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Document 61987CJ0374
Judgment of the Court of 18 October 1989. # Orkem v Commission of the European Communities. # Competition - Commission's investigative powers - Rights of the defence. # Case 374/87.
Acórdão do Tribunal de 18 de Outubro de 1989.
Orkem contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Poderes de investigação da Comissão - Direitos da defesa.
Processo 374/87.
Acórdão do Tribunal de 18 de Outubro de 1989.
Orkem contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Poderes de investigação da Comissão - Direitos da defesa.
Processo 374/87.
Colectânea de Jurisprudência 1989 -03283
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1989:387
ACORDAO DO TRIBUNAL DE 18 DE OUTUBRO DE 1989. - ORKEM SA, ANTERIORMENTE CDF CHIMIE SA CONTRA COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - CONCORRENCIA - PODERES DE INVESTIGACAO DA COMISSAO - DIREITOS DA DEFESA. - PROCESSO 374/87.
Colectânea da Jurisprudência 1989 página 03283
Edição especial sueca página 00217
Edição especial finlandesa página 00231
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Actos das instituições - Decisão individual - Notificação - Noção
2. Concorrência - Processo administrativo - Pedido de informações - Poderes da Comissão
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 11.° e 14.°)
3. Direito comunitário - Princípios - Direitos da defesa - Seu respeito nos processos administrativos - Concorrência - Decisão de pedido de informações dirigida a uma empresa - Direito de recusar uma resposta que implique o reconhecimento de uma infracção
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°)
1. Uma decisão é devidamente notificada quando tenha sido comunicada ao seu destinatário e este tenha podido tomar conhecimento dela.
Por esta razão, uma sociedade que foi notificada de uma decisão que lhe pede informações, nos termos do n.° 5 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, não pode invocar, para contestar a legalidade dessa decisão, que o pedido de informações prévio, previsto pelo n.° 1 do mesmo artigo, foi dirigido à sua filial, uma vez que teve inteiro conhecimento dele, comprovado pelo facto de, ao longo do processo instruído pela Comissão, as duas sociedades, que têm a sua sede social no mesmo endereço, terem respondido ambas aos pedidos dirigidos pela Comissão, quer a uma, quer à outra, sem suscitarem, em nenhum momento, o problema resultante da existência de duas pessoas colectivas distintas.
2. Os artigos 11.° e 14.° do Regulamento n.° 17 instituem dois processos autónomos. O facto de se terem já efectuado diligências de instrução ao abrigo do artigo 14.° não pode afectar os poderes de investigação de que a Comissão dispõe ao abrigo do artigo 11.° Não existe qualquer consideração de natureza processual, inerente ao Regulamento n.° 17, que impeça a Comissão de exigir, no âmbito de um pedido de informações, a comunicação de documentos de que não pôde obter cópia ou um extracto aquando de diligências de instrução anteriores.
Compete à Comissão apreciar se uma informação é necessária para poder detectar uma infracção às normas da concorrência. Mesmo que já disponha de indícios e até de elementos de prova relativos à existência de uma infracção, a Comissão pode legitimamente considerar necessário pedir informações suplementares que lhe permitam delimitar melhor a extensão da infracção e determinar a sua duração ou o círculo das empresas implicadas.
3. O respeito dos direitos da defesa, enquanto princípio de carácter fundamental, deve ser assegurado, não apenas nos processos administrativos susceptíveis de conduzir a sanções, mas também no âmbito de processos de inquérito prévio, como os pedidos de informações referidos no artigo 11.° do Regulamento n.° 17, que podem ter um carácter determinante para a produção de provas do carácter ilegal de comportamentos de empresas, susceptíveis de as responsabilizar.
Se bem que, no âmbito de um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão tenha o direito de obrigar a empresa a fornecer todas as informações necessárias relativas aos factos de que possa ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir, em relação a ela ou a outra empresa, para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial, já no entanto não pode, através de uma decisão de pedido de informações, prejudicar os direitos de defesa reconhecidos à empresa.
Assim, ainda que, no respeitante a infracções de natureza económica, nomeadamente no domínio do direito da concorrência, não seja possível reconhecer, relativamente a uma empresa, a existência de um direito a não testemunhar contra si própria quer a título de um princípio comum aos direitos dos Estados-membros quer a título dos direitos garantidos pela Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou pelo Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, a Comissão não pode impor a uma empresa a obrigação de fornecer respostas mediante as quais esta seria levada a admitir a existência da infracção que à Comissão compete provar.
No processo 374/87,
Orkem, anteriormente denominada CdF Chimie, sociedade anónima com sede em Paris, patrocinada pelos advogados Dominique Voillemot e Joëlle Salzmann, de Paris, e Marc Loesch, do Luxemburgo, com domicílio escolhido no escritório do advogado Jacques Loesch, 8, rue Zithe, no Luxemburgo,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Anthony Mc Clellan, na qualidade de agente, assistido pelo advogado Nicole Coutrelis, de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do seu Serviço Jurídico, Centro Wagner,
recorrida,
apoiada pela
República Francesa, representada por Edwige Belliard, sub-directora do departamento de Direito Económico, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, com domicílio escolhido na sua Embaixada no Luxemburgo,
interveniente,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão IV/31.866 da Comissão, de 9 de Novembro de 1987, relativa a um processo de aplicação do n.° 5 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho,
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,
advogado-geral: M. Darmon
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 16 de Março de 1989,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 1989,
profere o presente
Acórdão
1 Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Dezembro de 1987, CdF Chimie SA, actualmente Orkem SA, interpôs, nos termos do segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado CEE, um recurso de anulação da Decisão IV/31.866 da Comissão, de 9 de Novembro de 1987, relativa a um processo de aplicação do n.° 5 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE (JO 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).
2 Esta decisão foi adoptada no âmbito de uma investigação sobre a existência de acordos ou práticas concertadas contrários ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE, no sector dos termoplásticos. A Comissão, após ter efectuado diligências de instrução ao abrigo do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 e pedido, sem sucesso, informações ao abrigo do n.° 1 do artigo 11.° do mesmo regulamento, intimou a CdF Chimie SA, pela decisão impugnada, a responder às questões colocadas no pedido de informações.
3 Em apoio do seu recurso, a recorrente alega um determinado número de fundamentos, baseados:
- na falta de um pedido prévio de informações,
- no facto de a decisão constituir, na realidade, uma comunicação das acusações,
- na utilização ilegal, pela Comissão, do poder de exigir informações,
- na violação dos direitos da defesa, na medida em que a Comissão teria obrigado a recorrente a testemunhar contra si própria.
4 Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
Quanto à falta de um pedido prévio de informações
5 A recorrente acusa a Comissão de lhe ter dirigido a decisão controvertida, quando o pedido de informações ao abrigo do n.° 1 do artigo 11.°, que deve preceder obrigatoriamente um pedido por meio de decisão, foi dirigido à sua filial, CdF Chimie EP, empresa junto da qual se efectuou igualmente a instrução.
6 A este respeito, convém recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal, uma decisão é devidamente notificada quando tenha sido comunicada ao seu destinatário e este tenha podido tomar conhecimento dela (acórdão de 14 de Julho de 1972, ICI, 48/69, Recueil, p. 619, e acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Continental Can, 6/72, Recueil, p. 215). No caso em apreço, sem que seja necessário responder à questão de saber se a noção de unidade de empresa permite considerar legal o facto de se dirigir à filial o pedido de informações previsto no n.° 1 do artigo 11.° e à sociedade-mãe a decisão prevista no n.° 5 do artigo 11.°, basta observar, por um lado, que a decisão impugnada foi notificada à recorrente e, por outro, que esta última teve de facto total conhecimento do pedido prévio de informações. Com efeito, ao longo do processo instruído pela Comissão, a recorrente e a sua filial, que têm a sede social no mesmo endereço, responderam ambas aos pedidos dirigidos pela Comissão, quer a uma, quer a outra, sem suscitarem, em nenhum momento, o problema resultante da existência de duas pessoas colectivas distintas. Esta confusão entre a sociedade-mãe e a filial foi mantida até à fase escrita do processo perante o Tribunal, uma vez que a primeira respondeu a uma questão colocada pelo Tribunal à filial.
7 O fundamento de anulação baseado na falta de um pedido prévio de informações deve, deste modo, ser rejeitado.
Quanto à natureza de "comunicação das acusações" da decisão controvertida
8 A recorrente sustenta que a decisão impugnada, que contém imputações precisas relativas à sua participação numa infracção ao artigo 85.° do Tratado CEE, constitui, na realidade, uma comunicação das acusações, sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de ser ouvida.
9 Para apreciar o merecimento deste fundamento, convém recordar que o n.° 3 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 exige que a Comissão indique, no seu pedido de informações, as bases jurídicas em que se baseia e o objectivo do pedido.
10 No acórdão de 26 de Junho de 1980 (National Panasonic, 136/79, Recueil, p. 2033), o Tribunal reconheceu, a propósito da disposição análoga do n.° 3 do artigo 14.°, relativo ao pedido de diligências de instrução, que cumpre as exigências do Regulamento n.° 17 em matéria de fundamentação uma decisão que indique ter por objecto verificar circunstâncias que possam revelar a eventual existência de um acto contrário ao Tratado.
11 Ao manifestar a suspeita da existência de acordos contrários ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado para justificar o seu pedido de informações, a Comissão mais não fez que dar cumprimento à obrigação, imposta pelo n.° 3 do artigo 11.°, de indicar o objectivo do seu pedido.
12 O fundamento baseado no carácter de comunicação das acusações de que se revestiria a decisão impugnada deve, deste modo, ser rejeitado.
Quanto à utilização ilegal do poder de exigir informações
13 A recorrente sustenta que a Comissão procedeu a uma utilização ilegal dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 11.°, ao procurar recolher documentos, o que só é permitido pelo artigo 14.°, ao pedir informações desnecessárias e ao violar deste modo o princípio da proporcionalidade.
14 No que respeita ao direito, que assiste à Comissão, de exigir a comunicação de documentos no âmbito de um pedido de informações, deve declarar-se que os artigos 11.° e 14.° do Regulamento n.° 17 instituem dois processos autónomos. O facto de se terem já efectuado diligências de instrução ao abrigo do artigo 14.° não pode afectar os poderes de investigação de que a Comissão dispõe ao abrigo do artigo 11.° Não existe qualquer consideração de natureza processual, inerente ao Regulamento n.° 17, que impeça a Comissão de exigir, no âmbito de um pedido de informações, a comunicação de documentos de que não pôde obter cópia ou um extracto aquando de diligências de instrução anteriores.
15 No que respeita ao carácter necessário das informações solicitadas, convém recordar que o Regulamento n.° 17 conferiu à Comissão um vasto poder de investigação e de fiscalização, especificando no seu oitavo considerando que deve dispor, em todo o mercado comum, do poder de exigir as informações e de proceder às averiguações necessárias para detectar as infracções aos artigos 85.° e 86.° do Tratado. Compete à Comissão, como o Tribunal reconheceu no acórdão de 18 de Maio de 1982 (AM & S, 155/79, Recueil, p. 1575) a propósito de um pedido de diligências de instrução ao abrigo do artigo 14.°, apreciar se uma informação é necessária para poder detectar uma infracção às normas da concorrência. Mesmo que já disponha de indícios e até de elementos de prova relativos à existência de uma infracção, a Comissão pode legitimamente considerar necessário pedir informações suplementares que lhe permitam delimitar melhor a extensão da infracção e determinar a sua duração ou o círculo das empresas implicadas.
16 No caso vertente, não se afigura que as informações pedidas excedam esse âmbito e ultrapassem o que se possa considerar necessário, tendo em conta o objectivo da investigação.
17 Os fundamentos baseados numa utilização ilegal, pela Comissão, dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 11.° do Regulamento n.° 17 devem, deste modo, ser rejeitados.
Quanto à violação dos direitos da defesa
18 A recorrente alega essencialmente que, pela decisão impugnada, a Comissão obrigou-a a incriminar-se a si própria, confessando ter infringido as regras da concorrência, e a denunciar outras empresas. Ao agir deste modo, a Comissão teria violado o princípio geral que consagra o direito a não testemunhar contra si próprio, que faz parte do direito comunitário enquanto princípio consagrado pelos direitos dos Estados-membros, pela Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950 (a seguir designada "convenção europeia"), e pelo Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 19 de Dezembro de 1966 (Recueil des traités, vol. 999, p. 171) (a seguir designado "pacto internacional"). Assim, teria violado os direitos da defesa.
19 Para examinar o merecimento deste fundamento, convém recordar, como o Tribunal já declarou no acórdão de 26 de Junho de 1980 (atrás referido), que os poderes conferidos à Comissão pelo Regulamento n.° 17 têm por objectivo permitir a esta cumprir a sua missão, que lhe é confiada pelo Tratado CEE, de velar pelo cumprimento das normas da concorrência no mercado comum. Estas normas têm por função, como resulta do quarto parágrafo do preâmbulo do Tratado, da alínea f) do artigo 3.° e dos artigos 85.° e 86.°, evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, de cada uma das empresas e dos consumidores. O exercício dos poderes conferidos à Comissão pelo Regulamento n.° 17 contribui, assim, para a manutenção do regime de concorrência desejado pelo Tratado, que as empresas estão obrigadas a respeitar.
20 A regulamentação necessária para a aplicação dos artigos 85.° e 86.°, posta em vigor pelo Conselho, comporta dois processos sucessivos, mas claramente distintos: um primeiro processo de inquérito prévio e um segundo processo, de natureza contraditória, iniciado pela comunicação das acusações.
21 O processo de inquérito prévio tem unicamente por objectivo permitir à Comissão recolher as informações e a documentação necessárias para verificar a realidade e o alcance de uma determinada situação de facto e de direito (acórdão de 26 de Junho de 1980, atrás referido).
22 Para esse efeito, o Regulamento n.° 17 conferiu à Comissão vastos poderes de investigação e impôs às empresas a obrigação de colaborarem nas respectivas diligências.
23 Assim, o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 permite à Comissão, segundo o seu n.° 1, recolher todas as informações necessárias junto das empresas e autoriza-a, segundo o seu n.° 5, a exigir essas informações por meio de decisão, na hipótese de a empresa não as fornecer ou de só as fornecer de modo incompleto.
24 Se a Comissão considerar que os elementos de apreciação assim reunidos o justificam, dirige à empresa em causa uma comunicação das acusações, iniciando assim o processo contraditório regido pelo Regulamento n.° 99/63 da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62).
25 No âmbito desse processo contraditório, o artigo 19.° do Regulamento n.° 17 e o Regulamento n.° 99/63 prevêem nomeadamente que a empresa interessada tenha o direito de se pronunciar por escrito e, se necessário, oralmente, sobre as acusações formuladas contra ela (ver também acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche, 85/76, Recueil, p. 461, e acórdão de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion e outros, 100 a 103/80, Recueil, p. 1825). Na decisão que a Comissão poderá ter de adoptar no final do processo, só tem o direito de formular as acusações a respeito das quais a empresa tenha tido ocasião de dar a conhecer a sua opinião.
26 No decurso do processo de inquérito prévio, o Regulamento n.° 17 só reconhece expressamente à empresa objecto do inquérito determinadas garantias específicas. Assim, uma decisão que exija informações só pode ocorrer depois de o pedido prévio não obter resultados. Do mesmo modo, uma decisão que fixe o montante definitivo de uma multa ou de uma adstrição, no caso de a empresa em questão não fornecer as informações exigidas pela decisão, só pode ser tomada depois de a empresa em causa ter sido colocada em situação de expressar a sua opinião.
27 Pelo contrário, o Regulamento n.° 17 não reconhece à empresa que seja objecto de uma medida de investigação qualquer direito de se furtar à execução dessa medida em virtude de o seu resultado poder fornecer a prova de uma infracção que cometeu às normas da concorrência. Pelo contrário, impõe uma obrigação de colaboração activa, que implica que ponha à disposição da Comissão todos os elementos de informação relativos ao objecto do inquérito.
28 Na ausência de um direito ao silêncio expressamente consagrado pelo Regulamento n.° 17, convém apreciar se (e em que medida) os princípios gerais do direito comunitário, de que os direitos fundamentais fazem parte integrante e à luz dos quais todos os textos de direito comunitário devem ser interpretados, impõem, como sustenta a recorrente, o reconhecimento de um direito de não fornecer os elementos de informação susceptíveis de serem utilizados para provar, contra quem os forneça, a existência de uma infracção às regras da concorrência.
29 De modo geral, as ordens jurídicas dos Estados-membros só reconhecem o direito de não testemunhar contra si própria à pessoa singular acusada de uma infracção no âmbito de um processo penal. A análise comparativa dos direitos nacionais não permite, assim, concluir pela existência desse princípio comum aos direitos dos Estados-membros em proveito das pessoas colectivas e no domínio das infracções de natureza económica, nomeadamente em matéria de direito de concorrência.
30 No que respeita ao artigo 6.° da convenção europeia, admitindo que possa ser invocado por uma empresa objecto de um inquérito em matéria de direito da concorrência, convém declarar que não resulta do seu texto nem da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que essa disposição reconheça um direito a não testemunhar contra si próprio.
31 O artigo 14.° do pacto internacional, que consagra, além da presunção de inocência, no seu n.° 3, alínea g), o direito de não ser obrigado a testemunhar contra si próprio ou a confessar-se culpado, visa apenas as pessoas acusadas de uma infracção penal no âmbito de um processo judicial e é, assim, estranho ao domínio dos inquéritos em matéria de direito da concorrência.
32 No entanto, convém examinar se determinadas limitações ao poder de investigação da Comissão no decurso do inquérito prévio não resultam da necessidade de assegurar o respeito dos direitos da defesa, que o Tribunal considerou como um princípio fundamental da ordem jurídica comunitária (acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin, 322/82, Recueil, p. 3461, n.° 7).
33 A este respeito, o Tribunal salientou recentemente no acórdão de 21 de Setembro de 1989 (Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 15) que, se é certo que os direitos da defesa devem ser respeitados nos processos administrativos susceptíveis de conduzir a sanções, importa evitar que esses direitos possam ficar irremediavelmente comprometidos no âmbito de processos de inquérito prévio que podem ter um carácter determinante para a produção de provas do carácter ilegal de comportamentos de empresas, susceptíveis de as responsabilizar. Por conseguinte, se determinados direitos da defesa apenas dizem respeito aos processos contraditórios que se seguem a uma comunicação de acusações, outros devem ser respeitados desde a fase do inquérito prévio.
34 Assim, se, para preservar o efeito útil dos n.os 2 e 5 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão tem o direito de obrigar a empresa a fornecer todas as informações necessárias relativas aos factos de que possa ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir, em relação a ela ou a outra empresa, para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial, já no entanto não pode, através de uma decisão de pedido de informações, prejudicar os direitos de defesa reconhecidos à empresa.
35 Deste modo, a Comissão não pode impor à empresa a obrigação de fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infracção, cuja prova cabe à Comissão.
36 É à luz destes critérios que convém apreciar as questões às quais, pela decisão impugnada, a Comissão obrigou a recorrente a responder.
37 As questões do grupo I, relativas às reuniões de produtores, que apenas se destinam a obter informações factuais sobre o teor dessas reuniões e a qualidade dos participantes, bem como a comunicação de documentos a elas referentes que estejam na posse da recorrente, não são passíveis de críticas.
38 As questões do grupo II, relativas aos preços, dizem respeito, essencialmente, às iniciativas tomadas para fixar e manter níveis de preços satisfatórios para todos os participantes nas reuniões. Se essas questões não são passíveis de críticas na parte em que a Comissão pretende obter especificações factuais sobre o objecto e as modalidades dessas iniciativas, o mesmo não se pode dizer das que dizem respeito à finalidade da acção da empresa e ao objectivo prosseguido por essas iniciativas. Assim, a questão 1, alínea c), tendente a obter precisões sobre "qualquer diligência ou medida concertada que possa ter sido considerada ou aprovada para apoiar... iniciativas em matéria de preços", é de molde a obrigar a recorrente a confessar a sua participação num acordo que tinha por objecto fixar os preços de venda por forma a impedir ou a restringir a concorrência ou a declarar ter tido a intenção de realizar este objectivo.
39 A mesma declaração impõe-se relativamente às questões 1 e 2 do grupo III, relativas às quotas, objectivos ou repartições entre os produtores. Ao exigir a comunicação das "regras de qualquer sistema ou método que tenha permitido atribuir objectivos de venda ou de quotas aos participantes" e a descrição de "qualquer método que tenha permitido controlar anualmente a observância de qualquer sistema de objectivos expressos em volume ou de quotas", a Comissão tentou induzir a recorrente a confessar a sua participação num acordo destinado a limitar ou a controlar as produções ou os mercados, ou a repartir estes.
40 Esta censura não pode ser formulada em relação à questão 3 do grupo III, que diz respeito às informações comunicadas pela empresa aos outros produtores, no que diz respeito à produção e à venda do produto em causa, e em relação às questões do grupo IV, sobre as declarações transmitidas e as estatísticas fornecidas à Fides, questões que apenas se destinam a obter informações factuais sobre o funcionamento do sistema de troca de informações e de estatísticas.
41 Conclui-se, assim, que a Comissão, ao obrigar a empresa destinatária da decisão, pelas quesões II 1, alínea c), e III 1 e 2 do pedido de informações, a confessar uma infracção ao artigo 85.° do Tratado CEE, atentou contra os direitos de defesa da recorrente.
42 Portanto, há que anular a decisão em litígio no respeitante às questões II 1, alínea c), e III 1 e 2, negando provimento ao recurso na parte restante.
Quanto às despesas
43 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. No entanto, de acordo com o primeiro parágrafo do n.° 3 do mesmo artigo, o Tribunal pode determinar que as partes suportem as respectivas despesas, no todo ou em parte. Tendo sido desatendidos alguns dos argumentos das partes, cada uma delas suportará as respectivas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL
decide:
1) A Decisão IV/31.866 da Comissão, de 9 de Novembro de 1987, relativa a um processo de aplicação do n.° 5 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE, é anulada no respeitante às questões II 1, alínea c), e III 1 e 2.
2) Nega-se provimento ao recurso na parte restante.
3) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.