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Document 61988CC0016

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 30 de Junho de 1989.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho das Comunidades Europeias.
    Habilitação dada à Comissão ex artigo 145.º e execução do orçamento ex artigo 205.º.
    Processo 16/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1989 -03457

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1989:280

    61988C0016

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 30 de Junho de 1989. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - HABILITACAO DADA A COMISSAO EX ARTIGO 145 E EXECUCAO DO ORCAMENTO EX ARTIGO 205. - PROCESSO 16/88.

    Colectânea da Jurisprudência 1989 página 03457
    Edição especial sueca página 00231
    Edição especial finlandesa página 00245


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. Ao interpor um recurso de anulação do n.° 4 do artigo 6.° do Regulamento (CEE) n.° 3252/87 do Conselho, de 19 de Outubro de 1987, relativo à coordenação e à promoção da investigação no sector da pesca (a seguir designado "Regulamento n.° 3252/87") (1), a Comissão chamou o Tribunal a arbitrar um espinhoso litígio que a opõe, com o apoio do Parlamento, ao Conselho. No centro desse litígio encontra-se a questão do alcance da competência de execução orçamental, que o artigo 205.° do Tratado CEE (a seguir designado "artigo 205.°") atribui à Comissão. Para uma boa compreensão dos termos da discussão, é indispensável recordar o teor de algumas disposições.

    2. O Regulamento n.° 3252/87 dedica, no título II, os seus artigos 5.° e 6.° aos "programas comunitários de investigação e de coordenação da investigação".

    3. O artigo 5.°, relativo à instituição desses programas, tem a seguinte redacção:

    "O Conselho, deliberando sob proposta da Comissão, de acordo com o procedimento previsto no artigo 43.° do Tratado, decidirá:

    a) Programas comunitários de investigação em domínios que se revistam de uma importância especial para a política comum das pescas;

    b) Programas comunitários de coordenação da investigação destinados a permitir uma organização racional dos meios aplicados, uma utilização eficaz dos resultados e uma orientação conforme aos objectivos da política comum das pescas."

    Refira-se desde já que, por decisão datada, tal como o Regulamento n.° 3552/87, de 19 de Outubro de 1987, e visando o seu artigo 5.°, o Conselho estabeleceu programas comunitários de investigação e de coordenação da investigação no sector da pesca para o período de 1988/1992 (2).

    4. Quanto ao artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87, que diz respeito à execução de programas visados no artigo 5.°, tem a seguinte redacção:

    "1. A Comissão garantirá a execução dos programas comunitários de investigação, celebrando contratos de investigação com partilha de despesas com centros e institutos de investigação.

    2. A Comissão garantirá a execução dos programas comunitários de coordenação da investigação organizando seminários, conferências, visitas de estudo, intercâmbio de investigadores e reuniões de trabalho de especialistas científicos, bem como coligindo, analisando e publicando, se necessário, o resultado das investigações.

    3. Para a execução dos n.os 1 e 2, a Comissão pode recorrer a peritos de alto nível;

    4. As decisões relativas à execução dos programas comunitários de investigação referidos no n.° 1 e dos programas comunitários de coordenação da investigação mencionados no n.° 2 serão tomadas pela Comissão em conformidade com o procedimento previsto no artigo 47.° do Regulamento (CEE) n.° 4028/86."

    Como o recurso da Comissão pretende precisamente a anulação do n.° 4 desse artigo pelo facto de remeter para o precedimento previsto no artigo 47.° do Regulamento (CEE) n.° 4028/86, de 18 de Dezembro de 1986 (3), é essencial citar esta última disposição. Tem a seguinte redacção:

    "1. No caso de ser feita referência ao procedimento referido no presente artigo, o presidente do Comité Permanente das Estruturas da Pesca (a seguir denominado "comité"), submeterá o assunto ao comité, quer por iniciativa própria quer a pedido do representante de um Estado-membro.

    2. O representante da Comissão apresentará um projecto de medidas a tomar. O comité formulará o seu parecer num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência das questões submetidas à sua apreciação. O comité delibera por maioria de cinquenta e quatro votos, atribuindo-se aos votos dos Estados-membros a ponderação prevista no n.° 2 do artigo 148.° do Tratado. O presidente não vota.

    3. A Comissão adoptará as medidas que são de aplicação imediata. Todavia, se essas medidas não estiverem em conformidade com o parecer do comité, a Comissão comunica-as imediatamente ao Conselho; nesse caso, a Comissão pode diferir a sua aplicação por um mês, no máximo, a contar desta comunicação. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode adoptar medidas diferentes no prazo de um mês."

    5. Assim, resulta do disposto no n.° 4 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87, conjugado com as outras disposições já referidas, que as decisões tomadas pela Comissão para a execução dos programas comunitários referidos no artigo 5.° do mesmo regulamento podem, se não estiverem em conformidade com o parecer do Comité Permanente das Estruturas da Pesca, ser substituídas pelo Conselho, no prazo de um mês, por uma decisão adoptada por maioria qualificada. Esclareça-se que o comité permanente, instituído pelo Regulamento (CEE) n.° 101/76 do Conselho, de 19 de Janeiro de 1976 (4), é composto, segundo o disposto no artigo 11.° deste texto, "por representantes de cada Estado-membro" e presidido por "um representante da Comissão".

    6. O Tribunal reconheceu, no procedimento definido no artigo 47.° do Regulamento n.° 4028/86, tornado aplicável às medidas de execução dos programas de investigação em matéria de pescas, um procedimento dito de comité de gestão. É assim, com efeito, que se designa habitualmente um procedimento em que a Comissão deve, antes de adoptar medidas de execução de um regulamento do Conselho, consultar um comité composto por representantes dos Estados-membros e em que, em caso de parecer desfavorável deste, o Conselho pode, num certo prazo, substituir por uma decisão sua a decisão da Comissão. Trata-se, de certo modo, de um sistema pelo qual o Conselho, embora atribuindo à Comissão uma competência de execução de disposições que fixou por via regulamentar, enquadra essa execução prevendo para si um poder de avocação, na condição de o comité de gestão por ele previsto ter formulado um parecer desfavorável. Como o Tribunal sabe, esta fórmula de comité de gestão não é nova. Tem constado muito frequentemente, desde há vários anos, de diversos regulamentos do Conselho, nomeadamente em matéria de política agrícola comum. O advogado-geral Dutheillet de Lamothe calculava, em 1970, que o sistema de comité de gestão tinha servido para a elaboração de mais de dois mil regulamentos comunitários (5). Isto dá uma ideia da frequência de utilização de um procedimento cuja prática, ou mesmo êxito, não parece ter diminuído desde 1970.

    7. Todavia, pode-se considerar que o estatuto legal do procedimento de comité de gestão teve modificações recentes, na sequência do Acto Único. Com efeito, enquanto esse procedimento era, na origem, uma criação do direito derivado estabelecido pelo Conselho, e cuja ampla utilização resultava do recurso aos precedentes, ele teve, após a entrada em vigor do Acto Único, uma certa formalização jurídica. Passou do estádio de prática repetida para o de modelo formalizado, de tipo processual definido de forma geral e abstracta. Tendo em conta a disposição introduzida no terceiro travessão do artigo 145.° do Tratado, segundo o qual o Conselho, que "atribui à Comissão, nos actos que adopta, as competências de execução das normas que estabelece", pode "submeter o exercício dessas competências a certas modalidades", este adoptou, em 13 de Julho de 1987, a Decisão 87/373/CEE, designada por "comitologia", que fixa as modalidades de exercício da competência de execução atribuída à Comissão (6). De acordo com o artigo 1.° dessa decisão, o Conselho pode submeter o exercício das competências de execução, pela Comissão, das normas que ele estabelece "a modalidades que devem ser conformes aos procedimentos enumerados nos artigos 2.° e 3.°". Contentemo-nos aqui em recordar ao Tribunal que o artigo 2.° da decisão prevê três procedimentos, intitulados "Procedimento I", "Procedimento II" e "Procedimento III". O procedimento I, dito de "comité consultivo" obriga somente a Comissão a obter, da parte de um comité, um parecer que não a vincula. O procedimento II, que pode ter duas variantes, é, em substância, um procedimento de comité de gestão. Finalmente, o procedimento III, dito de "comité de regulamentação", que pode ter também duas variantes, confere ao Conselho, em certas condições, a possibilidade de tomar uma decisão em vez da Comissão, assim como a faculdade de, na falta de tal substituição, se opor a que a Comissão adopte uma decisão. Tudo isto constitui, na verdade, uma codificação de regimes anteriormente resultantes da prática regulamentar.

    8. Assim, o procedimento de comité de gestão é, actualmente, tal como os de comité consultivo e de comité de regulamentação, um regime jurídico definido de forma geral e apto, a priori, a ser utilizado num número indefinido de regulamentos do Conselho.

    9. No presente processo, o Conselho, no âmbito do Regulamento n.° 3252/87, determinou o procedimento de execução dos programas de investigação pela Comissão referindo-se a um procedimento de comité de gestão descrito no artigo 47.° do seu Regulamento n.° 4028/86, que é anterior à decisão "comitologia". Trata-se, no entanto, de um procedimento que não tem aparentemente qualquer diferença substancial com o previsto como procedimento II na Decisão 87/373.

    10. De resto, o recurso da Comissão não suscita qualquer discussão quanto a este ponto nem, mais geralmente, quanto à possibilidade, em princípio, de o Conselho prever que a Comissão executará as regras que ele estabelece no âmbito de um procedimento de comité de gestão, em conformidade com o terceiro travessão do artigo 145.° do Tratado (a seguir designado "terceiro travessão do artigo 145.°"). O que a Comissão contesta é que um procedimento deste tipo, válido em relação às medidas tomadas por ela própria na qualidade de executivo das normas estabelecidas pelo Conselho, na acepção do terceiro travessão do artigo 145.°, seja ainda válido em relação a medidas que ela toma para executar o orçamento, em conformidade com o artigo 205.° Ela entende que estas últimas medidas são a expressão de um poder próprio que lhe advém directamente do Tratado e não se situam no âmbito de uma competência conferida pelo Conselho para a execução de normas por ele estabelecidas. Por conseguinte, uma medida de execução do orçamento pela Comissão não poderá ser acompanhada de modalidades processuais do tipo comité de gestão que, embora sejam conformes com o terceiro travessão do artigo 145.°, são inaplicáveis a medidas tomadas não no âmbito deste artigo, mas no do artigo 205.°

    11. Ora, a Comissão considera precisamente que as medidas de execução dos programas respeitantes à investigação em matéria de pescas tais como definidas nos n.os 1 e 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87 se prendem com a execução do orçamento, e não com a execução de normas estabelecidas pelo Conselho na acepção do terceiro travessão do artigo 145.° Eis por que ela contesta a legalidade do n.° 4 daquele artigo, na medida em que prevê que as decisões respeitantes à execução de programas relativos à investigação em matéria de pescas "serão tomadas pela Comissão em conformidade com o procedimento previsto no artigo 47.° do Regulamento (CEE) n.° 4028/86", e pede a sua anulação.

    12. Não nos parece necessário examinar aqui todos os aspectos da argumentação trocada, perante este Tribunal, pelas partes e pelo interveniente. Com efeito, tanto a tramitação da fase escrita do processo como a discussão na audiência permitiram delimitar a discussão. Esta resume-se, em nossa opinião, a uma confrontação das concepções respectivas da Comissão e do Parlamento, por um lado, e do Conselho, por outro, quanto à delimitação da execução do orçamento, na acepção do artigo 205.°, face à execução das normas estabelecidas pelo Conselho, na acepção do terceiro travessão do artigo 145.°

    13. O Conselho indicou a este Tribunal que não acolhe uma interpretação do Tratado, tal como alterado pelo Acto Único, segundo a qual a execução das normas estabelecidas por ele próprio vai ao ponto de englobar os aspectos orçamentais dessa execução. Entende que não pode haver confusão entre o domínio da execução do orçamento e o da execução de normas, e admite, por conseguinte, sem reticências, que as modalidades com que pode, ao abrigo do terceiro travessão do artigo 145.°, fazer acompanhar a execução de normas que ele estabeleceu não podem, em contrapartida, enquadrar a actividade da Comissão quando executa o orçamento. Em nossa opinião, o Conselho faz, quanto a este ponto, uma interpretação exacta do Tratado. A execução do orçamento é uma competência directamente atribuída à Comissão pelo artigo 205.° e que se distingue da competência de execução das normas estabelecidas pelo Conselho, de que se trata no terceiro travessão do artigo 145.°-A possibilidade de fazer acompanhar a execução dessas normas por modalidades, prevista, no seu princípio, por esta última disposição, não pode estender-se por analogia ao domínio da execução orçamental. A faculdade de enquadrar a execução do orçamento segundo modalidades análogas às previstas para a execução das normas só poderia resultar de uma disposição expressa do Tratado nesse sentido. Ora, como sabemos, tal disposição não existe.

    14. Por conseguinte, a decisão do presente recurso depende, no essencial, do alcance da competência de execução do orçamento em relação à de execução das normas. Tal como num sistema de vasos comunicantes, quanto mais largamente se conceber a segunda, tanto mais reduzido será a primeira. Isto é ilustrado pelos argumentos trocados entre a Comissão e o Conselho. Enquanto a primeira justifica o seu recurso pela consideração de que as medidas de execução dos programas de investigação em matéria de pescas, previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87, se incluem na execução orçamental, o segundo defende o ponto de vista de que essas medidas se prendem com a execução de normas estabelecidas por ele próprio, a saber, os programas adoptados na sua Decisão 87/534 de 19 de Outubro de 1987, já referida. Estas duas opiniões divergentes são a expressão de duas concepções gerais radicalmente opostas quanto aos domínios respectivos da execução do orçamento e da execução das normas.

    15. A Comissão desenvolve uma concepção que assenta, em certa medida, numa relativa especialização das funções originariamente asseguradas pelo Conselho e por ela própria. Considera que as competências que o Conselho lhe confere, no âmbito do terceiro travessão do artigo 145.°, não podem ser senão competências de execução normativa, isto é, visando que ela determine as modalidades de aplicação das normas estabelecidas pelo Conselho. A execução, nesta óptica, apenas pode consistir na fixação de regras de carácter geral e impessoal. Com efeito, e correlativamente, a execução de gestão, isto é, a aplicação, às situações individuais, das normas estabelecidas pelo Conselho e, eventualmente, especificadas por ela própria, prende-se com a execução do orçamento. Assim, a execução do orçamento estender-se-ia, em geral, a todas as decisões individuais que implicam a utilização de créditos orçamentais. A execução das normas consistiria exclusivamente na fixação das modalidades da sua aplicação, com exclusão de qualquer medida individual que implique consumo de créditos. Por conseguinte, o enquadramento por um procedimento do comité de gestão apenas poderia dizer respeito à execução de tipo normativo, à determinação de regras de aplicação, escapando em contrapartida ao seu domínio as medidas individuais que implicam consumo de créditos. Segundo a Comissão, as medidas previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87 prendem-se precisamente com esta última hipótese.

    16. O Conselho não subscreve de modo nenhum esta concepção. A que, por seu lado, defende assenta numa acepção exaustiva do conceito de execução de normas. Poder-se-ia dizer, de certo modo, que, segundo o seu ponto de vista, a execução das normas, na acepção do terceiro travessão do artigo 145.°, compreende toda a execução decisória, isto é, qualquer medida que comporte um elemento de apreciação, tanto ao nível regulamentar como ao nível individual, ao passo que a execução do orçamento abrange apenas as medidas que não pressupõem o exercício de uma apreciação, isto é, essencialmente, as consistentes em cumprir as formalidades que permitem tornar efectiva a utilização, anterior e distintamente decidida, dos créditos. Tratar-se-ia, de certo modo, de uma execução formalista, salvo nos casos de decisões que se prendem com "acções pontuais" ou com os actos de gestão corrente inerentes ao funcionamento interno da Comissão. Assim, o enquadramento por um procedimento de comité de gestão poderia dizer respeito não somente à determinação, pela Comissão, de regras de aplicação, mas igualmente à tomada das decisões ou actos de carácter individual que comportam um elemento de apreciação. Para o Conselho, as medidas previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87 implicam o exercício de uma apreciação e prendem-se, por esse facto, com a execução das normas na acepção do terceiro travessão do artigo 145.°

    17. É necessário decidir entre estas duas teses. Note-se, aliás, que o que está em causa ultrapassa o simples aspecto dos limites da intervenção dos comités. Com efeito, ao lado da hipótese de direito comum de o Conselho atribuir à Comissão a execução das normas que ele estabelece, o terceiro travessão do artigo 145.° prevê a hipótese de o Conselho se reservar, em casos específicos, "o direito de exercer directamente competências de execução". Assim, ao precisar a medida em que os comités podem intervir, definem-se também os limites da eventual execução directa pelo Conselho.

    18. Deve reconhecer-se que, à primeira vista, a decisão se revela delicada. O terceiro travessão do artigo 145.° e o artigo 205.° são bastante lacónicos quanto aos alcances respectivos da execução de normas e da execução do orçamento. Ora, não há um conteúdo "em si" de uma ou outra destas noções. Cada uma delas pode, a priori, receber um conteúdo relativamente variável. Em primeiro lugar, nem os termos do terceiro travessão do artigo 145.° nem os do artigo 205.°, nem os de outra disposição do Tratado fornecem uma indicação que valide, de forma manifesta e imediata, a concepção da Comissão ou a do Conselho quanto aos conteúdos em questão.

    19. Ademais, é indiscutível que os antecedentos do litígio ou, se se preferir, o pano de fundo da actual discussão contenciosa sobre as diferentes espécies de competências de execução da Comissão, abrem as portas à tentação permanente de misturar, na análise levada a cabo no terreno do direito, considerações menos jurídicas. Fazemos essencialmente alusão aqui à polémica, mais ou menos discreta, quanto à atitude ou atitudes adoptadas pela Comissão, anteriormente ao recurso ao Tribunal, quanto ao problema que hoje nos ocupa. Nem o Conselho, no âmbito deste processo, nem a doutrina, de forma mais geral, deixaram de observar que a Comissão não manifestara sempre uma clara hostilidade em relação à utilização de procedimentos que fazem intervir comités, em circunstâncias comparáveis às hoje em causa. Essa observação tem uma parte de verdade. Também muitas vezes se salientou que a posição da Comissão que consistiu em declarar que ela admitiria o enquadramento da execução orçamental por procedimentos de comités consultivos estava em contradição com a natureza do poder próprio desta última, que exclui a priori a intervenção de qualquer comité, mesmo consultivo, e que isso traduzia a falta de segurança da Comissão quanto à posição que sustentava perante o Tribunal.

    20. Não é, com efeito, duvidoso que, a partir do aparecimento de procedimentos de execução que fazem intervir comités, a Comissão foi levada a formular propostas de regulamentos do Conselho integrando procedimentos de comités. O Conselho, na réplica, indicou um exemplo de regulamento que faz acompanhar, sob proposta da Comissão, a tomada por esta de decisões de concessão de comparticipações do FEOGA, secção "orientação", em projectos individuais, de um procedimento do tipo comité de gestão. Trata-se do Regulamento (CEE) n.° 355/77 do Conselho, de 15 de Fevereiro de 1977 (7), dando sequência a uma proposta da Comissão apresentada em 11 de Agosto de 1975 (8). No entanto, convém reconhecer que, entre os regulamentos ou propostas de regulamento que foram citados nos memorandos das partes, se podem encontrar mais exemplos de procedimentos de comités que acompanham a elaboração, pela Comissão, de regras de aplicação do que de procedimentos do mesmo tipo enquadrando a tomada de decisões individuais.

    21. De resto, entendemos que convém conceder à prática anterior das instituições comunitárias em matéria de comités apenas uma importância muito relativa. Com efeito, o essencial, do ponto de vista deste Tribunal, não é fazer a triagem entre alguns milhares de regulamentos a fim de designar um "vencedor" em função da prática maioritária encontrada, e sim determinar o conteúdo da legalidade comunitária no que diz respeito à intervenção de comités no quadro das competências de execução da Comissão. Se o direito constitucional da nossa Comunidade impõe certos limites quanto ao recurso a procedimentos de comités em relação a esta ou aquela competência de execução da Comissão, o facto de esses limites terem, no passado, sido mais ou menos ignorados nem por isso os torna obsoletos e não impede de forma nenhuma que se censure a sua inobservância, uma vez que se recorreu ao Tribunal para esse efeito. A prática anterior da Comissão e a do Conselho podem eventualmente revelar-se, a posteriori, quer como tendo ignorado certas normas do Tratado, quer como tendo-as respeitado, quer ainda como tendo-as parcialmente ignorado e parcialmente respeitado, mas tudo isto não tem efeito quanto à força que o Tribunal deve reconhecer a essas normas quando elas forem invocadas perante ele. Além disso, a atitude da Comissão a propósito dos comités consultivos deve ser recolocada no contexto da busca de um compromisso institucional renovado, que pressupõe concessões.

    22. A este propósito, parece-nos difícil qualificar de idílicas as condições em que, antes do recurso ao Tribunal, a elaboração e a aprovação de um certo número de regulamentos do Conselho forneceram a ocasião para uma utilização, eventualmente ilegal, de procedimentos de comités. Sem querer refazer um historial que os diferentes memorandos apresentados ao Tribunal permitiram reconstituir, é inegável que o recurso aos comités no âmbito dos diversos regulamentos era fruto de um compromisso institucional que o tempo tornou cada vez mais difícil. Desde os finais dos anos 70, a Comissão e o Parlamento manifestaram oficialmente, senão eficazmente, reservas quanto ao enquadramento, por procedimentos de comités, de medidas de execução do orçamento. Sem querer dedicar demasiado espaço a considerações que, face a um debate de natureza contenciosa, podem parecer secundárias, não há qualquer razão para não dar crédito à Comissão quando ela afirma que, não tendo podido encontrar, através de um compromisso político, um remédio para uma utilização dos procedimentos de comités que considerava desequilibrada, ela recorreu ao Tribunal em desespero de causa. Mas o fim do compromisso e o recurso à jurisdição comunitária assinalam igualmente o termo de uma eventual postergação do direito. Não se pode esperar deste Tribunal que elabore, sob forma jurídica, um compromisso político melhor que aquele que se malogrou. O Tribunal pode apenas declarar o direito.

    23. Em resumo, estas diferentes observações conduzem-nos a considerar que a atitude ou atitudes passadas da Comissão não mudaram em nada o sentido - seja ele qual for - das disposições do Tratado e não privaram de modo nenhum essa instituição do direito, que o mesmo Tratado lhe reconhece, de provocar a fiscalização pelo Tribunal do respeito dessas disposições.

    24. Não é menos verdade que as práticas passadas, e as atitudes mais ou menos erráticas de uma ou outra instituição a seu respeito, contribuíram para tornar singularmente difícil a análise jurídica do problema posto, à luz do artigo 205.°, pelo recurso aos procedimentos de comités no quadro das competências de execução da Comissão. As conclusões, em geral pouco seguras, da doutrina são, parece-nos, testemunho disso. As tomadas de posição em favor de uma ou outra das teses em presença revestem mais frequentemente o aspecto de uma adesão, no sentido de que poucos argumentos jurídicos novos e determinantes são expendidos, que o de uma justificação. Colocamo-nos, aliás, a questão de saber se alguns autores não interpretaram de certo modo o Tratado à luz de um compromisso institucional que apresentava, em determinada época, uma aparência de equilíbrio e consideraram assim que o consenso permitia presumir a conformidade com o Tratado. Uma interpretação do Tratado à luz da prática institucional pode, é certo, corresponder à muito louvável preocupação de pôr o direito ao serviço do possível, mais do que vê-lo exprimir o impossível. Mas um compromissso que se desfez já não pode substituir o direito. Deve, então, voltar-se à letra estrita do Tratado. Por isso tentaremos, na continuação destas conclusões, ater-nos essencialmente às disposições do mesmo Tratado, assim como àquelas a que ele se refira eventualmente.

    25. No âmbito dos argumentos trocados de parte a parte perante este Tribunal, foi invocado um conceito de natureza orçamental, o de autorização. No meio de uma discussão em que foram expendidas considerações por vezes elevadas, talvez ele não tenha despertado muita atenção. Pensamos, contudo, que se trata de um conceito de muito interesse para os problemas que são postos ao Tribunal, ou mesmo um conceito essencial para apreciar o alcance da competência de execução orçamental, na acepção do artigo 205.°

    26. Para esclarecer o papel que pode desempenhar a noção de autorização na procura de uma solução para o presente litígio, convirá, em primeiro lugar, recordar que, segundo os próprios termos do primeiro parágrafo do artigo 205.°, "a Comissão executará o orçamento, em conformidade com a regulamentação adoptada por força do artigo 209.°, sob a sua própria responsabilidade e até ao limite dos créditos concedidos".

    O artigo 209.° dispõe que

    "O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu e parecer do Tribunal de Contas:

    a) Adopta a regulamentação financeira que estabelece especificadamente as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas;

    ...".

    No respeito do procedimento descrito no artigo 209.°, o Conselho adoptou, em 21 de Dezembro de 1977, um "regulamento financeiro ... aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias" (a seguir designado por "Regulamento Financeiro") (9). Saliente-se que o regulamento do Conselho, de que uma disposição é criticada no presente recurso, foi adoptado, é certo, por unanimidade, mas segundo um procedimento que não comporta a consulta do Tribunal de Contas. Em virtude do princípio do paralelismo das formas ele não podia, portanto, derrogar o Regulamento Financeiro.

    27. O Regulamento Financeiro dedica o seu título III à execução do orçamento. Este título contém, na sua secção I intitulada "Disposições Gerais", um artigo 17.°, que dispõe nos primeiro e segundo parágrafos:

    "A execução do orçamento é efectuada segundo o princípio da separação entre o ordenador e os tesoureiros.

    A gestão das dotações compete ao ordenador, que detém exclusiva competência para autorizar as despesas, apurar os direitos a cobrar e emitir as ordens de cobrança e as ordens de pagamento."

    Pode já salientar-se que a actividade do ordenador, enquanto gestor das dotações e único detentor da competência para autorizar as despesas, se exerce no âmbito da execução orçamental, isto é, no quadro da competência exclusiva da Comissão em aplicação do artigo 205.°

    28. O título III, "Execução do Orçamento", tem igualmente uma secção III intitulada "Autorização, liquidação, ordem de pagamento e pagamento das despesas". Este título indica que a execução das despesas se efectua seguindo quatro fases: autorização, liquidação, ordem de pagamento e pagamento. Devemos indicar ao Tribunal que os termos do Regulamento Financeiro são os utilizados em direito orçamental francês. No Decreto n.° 62.1587, de 29 de Dezembro de 1962, relativo ao regulamento geral da contabilidade pública (10), lê-se no artigo 28.°, que consta do capítulo II intitulado "Operações de despesa": "antes de serem pagas, as despesas são autorizadas, liquidadas e, eventualmente, ordenadas." O artigo 29.° do mesmo texto define a "autorização", o artigo 30.° a "liquidação", os artigos 31.° e 32.° a "ordem" e o artigo 33.° o "pagamento".

    29. Levemos um pouco mais longe a comparação entre os direitos orçamentais comunitário e francês e, para isso, detenhamo-nos, em primeiro lugar, na noção de "autorização" tal como é definida em direito orçamental francês. O artigo 28.°, já referido, do decreto de 29 de Dezembro de 1962 contém as seguintes disposições:

    "A autorização é o acto pelo qual um organismo público cria ou reconhece a seu cargo uma obrigação da qual resultará um encargo.

    Ela pode ser dada apenas pelo representante qualificado do organismo público que age no exercício das suas competências.

    Deve manter-se no limite das autorizações orçamentais e permanecer subordinado às autorizações, pareceres ou vistos previstos pelas leis e regulamentos específicos de cada categoria de organismos públicos."

    Esclareça-se que o Estado é um "organismo público" na acepção do decreto em questão. No quadro do orçamento do Estado, a autorização é uma das fases de execução das despesas, que é da competência do Governo e da administração colocada sob a sua autoridade. No seio do aparelho governamental e administrativo, as "operações financeiras e de tesouraria" resultantes da execução do orçamento "incumbem aos ordenadores e tesoureiros públicos" (11). São os ordenadores que "autorizam as despesas" (12). Não pode deixar de notar-se ainda, quanto a estes pontos, a similitude das expressões utilizadas em direito orçamental francês e em direito orçamental comunitário.

    30. A doutrina francesa tem-se dedicado a esclarecer o alcance da noção de autorização no que toca à execução das despesas do orçamento do Estado. Assim, Pierre Lalumière indica que, para "conciliar os dois aspectos de 'regularidade da despesa pública' e 'oportunidade da despesa pública' se decompôs a operação da despesa pública em quatro fases: a autorização, a liquidação, a ordem de pagamento e o pagamento", acrescentando que "a apreciação da oportunidade ocorre na fase de autorização". Especificando em seguida a noção de autorização, nota: "a autorização consiste... na decisão de celebrar um contrato de fornecimento, de nomear um funcionário, etc. É um acto jurídico que compete ao ministro ou, por delegação, aos chefes de serviço do ministério. A autorização, acto jurídico, pode, por isso assumir as formas mais variadas: projectos de decreto ou de portaria, contratos de direito público, relatórios, contratos, etc." (13). Citaremos também Paul-Marie Gaudemet e Joël Molinier, segundo os quais "a autorização decompõe-se... em duas operações...: a autorização contabilística, pela qual os créditos orçamentais são afectados nos livros a uma operação determinada... e a autorização jurídica, pela qual a dívida do Estado nasce". Estes autores acrescentam que "a autorização jurídica tem geralmente a forma de um acto administrativo como a celebração de um contrato de direito público, um decreto de nomeação, a celebração de um contrato de fornecimento, uma decisão atributiva de subvenção" (14).

    31. Parece-nos interessante salientar aqui que, na concepção francesa de autorização, explicitada pela doutrina já referida, esta engloba a tomada de decisões jurídicas que implicarão o consumo de créditos. Em particular, a celebração de um contrato ou a adopção de uma decisão de subvenção fazem parte da autorização. Assim, a competência para autorizar inclui a competência para tomar as decisões individuais de fundo que implicam as despesas e não se resume a operações formais que permitem registar e efectuar as despesas. O poder de adoptar essas decisões de fundo cabe aos ordenadores principais, isto é, aos ministros, ou a ordenadores secundários. A doutrina tem o cuidado de esclarecer que a autorização pode resultar igualmente duma decisão judicial que põe uma dívida a cargo do Estado, assim como de uma decisão parlamentar. Mas Maurice Duverger, que refere, a este propósito, a hipótese de uma "lei que concederia uma pensão individual a um grande servidor da pátria, ou à sua viúva", sublinha que a "autorização parlamentar" é excepcional (15). O princípio é o de uma autorização governamental ou administrativa.

    32. Haverá razões para pensar que acontecerá de modo diferente no caso da autorização tal como é definida no direito orçamental comunitário? Dito de outra forma, a similitude dos termos utilizados abrange uma similitude de regimes jurídicos, ou antes consagrou-se, no sistema comunitário, uma noção específica, e mais restrita, de autorização? Na realidade, entendemos que o Regulamento Financeiro não contém qualquer indicação que permita pensar que o conteúdo da noção comunitária de autorização se afaste substancialmente do do seu homónimo em direito orçamental francês e que não engloba a tomada de decisões individuais de fundo. Deve observar-se, em primeiro lugar, que esse texto não contém uma definição geral de autorização. Como já recordámos, após ter indicado que só o ordenador tem competência para autorizar as despesas, o Regulamento Financeiro dispõe, no n.° 1 do seu artigo 32.°, que "quaisquer medidas que possam dar origem a uma despesa a cargo do orçamento devem ser previamente objecto de uma proposta de autorização da parte do ordenador competente" . Encontra-se nesta disposição a distinção entre o aspecto jurídico e o aspecto contabilístico da autorização referida por Gaudemet e Molinier, mas sem que nada permita discernir se a "medida", de natureza jurídica, cabe ou não na competência do ordenador.

    33. De acordo com o n.° 2 do artigo 32.° do Regulamento Financeiro, "as decisões tomadas pela Comissão em conformidade com as disposições que autorizam a concessão de auxílios financeiros a título dos diferentes fundos ou de acções análogas, equivalem a autorização de despesas". Esta disposição não pode, em nossa opinião, ser interpretada como distinguindo implicitamente a tomada das decisões que ela tem em vista da fase de autorização orçamental. Com efeito, ao mesmo tempo que indica que as decisões em questão devem ser tomadas em conformidade com as disposições que autorizam a concessão de auxílios financeiros a título dos diferentes fundos, especifica também que compete à Comissão tomá-las. Uma vez que se trata, segundo os próprios termos do n.° 2 do artigo 32.°, de "decisões da Comissão", nada permite considerar que esse texto valida os procedimentos previstos em determinados regulamentos do Conselho que permitem a este substituir a decisão da Comissão por uma decisão sua em caso de parecer desfavorável de um comité. Por conseguinte, ele não tem de ratificar a colocação destas tomadas de decisão sob um regime incompatível com a noção de autorização que, relacionada com a execução do orçamento, pressupõe que a Comissão age sozinha. Na realidade, nada, no n.° 2 do artigo 32.° impede que se analisem as decisões que ele tem em vista como relevando, por natureza, da autorização. Essa disposição pode perfeitamente ser considerada como tendo um carácter declaratório no sentido de que, se ela não existisse, a incorporação na autorização orçamental das decisões a que ela se refere permaneceria concebível.

    34. O Regulamento Financeiro dedica, no seu título VII, disposições especiais aplicáveis aos créditos para investigação e investimento. Entre elas, o primeiro parágrafo do n.° 3 do artigo 88.° dispõe que "as dotações para autorizações em cada 'fracção' destinam-se a permitir a cobertura total das obrigações jurídicas que a Comissão pode contrair" e especifica, no segundo parágrafo, que essas dotações para autorizações "constituem o limite superior das despesas que a Comissão está autorizada a contrair durante o exercício considerado para a execução das operações correspondentes". A referência feita pelo primeiro parágrafo, já referido, à capacidade de "contrair", da Comissão, no âmbito da autorização, parece-nos dever ser assinalada.

    35. Concluímos da análise das disposições relevantes do Regulamento Financeiro quanto ao alcance do conceito de autorização que nada permite encontrar nelas a vontade de dar a esse conceito um conteúdo substancialmente distinto do da autorização orçamental na acepção do direito francês, um conteúdo sensivelmente reduzido em comparação a este último. Quando muito, pode-se considerar que o n.° 2 do artigo 32.°, já referido, encerra um certo equívoco. Na falta de definição geral de autorização no direito orçamental comunitário, o equívoco em questão não pode, no entanto, constituir só por si uma indicação no sentido de que essa autorização abrange coisa diferente da sua homónima no direito francês. É por isso que entendemos que a autorização, enquanto fase de execução do orçamento das despesas, na acepção do Regulamento Financeiro, engloba as decisões ou actos individuais de fundo que implicam consumo de créditos. Com isso, manifestamo-nos no sentido de que a execução do orçamento comunitário, que deve efectuar-se segundo o artigo 205.°, "em conformidade com o Regulamento Financeiro", engloba essas mesmas disposições.

    36. Parece-nos útil esclarecer, nesta fase, que o conceito de autorização das despesas é, para além da sua consagração no direito positivo francês, um conceito clássico. Na própria França, as quatro fases, "autorização, liquidação, ordem de pagamento, pagamento", regeram a matéria da execução orçamental das despesas muito antes do decreto já referido de 29 de Dezembro de 1962. Ademais, e o seu "classicismo" não é certamente alheio a isso, esse conceito foi aplicado noutros direitos nacionais. Assim, a Bélgica consagra igualmente uma noção de autorização, no âmbito de uma decomposição da execução das despesas em cinco fases: a autorização, o facto gerador, a ordem de pagamento, a liquidação e o pagamento. Neste direito nacional, o conceito de autorização parece apresentar, no que toca ao orçamento do Estado, um conteúdo quase idêntico ao definido pelo direito orçamental francês. Verifica-se também que em direito italiano a execução das despesas públicas se desenrola segundo quatro fases intituladas "l' impegno", "la liquidazione", "l' ordinazione" e "il pagamento" (16), isto é a autorização, a liquidação, a ordem de pagamento e o pagamento. Neste direito nacional, a autorização apresenta-se sob duas formas principais, autorização contratual e autorização administrativa, e abrange, por conseguinte, a celebração de contratos ou a tomada de decisões unilaterais, nomeadamente as que concedem indemnizações ou subsídios.

    37. Assim, no momento da aprovação do Regulamento Financeiro, os direitos de três Estados-membros consagravam as noções de autorização, liquidação, ordem de pagamento e pagamento, incluindo na autorização a tomada das decisões que implicam consumo de dotações. Deve mencionar-se igualmente que o direito helénico, tal como resulta do Decreto-lei n.° 321, de 17 e 18 de Outubro de 1969, relativo à contabilidade pública, parece consagrar as mesmas noções, com o mesmo alcance para a autorização. Em contrapartida, o direito espanhol, definindo embora a execução orçamental segundo quatro fases igualmente intituladas autorização, liquidação, ordem de pagamento e pagamento, consagra todavia uma concepção mais restrita da primeira, no sentido de que não inclui as decisões de fundo que impliquem consumo de créditos e reveste, por isso, natureza estritamente financeira (17). Pode, no entanto, entender-se que, na maioria dos direitos dos Estados-membros que aplicam uma execução das despesas em quatro fases intituladas autorização, liquidação, ordem de pagamento e pagamento, a autorização vai para além de um aspecto estritamente financeiro ou contabilístico e engloba as decisões de fundo. É, por isso, uma concepção maioritária nos direitos dos Estados-membros considerados que propomos ao Tribunal que tome como referência para determinar o alcance da autorização em direito comunitário.

    38. Além disso, para além das questões de terminologia, parece-nos que a concepção segundo a qual cabe à autoridade estatal que, constitucionalmente, executa o orçamento tomar efectivamente as decisões que impliquem consumo de créditos está amplamente consagrada na Europa, quaisquer que sejam as designações acolhidas no âmbito dos direitos orçamentais. Também aqui se pode falar de classicismo a propósito do sistema em que o Parlamento, órgão legislativo, vota o orçamento do Estado e autoriza assim os créditos e em que o Governo, órgão executivo, executa com a administração o orçamento e, neste âmbito, adopta as decisões e actos individuais que implicam consumo de créditos. Pensamos que não é frequente o Parlamento ser associado à tomada destas decisões e actos individuais, pois não é próprio da sua natureza gerir ou co-gerir, salvo no que diz respeito aos seus próprios serviços.

    39. É certo que é igualmente clássica a objecção de que a Comunidade assenta num sistema institucional sui generis cujas regras de funcionamento não se inspiram, em princípio, em modelos constitucionais nacionais e não podem, por conseguinte, ser objecto de interpretação analógica. Esta objecção parece-nos válida, em geral, desde que as regras que organizam esse sistema institucional não refiram elas próprias expressamente esta ou aquela categoria de modelos constitucionais nacionais. Mas, desde que contenham essas referências, elas terão de produzir efeito, sob pena de violação do próprio direito comunitário. Ora, consideramos que, pela referência ao conceito de autorização das despesas, o Regulamento Financeiro, para o qual remete o artigo 205.°, consagrou, no sistema comunitário, uma concepção de execução do orçamento análoga, no conjunto, à adoptada, cremos, na maior parte dos direitos dos Estados-membros. Nesta concepção, a autoridade encarregada da execução do orçamento adopta, no limite das dotações autorizadas pelo orçamento, as decisões e actos individuais de fundo que impliquem consumo de créditos, e a autoridade responsável pela aprovação do orçamento não é normalmente associada a esta gestão dos créditos.

    40. Não ignoramos que a consagração de uma tal interpretação do conceito de execução do orçamento contraria as teses que foram sempre defendidas pelo Conselho e que este expendeu de novo perante o Tribunal no âmbito do presente processo. No entanto, entendemos que a repartição das atribuições que daí resulta é perfeitamente equilibrada e susceptível de corresponder largamente às suas legítimas preocupações. Com efeito, embora uma leitura escrupulosa dos textos aplicáveis deva levar a considerar que a execução do orçamento, enquanto competência própria da Comissão, abrange todos os actos de autorização a nivel individual, deve-se fazer também com que ela abranja apenas aqueles actos. Isto significa que, quando nos situamos a um nível normativo, isto é, de fixação de normas, de critérios, já não se está no âmbito da execução do orçamento. Qualquer fixação de normas, em nossa opinião, coloca-se, em princípio, no domínio do terceiro travessão do artigo 145.° Depois de ter fixado as normas de carácter essencial numa matéria, o Conselho confere à Comissão a determinação das modalidades de aplicação dessas normas com a faculdade de enquadrar toda essa execução normativa por um procedimento de comités. Isto quer dizer que o Conselho tem a possibilidade de vigiar todo o processo normativo e de estar de algum modo associado à definição do conjunto do enquadramento regulamentar em que a Comissão, enquanto executivo orçamental, adoptará medidas individuais. A preocupação de ver as dotações orçamentais convenientemente geridas, na fase de actos individuais que escapam ao controlo directo do Conselho, poderá, parece-nos, ser satisfeita pelo controlo indirecto que ele exercerá velando, através de um procedimento de comité, por exemplo, pela elaboração de critérios de selecção precisos dos co-contratantes ou dos beneficiários de um apoio comunitário.

    41. Voltando, agora, ao regulamento do Conselho de que uma das disposições é directamente impugnada pelo recurso, gostaríamos de fazer ao Tribunal uma observação quanto à génese do litígio preciso que lhe foi apresentado. Pensamos que, de certo modo, era inevitável que o Conselho adoptasse a atitude que se concretizou através do n.° 4 do artigo 6.° do Regulamento n.° 3252/87.

    42. A Comissão tinha começado por apresentar ao Conselho, em 1980, uma primeira proposta de regulamento segundo a qual modalidades de aplicação, incidindo nomeadamente nas prioridades científicas a respeitar no quadro dos programas comuns de investigação, nos critérios de selecção dos centros de investigação e dos institutos solicitados a participar nas acções específicas e na orientação dos programas durante a sua execução eram adoptadas segundo um procedimento de comité de gestão, enquanto a execução propriamente dita dos programas pela Comissão não era enquadrada por tal procedimento, mas dava lugar à assistência de um comité consultivo (18). Em 1985, retirou esta proposta e submeteu uma nova proposta ao Conselho, no quadro da qual, por um lado, o Conselho adoptava os programas comunitários de investigação e de coordenação da investigação, e, por outro, a Comissão assegurava a execução de programas celebrando contratos, organizando seminários, conferências, visitas de estudo, com a simples assistência de um comité consultivo (19). Estando privado, neste novo esquema, da possibilidade de vigiar, por um procedimento de comité de gestão, a determinação e critérios de execução dos programas, era natural que o Conselho tivesse a tentação de assegurar essa vigilância ao nível da própria execução. E cedeu-lhe, introduzindo a decisão impugnada. Foi, em nossa opinião, inoportuna, por ilegal, mas era previsível. Desconhecemos o contexto preciso da elaboração do Regulamento n.° 3252/87, mas interrogamo-nos apesar de tudo sobre se a Comissão fez, neste caso, a utilização mais judiciosa do seu poder de apresentar propostas.

    43. A verdade é que agora temos de nos pronunciar precisamente sobre a legalidade do n.° 4 do artigo 6.° desse regulamento. Esta disposição, recorde-se, tem por objecto submeter as decisões tomadas pela Comissão, no âmbito dos n.os 1 e 2 do artigo 6.°, a um procedimento de comité de gestão. O n.° 1 prevê a celebração de contratos de investigação com repartição de despesas com centros e institutos de investigação. O n.° 2 prevê a organização de seminários, conferências, visitas de estudo, intercâmbio de investigadores e reuniões de trabalho de especialistas científicos, bem como a recolha, análise e, se necessário, a publicação dos resultados das investigações. Não é duvidoso que a celebração dos contratos referidos no n.° 1 se inclui na execução do orçamento, tal como já a definimos. Quanto às medidas previstas no n.° 2, elas comportam em larga medida decisões ou actos que se inclcuem igualmente nessa execução, ainda que não se possa afirmar que qualquer iniciativa tomada no âmbito dessa disposição seja directamente consumidora de créditos. Todavia, não há que fazer aqui qualquer distinção, pois as eventuais decisões individuais não consumidoras de créditos dependeriam da gestão pura e não existiria, por isso, qualquer interesse em associar um qualquer comité à sua elaboração.

    44. Como já vimos, a Comissão, enquanto executivo do orçamento, exerce um poder próprio, incompatível com um procedimento de comité de gestão que permite, em certas condições, ao Conselho substituir-se à Comissão. Por isso, verifica-se que o Conselho não podia, sem violar o disposto no artigo 205.° do Tratado, especificado pelo Regulamento Financeiro para o qual remete, e o disposto no terceiro travessão do artigo 155.° do Tratado, prever que a tomada das decisões de execução dos programas de investigação mencionados nos n.os 1 e 2 já fosse enquadrada por esse procedimento. Assim, entendemos que convirá dar acolhimento aos pedidos do recurso.

    45. Assim amputado do seu n.° 4, o artigo 6.° apresentará um carácter de certo modo declaratório, uma vez que conferirá à Comissão uma competência de execução de programas que lhe é directamente atribuída pelo artigo 205.° A situação pode parecer insólita, mas não lesa verdadeiramente a Comissão, cujo recurso, aliás, não visa senão o n.° 4. Em nossa opinião, não deve considerar-se que esta disposição seja indissociável do resto do artigo. Sugerimos ao Tribunal, portanto, que se limite à anulação do número em questão.

    46. Tendo em conta a análise a que procedemos, não nos pareceu necessário examinar o argumento, expendido pela Comissão e pelo Parlamento, e relativo à limitação excessiva do poder de fiscalização do Parlamento, devido a uma concepção redutora do conceito de execução de orçamento. Podendo o Parlamento, segundo nos foi dito em substância, fiscalizar apenas a acção da Comissão no domínio orçamental, essa fiscalização pode ser privada de todo o alcance de cada vez que o Conselho se reserve, por um procedimento de comité de gestão, um poder de substituição. A eventual decisão "substitutiva" do Conselho, escaparia, então, à fiscalização do Parlamento e este ver-se-ia privado do papel que lhe confere o Tratado relativamente à execução do orçamento.

    47. Esta argumentação parece-nos muito importante pelas questões de princípio que coloca. Todavia, na medida em que tende a valorizar não uma violação directa e manifesta de uma disposição do Tratado mas antes uma espécie de desprezo do efeito útil deste, entendemos que a ilegalidade constatada à luz dos artigos 205.° e 155.°, terceiro travessão, através do reforço do alcance do conceito de autorização orçamental, dispensa que nos interroguemos quanto à sua procedência.

    48. Gostaríamos de apresentar ao Tribunal uma última reflexão que se prende mais, em certo sentido, com os valores expressos pelo direito institucional das Comunidades do que com as técnicas que põe em acção. Parece-nos que, deste ponto de vista, existe uma diferença essencial entre a tese do Conselho e a da Comissão. A tese da Comissão culmina no reconhecimento, em benefício dessa instituição, de um domínio de actividade protegido da intervenção, directa ou indirecta, do Conselho. Por seu lado, a tese deste último tem como consequência que a determinação do alcance do poder de decisão efectivo da Comissão seja deixada inteiramente à discrição, ao critério do próprio Conselho. Sendo a execução do orçamento, com efeito, esvaziada de qualquer aspecto verdadeiramente decisório, deixaria de haver lugar para um poder de decisão de fundo da Comissão quanto à utilização dos créditos autorizados, a não ser nos casos em que o Conselho considerasse oportuno atribuir-lhe, por aplicação do terceiro travessão do artigo 145.°, uma competência de execução sem a fazer acompanhar de um procedimento de comité ou prevendo apenas a assistência de um comité consultivo. No momento de decidir, compete ao Tribunal, parece-nos, interrogar-se sobre a possibilidade de acolher uma interpretação do Tratado geradora, de certo modo, de uma situação "potestativa", em que uma instituição teria, num caso extremo, o poder de esvaziar totalmente de conteúdo, no domínio em causa, a competência da outra. Por nossa parte, não podemos admitir que os autores do Tratado tenham podido ao mesmo tempo querer essa situação e prever que a Comissão disponha, nessa matéria, de um "poder de decisão próprio".

    49. Finalmente, concluímos propondo:

    - a anulação do n.° 4 do artigo 6.° do Regulamento (CEE) n.° 3252/87, de 19 de Outubro de 1987;

    - a condenação do Conselho nas despesas.

    (*) Língua original: francês.

    (1) JO L 314 de 4.11.1987, p. 17.

    (2) Decisão 87/534/CEE, que estabelece programas comunitários de investigação e de coordenação da investigação no sector da pesca para o período de 1989/1992 (JO L 314 de 4.11.1987, p. 20).

    (3) Regulamento relativo a acções comunitárias para o melhoramento e a adaptação das estruturas do sector da pesca e da aquicultura (JO L 376 de 31.12.1986, p. 7).

    (4) Regulamento que estabelece uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 20 de 28.1.1976, p. 19; EE O4 F1 p. 16).

    (5) Ver conclusões nos processos 11, 25, 26 e 30/70, Recueil 1970, p. 1141, 1144.

    (6) JO L 197 de 18.7.1987, p. 33.

    (7) Regulamento relativo a uma acção comum para a melhoria das condições de transformação e comercialização dos produtos agrícolas (JO L 51 de 23.2.1977, p. 1; EE 03 F11 p. 239).

    (8) JO C 218 de 24.9.1975, p. 4.

    (9) JO L 356 de 31.12.1977, p. 1; EE 01 F2 p. 90; regulamento alterado pelo Regulamento (CECA, CEE, Euratom) n.° 1252/79 do Conselho, de 25 de Junho de 1979 (JO L 160 de 28.6.1979, p. 1; EE 01 F3 p. 3), e pelo Regulamento Financeiro (CECA, CEE, Euratom) n.° 80/1176 do Conselho, de 16 de Dezembro de 1980 (JO L 345 de 20.12.1980, p. 23; EE 01 F3 p. 60).

    (10) JORF de 30.12.1962, p. 12828.

    (11) Decreto de 29 de Dezembro de 1962, já referido, artigo 3.°

    (12) Decreto de 29 de Dezembro de 1962, já referido, artigo 5.°

    (13) Les finances publiques, collection U, librairie Armand Colin, 3.a edição, p. 318.

    (14) Finances publiques, tome 1, "Budget/Trésor", éd. Montchrestien, coll. Domat, Droit public, 5ª edição, 1989, p. 389.

    (15) Finances publiques , Thémis, PUF, 8.a edição, 1975, p. 332.

    (16) Bonnati, Antonio: Manuale di contabilità di stato, 10.a edição, Casa Editrice, Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1983, p. 427 e seguintes.

    (17) Ferreiro Lapatza, José Juan: Curso de derecho financiero español, Marcial Pons, Madrid, 10.a edição, 1988, p. 802.

    (18) JO C 243 de 22.9.1980, p. 12.

    (19) JO C 312 de 3.12.1985, p. 5.

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