Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61988CC0331

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 8 de Março de 1990.
    The Queen contra Minister of Agriculture, Fisheries and Food e Secretary of State for Health, ex parte: Fedesa e o.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
    Substâncias de efeito hormonal - Validade da Directiva 88/146/CEE.
    Processo C-331/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-04023

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:109

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    JEAN MISCHO

    8 de Março de 1990 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    Chamada a decidir um recurso contra o regulamento que transpõe para o direito britânico a Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais ( 1 ), a High Court of Justice submeteu a este Tribunal sete questões relativas à validade desse acto.

    2. 

    Antes de passar em revista essas questões, cujo texto integral consta do relatório para audiência, quero recordar que a Directiva 88/146 dá sequência à Directiva 81/602/CEE, de 31 de Julho de 1981 ( 2 ).

    3. 

    Enquanto o artigo 2o desta proibia, em princípio, a administração a um animal de exploração, por qualquer meio que fosse, de substâncias de efeito tireostático e de substâncias de efeito estrogénico, androgénico ou gestagénico, o seu artigo 5.o autorizava, até decisão posterior do Conselho, a manutenção das regulamentações nacionais em vigor que permitissem a administração de estradiol 17ß, de progesteroną, de testosterona, de trembolona e de zeranol, para efeitos de engorda.

    4. 

    O artigo 2o da Directiva 88/146, pelo contràrio, dispõe que os Estados-membros deixam de poder autorizar qualquer derrogação ao artigo 2o da Directiva 81/602. Todavia, a administração, para fins de tratamento terapêutico, de estradiol 17ß, de testosterona e de progesteroną pode ser autorizada. Portanto, a utilização das cinco hormonas para efeitos de engorda passa a ser proibida. A trembolona e o zeranol deixaram mesmo de poder ser administrados para fins terapêuticos.

    5. 

    A fundamentação da Directiva 88/146 é a seguinte. O Conselho fez em primeiro lugar duas constatações:

    a administração de certas substâncias de efeito hormonal a animais de exploração está actualmente regulamentada de modo diferente nos Estados-membros e isso devido a apreciações divergentes em relação às consequências da administração dessas substâncias para a saúde humana;

    essa divergência conduz a uma distorção das condições de concorrência entre produções que são objecto de organizações comuns de mercado e a entraves importantes no comércio intracomunitário.

    6. 

    O Conselho extraiu destas constatações uma primeira conclusão, a saber, que era

    «em consequência necessário pôr termo a essas distorções e a esses obstáculos, assegurando desse modo a todos os consumidores condições de abastecimento dos produtos em causa sensivelmente idênticas e forne-cendo-lhes um produto que melhor corresponda às suas preocupações e à sua expectativa; que as possibilidades de escoamento dos produtos em causa só podem vir a beneficiar desse facto».

    O Conselho, por fim, concluiu que era conveniente,

    «proibir a utilização de substâncias hormonais para fins de engorda».

    7. 

    Lembremos também que a directiva em causa é idêntica à Directiva 85/649/CEE ( 3 ) que o Tribunal anulou por acórdão de 23 de Fevereiro de 1988 por ter sido adoptada em violação do Regulamento Interno do Conselho ( 4 ). Algumas das questões apresentadas pelo juiz de reenvio fazem alusão a pontos já decididos pelo Tribunal no referido acórdão. Os outros dizem respeito, no entanto, a aspectos não decididos nessa ocasião pelo Tribunal. Por uma questão de clareza, abordarei sucessivamente as sete questões apresentadas, embora as cinco primeiras estejam ligadas entre si e certos argumentos substancialmente idênticos sejam invocados várias vezes.

    Quanto à violação do princípio da segurança jurídica

    8.

    Em rigor, o conceito de «segurança jurídica» traduz a ideia de que não deve existir qualquer dúvida quanto ao direito aplicável num dado momento em determinado domínio nem, por conseguinte, quanto ao carácter licito ou ilícito de certos actos ou comportamentos.

    9.

    E no entanto claro, tendo em conta as explicações do juiz de reenvio e as observações dos recorrentes no processo principal, que não é nesse sentido que a expressão «segurança jurídica» é utilizada nessa quêstão.

    10.

    Como o Governo britânico explica, a primeira questão tem em vista, de facto, saber se uma medida que é apresentada como baseando-se na existência de apreciações divergentes dos Estados-membros e nas preocupações e expectativas dos consumidores, mas sem que nenhuma prova científica seja aduzida em apoio dessas apreciações e preocupações, pode ser considerada válida. Para os recorrentes no processo principal e para o Governo britânico, a resposta a essa questão deve ser negativa. Mas, aos olhos do Governo britânico, a ilegalidade resulta de um atentado ao princípio da confiança legítima e não de uma violação do princípio da segurança jurídica. Os fabricantes, distribuidores e utilizadores das substâncias referidas pela directiva contestada estavam, segundo o Reino Unido, no direito de esperar que não fosse proibido administrá-las para fins não terapêuticos, a menos que a proibição se baseasse em provas científicas demonstrando que não eram de inocuidade suficiente e de qualidade e eficácia adequadas (ver os pontos 9 a 11 das observações do Governo do Reino Unido). Que pensar disto?

    11.

    Em minha opinião, resulta claramente do contexto global e da fundamentação da directiva que, no momento da adopção desta, o Conselho se encontrava perante uma daquelas situações económicas e políticas complexas em que o Tribunal lhe reconhece tradicionalmente um amplo poder discricionário.

    12.

    Recorde-se que, no acórdão Roquette, de 29 de Outubro de 1980 ( 5 ), o Tribunal declarou que:

    «Quando a implementação pelo Conselho da política agrícola comum implica a necessidade de apreciar uma situação económica complexa, o poder discricionário de que ele dispõe não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adoptar, mas também, em certa medida, à verificação dos dados de base, no sentido, nomeadamente, de que é permitido ao Conselho basear-se, eventualmente, em constatações globais. Ao fiscalizar o exercício de tal competência, o juiz deve limitar-se a examinar se não está viciado por erro manifesto ou desvio de poder ou se a autoridade em questão não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação.»

    13.

    No seu acórdão Stolting ( 6 ), o Tribunal salientou, a propósito de uma divergência de opiniões relativa mais particularmente «à oportunidade e à eficácia» de uma medida adoptada pelo Conselho:

    «que, embora a inadequação de uma medida ao objectivo que a instituição competente procura prosseguir possa afectar a sua legalidade, é, no entanto, necessário reconhecer ao Conselho um poder discricionário nesta matéria que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40.o e 43.o lhe impõem».

    No acórdão Schräder, o Tribunal foi ainda mais categórico ao declarar, após ter lembrado igualmente as responsabilidades políticas do legislador comunitário:

    «Consequentemente, o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, relativamente ao objectivo que a instituição competente entende prosseguir, pode afectar a sua legalidade» (acórdão de 11 de Julho de 1989, n.o 22, 265/87, Colect., p. 2237).

    14.

    No caso presente, o Conselho devia exercer o seu poder de apreciação e assumir as suas responsabilidades políticas face à seguinte situação.

    15.

    Por um lado, havia as opiniões científicas que, num primeiro momento, tinham levado a Comissão a declarar no sétimo considerando da sua proposta inicial ( 7 ):

    «que, no plano científico, se verifica que a utilização de estradiol 17ß, de testosterona e de progesteroną e dos derivados, dando facilmente o composto inicial na hidrólise após absorção no local da aplicação não apresenta efeito nocivo para a saúde do consumidor e não lesa o consumidor alterando as características da carne quando essas substâncias são utilizadas nas condições adequadas».

    Militavam igualmente no sentido de uma autorização dessas três substâncias pelo menos, as reacções negativas manifestadas por países terceiros exportadores de carne perante a possibilidade de a Comunidade poder fechar as suas fronteiras a carnes provenientes de animais tratados com hormonas.

    16.

    Mas, por outro lado, invocava-se toda uma série de argumentos em favor da proibição das cinco substâncias.

    a)

    A maior parte dos Estados-membros, que desde há muito tempo tinham proibido a utilização de todas as substâncias hormonais, continuava a não estar convencida da inocuidade destas. Os governos espanhol e italiano confirmaram, durante o presente processo, que é esse, ainda agora, o seu ponto de vista. A própria Comissão tinha integrado na sua proposta inicial de autorizar as três substâncias de condições muito precisas, a saber, que os Estados-membros deviam velar por que as substâncias em questão:

    fossem administradas aos animais de exploração apenas por implantações localizadas nas partes do animal que são eliminadas na altura do abate;

    fossem administradas apenas a animais identificados no momento da implantação, os quais não podem ser abatidos antes de expirado o prazo de espera fixado em aplicação da alínea a) do n. 3;

    fossem administradas por um veterinário.

    O Conselho referiu, durante o presente processo, que receava que, em caso de desrespeito dessas regras ou em caso de utilização de quantidades excessivas, as hormonas pudessem provocar consequências negativas para os consumidores. Lembrou igualmente que qualquer parecer científico é dado com a reserva «no estado actual dos conhecimentos».

    Os recorrentes respondem que a mesma coisa vale no que respeita a qualquer medicamento. Em minha opinião, existe no entanto uma diferença muito importante entre a utilização de um medicamento para fins terapêuticos e a sua utilização maciça para acelerar o crescimento dos animais.

    b)

    Na altura da adopção da directiva aqui em causa, ou seja, a de 7 de Março de 1988, o Conselho tinha, por outro lado, em seu poder o já referido acórdão «hormonas» do Tribunal, de 23 de Fevereiro de 1988. Nos n.os 34 e 35 desse acórdão, o Tribunal pronunciou-se quanto ao alcance do «relatório sobre a experiência adquirida e a evolução científica, acompanhado, se for caso disso, de propostas que tomem em consideração essa evolução» que o artigo 8.o da Directiva 81/602 impunha que a Comissão submetesse ao Conselho. O Tribunal declarou que:

    «(o)

    artigo 8.o impunha uma obrigação apenas à Comissão à qual incumbia mandar preparar o relatório e, se fosse caso disso, tomá-lo em conta nas suas propostas. O Conselho não era por isso obrigado a referir-se a esses antecedentes».

    Por outras palavras, o Conselho não era obrigado a autorizar a utilização das cinco substâncias hormonais para efeitos de engorda mesmo que esse relatório científico concluísse pela sua inocuidade.

    A isto acresce que a Comissão alterou a sua proposta inicial no sentido de uma proibição de todas as substancias hormonais.

    c)

    O Conselho recebeu uma tomada de posição do Parlamento Europeu que contrariava a proposta inicial da Comissão. Como veremos adiante, o parecer do Parlamento, emitido em 11 de Novembro de 1985, devia ainda ser considerado válido em Março de 1988. O Parlamento entendeu que:

    «As informações científicas relativas a essas substâncias estão longe de ser completas. Por conseguinte, persistem dúvidas consideráveis quanto à oportunidade da sua utilização e aos seus efeitos na saúde humana ... a incerteza que daí resulta quanto à inocuidade dessas substâncias afectou a confiança do consumidor ... As reacções das organizações de consumidores dos Estados-membros mostraram que estas últimas se opõem à autorização de utilizar hormonas na produção de carne» ( 8 ).

    O Comité Económico e Social confirmou este ponto de vista, declarando que:

    «Desde há muito que os representantes dos consumidores e dos trabalhadores se pronunciaram claramente contra a utilização de todos os anabolizantes para engorda dos animais» ( 9 ).

    d)

    O Conselho era assim remetido para a opinião das organizações de consumidores. Ora, é sabido que, em muitos países da Comunidade, essas organizações tinham lançado campanhas que iam até ao convite ao boicote das carnes com hormonas. Além disso, a Comissão referiu na audiência que, no passado, o consumo de carne tinha diminuído em duas ocasiões, devido a tais campanhas. Nesta situação, o Conselho não cometeu certamente um erro manifesto ao declarar que a carne obtida sem a utilização de hormonas correspondia melhor às preocupações e às expectativas dos consumidores e que as possibilidades de escoamento da carne só podiam beneficiar com isso.

    Em larga medida, essas campanhas não se baseavam, aliás, unicamente nos receios quanto ao carácter nocivo das hormonas, mas eram a expressão de uma tendência mais geral da opinião pública, a aversão crescente em relação à utilização de produtos químicos na agricultura. O Conselho podia portanto esperar, com elevado grau de probabilidade, que uma legalização das hormonas provocaria um movimento de protesto ainda mais vasto e uma descida ainda mais acentuada do consumo de carne, com todas as consequências negativas que isso comportaria para os agricultores.

    A Comissão lembrou que um parecer negativo em relação à utilização das substâncias hormonais foi ainda recentemente expresso, mais uma vez, simultaneamente pelo Bureau européen des unions de consommateurs, pela Consumer Federation of America e pela Public Voice for Food and Health Policy.

    e)

    Por fim, a apreciação do Conselho incidiu igualmente sobre a questão de saber se uma eventual autorização das três substâncias «naturais» era susceptível de pôr termo à utilização clandestina das substâncias cuja nocividade é reconhecida por todos e se deveria, portanto, ser pelo menos admitida a título de «mal menor», ou se só uma proibição de todas as substâncias podia ser eficazmente controlada. Como exporei mais adiante, a propósito da alegada violação do princípio da proporcionalidade, entendo que o Conselho não cometeu um erro manifesto ao considerar que, também do ponto de vista das possibilidades de controlo, a proibição geral constituía a solução a que se devia dar preferência.

    17.

    De uma forma geral, sou de opinião de que nenhum dos argumentos tomados em consideração pelo Conselho comportava um erro manifesto e que ele não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação ao extrair do conjunto dos argumentos em presença a conclusão de que era indicado e justificável proibir a administração das cinco substâncias para efeitos de engorda, e isso mesmo na ausência de provas científicas que demonstrassem que eram nocivas. A solução da proibição total era a única susceptível, ao mesmo tempo, de pôr termo às distorções da concorrência e aos entraves ao comércio intracomunitário de carne, de afastar qualquer perigo, mesmo puramente hipotético, para a saúde pública e de evitar uma nova descida do consumo.

    18.

    Para ser exaustivo, quero no entanto tomar posição ainda em relação a alguns outros argumentos que foram invocados.

    19.

    Os recorrentes alegam que os entraves ao comércio intracomunitário resultantes das legislações divergentes poderiam ter sido eliminados pela aplicação do artigo 30.o do Tratado, que proíbe as medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas. Ora, isto não é de modo nenhum certo, uma vez que teria sido perfeitamente concebível que o Tribunal de Justiça, solicitado a intervir pela via dos artigos 169.o ou 177.o do Tratado CEE, decidisse que as condições de aplicação do artigo 36.o estavam preenchidas. Em tal hipótese, os entraves e distorções teriam subsistido. Portanto, contrariamente à via escolhida pelo Conselho, a invocada pelos recorrentes não teria resolvido seguramente o problema.

    20.

    Os recorrentes no processo principal pensam também poder afirmar que os consumidores são reticentes em comprar carnes não tratadas com hormonas, devido ao seu aspecto menos apetitoso e ao seu mais elevado teor em matérias gordas. No entanto, não foi de modo nenhum provado que os consumidores prefeririam as carnes menos gordas se se lhes dissesse que estas provinham de animais tratados com hormonas. As organizações de consumidores, pelo contrário, mostraram que não queriam tais carnes.

    21.

    Finalmente, o Governo britânico alega que, desde 1965, a prática seguida pela Comunidade consistiu em basear a legislação relativa à autorização dos produtos farmacêuticos numa apreciação científica da inocuidade, da qualidade e da eficácia dos produtos em causa. Como no quadro da sua Directiva 81/602, de 31 de Julho de 1981, o Conselho anunciou que

    «a utilização de estradiol 17ß, de progesteroną, de testosterona, de trembolona e de zeranol tem ainda de ser objecto de estudos aprofundados sobre a sua inocuidade ou nocividade» (quarto considerando);

    os produtores e utilizadores dessas substâncias teriam, portanto, a «confiança legítima» de que a utilização dessas substâncias para efeitos de engorda seria permitida logo que uma apreciação científica tivesse demonstrado a sua inocuidade. A da trembolona e do zeranol teria sido demonstrada pouco tempo após a das três outras substâncias.

    22.

    Esta argumentação suscita três observações. Resulta, em primeiro lugar, do efeito conjugado do artigo 4.o da Directiva 81/602 e dos artigos 2.o e 3.o da Directiva 88/146 que uma lista de produtos que contenham estradiol 17ß, testosterona, e progesteroną e que podem ser autorizados pelos Estados-membros para fins de tratamento terapêutico será estabelecida respeitando os princípios e os critérios relevantes das directivas 81/851/CEE ( 10 ) e 81/852/CEE ( 11 ), mesmo que essas substâncias tenham sido, em si, objecto de estudo científico em conformidade com aquelas directivas. Não foi alegado que, por essa razão, não deveriam poder ser utilizadas para fins terapêuticos.

    23.

    De qualquer forma, como já referi, existe uma diferença importante entre a utilização de uma substância para fins terapêuticos e a sua utilização, muito mais frequente, para efeitos de engorda. O Conselho não excedeu a sua margem de apreciação ao entender que o facto de autorizar a primeira destas utilizações não o obrigava a autorizar igualmente a segunda.

    24.

    Em segundo lugar, embora seja verdade que a Directiva 81/602 pode ter criado nos meios interessados a esperança de que, na sequência de novos estudos, seria permitida a utilização das cinco substâncias para efeitos de engorda, tratava-se apenas de uma simples expectativa, e não de um caso de «confiança legítima».

    25.

    Com efeito, «quando se examina a jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto a este ponto, verifica-se que o problema que se encontra no centro da jurisprudência consiste em estabelecer, em cada caso, uma “base de confiança”; se tal base existir, a situação do particular merece protecção; senão, deverá sujeitar-se à aplicação da regra geral. Ainda segundo a jurisprudência, considerada no seu conjunto, parece que tal base só pode existir em caso de compromisso da autoridade, isto é, no quadro de uma relação contratual ou quase contratual entre a autoridade pública e a pessoa que invoca face a ela a protecção da confiança legítima» ( 12 ).

    26.

    Por fim, há que recordar que, nos n.os 34 e 35 do acórdão «hormonas», de 23 de Fevereiro de 1988, o Tribunal declarou que o Conselho não estava vinculado pelas conclusões do relatório científico previsto no artigo 8.o da Directiva 81/602.

    27.

    Por todas estas razões, proponho que o Tribunal declare que a Directiva 88/146 não é incompatível com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

    Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

    28.

    Os recorrentes no processo principal, apoiados pelo Reino Unido, expõem toda uma série de argumentos destinados a demonstrar que a proibição total das cinco substâncias consideradas é ilegal, porque viola o princípio da proporcionalidade.

    29.

    Sublinham, em primeiro lugar, que essa proibição não contribuiria em nada para os seus objectivos declarados, nomeadamente porque seria impossível de aplicar na prática. Por outro lado, dado que o perigo para a saúde seria inexistente, medidas menos restritivas, como campanhas de informação e obrigações em matéria de rotulagem, teriam sido suficientes para tranquilizar os consumidores.

    30.

    Não só a medida adoptada não teria qualquer resultado positivo, mas provocaria, pelo contrário, numerosos inconvenientes. Causaria assim prejuízos económicos, suportados, em primeiro lugar, pelas sociedades farmacêuticas, que deixam de poder vender certos preparados, em seguida pelos cultivadores, privados dos ganhos de custo e de produtividade que a utilização dessas substâncias tornavam possíveis, e, por fim, pelos veterinários, que perdem a liberdade médica de administrar hormonas e os rendimentos daí resultantes.

    31.

    A proibição teria, além disso, implicado o aparecimento de carne de bovino mais gorda que a tratada com hormonas, com todas as consequências nefastas que isso acarreta para a saúde pública. Teria igualmente causado a extensão considerável de um mercado negro de substâncias perigosas de substituição, que existia antes apenas nos Estados-membros em que estava já em vigor a proibição.

    32.

    Proponho ao Tribunal, no entanto, que considere mais convincentes os argumentos em sentido contrário apresentados pelo Conselho, pela Comissão, pelo Governo espanhol e pelo Governo italiano. Subscrevo esses argumentos, reproduzidos de forma bastante detalhada no relatório para audiência, para o qual me permito remeter. Os pontos seguintes parecem-me mais particularmente deverem ser tomados em consideração.

    33.

    A medida adoptada não é manifestamente inadequada ( 13 ) para atingir o objectivo pretendido. Só uma proibição total de todas as substâncias de efeito hormonal, quaisquer que sejam, era susceptível de ir verdadeiramente ao encontro das preocupações — justificadas ou não — dos consumidores. É certo que a proibição total não exclui a formação de um mercado negro e a administração clandestina das hormonas. Mas, como a Comissão sublinha, uma autorização apenas das hormonas ditas «naturais» não teria também impedido o aparecimento de um mercado negro para outras substâncias incontestavelmente perigosas mas mais baratas.

    34.

    Os recorrentes respondem, no entanto, que, se se permitisse pelo menos a administração do estradiol, da testosterona e da progesteroną, os agricultores seriam menos tentados a utilizar stilbenos e substancias de efeito tireostático (proibidas desde 1981) ou toda a especie de misturas. É possível, mas cabia ao Conselho utilizar o seu poder de apreciação e ponderar as vantagens e os inconvenientes das duas possibilidades que se lhe ofereciam : a proibição total, com o risco de um mercado negro, ou a autorização dessas três substâncias, com a certeza de suscitar novos convites ao boicote sem com isso eliminar qualquer mercado negro.

    35.

    Além disso, o controlo da regulamentação é mais fácil se todas as substâncias forem proibidas, pois, nessa altura, deixa de ser necessário verificar se as substâncias utilizadas se incluem ou não na categoria dos produtos proibidos.

    36.

    Mesmo que os recorrentes tenham razão quando sustentam que não é possível detectar a utilização das cinco substâncias hormonais em questão por testes nos animais ou nas carnes devido à presença de hormonas naturais, outras medidas de controlo estão à disposição das autoridades competentes. Com efeito, não se deve esquecer que, nos termos do artigo 1.o da Directiva 85/358/CEE do Conselho, de 16 de Julho de 1985, que completa a Directiva 81/602/CEE ( 14 ):

    «Os Estados-membros asseguram que sejam efectuados controlos oficiais por amostragem do local, no estádio do fabrico das substâncias referidas na Directiva 81/602/CEE, bem como no estádio da sua manutenção, armazenagem, transporte, distribuição e venda.»

    37.

    Assim, comparando as quantidades produzidas ou vendidas com as que são, em média, necessárias aos tratamentos terapêuticos, é possível descobrir se a proibição foi transgredida.

    38.

    Por outro lado, o artigo 3.o da mesma directiva prevê controlos por sondagem nos animais, nas suas explorações de origem, nomeadamente para detectar vestígios de implantações, bem como um controlo oficial que tem por finalidade detectar a presença de substâncias proibidas nas explorações agrícolas. A partir do momento em que todas as substâncias sejam proibidas, deixa de ser necessário analisar a natureza exacta dos produtos, nomeadamente das misturas.

    39.

    Quanto à possibilidade de atingir o objectivo procurado com a ajuda de uma medida menos rígida, os recorrentes alegam, em primeiro lugar, que teria sido possível dissipar os receios existentes nos consumidores pela divulgação de informações sobre a inocuidade das cinco substâncias e sobre as vantagens das carnes mais magras. Mas esse argumento pressupõe que esteja resolvido o problema sobre o qual precisamente as opiniões divergem, isto é, se os relatórios científicos disponíveis demonstram de forma definitiva e irrefutável que as substâncias em questão são totalmente inofensivas.

    40.

    Em segundo lugar, os recorrentes entendem que poderia ter bastado impor uma obrigação de rotulagem da carne proveniente de animais tratados.

    41.

    Em minha opinião, o Conselho e a Comissão demonstraram, no entanto, de forma convincente, que a rotulagem não constitui uma alternativa real. Seria necessário, com efeito, «acompanhar» a carne de cada animal do matadouro até ao talho ou ao armazém com várias secções e marcar cada um dos numerosos pedaços vendidos em separado bem como as preparações de charcutaria, como as salsichas. Na maior parte dos Estados-membros, tal rotulagem seria aliás contraproducente, pois a carne assim marcada seria recusada.

    42.

    Quanto à proporcionalidade em sentido restrito, isto é, à ponderação dos prejuízos causados a direitos individuais e às vantagens criadas em contrapartida no interesse geral, há que notar que a preservação da saúde pública deve prevalecer sobre qualquer outra consideração. A partir do momento em que o Conselho entendeu, nos termos do seu poder de apreciação, não poder ignorar as dúvidas manifestadas pela maior parte dos Estados-membros e por uma larga parte da opinião pública em relação à inocuidade dessas substâncias, estava no direito de impor sacrifícios financeiros aos meios em causa.

    43.

    Entendo, portanto, que há que responder pela negativa à segunda questão.

    Quanto à violação do princípio da igualdade

    44.

    Os recorrentes no processo principal sustentam que a directiva é discriminatória, porque a sua incidência económica é muito diferente consoante os Estados-membros: a administração das hormonas teria, com efeito, sido praticada muito mais largamente no Reino Unido, em Espanha, em França e na Irlanda que nos outros Estados-membros, e isso devido a tradições zootécnicas diferentes. A High Court informa-nos de que esses elementos de facto são exactos.

    45.

    É no entanto interessante notar que, entre os países citados, só o Reino Unido parece ter votado contra a directiva. O Governo espanhol, nas observações que apresentou, contesta formalmente que a directiva tenha um efeito discriminatório. Alega que «esse argumento não pode ser admitido na medida em que a razão de ser da directiva é precisamente a existência de uma disparidade normativa entre os diversos Estados-membros. Se a situação fosse idêntica por toda a parte, nenhuma norma seria necessária... Além disso, não pode haver discriminação uma vez que a norma comunitária se aplica igualmente a todos os Estados-membros. Não está prevista nenhuma derrogação específica às disposições deste texto para um Estado-membro, de forma a colocar este último em situação de vantagem em relação aos outros» (ponto III, p. 6 das observações do Governo espanhol). Subscrevo estes argumentos, bem como os apresentados no mesmo sentido pela Itália, pelo Conselho e pela Comissão. Os acórdãos referidos pelos recorrentes em apoio da sua tese situam-se em contextos de tal forma diferentes que não podem valer como precedente no presente processo.

    Quanto à acusação de desvio de poder

    46.

    Na quarta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se a Directiva 88/146 deve ser considerada nula pelo facto de o Conselho ter cometido um desvio de poder, sendo essa directiva incompatível com os objectivos da política agrícola comum consagrados pelo artigo 39.o do Tratado CEE.

    47.

    Os recorrentes no processo principal invocam, a este propósito, argumentos que já referiram a propósito das questões precedentes para daí concluírem que, não apresentando a medida adoptada qualquer vantagem, não pode contribuir para a realização dos objectivos enunciados nos artigos 39.o do Tratado e se destina, de facto, a prosseguir um objectivo diferente, não confessado pelo Conselho, isto é, a redução dos excedentes de carne de bovino, redução essa que seria tornada possível pela diminuição da produção decorrente da baixa de produtividade provocada pela medida adoptada.

    48.

    Os recorrentes oferecem testemunhos que visam demonstrar que o Parlamento estava muito preocupado com os excedentes no momento da sua discussão sobre a proposta da Comissão e outros testemunhos de que resultaria que essa preocupação era também a da Comissão.

    49.

    Mas, no acórdão do Tribunal de 21 de Junho de 1984, Lux/Tribunal de Contas (63/83, Recueil, p. 2447 e 2465), pode 1er--se:

    «Conforme o Tribunal declarou reiteradamente..., uma decisão só está viciada por desvio de poder se, com base em indicios objectivos, pertinentes e concordantes, se revelar ter sido adoptada para atingir fins diferentes dos invocados.»

    50.

    Ora, embora seja possível que as instituições tenham visto numa redução da produção de carne um efeito positivo adicional da proibição, não resulta dos elementos aduzidos pelos recorrentes que essa consideração tenha sido a razão verdadeira ou determinante da acção do Conselho e que todas as razões enumeradas nos considerandos tenham servido apenas para a ocultar.

    51.

    Proponho, portanto, ao Tribunal que dê uma resposta negativa à quarta questão.

    Quanto à acusação de insuficiência de fundamentação

    52.

    Os recorrentes no processo principal desenvolvem aqui uma argumentação intimamente ligada à questão precedente. Sustentam, com efeito, que, não tendo a directiva sido motivada pelas razões constantes da sua exposição de motivos, e sim pela vontade de combater os excedentes de carne, esta consideração deveria ter figurado na exposição de motivos da directiva, que seria portanto nula por falta de fundamentação.

    53.

    Tendo já sido provado que a tese dos recorrentes quanto à motivação real da directiva não pode ser acolhida, por falta de provas suficientes, devemos concluir que esse argumento deve necessariamente ser também afastado. Recordo, além disso, que o Tribunal decidiu, no n.o 28 do acórdão 68/86, já referido, que os considerandos da directiva enunciam com clareza suficiente os objectivos prosseguidos.

    54.

    Resulta daqui que a resposta proposta à quinta questão é igualmente de sentido negativo.

    Quanto à violação de formalidades essenciais

    55.

    Os recorrentes no processo principal invocam três vícios de forma que, no seu entender, afectam a validade da directiva.

    56.

    Assim, sustentam em primeiro lugar que, na sequência da anulação da Directiva 85/649 pelo Tribunal, todos os actos preparatórios, incluindo a proposta da Comissão e o parecer do Parlamento obtidos antes da «adopção» desta, seriam de efeito nulo.

    57.

    Tal corno a Comissão e o Conselho, entendo, no entanto, que a anulação da directiva anterior pelo Tribunal de Justiça, devido a vício de ordem meramente processual ocorrido no estádio final da sua adopção, não pôde afectar a validade do processo decorrido antes do recurso, ilegal, pelo Conselho ao processo escrito. Por isso, tanto a proposta da Comissão como a consulta do Parlamento permaneceram válidos apesar da anulação da Directiva 85/649.

    58.

    No que respeita à proposta da Comissão, é necessário recordar ainda que o n.o 3 do artigo 149.o do Tratado CEE prevê que «até deliberação do Conselho, a Comissão pode alterar a sua proposta». Daí resulta que uma proposta «continua na mesa» até que o Conselho tenha deliberado (a menos, evidentemente, que tenha sido formalmente retirada). Ora, como a Directiva 85/649 foi anulada por vício de forma, o Conselho não deliberou validamente, e a proposta da Comissão não esgotou os seus efeitos.

    59.

    Na opinião dos recorrentes, o parecer do Parlamento e a proposta da Comissão deveriam ter sido igualmente considerados ultrapassados porque tinham em vista a situação existente em 1984 e 1985 e porque assentavam no conjunto de conhecimentos científicos e outros disponíveis nessa época. A isto deve responder-se que, se o Parlamento tivesse sido de parecer, em Fevereiro/Março de 1988, de que a directiva não devia ser adoptada de novo na versão anulada pelo Tribunal, não teria deixado de votar uma resolução nesse sentido, e que a Comissão, representada aquando da discussão no Conselho, teria perfeitamente tido a possibilidade de informar este de uma eventual mudança de opinião da sua parte.

    60.

    Os recorrentes no processo principal invocam também o facto de a composição do Parlamento e da Comissão terem mudado desde 1984-1985, na sequência da adesão da Espanha e de Portugal. Mas tal consideração não tem a menor importância, pois o Parlamento e a Comissão agem sempre enquanto instituições, qualquer que seja a sua composição.

    61.

    Por fim, o Governo britânico sustenta ainda que o Parlamento deveria ter sido, de qualquer forma, novamente consultado já em 1985, uma vez que a proposta foi consideravelmente modificada depois de ele ter dado o seu parecer. Não pode, no entanto, contestar-se que essa modificação foi feita no sentido indicado pelo Parlamento no seu parecer, em que se tinha pronunciado a favor da proibição total das cinco substâncias, finalmente acolhida pelo Conselho, ao passo que a proposta que lhe tinha sido apresentada comportava apenas uma proibição do zeranol e da trembolona. Portanto, não se impunha uma nova consulta do Parlamento.

    62.

    Decorre de tudo o que precede que não houve violação de formalidades essenciais.

    Quanto à violação do princípio da não retroactividade

    63.

    A High Court of Justice pergunta ao Tribunal, em último lugar, se a Directiva 88/146 é nula em virtude de ser incompatível com o princípio da não retroactividade das disposições legislativas, em particular daquelas cujo objectivo é sancionar penalmente actos cometidos antes da sua publicação. O artigo 10.o da directiva impõe com efeito aos Estados-membros que lhe dêem cumprimento o mais tardar até 1 de Janeiro de 1988, quando ela foi apenas adoptada em 7 de Março de 1988.

    64.

    A este propósito, convém notar, em primeiro lugar, a diferença importante que existe entre um caso clássico de retroactividade, em que intervém inesperadamente uma nova regulamentação que se aplica a factos ocorridos no passado, e o caso presente, em que:

    os interessados foram informados com dois anos de antecedência de que, a partir de 1 de Janeiro de 1988, certas práticas seriam proibidas (a Directiva 85/649, com efeito, foi publicada no JO em 31 de Dezembro de 1985);

    as práticas em questão foram efectivamente proibidas em todos os Estados-membros com excepção de um, de 1 de Janeiro de 1988 até à data do acórdão do Tribunal de Justiça, 23 de Fevereiro de 1988.

    65.

    Há que notar, em segundo lugar, como fizeram o Governo italiano e o Conselho, que são, em princípio, as medidas nacionais de execução que produzem efeitos em relação aos particulares, e não as próprias directivas. A directiva em causa não comporta, aliás, qualquer disposição de natureza penal.

    66.

    Em terceiro lugar, a anulação de uma directiva não cria necessariamente um vazio jurídico em todos os Estados-membros. Tudo depende da natureza das medidas adoptadas a nível interno.

    67.

    No caso que nos ocupa, oito Estados-membros tinham já proibido as cinco substâncias hormonais, por decisões autónomas, muito antes da adopção da directiva de 1985. Os actos nacionais em questão não se tornaram certamente inválidos após a anulação da directiva. Outros Estados-membros adoptaram essa medida apenas para darem cumprimento à directiva. Em alguns desses países, as medidas em questão foram provavelmente adoptadas nos termos de competências legislativas ou regulamentares normais, como se se tratasse de uma decisão puramente nacional. Também aí, a anulação da directiva não terá posto em causa a validade das disposições de direito interno, e nenhum problema de retroactividade pode, portanto, colocar-se.

    68.

    No Reino Unido, pelo contrário, a Directiva 85/649 parece ter constituído a única e exclusiva base jurídica das disposições adoptadas em direito nacional, a saber «The médecines (hormone growth promoters) (prohibition of use) Regulations SI 1986 n.o 1876», que entraram em vigor em 1 de Dezembro de 1986. Se esses Regulations se tornaram efectivamente inválidos em virtude da anulação da Directiva 85/649, então não existia, nessa altura, nenhuma disposição de direito britânico que proibisse a administração das cinco substâncias hormonais aos animais, e tal administração não era, portanto, punível.

    69.

    Quanto à Directiva 88/146, foi-lhe dado cumprimento por «Regulations» de título idêntico (SI 1988 n.o 705), que só entraram em vigor em 13 de Abril de 1988. Portanto, o Conselho tem provavelmente razão quando chama a atenção para o facto de os recorrentes no processo principal não parecerem, em nenhuma altura, ter sido sujeitos a uma disposição de direito interno com carácter retroactivo. A questão de saber se o Reino Unido cometeu uma infracção à directiva ao não atribuir natureza retroactiva a essas disposições não necessita de ser examinada aqui.

    70.

    Essas reflexões não nos dispensam, no entanto, de examinar se a Directiva 88/146 deve ser considerada inválida devido à retroactividade que prevê.

    71.

    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «o princípio da não retroactividade das disposições penais é um princípio comum a todas as ordens jurídicas dos Esta-dos-membros, consagrado pelo artigo 7.o da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais como um direito fundamental, que é parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito o Tribunal assegura» ( 15 ).

    72.

    No entanto, o Tribunal de Justiça entendeu que, para além deste aspecto, o princípio da não retroactividade não tem carácter absoluto, afirmando que «se, regra geral, o princípio da segurança jurídica se opõe a que os efeitos de um acto comunitário retroajam a uma data anterior à da sua publicação, o contrário pode passar-se, excepcionalmente, quando o objectivo a alcançar assim o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada» ( 16 ).

    73.

    Essas condições estarão preenchidas no caso vertente? O objectivo a atingir exigia que a directiva retroagisse a 1 de Janeiro de 1988?

    74.

    Note-se, em primeiro lugar, que o Conselho era manifestamente de opinião de que, dado que a directiva tinha sido anulada unicamente por causa de um vício processual, era indicado adoptá-la de novo o mais rapidamente possível sem lhe alterar uma vírgula. Isto explica que, no artigo 10.o da directiva, se encontre a fórmula, que entretanto se tornou surrealista, segundo a qual os Estados-membros devem dar cumprimento à directiva «o mais tardar em 1 de Janeiro de 1988».

    75.

    O Conselho considerou também que era necessário evitar que nos poucos dias que mediaram entre a anulação da directiva e a sua nova adopção pudesse criar-se um vazio jurídico e que a administração das substâncias hormonais pudesse ser retomada. Por isso pretendeu dar uma nova base jurídica, em direito comunitário, às disposições já adoptadas pelos Estados-membros para dar cumprimento ao disposto na Directiva 85/649, na medida em que a manutenção dessas disposições dependia da existência de uma directiva válida, embora estivesse certamente consciente de que não podiam ser aplicadas sanções por actos praticados durante o período em questão.

    76.

    Era também necessário dar efeitos retroactivos à directiva a fim de fazer entrar em vigor algumas das suas disposições que prevêem obrigações importantes para a execução concreta da directiva, como, por exemplo, o seu artigo 4.o, citado pelo Governo britânico, que impõe a manutenção de um registo em que devem ser inscritas as quantidades de substâncias produzidas, adquiridas, vendidas ou utilizadas a partir de 1 de Janeiro de 1988.

    77.

    Entendo que esses objectivos justificavam a retroactividade e que uma fundamentação desta, que teria conduzido a modificar os considerandos da directiva, não era necessária, nas circunstâncias do caso vertente.

    78.

    Parece-me igualmente claro que, entre 23 de Fevereiro e 7 de Março de 1988, os meios interessados, entre os quais os recorrentes no processo principal, não puderam «adquirir uma confiança legítima na legalização das substâncias em causa» (ver a posição do Conselho tal como se encontra resumida no relatório para audiência). Pelo contrário, como a directiva tinha sido anulada apenas por vício de forma e como nada permitia concluir por uma mudança de atitude por parte da maioria dos Estados-membros e da opinião pública, podia esperar-se com uma quase certeza que a directiva seria de novo, e desta vez validamente, adoptada.

    79.

    Dito isto, o princípio da não retroactividade das penas não pode ser violado. Que se passará, então, se efectivamente, num ou noutro Estado-membro, as disposições adoptadas para execução da Directiva 85/646 tivessem caducado porque assentavam, em direito nacional, numa base jurídica que permite unicamente implementar os actos das instituições europeias, desde que esses actos sejam válidos, e se esse Estado-membro, para dar cumprimento à Directiva 88/146, adoptou uma nova disposição de direito interno que retroage a 1 de Janeiro de 1988?

    80.

    Em tal caso, a directiva não obriga o juiz nacional a aplicar sanções penais por actos cometidos antes da data em que o acto nacional que dá cumprimento à directiva se tornou oponível aos particulares. Ele pode legitimamente interpretar o artigo 10.o da directiva à luz do princípio da não retroactividade das penas e considerar adquirido que, ao redigir esse artigo, o Conselho não pretendeu — e não poderia — derrogar esse princípio.

    81.

    Decorre de tudo o que precede que a Directiva 88/146 não deve ser considerada nula pelo facto de ser incompatível com o princípio da não retroactividade, dado que deve ser interpretada no sentido que acabo de referir.

    Conclusão

    82.

    Proponho que se responda da forma seguinte à High Court de Londres:

    «O exame das questões apresentadas não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade da Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utíização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais, sendo certo que o artigo 10.o desta deve ser interpretado no sentido de que não obriga os Estados-membros a punir particulares por factos anteriores à data em que a disposição de direito interno que dá cumprimento à directiva se lhes tornou oponível.»


    ( *1 ) Língua original: francês.

    ( 1 ) JO L 70, p. 16.

    ( 2 ) Directiva do Conselho relativa å interdição de certas substâncias de efeito hormonal e de substâncias de efeito tireostático (JO L 222, p. 32; EE 03 F23 p. 38).

    ( 3 ) Directiva do Conselho, de 31 de Dezembro de 1985, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 382, p. 228; EE 03 F40p. 159).

    ( 4 ) Acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (68/86, Colcct., p. 855).

    ( 5 ) Acórdão de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho, n.o 25 (138/79, Recueil, p. 3333 e 3358).

    ( 6 ) Acórdão de 21 de Fevereiro de 1979, Stölting/Hauptzollamt Hamburg Jonas, n.o 7 (138/78, Recueil, p. 713 e 722).

    ( 7 ) JO 1984, C 170, p. 4.

    ( 8 ) JO 1985, C 288, p. 158.

    ( 9 ) JO 1985, C 44, p. 14.

    ( 10 ) Directiva do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos medicamentos veterinários (JO L 317, p. 1;EE 13 F12 p. 3).

    ( 11 ) Directiva do Conselho, de 28 de Setembro de 1981, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes às normas e protocolos analíticos, tóxico-farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de medicamentos veterinários (TO L 317, p. 16; EE 13 F12 p. 18).

    ( 12 ) Pescatore, P.: «Les principes généraux du droit en tant que source du droit communautaire», Rapports du 12e congrès de la Fédération internationale pour le droit européen, Paris, 1986, tomo I, p. 35.

    ( 13 ) Ver o acórdão Stölting iil referido, e o acórdão de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac, n.o 17 (59/83, Recueil, p. 4057).

    ( 14 ) JO L 191, p. 46; EE 03 F3Ć p. 104.

    ( 15 ) Ver o acórdão do Tribunal de 10 de Julho de 1984, Rc-gina/Kcnt Kirk (63/83, Recueil, p. 2689), c também o acórdão do Tribunal de 8 de Outubro de 1987, Kolpingliuis (80/86, Colect., p. 3969), çm que o Tribunal classificou p principio da nao retroactividade entre os «principios gerais de direito que fazem pane do direito comunitário».

    ( 16 ) Ver, designadamente, o acórdão de 25 de Janeiro dc 1979, Decker (99/78, Recueil, p. 101), c, em último lugar, o acõrdío de 9 de Janeiro de 1990, Società agricola fattoria alimentare SpA (C-337/88, Colcct., p. I-I).

    Top