das decisões impugnadas;

condenar a recorrida nas despesas.

A Comissão, recorrida, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso improcedente;

condenar o recorrente nas despesas.

III — Fundamentos e argumentos das partes

1. A admissibilidade do pedido no processo C-116/88

No seu memorando de defesa, a Comissão argumenta que o recurso ficou sem objecto, dado que a decisão impugnada cessou a produção dos seus efeitos em 1 de Novembro de 1987, data da colocação do recorrente no Luxemburgo. Por consequência, o recurso é inadmissível por falta de interesse actual em agir. A título subsidiário, a Comissão observa que uma decisão como a do caso dos autos, destinada a melhorar a organização dos serviços sem afectar os direitos do funcionário, não é susceptível de causar prejuízo. Por essas razões o recurso deve ser julgado inadmissível.

O recorrente argumenta que, na medida em que a decisão teve efeitos jurídicos prejudiciais, há um interesse actual e efectivo em pedir a declaração da respectiva ilegalidade pelo Tribunal. Não há qualquer dúvida de que a decisão lhe causou prejuízo.

2. Violação dos artigos 5.o, n.o 4, e 7.o, n.o 1, do estatuto dos fitncionários

Nos dois processos, o recorrente argumenta que a Comissão violou a garantia estatutária segundo a qual a autoridade investida do poder de nomeação age apenas no interesse do serviço quando coloca um funcionário num lugar da sua categoria e correspondente ao seu grau. Contudo, a realização da inspecção do complexo de Overijse não corresponde ao lugar-tipo de assistente B 3/B 2. Por outro lado, a parte da inspecção respeitante à climatização e instalações sanitárias implicava o exercício de funções claramente inferiores às que podem ser exigidas a um assistente B 3/B 2. Por outro lado, para as outras especialidades, o recorrente não tinha qualquer competência, experiência ou formação especial, se bem que essas funções fossem claramente para além do que pode ser exigido a um assistente B 3/B 2.

As novas atribuições do recorrente no Luxemburgo são claramente inferiores às que correspondem ao seu grau e ao seu posto de trabalho: em vez de ser responsável por uma secção de uma unidade administrativa, como em Bruxelas, trabalha agora sob a autoridade de um responsável por uma secção de uma dessas unidades; as suas tarefas são muito limitadas, pois todas as equipas estavam já completas antes da sua chegada. Esta circunstância pode ilustrar claramente que a reafectação do recorrente não se fez no interesse do serviço.

No que respeita ao complexo de Overijse, a Comissão recorda que as instituições dispõem de um amplo poder de apreciação na organização dos seus serviços. A única condição é que a afectação do pessoal se faça no interesse do serviço e no respeito pela equivalência dos lugares. Ora, as funções de assistente técnico do grau B 2 ou B 3 são descritas da forma seguinte numa decisão da Comissão relativa à descrição das funções e atribuições :

«Assistente-funcionário de execução:

responsável duma secção de uma unidade administrativa;

encarregado da execução de operações administrativas que abrangem, sendo caso disso, a interpretação de regulamentos e de instruções gerais;

encarregado de efectuar, no quadro de orientações gerais, trabalhos difíceis e complexos.»

A Comissão considera que as tarefas confiadas ao recorrente no complexo de Overijse correspondiam pela sua natureza, a sua importância e a sua amplitude a essa descrição. Além disso, a Comissão observa que a decisão deve ser situada no seu contexto. Por um lado, a insuficiência de produtividade do recorrente e as suas longas ausências por doença causaram problemas de controlo e coordenação dos trabalhos em matéria de climatização e instalações sanitárias dos imóveis que lhe tinham sido confiados. Por outro lado, tinha necessariamente de ser iniciada a renovação do centro de Overijse. Tendo em conta a deterioração do ambiente de trabalho à volta de A. Hecq, a decisão de o transferir para Overijse é, pois, perfeitamente justificada pelo interesse do serviço.

Quanto à colocação do recorrente no Luxemburgo, a Comissão explica, antes de mais, que o recorrente nunca tinha dado seguimento à instrução de realizar uma inspecção do complexo de Overijse. O clima de trabalho tornou-se prejudicial tanto para o bom funcionamento do serviço como para os interesses pessoais de todos os interessados. Era necessário encontrar para o recorrente, noutro ambiente, condições de trabalho favoráveis ao desenvolvimento normal da sua carreira; foi esta consideração que levou o director-geral do «Pessoal» a transferir novamente o recorrente. Não tendo este manifestado a sua escolha entre os dois lugares propostos, o director colocou-o no Luxemburgo onde as tarefas a cumprir correspondiam melhor às qualificações e experiência profissional do recorrente. Mais precisamente, estas tarefas consistiam em vigiar as instalações técnicas do imóvel Cubo, destinado a alojar os serviços da Direcção «Controlo de Segurança da Euratom». Esta direcção conta com numerosos laboratórios e dispõe de equipamentos especializados. A vigilância destes equipamentos implica tarefas difíceis e responsabilidades muito importantes. Por outro lado, o recorrente é responsável do funcionamento e da manutenção das instalações ténicas do Centro Polivalente da Infância, e tem como tarefa participar na preparação de um projecto de caderno de encargos técnicos com vista à organização de um concurso para a renovação dos contratos de manutenção dos aparelhos de elevação do edifício Jean Monnet. No que respeita ao último projecto, o recorrente constituiria uma ajuda apreciável, mas as suas numerosas ausências não permitiram apreciar em que medida as tarefas que lhe foram confiadas correspondem às suas aptidões. Segundo a Comissão, resulta de todas estas considerações que a transferência do recorrente foi feita no interesse do serviço e no respeito pelas disposições dos artigos 5.o e 7o do estatuto.

No que respeita aos postos de trabalho propostos, o recorrente observa que, na realidade, não teve a possibilidade de escolha, e que, por isso, a sua colocação no Luxemburgo é compulsiva.

3. Violação do artigo 25.o do estatuto dos fitncionários

No processo C-116/88, o recorrente argumenta que a decisão constante da carta de 22 de Abril de 1987 não estava fundamentada, enquanto o indeferimento expresso da sua reclamação estava baseado em fundamentos errados. O recorrente considera que a decisão de o reafectar a Overijse lhe causa prejuízo e que, por isso, deveria ser fundamentada nos termos do artigo 25.o do estatuto.

A Comissão responde que, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal, uma medida de organização interna, como a do caso dos autos, não pode atentar contra a posição estatutária dos interessados ou contra o respeito ao princípio da correspondência entre o grau e o lugar e que, por isso, está fora do âmbito da obrigação da fundamentação. Por outro lado, mesmo que a decisão em litígio fosse susceptível de afectar os interesses do recorrente, este conhecia o contexto em que a decisão foi tomada, e, por conseguinte, compreendia o seu alcance. Nestas circunstâncias, era desnecessária uma fundamentação mais explícita.

A Comissão explica, a este respeito, que o recorrente não podia ignorar que a sua falta de produtividade, agravada pelas longas ausências por motivos de saúde, tinha colocado a administração na obrigação de tomar novas medidas de organização interna. As causas internas constavam, aliás, da decisão de indeferimento da reclamação do recorrente. Finalmente, a Comissão refere-se à deterioração do ambiente de trabalho à volta do recorrente.

Na sua réplica, o recorrente argumenta que uma longa ausência por motivos de saúde não pode constituir fundamento legítimo para a deslocação de um funcionário aquando do seu regresso ao serviço.

No que diz respeito à deterioração do ambiente de trabalho, o recorrente sustenta que o Tribunal, no processo 19/87, considerou que não era o recorrente que estava na origem da deterioração do clima de trabalho no serviço em questão. Um fundamento baseado na deterioração do ambiente de trabalho é, portanto, completamente errado.

Seguidamente, o recorrente contesta a insuficiência de produtividade da sua parte. Na sua opinião, não existe qualquer indício válido para essa acusação; pelo contrário, nenhuma falta de produtividade lhe foi alguma vez assinalada.

Finalmente, o recorrente argumenta que a decisão não podia ser tomada com fundamentos baseados no interesse do serviço. Resulta, nomeadamente, de dois documentos apresentados pela Comissão em 24 de Janeiro de 1989 que os verdadeiros fundamentos são ilegais; trata-se, na realidade, de uma sanção disciplinar dissimulada.

A Comissão observa que tem dificuldade em compreender como poderiam os dois documentos demonstrar os «verdadeiros fundamentos ilegais». A primeira nota em questão confirma simplesmente a degradação do clima de trabalho no interior do serviço «imóveis» de B. Petersen. A segunda refere-se a algumas medidas tomadas ou sugeridas por B. Petersen em matéria da sua competência.

No processo C-149/88, a discussão sobre a fundamentação dos actos impugnados desenvolve-se nos mesmo parâmetros.

O recorrente argumenta que a decisão de o colocar no Luxemburgo devia ser fundamentada como um acto que lhe causa prejuízo.

A Comissão responde que a decisão não atenta contra a posição estatutária do recorrente nem contra o respeito do princípio da correspondência entre o grau e o lugar. O caracter marginal dos inconvenientes eventualmente sofridos não implica que a decisão devesse ser fundamentada. Além disso, o recorrente conhecia perfeitamente os elementos que orientaram a administração na sua decisão, tendo esta sido precedida de entrevistas com o director-geral do «Pessoal e da Administração», R. Hay. Na reunião de 22 de Julho de 1987, R. Hay explicou ao recorrente que a sua reafectação era necessária no âmbito da política geral de mobilidade, para a serenidade no serviço em questão e no interesse do próprio recorrente.

No seu memorando de réplica, o recorrente argumenta que a decisão lhe causa prejuízo não apenas porque o princípio da correspondência entre o grau e o lugar não foi respeitado, mas também porque, desta forma, a sua família se encontrava desmembrada entre o Luxemburgo e Bruxelas. Por outro lado, não podia continuar as suas actividades sindicais.

Seguidamente, o recorrente observa que a serenidade no seio do serviço não pode ser utilizada como argumento para a sua transferência: não há qualquer elemento que possa demonstrar novos diferendos e problemas no seu serviço. Além disso, o recorrente não é responsável pela deterioração do clima de trabalho no passado.

Em resposta, a Comissão observa que um simples inconveniente na situação pessoal ou familiar do funcionário não pode transformar a transferência em acto prejudicial. Por outro lado, é possível ao recorrente prosseguir as suas actividades sindicais no seu novo local de afectação. A Comissão acrescenta que os desentendimentos existentes no seio do serviço «imóveis» antes de Novembro de 1987 desapareceram após a mutação do recorrente.

4. Violação do princípio geral de boa administração e do dever de solicitude

Nos dois processos, o recorrente lamenta-se do facto de a Comissão ter tomado as decisões sem ter em consideração o seu interesse. No processo C-116/88, acrescenta que a decisão foi tomada sem lhe permitir manifestar previamente o seu ponto de vista.

Acerca deste fundamento, o recorrente discute vários documentos relativos aos acontecimentos que ocorreram entre Outubro de 1984 e Outubro de 1986. Resulta destes documentos que o senhor Brusset era responsável pela deterioração do clima de trabalho no sector «imóveis» dos quais o recorrente foi vítima. Na sequência de uma série de desentendimentos, foi instaurado um processo disciplinar, em 23 de Outubro de 1986, contra o recorrente, mas não contra outras pessoas implicadas nestes desentendimentos, como o senhor Brusset. O recorrente considera que, nestas circunstâncias, a Comissão deveria ter realizado imediatamente um inquérito sobre as responsabilidades no seio do serviço, sem deixar a situação degradar-se e sem designar erradamente o recorrente como responsável. Resulta do exposto que a Comissão nunca teve em conta todos os elementos determinantes e que faltou manifestamente ao seu dever de solicitude.

A Comissão argumenta que sempre procedeu a uma apreciação completa de todos os elementos determinantes, incluídos os que se referem à situação pessoal do recorrente, antes de o afectar a novas funções.

No que respeita aos elementos que levaram, na opinião do recorrente, à deterioração do clima de trabalho, e as acusações formuladas, designadamente contra o senhor Brusset, a Comissão observa que o único elemento a reter deste debate é precisamente que as acusações de irregularidades contra certos funcionários tiveram um efeito prejudicial sobre as condições de trabalho. Após a partida do recorrente para o Luxemburgo, o ambiente melhorou. Quanto ao senhor Brusset, que, aliás, foi transferido no quadro da política de mobilidade do pessoal, o inquérito demonstrou que as acusações que lhe foram feitas pelo recorrente não têm fundamento.

Finalmente, em resposta à acusação do recorrente no processo C-116/88 de que não teria sido ouvido, a Comissão esclarece que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, a administração não é obrigada a recolher o parecer individual dos funcionários sobre as medidas de reorganização que entende tomar a seu respeito.

5. Sanção disciplinar dissimulada

No processo C-149/88, o recorrente argumenta que a sua reafectação ao Luxemburgo deve ser considerada como uma sanção disciplinar dissimulada, ainda que o processo disciplinar que lhe foi instaurado tenha conduzido à conclusão de que as acusações não tinham fundamento. O carácter punitivo da reafectação resulta, nomeadamente, duma nota confidencial de B. Petersen, de Fevereiro de 1987, e da concordância entre a decisão de pôr termo ao processo disciplinar e a de colocar o recorrente no Luxemburgo.

A Comissão considera que o recorrente não apresenta qualquer elemento que faça crer haver uma ligação entre o processo disciplinar e a sua transferência. Por outro lado, as funções do recorrente não foram reduzidas; não se trata, por isso, de forma alguma, duma desclassificação dissimulada.

6. Violação do direito de associação e dos direitos sindicais

O recorrente, que foi eleito membro do comité executivo da União Sindical em Maio de 1987, argumenta que, por causa da sua colocação no Luxemburgo, não pode continuar a exercer correctamente o seu mandato sindical. Por isso, a Comissão violou o artigo 24.o-A, do estatuto, e o artigo 13.o, do acordo de 20 de Setembro de 1984, relativo às relações entre a Comissão e as organizações sindicais ou profissionais.

A Comissão não entende como poderia uma colocação no Luxemburgo infringir o direito de associação do recorrente. Além disso, argumenta que o acordo atrás mencionado não cria qualquer direito directo. Finalmente, observa que a União Sindical nunca interveio junto das autoridades competentes para questionar a legalidade da medida de colocação no Luxemburgo. Pelo contrário, numa carta de 30 de Julho de 1987, o presidente e o secretário-geral da União Sindical exprimiram a sua concordância com a medida em causa.

7. Despesas

Na sua defesa no processo C-116/88, a Comissão argumenta que, visando o recurso a anulação de uma decisão que, desde 1 de Novembro de 1987, deixou de produzir efeitos, o mesmo é abusivo, visto que uma eventual anulação não pode aproveitar ao recorrente. Por isso, pede que o recorrente seja condenado em todas as despesas, nos termos do n.o 3 do artigo 69.o do Regulamento Processual.

O recorrente considera que este pedido não está de forma alguma fundamentado, não sendo o seu recurso nem dilatório nem temerário ou vexatório.

T. Koopmans

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: francês.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL (Quarta Secção)

7 de Março de 1990 ( *1 )

Nos processos apensos C-116/88 e C-149/88,

André Hecq, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Mondercange (Luxemburgo), patrocinado pelos advogados Jacques Putzeys, S. Gehlen e Xavier Leurquin, do foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do huissier Nickts, 87, avenue Guillaume,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Sean van Raepenbusch, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, Centro Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que têm por objecto a anulação de uma decisão do chefe do serviço «imóveis» que retirou ao recorrente a responsabilidade em matéria de climatização e instalações sanitárias dos edifícios da Comissão em Bruxelas, atribuindo-lhe como função exclusiva a realização duma inspecção do complexo de Overijse, bem como a anulação de uma decisão do director-geral do Pessoal e da Administração de colocar o recorrente no Luxemburgo,

O TRIBUNAL (Quarta Secção),

constituído pelos Srs. C. N. Kakouris, presidente de secção, T. Koopmans e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral: J. Mischo

secretário: B. Pastor, administradora

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 9 de Novembro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Dezembro de 1989,

profere o presente

Acórdão

1

Em petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 14 de Abril de 1988, André Hecq, funcionário do grau B 3 da Comissão das Comunidades Europeias, pediu, por um lado, ao abrigo do artigo 91.° do estatuto dos funcionários, a anulação da decisão de 22 de Abril de 1987 do chefe do serviço «imóveis» que lhe retirou a responsabilidade em matéria de climatização e instalações sanitárias de determinados edifícios da Comissão situados em Bruxelas, atribuindo-lhe como função exclusiva a «realização duma inspecção, por especialidades profissionais, do complexo de Overijse» e, por outro lado, o reconhecimento de todos os direitos estatutários de que gozava antes de 22 de Abril de 1987 (processo C-116/88).

2

Em petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 25 de Maio de 1988, A. Hecq interpôs outro recurso com vista, por um lado, à anulação da decisão do director-geral do Pessoal e da Administração, de 31 de Julho de 1987, que o colocou, a partir de 1 de Novembro de 1987, na Divisão «Administração» da Direcção «Pessoal e Administração no Luxemburgo e Serviços Gerais», no Luxemburgo, e, por outro lado, ao reconhecimento de todos os direitos estatutários de que gozava antes da decisão impugnada (processo C-149/88).

3

Estes dois recursos seguem-se a outros dois recursos de André Hecq, que foram julgados improcedentes pelos acórdãos de 23 de Março de 1988 (19/87, Colect. 1988, p. 1681) e de 14 de Dezembro de 1988 (280/87, Colect. 1988, p. 6433). No primeiro acórdão foi reconhecido que, desde 1984, o clima de trabalho no serviço a que pertencia na altura A. Hecq se tinha degradado sensivelmente, que essa degradação tinha conduzido a medidas de organização do serviço em causa e que as informações de que o Tribunal dispunha não lhe permitiam determinar quais tinham sido as pessoas responsáveis pela deterioração do clima de trabalho.

4

A decisão de 22 de Abril de 1987, objecto do processo C-116/88, ocorreu nas condições seguintes: de 6 de Fevereiro de 1987 a 4 de Maio de 1987, o recorrente esteve ausente do seu trabalho por razões de saúde. Durante esse período, B. Petersen, chefe do serviço «imóveis», atribuiu a outros funcionários a responsabilidade pelos edifícios cuja vigilância incumbia anteriormente ao recorrente. No momento da sua reentrada em funções, B. Petersen pediu-lhe, por nota de 22 de Abril de 1987, para realizar uma inspecção do complexo de Overijse. Esta nota esclarecia que a inspecção deveria fazer a análise exaustiva do complexo, por especialidades profissionais, e propor eventuais acções de renovação para melhorar o funcionamento do estabelecimento. Todas as propostas deveriam ser quantificadas para apreciar o respectivo impacte no plano orçamental.

5

A decisão de 31 de Julho de 1987, objecto do processo C-149/88, ocorreu nas condições seguintes: em 22 de Julho de 1987, o recorrente teve uma entrevista com o director-geral do Pessoal e da Administração, R. Hay, a pedido deste último, com vista a discutir a reafectação do recorrente. Em nota de 29 de Julho de 1987, R. Hay propôs-lhe duas novas colocações: ou no serviço «telecomunicações e equipamentos repartidos» (TER) em Bruxelas, ou na Divisão LX-E-2 (sector «imóveis e equipamento») no Luxemburgo. Não tendo o recorrente informado qual a sua escolha, R. Hay comunicou-lhe, em 31 de Julho de 1987, a sua decisão de o colocar na Divisão IX-E-2 da Comissão no Luxemburgo, a partir de 1 de Novembro de 1987.

6

Para mais ampla exposição dos factos do litígio e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

a) Sobre a admissibilidade do recurso C-116/88

7

A Comissão considera que o primeiro dos dois recursos ficou sem objecto, dado que a decisão impugnada deixou de produzir qualquer efeito em 1 de Novembro de 1987, data da colocação do recorrente no Luxemburgo. Na falta de interesse actual, o recurso seria inadmissível.

8

Este fundamento não pode ser acolhido. Com efeito, resulta dos autos que a nota de 22 de Abril de 1987 não se limitava a confiar uma nova tarefa temporária ao recorrente, mas também o destituía das suas antigas funções. Tal decisão é susceptível de lesar um interesse do recorrente que permanece actual.

9

A título subsidiário, a Comissão argumenta que o recurso é também inadmissível porque a decisão, enquanto medida destinada a melhorar a organização dos serviços sem afectar os direitos estatutários do funcionário em questão, não é susceptível de causar prejuízo ao recorrente. Contudo, dado que este argumenta precisamente que a decisão não foi fundamentada no interesse do serviço, este argumento da Comissão implica a análise de mérito da causa.

b) Quanto à decisão de 22 de Abril de 1987 (complexo de Overijse)

10

O recorrente argumenta, em primeiro lugar, que as funções que lhe eram atribuídas pela decisão impugnada não correspondiam ao seu grau e lugar. Por um lado, na medida em que uma inspecção do complexo de Overijse respeitasse a questões de climatização e instalações sanitárias, a missão situava-se claramente aquém do que se pode esperar de um assistente do grau B 3/B 2. Por outro lado, e na medida em que a inspecção visasse todas as partes do imóvel de Overijse, a função pressupunha conhecimentos superiores aos que é razoável exigir de um assistente desse grau. Em segundo lugar, o recorrente sustenta que a atribuição de novas funções não se fundamentava no interesse do serviço, como exige o artigo 7.°, n.° 1 do estatuto, mas em motivos ilegais, como o demonstram duas notas anexas aos autos. Finalmente, o recorrente considera que a decisão impugnada, enquanto acto que lhe causa prejuízo, deveria ter sido fundamentada e que a Comissão violou o dever de solicitude da administração para com os seus funcionários na medida em que esta decisão teria sido tomada sem se ter em consideração o interesse do recorrente e sem lhe permitir manifestar previamente o seu ponto de vista.

11

Convém lembrar liminarmente que a jurisprudência do Tribunal reconheceu às instituições da Comunidade um amplo poder de apreciação na organização dos seus serviços em função das missões que lhe são confiadas e na afectação, com vista ao desempenho destas, do pessoal que se encontra à sua disposição, na condição, porém, de que esta afectação se faça no interesse do serviço e no respeito pela equivalência dos lugares (acórdão de 23 de Junho de 1984, Lux, 69/83, Recueil 1984, p. 2447).

12

Acerca deste último ponto, deve assinalar-se que, no complexo de Overijse, o recorrente beneficiava da colaboração do gerente do imóvel, que lhe tinha comunicado uma lista detalhada dos trabalhos a efectuar. Para dar seguimento ao pedido do chefe do serviço «imóveis», o recorrente deveria ter passado em revista os problemas assinalados pelo gerente e tomar contacto com os fornecedores, empresários e profissionais potenciais com vista a determinar posteriormente o custo previsível dos trabalhos necessários. Nestas condições, as novas atribuições do recorrente pressupunham uma análise técnica e um cálculo financeiro; dada a natureza e a importância destas análises e deste cálculo, não se pode considerar que estas não correspondessem ao grau e lugar do recorrente.

13

No que diz respeito ao interesse do serviço, há que reconhecer que as duas notas invocadas pelo recorrente, e apresentadas pela Comissão a pedido deste, não trazem qualquer elemento que suporte a tese segundo a qual a atribuição de uma nova tarefa ao recorrente foi baseada em motivos ilegais. Nenhum outro elemento dos autos permite, aliás, declarar que a decisão foi tomada por razões estranhas ao interesse do serviço. Resulta, pelo contrário, dos autos que o chefe do serviço «imóveis» considerou ser necessário confiar, durante o período de licença por doença do recorrente, a gestão dos edifícios de que este era responsável a outros funcionários, que no seu regresso convinha elaborar uma inspecção do complexo de Overijse e que as tarefas confiadas a este propósito ao recorrente correspondiam ao seu grau e ao seu lugar.

14

Decorre do exposto que a decisão impugnada constitui uma simples medida de organização interna que não atenta contra a posição estatutária do recorrente ou contra o respeito pelo princípio da correspondência entre o grau e o lugar. Ora, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, a administração não é obrigada nem a fundamentar uma decisão dessa natureza (acórdão de 17 de Maio de 1984, Albertini e Montagnani, 338/82, Recueil 1984, p. 2123) nem a ouvir previamente o funcionário interessado (acórdão de 14 de Dezembro de 1988, Hecq II, atrás citado).

15

Quanto à ponderação do interesse do recorrente, não se pode concluir que, nas circunstâncias do caso atrás descritas, a Comissão o tenha ignorado. Com efeito, após uma ausência prolongada do recorrente por motivos de doença, a Comissão confiou-lhe imediatamente uma missão temporária compreendendo um trabalho correspondente ao seu grau e ao seu lugar.

16

Por consequência, nenhum dos argumentos invocados contra a decisão de 22 de Abril de 1987 pode ser acolhido.

c) Sobre a decisão de 31 de Julho de 1987 (colocação no Luxemburgo)

17

Em primeiro lugar, o recorrente sustenta que, ao decidir colocá-lo no Luxemburgo, a Comissão violou os artigos 5.°, n.° 4 e 7°, n.° 1 do estatuto na medida em que a nova afectação não corresponde ao seu grau e ao seu posto de trabalho. Em apoio deste fundamento, o recorrente argumenta que as suas tarefas são muito limitadas, que está privado do mínimo poder de decisão e que já não é responsável por uma secção de uma unidade administrativa, como era em Bruxelas.

18

A Comissão admite que, no início do exercício das suas novas funções, os trabalhos confiados ao recorrente tinham um alcance limitado. Contudo, isso explica-se pelo facto de o imóvel Cubo, do qual o recorrente é responsável e cuja supervisão implica tarefas difíceis e responsabilidades importantes, ter acabado de ser ampliado e transformado. Durante um período inicial, encontrando-se os equipamentos instalados ainda ao abrigo da garantia, apenas o pessoal das empresas instaladoras pôde proceder a intervenções. Desde a sua chegada ao Luxemburgo, foram atribuídas novas tarefas ao recorrente, como a supervisão das instalações técnicas do Centro Polivalente da Infância e o aquecimento do edifício Jean Monnet, assim como a preparação de um projecto de caderno de encargos com vista à realização de um concurso para renovação dos contratos de manutenção dos elevadores do edifício Jean Monnet.

19

A esse respeito, há que reconhecer que, embora inicialmente as tarefas do recorrente fossem limitadas, estas foram em seguida consideravelmente alargadas, de acordo com as capacidades do recorrente. Por outro lado, desde a sua chegada ao Luxemburgo, o recorrente foi colocado no mesmo contexto hierárquico que os seus colegas, funcionários, respectivamente, de grau B 4, B 3 e B 1. Nestas circunstâncias, näo pode admitir-se que a administração tenha ignorado a equivalência do grau e do lugar do recorrente.

20

Em segundo lugar, o recorrente argumenta que não foi colocado no Luxemburgo no interesse do serviço. Esta reafectação deveria ser considerada como uma sanção disciplinar dissimulada, o que resulta, nomeadamente, duma nota confidencial do chefe do serviço «imóveis», de Fevereiro de 1987, e da coincidência entre a decisão de pôr termo a um processo disciplinar instaurado contra o recorrente e a de o colocar no Luxemburgo.

21

A Comissão justifica a sua decisão, designadamente, pela necessidade de remediar o ambiente de trabalho deplorável que se verificava no serviço onde trabalhava o recorrente em Bruxelas. Argumenta que, na sequência dos conflitos que o recorrente conheceu, isto é, antes da sua licença por doença, o clima de trabalho tornou-se prejudicial tanto para o bom funcionamento do serviço como para os interesses pessoais de todos os interessados, incluindo o recorrente.

22

Resulta dos autos que a situação era muito tensa no serviço onde trabalhava o recorrente e que não melhorou com o regresso deste. Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal (ver, nomeadamente, o acórdão de 10 de Julho de 1975, Scuppa, 4/74 e 30/74, Recueil 1975, p. 919), a mutação de um funcionário para pôr fim a uma situação administrativa insustentável deve ser considerada como tomada no interesse do serviço. Nas circunstâncias dos autos, a administração podia considerar que era do interesse do serviço afastar o recorrente da divisão a que tinha pertencido.

23

Contudo, a decisão de reafectação de um funcionário que implique a sua deslocação de Bruxelas para o Luxemburgo, contra a sua vontade, deve ser tomada com a diligência necessária e com um cuidado particular, nomeadamente tomando em consideração o interesse pessoal do funcionário atingido. Ora, a Comissão propôs ao recorrente escolher entre um lugar em Zaventem e o do Luxemburgo, mas o recorrente nunca deu a conhecer ao director-geral do Pessoal e da Administração o seu ponto de vista a esse respeito. Nestas circunstâncias, não se pode acusar a administração de não ter procedido com a diligência necessária.

24

Resulta do exposto que a decisão de reafectação do recorrente foi tomada no interesse do serviço, no respeito da equivalência dos lugares e do dever de solicitude da administração para com os seus funcionários. Essa decisão não pode ser considerada como uma sanção disciplinar dissimulada. Além disso, o recorrente não apresentou qualquer elemento que possa provar qualquer ligação entre a sua reafectação e um processo disciplinar anteriormente instaurado contra ele.

25

Em seguida, o recorrente sustenta que a decisão impugnada não está fundamentada.

26

A este respeito deve observar-se que uma decisão que implique uma deslocação de um funcionário contra a sua vontade é um acto que causa prejuízo na acepção do artigo 25.° do estatuto e deve, por isso, ser fundamentada. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal (ver, nomeadamente, o acórdão de 29 de Outubro de 1981, Arning, 125/80, Recueil 1981, p. 2539), uma decisão é suficientemente fundamentada quando o acto que é objecto de recurso ocorreu num contexto conhecido do funcionário atingido e lhe permite comprender o alcance da medida tomada a seu respeito.

27

E evidente que, no caso dos autos, a decisão impugnada foi precedida de entrevistas no decurso das quais o director-geral do Pessoal e da Administração expôs ao recorrente a situação e bem assim as razões da projectada colocação.

28

Finalmente, o recorrente argumenta que a decisão em litígio atenta contra os direitos sindicais na medida em que já não pode exercer correctamente o seu mandato sindical em Bruxelas. A Comissão violou, em especial, o artigo 24.°-A do estatuto e o artigo 13.° do acordo de 20 de Setembro de 1974, relativo às relações entre a Comissão e os organizações sindicais e profissionais.

29

Nos termos do artigo 24.°-A do estatuto, os funcionários gozam do direito de associação; podem ser membros de organizações sindicais ou profissionais de funcionários europeus. Segundo o artigo 13.° do acordo acima mencionado,

«... o facto de pertencer a uma organização sindical ou profissional, a participação na actividadae sindical ou o exercício de um mandato sindical não podem, sob qualquer forma ou a qualquer título, causar prejuízo à situação profissional ou ao desenvolvimento da carreira dos interessados».

30

O recorrente não apresentou qualquer elemento que torne plausível terem os direitos que lhe confere o artigo 24.°-A sido lesados pela sua reafectação, ou que a decisão de reafectação foi tomada por causa das suas actividades sindicais.

31

Resulta das considerações precedentes que os dois recursos devem ser julgados improcedentes.

Quanto às despesas

32

Nos termos do artigo 70.° do Regulamento Processual, nos recursos de funcionários, as despesas em que incorram as instituições ficam a cargo destas, sem prejuízo das disposições do n.° 3, segundo parágrafo, do artigo 69.°, relativamente às despesas reconhecidas pelo Tribunal como vexatórias ou inúteis.

33

No processo C-116/88, a Comissão pediu ao Tribunal para aplicar esta última disposição. Considera que um recurso que pretende a anulação de uma decisão que já deixou de produzir os seus efeitos é inútil porque a sua eventual anulação não pode aproveitar ao recorrente. Contudo, não se deve acolher este pedido, pelas razões expostas no presente acórdão, designadamente em matéria de admissibilidade.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Quarta Secção) declara e decide:

 

1)

Os recursos são julgados improcedentes.

 

2)

Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Kakouris

Koopmans

Diez de Velasco

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 7 de Março de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quarta Secção

C. N. Kakouris


( *1 ) Lingua do processo: francés.

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