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Document 61988CC0062

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 14 de Fevereiro de 1990.
    República Helénica contra Conselho das Comunidades Europeias.
    Política Comercial Comum - Importação de produtos agrícolas - Acidente na central nuclear de Chernobil.
    Processo C-62/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-01527

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:68

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    MARCO DARMON

    apresentadas em 14 de Fevereiro de 1990 ( *1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. 

    A República Helénica interpôs para este Tribunal um recurso de anulação do Regulamento (CEE) n.° 1955/87 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1987, relativo às condições de importação de produtos agrícolas originários de países terceiros na sequência do acidente ocorrido na central nuclear de Chernobil ( 1 )(a seguir «Regulamento n.° 3955/87»).

    2. 

    Este regulamento, baseado no Tratado CEE, «e nomeadamente, o seu artigo 113.°» ( 2 ), que, recordamos, institui a política comercial comum, tem como objecto sujeitar a colocação em livre prática de determinados produtos agrícolas provenientes de países terceiros ao respeito das tolerâncias máximas de contaminação radioactiva. Prevê a possibilidade de os Estados-membros controlarem a observância destas tolerâncias e organiza um sistema de trocas de informações centralizado pela Comissão. Esta, com a colaboração dum comité ad hoc, pode tomar medidas que podem ir até à proibição da importação dos produtos originários do país terceiro em causa.

    3. 

    Este regulamento, aplicável por um período de dois anos, substitui um anterior Regulamento (CEE) n.° 1707/86, de 30 de Maio de 1986 ( 3 ), cujo teor era idêntico e cujo período de validade primitivamente fixado até 30 de Setembro de 1986, foi prorrogado por duas vezes até 31 de Outubro de 1987 ( 4 ).

    4. 

    Esclarecemos que, igualmente em 22 de Dezembro de 1987, o Conselho adoptou o Regulamento (Euratom) n.° 3954/87, que fixa os níveis máximos tolerados de contaminação radioactiva dos géneros alimentícios e alimentos para animais na sequência de um acidente nuclear ou de qualquer outro caso de emergência radiológica ( 5 ), o qual foi objecto do recurso n.° 70/88 interposto pelo Parlamento contra o Conselho.

    5. 

    O presente recurso baseia-se em dois fundamentos de anulação, por um lado, a violação dos tratados CEE e Euratom e a existência de um desvio de poder, por outro lado, o carácter vago da proposta da Comissão. O primeiro fundamento está de facto dividido em duas partes, uma baseada na violação dos citados tratados que o Conselho teria cometido ao basear-se exclusivamente no artigo 113.° do Tratado CEE, o outro na existência de um alegado desvio de poder. O requerimento introdutório do pedido, na epígrafe que precede o desenvolvimento consagrado ao primeiro fundamento, faz igualmente referência à violação de formalidades essenciais. Todavia, a leitura das observações que figuram sob esta epígrafe mostra que, na realidade, apenas é censurado ao Conselho o facto de ter adoptado uma base jurídica incorrecta e de ter cometido assim um desvio de poder. O argumento apresentado, segundo o qual haveria uma contradição entre a primeira referência do regulamento impugnado, que visa o artigo 113.°, e as medidas adoptadas no regulamento propriamente dito, que derivariam de uma outra base jurídica, parece constituir uma única arguição, a da adopção de um fundamento jurídico errado. A referência a violação de formalidades essenciais parece, portanto, redundante.

    6. 

    Antes de abordar a análise dos dois fundamentos do recurso, devem contudo ser resolvidas duas dificuldades.

    7. 

    Com efeito, o Conselho, no seu memorando de defesa, suscitou liminarmente a inadmissibilidade do primeiro fundamento na parte em que visa a violação do Tratado Euratom, uma vez que o recurso é baseado unicamente no artigo 173.° do Tratado CEE, com exclusão de qualquer referência ao artigo 146.° do Tratado Euratom ( 6 ). A Comissão adere ao Conselho neste ponto ( 7 ).

    8. 

    A este respeito, limitar-nos-emos a recordar que, nos termos do artigo 173.° do Tratado CEE, o Tribunal «é competente para conhecer dos recursos com fundamento em ... violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação...» ( 8 ). Portanto, uma parte do primeiro fundamento, aquela que se refere à violação do Tratado Euratom, parece manifestamente inadmissível. Aliás, notamos que o Estado recorrente não explicou no seu requerimento em que consistia a violação do Tratado Euratom.

    9. 

    É certo que este Tribunal, chamado a decidir uma questão prejudicial com fundamento unicamente no artigo 177.° do Tratado CEE, apreciou, não obstante, no acórdão Deutsche Babcock, se questões a que se aplicava um regulamento CEE eram objecto de disposições do Tratado CECA ( 9 ). Mas o artigo 232.°, n.° 1, do Tratado CEE ressalva a aplicação das diposições do Tratado CECA e o Tribunal interpretou este artigo no sentido de que, na ausência de disposições similares no Tratado CECA, podem ser aplicadas a produtos sujeitos a este Tratado disposições do Tratado CEE. A situação hoje submetida a este Tribunal é muito diferente e o citado acórdão não nos parece dever constituir obstáculo à inadmissibilidade parcial deste primeiro fundamento.

    10. 

    Uma segunda dificuldade prévia deriva do facto de a República Helénica, na sua réplica ( 10 ), ter invocado pela primeira vez a violação do artigo 190.° do Tratado CEE, na medida que o regulamento impugnado teria sido adoptado de tal forma que não permitia conhecer «as condições em que as instituições comunitárias aplicaram o Tratado». Interrogada por este Tribunal sobre a questão de saber se a referência ao artigo 190.° não constituiria um novo fundamento na acepção do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento Processual, a República Helénica alegou que se tratava de um argumento necessário para apoio do primeiro fundamento, no sentido de que a diferença de base jurídica do Regulamento n.° 1707/86 e do Regulamento n.° 3955/87 «não contêm elementos objectivos que permitam ... ao Tribunal exercer o controlo jurisdicional adequado» e «aos Estados-membros e aos interessados conhecerem as condições em que as instituições comunitárias aplicaram as disposições do Tratado na situação concreta».

    11. 

    Esta resposta faz referência à jurisprudência estabelecida por este Tribunal desde o acórdão Comissão/Conselho de 26 de Março de 1987, baseada na obrigação de fundamentar determinados actos comunitários prevista no artigo 190.° do Tratado, e segundo a qual,

    «para satisfazer este dever de fundamentação, é necessário que os actos comunitários contenham a exposição dos elementos de facto e de direito nos quais a instituição se fundou, de modo a que o Tribunal possa exercer o seu controlo e a que tanto os Es-tados-membros como os interessados conheçam as condições nas quais as instituições comunitárias aplicaram o Tratado» ( 11 ).

    12. 

    Desde então, esta jurisprudência rejeita a indicação imprecisa da base jurídica pelo recurso a formulações como «tendo em conta o Tratado» ( 12 ).

    13. 

    A simples comparação das datas mostra, aliás, o diálogo indirecto que foi instaurado entre o Conselho e este Tribunal:

    30 de Maio de 1986: adopção pelo Conselho do Regulamento n.° 1707/86 baseado no Tratado sem qualquer outra precisão,

    26 de Março de 1987: citado acórdão Comissão/Conselho, impondo a obrigação de indicar a base jurídica do acto comunitário,

    22 de Dezembro de 1987: adopção pelo Conselho do regulamento elaborado tendo em conta especificamente o artigo 113.° do Tratado CEE.

    14. 

    Se este Tribunal, no citado acórdão, anulou os regulamentos impugnados, tal verificou-se, todavia, por duas razões, após ter constatado que os mesmos

    «não satisfazem às exigências de fundamentação do artigo 190.° do Tratado, por um lado, e que, por outro lado, não foram adoptados com fundamento jurídico correcto» ( 13 ).

    15. 

    Em consequência, se é certo que o artigo 190.° do Tratado institui a obrigação de indicar a base jurídica do acto adoptado, a necessidade de escolher a base jurídica correcta não poderá fundar-se neste artigo, pois ela deriva do próprio princípio da legalidade comunitária.

    16. 

    Ora, no seu recurso de anulação, a República Helénica pretende contestar o recurso ao artigo 113.° do Tratado enquanto fundamento jurídico; não censura de forma alguma ao Conselho o não ter indicado tal fundamento.

    17. 

    Portanto, ou a referência ao artigo 190.° na réplica visa uma falta de fundamentação, caso em que este novo fundamento se mostra inadmissível à luz do artigo 42.° n.° 2 do Regulamento Processual, ou esta referência deve ligar-se à contestação da base jurídica escolhida pelo Conselho, caso em que é inútil.

    18. 

    Aliás, poder-se-ia pensar que esta referência ao artigo 190.° visava de facto o segundo fundamento, derivado do carácter vago da proposta da Comissão. Com efeito, sobre este ponto, a República Helénica censura ao Conselho o não ter indicado se o acto adoptado era ou não conforme com a proposta da Comissão. Ora, o artigo 190.° é justamente aquele que dispõe que «os regulamentos ... serão fundamentados e referir--se-ão às propostas ou pareceres obrigatoriamente recolhidos, por força do presente Tratado». A resposta dada pela República Helénica à questão escrita que o Tribunal lhe colocou não permite, todavia, reter tal análise, uma vez que se refere expressa e unicamente ao primeiro fundamento.

    19. 

    Passemos agora à análise deste último, considerado na sua primeira parte. Pode resumir-se da forma seguinte: o Regulamento n.° 3955/87 diz respeito exclusivamente à protecção da saúde das populações dos Es-tados-membros contra as consequências do acidente nuclear de Chernobil e, portanto, deveria ter sido baseado nos artigos 130.°-R e 130.°-S do Tratado CEE, eventualmente em conjugação com o artigo 235.°

    20. 

    Em apoio desta tese, a República Helénica sustenta que o Regulamento n.° 1707/86, cujo teor era idêntico, tinha sido adoptado por unanimidade, por motivos de protecção da saúde pública, que o Regulamento n.° 3954/87, do mesmo dia, se baseou no artigo 31.° do Tratado Euratom, que diz respeito à protecção sanitária da população e dos trabalhadores, e que, finalmente, a referência ao artigo 113.° introduz um elemento de confusão que impede o Tribunal de exercer o seu controlo jurisdicional.

    21. 

    Observemos, a titulo preliminar, que a controvérsia sobre a base jurídica correcta não é de alcance puramente formal, uma vez que o artigo 113.°, n.° 4, prevê um voto do Conselho por maioria qualificada, enquanto que em matéria de ambiente resulta da conjugação dos artigos 130.°-R e 130.°-S que o Conselho, regra geral, delibera por unanimidade. Segundo os próprios termos da jurisprudência do Tribunal,

    «a escolha do fundamento jurídico era, assim, susceptível de ter consequências sobre a determinação do conteúdo (do regulamento impugnado)» ( 14 ).

    22. 

    A questão essencial é, pois, determinar se as medidas instituídas pelo regulamento impugnado fazem parte ou não da política comercial comum. Curiosamente, enquanto que a maior parte dos comentadores do Acto Único sublinharam as prováveis dificuldades de delimitação entre o artigo 100.°-A e os artigos 130.°-R e 130.°-S do Tratado, nenhuma referência foi feita a semelhantes dificuldades relativamente ao artigo 113.° ( 15 ).

    23. 

    Recordamos a este propósito que o Tribunal, antes do Acto Único, já tinha decidido que a protecção do ambiente era um dos objectivos da Comunidade ( 16 ) e que

    «não (estava) de forma alguma excluído que se pudessem enquadrar no artigo 100.° do Tratado disposições em matéria de ambiente» ( 17 ).

    Já antes do Acto Unico, portanto, uma acção em matéria de ambiente podia ser inserida no âmbito de uma outra política comunitária.

    24. 

    O Acto Único Europeu institui expressamente uma competência da Comunidade em matéria de ambiente, ao inserir no Tratado os artigos 130.°-R a 130.°-T. Mas a protecção do ambiente faz parte igualmente da realização do mercado interno, uma vez que está prevista nos n.os 3 e 4 do artigo 100.° -A no que respeita, por um lado, ao nível de protecção que a Comissão deve atingir nas suas propostas e, por outro lado, às cláusulas de salvaguarda. Portanto, como referimos, os comentadores puderam sublinhar as dificuldades de delimitação entre os artigos 100.°-A e 130.°-S ( 18 ).

    25. 

    Todavia, ao lado desta obrigação expressa de tomar em conta a protecção do ambiente na realização do mercado interno, toda a política comunitária deve zelar para uma tal tomada em consideração, uma vez que o artigo 130.°-R, n.° 2, dispõe que «as exigências em matéria de protecção do ambiente são uma componente das outras políticas da Comunidade». Se devemos deduzir desta disposição que «não é de excluir que decisões tomadas no âmbito destas políticas não tenham exclusivamente em conta os seus dados específicos, mas que sejam alteradas, ou mesmo não adoptadas, tendo em conta os problemas do ambiente» ( 19 ), também devemos, em nossa opinião, daí concluir que uma medida que tenha efeitos, ou mesmo objectivos, protectores do ambiente pode ter sido adoptada com base num fundamento distinto do do artigo 130.°-R.

    26. 

    O Acto Único, ao instituir de forma expressa uma acção da Comunidade em matéria de ambiente, quando este Tribunal já tinha decidido que a protecção neste domínio era um dos objectivos da Comunidade, não restringiu, neste ponto, a capacidade de intervenção das instituições da Comunidade. Com efeito, a instituição de uma competência comunitária nova no Tratado, tendo por corolário uma regra de decisão em princípio por unanimidade, não pode ter tido como efeito transferir para este novo campo de acção medidas que até aqui já faziam parte das competências comunitárias, tais como as baseadas nos artigos 43.°, 100.° ou 113.°, cuja adopção pode obedecer a regras diferentes. Só assim não seria se os Estados-membros tivessem pretendido expressamente, por uma reforma dos tratados, restringir as competências da Comunidade, o que não é o caso do Acto Único.

    27. 

    Parece-nos que uma tal análise das disposições pertinentes do Tratado é apoiada por toda a vossa jurisprudência.

    28. 

    No parecer 1/78 ( 20 ) emitido por este Tribunal nos termos do artigo 228.° do Tratado CEE, foi afirmado que

    «não se poderá ... imprimir ao artigo 113.° do Tratado CEE uma interpretação cujo efeito seria o de limitar a política comercial comum à utilização dos intrumentos destinados a ter incidência unicamente sobre os aspectos tradicionais do comércio externo» ( 21 ),

    e o Tribunal acrescentou que

    «a enumeração, no artigo 113.°, dos objectivos da política comercial ... está concebida como uma enumeração não limitativa» ( 22 ),

    e finalmente, que

    «uma interpretação restritiva do conceito de política comercial comum correria o risco de originar perturbações nas trocas intracomunitárias em razão das disparidades que subsistiriam, então, em determinados sectores das relações económicas com os países terceiros» ( 23 ).

    29. 

    Além disso, o Tribunal já admitiu, no acórdão de 26 de Março de 1987, que

    «a ligação com os problemas do desenvolvimento não retira um acto do âmbito da política comercial comum, tal como foi definida pelo Tratado» ( 24 ).

    30. 

    E de notar, ainda, que esta jurisprudência é inteiramente similar à que o Tribunal elaborou em relação ao artigo 43.° do Tratado e à política agrícola comum. Com efeito, o Tribunal declarou, no processo denominado «das hormonas», que:

    «a prossecução dos objectivos da política agrícola comum, designadamente no âmbito das organizações comuns de mercado, não poderá abstrair das exigências de interesse geral, tais como a protecção dos consumidores ou da saúde e da vida das pessoas e dos animais, exigências que as instituições devem ter em conta quando exercem os seus poderes» ( 25 ),

    para daí concluir

    «que a directiva em litígio cabe no domínio da política agrícola comum e que o Conselho era competente para a adoptar com base apenas no artigo 43.° do Tratado» ( 26 ).

    31. 

    Os recentes acórdãos de 16 de Novembro de 1989 confirmaram este ponto de vista ( 27 ). A este propósito, o Tribunal recordou

    «que a prossecução dos objectivos da política agrícola comum não pode abstrair das exigências de interesse geral, entre as quais, nomeadamente, a protecção da saúde, e que o facto de os actos adoptados no quadro da política agrícola comum proseguirem ao mesmo tempo objectivos que, na falta de disposições especiais, são prosseguidos com base no artigo 100.° do Tratado, não subtrai esses actos ao âmbito de aplicação do artigo 43.°» ( 28 ).

    32. 

    Parece-nos que essa jurisprudência é inteiramente susceptível de ser transposta para a matèria da política comercial comum. Com vista a evitar qualquer desvio de tráfego nas relações com os países terceiros e qualquer distorção em matéria de concorrência, é necessário que a Comunidade possa, a título de política comercial comum, adoptar regras uniformes quanto às condições segundo as quais os produtos provenientes de países terceiros poderão ser importados para o seu território. Entre essas condições pode, nomeadamente, figurar o respeito das tolerâncias máximas em matéria de radioactividade, sem que a medida altere assim a sua natureza e deixe de poder ser adoptada com base no artigo 113.° Portanto, o regulamento impugnado, pela sua própria natureza, parece-nos inserir-se na política comercial comum.

    33. 

    Além disso, notamos que não é seguro que a protecção da saúde pública esteja inteiramente contida no conceito, não definido no Tratado, de ambiente. O facto de o artigo 130.°-R, n.° 1, dispor que «a acção da Comunidade em matéria de ambiente tem por objectivo ... contribuir para a protecção da saúde das pessoas» não significa de forma alguma que preocupações dessa ordem pertençam exlusivamente ao domínio do ambiente. Além disso, as precauções quanto à importação para a Comunidade de produtos destinados à alimentação humana traduzem muito mais a preocupação de proteger a saúde pública do que a de prevenir qualquer perigo para o ambiente. Finalmente, recordamos que a saúde pública figura no número de excepções do artigo 36.° do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias.

    34. 

    O conjunto destas observações conduz-nos, pois, a concluir que o Conselho baseou validademente a adopção do Regulamento n.° 3955/87 no artigo 113.° do Tratado CEE.

    35. 

    Para completar inteiramente este ponto, devemos referir que a República Helénica, no seu recurso, faz também referência à possibilidade, segundo ela, de basear o regulamento impugnado no artigo 235.° do Tratado CEE. Tal argumento, que a recorrente, aliás, depois não desenvolveu, não pode ser acolhido. No próprio âmbito da argumentação do Estado recorrente, independentemente da sua procedência, basta salientar que o artigo 130.°-R serve de base a uma competência específica da Comunidade em matéria de ambiente e que, portanto, não se poderá aqui recorrer ao artigo 235.° uma vez que, segundo a jurisprudência deste Tribunal, tal como resulta dos próprios termos desta disposição,

    «o recurso a este artigo como fundamento jurídico de um acto não é justificado a não ser que qualquer outra disposição do Tratado não confira às instituições comunitárias a competência necessária para praticar tal acto» ( 29 ).

    36. 

    A segunda parte do primeiro fundamento, ou seja, a arguição de desvio de poder, ocupar-nos-á menos tempo. A República Helénica pretende demonstrar que o Conselho só recorreu ao artigo 113.° para basear a adopção do regulamento impugnado com o único objectivo de evitar a tomada de decisão por unanimidade exigida no artigo 130.°-S. Este Tribunal já definiu o conceito de desvio de poder. Assim, no acórdão de 14 de Julho de 1988, o Tribunal declarou que

    «os poderes conferidos à Comissão por este Tratado seriam desviados do seu objectivo legal se se verificasse que a Comissão os utilizara com o fim exclusivo, ou pelo menos determinante, de tornear um processo especialmente previsto no Tratado para obviar às circunstâncias a que deve fazer face» ( 30 ).

    37. 

    A bem dizer, esta arguição está inteiramente ligada à primeira parte do fundamento. Se a base jurídica adequada fosse o artigo 130.°-S, teríamos podido perguntarmos sobre a questão de saber se o recurso ao artigo 113.° não era motivado pelo desejo de eludir a regra da tomada de decisão por unanimidade. Mas não é esse o caso. Portanto, não se vê em que teria o Conselho cometido um desvio de poder ao recorrer ao processo previsto no artigo 113.°, uma vez que, em nossa opinião, é este artigo que constitui na matéria o fundamento jurídico correcto.

    38. 

    Notemos, aliás, que o próprio artigo 130.°-S, no seu segundo parágrafo, deixa lugar a uma tomada de decisão por maioria uma vez que prevê que «o Conselho definirá», por unanimidade, «as matérias que devem ser objecto de decisões a adoptar por maioria qualificada». Aliás, alguns autores entendem que os actos anteriormente adoptados com fundamento nos dois artigos 100.° e 235.° do Tratado CEE deveriam sê-lo, a partir de agora, por maioria qualificada, com base no artigo 130.°-S n.° 2 ( 31 ).

    39. 

    Consequentemente, concluímos pela improcedência desta segunda parte e, portanto, do primeiro fundamento na totalidade.

    40. 

    Passemos agora à análise do segundo fundamento. A República Helénica contesta a menção «tendo em conta a proposta da Comissão» pelo facto de esta não precisar se o acto adoptado está ou não em conformidade com a referida proposta, circunstância que, nos termos do artigo 149.° n.° 1 do Tratado CEE, não deixa de ter influência sobre as regras de votação do Conselho. Tal imprecisão, segundo a recorrente, é contrária à segurança jurídica, uma vez que os cidadãos ficariam na incapacidade de controlar a legalidade prima facie dos actos do Conselho.

    41. 

    Salientemos, desde já, que a República Helénica, no seu recurso, se refere aos «cidadãos», e não aos Estados-membros. Com efeito, estes últimos participam nas deliberações do Conselho e não poderão, portanto, ignorar se o acto adoptado está ou não em conformidade com a proposta da Comissão. A jurisprudência uniforme deste Tribunal declara a este propósito

    «que a medida da obrigação de fundamentar, consagrada no artigo 190.° do Tratado, depende da natureza do acto em causa e do contexto no qual o mesmo foi adoptado» ( 32 ),

    e refere-se ao facto de o governo recorrente ter estado estreitamente associado ao processo de elaboração da decisão impugnada. Portanto, a República Helénica não poderá, com efeito, invocar em relação a si própria uma falta de fundamentação do regulamento impugnado.

    42. 

    No que respeita aos cidadãos, limitar--nos-emos a lembrar que as propostas da Comissão são publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e que tanto a comparação da proposta e do acto adoptado como a leitura dos artigos do Tratado referidos como fundamento jurídico do acto permitem a um particular saber se este acto devia ter sido adoptado pelo Conselho por unanimidade ou se o podia ser por maioria qualificada. Consequentemente, a arguição de insegurança jurídica não parece dever proceder. Além disso, o artigo 190.° obriga apenas a referir as propostas da Comissão, assim como os pareceres obrigatoriamente obtidos por força do Tratado CEE; não impõe de forma alguma que se indique se o acto do Conselho está ou não em conformidade com a proposta da Comissão. Parece-nos, pois, que o segundo fundamento também não procede.

    43. 

    Assim, concluímos que deve ser negado provimento ao presente recurso, cujas despesas, incluindo as efectuadas pelas partes intervenientes, deverão ser suportadas pela República Helénica.


    ( *1 ) Língua original: francés.

    ( 1 ) JO L 371 de 30.12.1987, p. 14.

    ( 2 ) Primeira referencia do regulamento.

    ( 3 ) JO L 146 de 31.5.1986, p. 88.

    ( 4 ) Pelos regulamentos CEE n. 3020/86 OO L 280 de 1.10.1986, p. 79) e n.° 624/87 QO L 58 de 28.2.1987, p. 101).

    ( 5 ) JOL 371 de 30.12.1987, p. 11.

    ( 6 ) Memorando de defesa do Conselho, p. 13 da tradução francesa.

    ( 7 ) Memorando de intervenção da Comissão, p. 8 da tradução francesa.

    ( 8 ) O sublinhado é nosso.

    ( 9 ) Acórdão de 15 de Dezembro de 1987, ver sobretudo o n.° 11 (328/85, Colect. p. 5119).

    ( 10 ) P. 4 da tradução francesa.

    ( 11 ) N.° 5 (45/86, Colea, p. 1493), ver também acordïo de 7 de Julho de 1981, Rcwe, n.° 25 (158/80, Recueil, p. 1805)

    ( 12 ) Ver ciudo 45/86, n.os 8 e 9.

    ( 13 ) Citado 45/86, n.° 22.

    ( 14 ) Citado 45/86; ver também acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, n.° 6 (68/86 Colect. p. 855): acórdio de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão//Conselho, n.° 4 (275/87, Colect. p. 259); acórdão de 16 de Novembro de 1989 Comissão/Países Baixos, n.° 8 (C-131/87, Colect. p. 3743); acórdão de 16 de Novembro de 1989, Comissão/Conselho, n.° 7 (C-ll/88, Colect. p. 3799).

    ( 15 ) Conselho Europeu do Direito do Ambiente, relatório de Kromarek, R.: «Commentaire de l'Acte unique europeen en matière d'environnement», Revue juridique e l'environnement, 1/1988, p. 76; Roelands du Vivier, F., e Hannequart, J. P.: «Une nouvelle stratégie européenne pour l'environnement dans le cadre de l'Acte unique», Revue du marché commun, n.° 316, Abril de 1988, p. 205; Krämer, L.: «L'Acte unique européen et la protection de l'environnement», Revue juridique de l'environnement, 4/1987, p. 450;Jacqué, J. P.: «L'Acte unique européen». Revue fri- mestrielfe de droit européen, 1/1986, p. 576; Glaesner, H. J.: «L'Acte unique européen». Revue du marché commun, n° 298, Junho de 1986, p. 307.

    ( 16 ) Acórdão de 7 de Fevereiro de 1985, Procurador da Repú-blica/Adbhu, n.° 3 (240/83, Recueil p. 531).

    ( 17 ) Acórdio de 18 de Mirço dt 1980, Comissäo/Italia, n.° 8 (91/79, Colect. p. 1099).

    ( 18 ) Por exemplo, p. Kromarek, que entende que «o conjunto do direito das poluições e dos prejuízos poderia entrar no ámbito de aplicação do artigo 100.°», RJE I-1988, p. 87; citado L. Kramer, que entende que as directivas anieriomente baseadas no artigo 100.° assim como os regulamentos ligados a produtos poderiam ser abrangidos pelo artigo 100.° A, enquanto que as directivas anteriormente baseadas no artigo 235.° seriam abrangidas pelo artigo 130.°-S, n.° 1, e as baseadas ao mesmo tempo nos artigos 100.° e 235° pelo artigo 130.°-S n.° 2, p. 463.

    ( 19 ) Citado H. J. Glaesner, p. 316.

    ( 20 ) 4 de Outubro de 1979, Recueil p. 2871.

    ( 21 ) Citado 1/78, n.° 44.

    ( 22 ) Citado 1/78, n.° 45; ver também acórdão de 27 de Setembro de 1988, Comissão/Conselho, n.° 15 (165/87, Colea, p. 5545).

    ( 23 ) Citado 1/78, n.° 45.

    ( 24 ) Citado 45/86, n.° 20.

    ( 25 ) Citado 68/86, n.° 12.

    ( 26 ) Citado 68/86, n.° 22.

    ( 27 ) Citados 131/87 e 11/88; ver também acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (131/86, Colect. p. 905).

    ( 28 ) Citado 131/87, n.° 25; ver também citado 11/88, n.° 10; citado 131/86, n.° 21.

    ( 29 ) Citado 45/86 n.° 13; ver umbém citado 275/87, n.° 5; acórdio de 30 de Maio de 1989, Reino Unido/Conselho, n.° 5 (56/88, Colect. p. 1615); acórdão de 30 de Maio de 1989, Comissão/Conselho, n.° 6 (242/87, Coleo, p. 1425).

    ( 30 ) Suhlwerke e Hoogovens/Comissäo, n.° 23 (33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86, Colect. p. 4309); ver também acórdão de 21 de Fevereiro de 1984, Walzsuhl-Vereinigung e Thyssen AG/Comissäo (140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil p. 951).

    ( 31 ) Ciudo L. Krämer, p. 453.

    ( 32 ) Acórdão de 11 de Janeiro de 1973, Paises Baixos/Comissão, n.° 11 (13/72, Recueil p. 27); ver também acórdão de 14 de Janeiro de 1981, República Federal da Alemanha//Comissão, n.° 20 (819/79, Recueil p. 21).

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